ENCICLOPÉDIA DA CAPITANIA DE SÃO VICENTE
DO PORTO DOS ESCRAVOS AO PORTO DAS INDÚSTRIAS
O Dia 22 de Janeiro é uma dupla data histórica que marca a Nomeação do Porto em 1502 e também a Fundação da Vila em 1532
Ilha de São Vicente em 1887. AS duas vilas ligadas por uma linha de bondes (Ablas-Emmerich) os trilhos da São Paulo Railway com acesso ao porto de Santos. Carta da província de São Paulo. Publicação Memória Santista.
1
A CIVILIZAÇÃO MARÍTIMA E OS PORTOS HISTÓRICOS
DALMO DUQUE DOS SANTOS (ORG)
Reportagens da TV Tribuna-Globo sobre as idades históricas de São Vicente, em 22 de janeiro de 2023.
PORTO E GAIA E O SIGNIFICADO DE PORTUGAL
Portus Cale na foz do Rio Douro: Porto em primeiro plano e Gaia ao fundo.
Quando o tema é grandioso e extenso, todos os historiadores agem com o devido respeito e cautela porque sabem da complexidade e da dificuldade para elaboração da síntese, que não é apenas um resumo vulgar e sim a essência desse tipo de narrativa científica.
E não foi por outro motivo que a maioria dos grandes eruditos que escreveram sobre a capitania vicentina se limitaram a dizer que produziram somente alguns fragmentos de memória, para que a tarefa fosse complementada posteriormente. Este trabalho não é diferente!
Reunimos aqui neste coletivo de historiadores e memorialistas alguns documentos que julgamos necessários e suficientes para essa conjuntura. Para tanto, como base norteadora, abrimos uma sequência cronológica ilustrada, para que as lacunas sejam futuramente preenchidas pelos nossos sucessores, assim como nos valemos do precioso trabalho dos que nos antecederam.
A presença dos portugueses e dos espanhóis, fundamentada por diversos tratados territoriais, afastou a presença e a circulação andina e espanhola no Brasil e além do limite de Tordesilhas. A proibição de uso do Peabiru, imposta inicialmente por Martim Afonso, foi mantida pelos novos governantes, que impunham novas formas de aprisionamento e escravização dos indígenas.
A "PORTAGEM" COMO AÇÃO CIVILIZATÓRIA
NOMENCLATURA GEOGRÁFICA E POPULAR
O porto, comumente citado e conhecido popularmente não pertence exclusivamente ao município de Santos. É um território federal, restrito de segurança nacional e alfandegado, com duas margens, abrangendo Guarujá e Cubatão. Como porto seco, vai além desses limites municipais. Todos os órgãos reguladores e fiscalizadores são da União.
A expressão geográfica “Porto de Santos” se refere amplamente à Bacia Marítima de Santos e não restritamente à cidade, que apenas está mais próxima desse território federal, que também controla a margem continental.
É um equipamento e ponto estratégico regional defendido por dois quartéis do Exército- em São Vicente e Praia Grande e uma base da Aeronáutica no Guarujá. Este é, aliás, um dos motivos de nunca ter sido permitida a construção de pontes e túneis entre a ilha de São Vicente e de Santo Amaro. Nenhuma autoridade municipal da região tem poder direto sobre o porto. Todas as grandes decisões são do governo do estado e da União.
No início do porto organizado muitos executivos e autoridades portuárias moraram em São Vicente. Havia bondes exclusivos para eles, que moravam na Vila Betânia. Nessa época Santos era considerada uma cidade insalubre e perigosa para se morar. Já a massa popular de estivadores e demais funcionários comuns sempre foi composta de moradores de Santos e São Vicente e demais cidades próximas.
OS PORTOS HISTÓRICOS
Edição do “Diário de Navegação de Pero Lopes de Souza” descoberto em 1839 na Torre do Tombo, em Portugal, pelo historiador brasileiro Francisco Adolfo de Varnhagen, considerada a certidão de nascimento da colonização do Brasil em São Vicente.
TUMIARU, VICENTINA E CALUNGA
AS TRÊS IDENTIDADES GENTÍLICAS
a 28 de agosto no cabo de Santo Agostinho,
a 29 de setembro no rio de São Miguel,
a 30 de setembro' no rio de São Jerônimo,
a 4 de outubro no rio de São Francisco,
a 21 de outubro no rio das Virgens,
a 1.° de novembro na baía de Todos os Santos,
a 13 de dezembro, no rio de Santa Luzia,
a 21 de dezembro no cabo de São Thomé,
a 25 de dezembro na baía do Salvador, a 1.° de janeiro no rio de Janeiro,
a 6 de janeiro na angra dos Reis,
a 20 de janeiro na ilha de São Sebastião,
a 22 de janeiro no porto de São Vicente".
O PORTO DOS ESCRAVOS
O PORTO DO PAU-BRASIL E DO AÇÚCAR
O PORTO DAS BALEIAS E O PORTO "PIAÇAGUERA"
O PORTO DO CAFÉ E DAS FERROVIAS
Porto do Café. 1901. Principal cenário econômico exportador e importador do estado, do médio litoral paulista e da ilha de São Vicente. A mão-de-obra da estiva sempre foi composta principalmente de operários de Santos, São Vicente, Cubatão e Guarujá (Bocaina). As ferrovias eram também o principal meio de escoamento da produção e condução inversa das cargas desembarcadas.
Acervo -Instituto Moreira Sales.
O PORTO DAS BANANAS
Porto das Bananas. Embarque direto nos navios cargueiros pelas barcas vindas dos bananais de Cubatão e Guarujá. Fonte: Memória Santista.
PEDRA GRANDE: UM SÍTIO VICENTINO NO ITUTINGA
ANTÔNIO NUNES, DE FERREIRO A PRODUTOR DE BANANA
LUIS RENATO THADEU LIMA
O PORTO DAS INDÚSTRIAS, RODOVIAS E DO AGRONEGÓCIO
O PORTO DAS EPIDEMIAS E DA MORTE
UM “PORTO MALDITO”: EPIDEMIAS, COTIDIANO E MEDO – SANTOS (1880 – 1900)
Bruno Bortoloto do Carmo e Maria Izilda Santos de Matos – PUC-SP
Desde os tempos coloniais que Santos era assolado periodicamente por surtos epidêmicos, sendo a varíola, ou “mal das bexigas”, a principal doença. A febre amarela aportou na cidade na década de 1850, após reaparecer nos portos de Salvador e Rio de Janeiro. Ao longo da segunda metade do século XIX e início do XX, as duas enfermidades deixaram rastros na cidade, com surtos nos anos de 1873, 1876, 1878 e graves epidemias ocorridas entre os anos de 1889 e 1895. O médico sanitarista Guilherme Álvaro da Silva, no seu compêndio memorial e histórico das epidemias (período de 1872-1905), registrou o crescimento de moradores de Santos de pouco mais de 9 mil pessoas (1872) para cerca de 60 mil habitantes (1905), destacando um decréscimo da população em 1890 devido às epidemias (cólera, febre amarela, varíola). Pela obra se observa que eram várias as moléstias que vitimavam a população santista e que geravam assustadoras taxas de mortalidade (tuberculose, tétano, cólera, coqueluche, impaludismo). No período de 1889-1905 faleceram 30.173 pessoas, dessas 6.789 atingidas pela febre amarela, que junto com a varíola e a febre bubônica foram as epidemias que provocaram maior morbidade. Todavia, para entender a crise sanitária de Santos na década de 1890 é preciso observar alguns números. Em uma compilação de dados apresentados pelo médico sanitarista no ano de 1919. Santos aparecia com uma população crescente entre 10 mil e 20 mil habitantes nos anos de 1872 a 1889; observa-se, porém, um decréscimo significativo de habitantes no ano de 1890 (...)
Principal doença epidêmica desse período, a febre amarela ainda não tinha causa conhecida, dividindo a opinião de médicos infectologistas e cientistas. De um lado estava a teoria do contágio, que acreditava que a contaminação se dava pela transmissão pessoa a pessoa, vindo na esteira da microbiologia que se desenvolvia na última década do século XIX. O outro lado adotava a teoria da infecção, entendendo que a transmissão se dava por uma combinação de fatores ambientais e atmosféricas: o clima úmido da cidade e o forte calor dos verões na região; o temível vento noroeste dos maus ares; as emanações dos mangues santistas e rios que corriam a descoberto pela cidade; entre outras. Cabe observar que essas concepções nem sempre foram conflitantes e, muitas vezes, suas práticas de combate foramcombinadas. No fim do século XIX, a teoria da transmissão da febre amarela pelo mosquito Aëdes aegypti foi comprovada por médicos sanitaristas, possibilitando a adoção de ações mais eficientes de prevenção.
(...) Ademais, ponderava-se sobre os hábitos de higiene da população, que contribuíam para a péssima situação sanitária da cidade. Além das condições de vida nas moradias coletivas, tinha-se o despejo de dejetos e lixo nos quintais, becos, mananciais e até mesmo no canal do porto. As notas que circulavam sobre a situação epidêmica afetavam o mercado de café; visando acalmar os ânimos e proteger os interesses dos produtores e comerciantes, apareciam desmentidos: “Não reina epidemia alguma; o tempo é favorável. O número de óbitos é, na média, de três por dia. Os hospitais epidêmicos estão fechados, o comércio animado, reina paz em todo o Estado”.20 Contudo, o número de mortos era impactante (apesar de imprecisos) e o interior paulista criou barreiras para evitar a propagação de enfermidades vindas do porto pelos trilhos dos trens.
(...) No auge do surto epidêmico, devido à grande demanda por enfermarias, foram criados espaços provisórios em diversos edifícios da cidade como nos Conventos de São Bento, Santo Antônio e do Carmo, no Teatro Rink, além dos hospitais da Santa Casa, da Beneficência Portuguesa e da enfermaria de isolamento, criada na Chácara da Filosofia, no Saboó.
O PORTO E A "CAPITAL DA AIDS"
Dados divulgados na última quarta-feira (16) pela Unaids, programa das Nações Unidas sobre HIV/Aids, apontaram que o índice de novos infectados pelo vírus no Brasil subiu 11% entre 2005 e 2013. No mesmo período, a quantidade de casos no mundo caiu 27,5%. Em Santos, essa tendência é se estabilizar. "Vivemos uma epidemia com uma tendência à estabilização. Ainda é um quadro preocupante, mas muito melhor do que aquele que a cidade viveu durante a década de 1980", afirma a coordenadora do Programa Municipal de Doenças Sexualmente Transmissíveis, AIDS e Hepatites Virais, Regina Lacerda.
Os números apresentados pela Prefeitura de Santos mostram uma queda no diagnósticos nos últimos anos. Em 2010 foram 156 novos casos de infecções, enquanto em 2011 foram 140 e, em 2012, 97. Em 2013, porém, a administração municipal registrou uma leve alta, quando 99 pessoas contraíram o vírus. Em 2014, segundo os dados mais atualizados, referentes ao período que compreende janeiro a maio, foram 24 casos registrados. Entre os fatores que mais influenciam para que Santos seja uma cidade onde o número de portadores do vírus da Aids seja alto está o fato do município possuir o maior porto da América Latina e receber milhares de turistas anualmente. "Isso torna a cidade vulnerável, já que existe uma circulação muito grande de turistas, o que aumenta a incidência de casos em que as pessoas se relacionam sexualmente e esquecem de utilizar preservativos", diz Regina.
Apesar dos números demonstrarem uma ligeira melhora nos últimos anos, o ativista de direitos humanos na área da saúde, Beto Volpe, acredita que a realidade ainda se encontra muito distante do ideal. "Isso é mais do que previsível. O movimento de luta contra a Aids luta há muito tempo para que se repense as maneiras como fazemos o combate. A doença deixou de ser considerada prioridade e foi deixada de lado tanto por governo quanto pela população que deixou de usar a camisinha", afirma Volpe. Para se encontrar uma solução ao grande número de infecções que ainda são registradas anualmente, Volpe acredita que seja necessário redefinir as metas e maneira de se agir quanto ao combate da doença. "O ideal seria criar uma conferência nacional de Aids para se dar diretrizes e reformular a forma de como se enfrenta a Aids no Brasil", conclui.
Santos X Aids- O primeiro caso de transmissão da doença no Brasil ocorreu no Estado de São Paulo nos anos 1980. Os números foram aumentando com o passar dos anos. A cidade de Santos se destacou na epidemia de quando a liderou durante os anos 1990 o ranking de números de casos de Aids proporcionais à população da cidade. Os casos eram atribuídos ao uso de drogas injetáveis e infecção direta, por meio de transmissão heterossexual, de parceiras sexuais de usuários de drogas injetáveis. Além disso, a disseminação da epidemia de Aids na população de usuários de drogas já foi bastante relacionada com as rotas escolhidas pelo tráfico para levar as drogas aos mercados da Europa e da América do Norte, sendo o Porto de Santos uma das mais importantes portas de saída da droga da América Latina. Os programas municipais de DST/Aids, os postos de saúde preparados para receber os portadores do vírus e o Centro de Referência em Aids fizeram com que Santos se tornasse um exemplo no combate ao vírus. Campanhas constantes, distribuição de preventivos e medicamentos tiveram um papel fundamental nessa luta contra a doença. Além disso, as ONGs da região desenvolveram um trabalho de prevenção e auxílio a soropositivos da Baixada Santista, como é o caso do Grupo Hipupiara e do Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS da Baixada Santista - GAPA/BS.
O PORTO DO PRÉ-SAL
*
2A CERTIDÃO DE NASCIMENTO DE SÃO VICENTE
Ricardo Maranhão explica para o repórter Éderson Granetto a importância do Diário de Navegação de Pero Lopes de Souza e porque São Vicente foi escolhida para ser a primeira Vila oficial do Brasil. O documento escrito pelo irmão de Martim Afonso era confidencial e exclusivo da corôa portuguesa e foi encontrado na Torre do Tombo no século XIX, em Lisboa, pelo historiador brasileiro Adolpho Francisco de Varhagen, o qual recuperou e transformou numa edição histórica. LIVROS. Episódio 4.
O RELATO DE PEDRO TAQUES PAES LEME
"De Lisboa saiu o governador Martim Afonso de Sousa com armada de navios, gente, armas, apetrechos de guerra e nobres povoadores, tudo à sua custa: com ele veio também seu irmão Pedro Lopes de Sousa, a quem o mesmo rei tinha concedido oitenta léguas de costa para fundar sua capitania, e faleceu afogado no mar. Trouxe o dito Martim Afonso de Sousa além da muita nobreza, alguns fidalgos da casa real, como foram Luís de Góis e sua mulher D. Catarina de Andrade e Aguilar, seus irmãos Pedro de Góis, que depois foi capitão-mor de armada pelos anos de 1558, e Gabriel de Góis; Domingos Leitão, casado com D. Cecília de Góis, filha do dito Luís de Góis; Jorge Pires, cavaleiro fidalgo; Rui Pinto, cavaleiro fidalgo casado com D. Ana Pires Micel, Francisco Pinto, cavaleiro fidalgo, e todos eram irmãos de D. Isabel Pinto, mulher de Nicolau de Azevedo, cavaleiro fidalgo e senhor da quinta do Rameçal em Penaguião, e filhos de Francisco Pinto, cavaleiro fidalgo, e de sua mulher Marta Teixeira, que ambos floresciam pelos anos de 1550, quando em 18 de junho do dito ano venderam por escritura pública em Lisboa aos alemães Erasmo Esquert e Julião Visnat as terras que de seu filho Rui Pinto haviam herdado na vila de S. Vicente: tudo o referido se vê no liv. 1º dos registos das sesmarias, tít. 1555, já referido, págs. 42 e seguintes. Outros muitos homens trouxe desta qualidade com o mesmo foro e também com o foro de moços da Câmara, e todos ficaram povoando a vila de S. Vicente, como se vê melhor no mesmo livro 1º. do registo das sesmarias per totum.
Carta de Martim Afonso de Sousa em 2 de novembro de 1553.
Durante o ano de 1532, perdeu parte de sua tropa nesta expedição infrutífera para acessar o império Inca, o que posteriormente resultaria na primeira guerra entre portugueses e espanhóis na América do Sul, a Guerra de Iguape, que ocorreria em 1536, com a invasão e saque da vila de São Vicente pelo Bacharel de Cananeia, que se vingou por haver sido expulso em 1531 por Martim Afonso de Sousa.
Na região do planalto, na aldeia de Piratininga governada pelo Cacique Tibiriçá os jesuítas fundaram em 1554, por ordem do Padre Manuel José da Nóbrega, o Real Colégio de São Paulo de Piratininga, destinado à conversão dos índios, o qual esteve na origem da atual cidade de São Paulo.
Sua expedição trouxe para o Brasil, como ferreiro contratado por dois anos, para prover as necessidades de ferro da expedição e da colónia, o mestre Bartolomeu Fernandes, também conhecido como Bartolomeu Gonçalves e Bartolomeu Carrasco. Terminado o contrato, mestre Bartolomeu fixou-se em solo paulista, tornando-se proprietário do sítio dos Jeribás e instalando, nas margens do Jurubatuba, afluente do rio Pinheiros, na actual vila de Santo Amaro, a primeira forja no Brasil para produção de aço — facto mencionado pelo padre José de Anchieta, em 1554. Com quatro operários conseguiu-se produzir e forjar cem quilogramas de ferro em seis ou sete horas, consumindo quatrocentos e cinquenta quilogramas de carvão vegetal.
*
TORRE DE SÃO VICENTE. NOME FORTE E DE SORTE
A Torre de Belém, antigamente Torre de São Vicente a Par de Belém, oficialmente Torre de São Vicente.
3SÃO VICENTE NAS VISÕES ETNO-RELIGIOSAS
PRIMAZIA E TITULAÇÃO CATÓLICA VICENTINA
Embora permaneça problemático o pleno entendimento da intenção e significado da obra, crê-se que o autor das tábuas é o pintor régio de D. Afonso V, Nuno Gonçalves, e que estariam originalmente integradas no retábulo de São Vicente da capela-mor da Sé de Lisboa".
https://www.publico.pt/culturaipsilon/paineis-sao-vicente
SÃO VICENTE, NOME CATÓLICO FORTE E DE SORTE.
O nome São Vicente, considerado na fé católica e popular um
nome forte e de sorte, refere-se ao primitivo
cristão espanhol Vicente, morto sob tortura no século V, cujo martírio de perseguições
romanas inspirou e movimentou a formação do Estado Luso, ao padrado de Lisboa e
finalmente aos empreendimento marítimos. A presença do mártir em Portugal se
deu pelo culto ao seu corpo trazido da Espanha e celebrado como relíquia sagrada.
Foi uma potestade que impulsionou as riquezas da colonização e também protegeu
os desprovidos e marginalizados. A ilha brasileira de São Vicente até hoje é
dividida entre a riqueza e a pobreza, sendo o território vicentino o que menos prosperou
e o que mais abriga as populações carentes da região afonsina.
S. VICENTE, DIÁCONO E MÁRTIR.
S. Vicente é o mais célebre dos mártires hispânicos, o único
que se encontra incorporado na liturgia da igreja universal. O seu dia
celebra-se a 22 de janeiro.
Desde muito cedo foi objeto de um culto amplamente
difundido. Já o grande poeta Paulino de Nola, que viveu na segunda metade do
século IV e na primeira do século V, lhe atribuía o mesmo estatuto que o de S.
Ambrósio em Itália, ou o de S. Martinho de Tours na Gália. O seu contemporâneo
Prudêncio dedica-lhe um longo poema, além de largo excerto noutro hino a
propósito da cidade natal do mártir, Saragoça. Nos primeiros anos do século V,
por volta de 410-412, Agostinho assim dizia em Cartago num dos sermões
compostos para a missa da festa do mártir ("Sermo" 276, PL 38, 1257):
«Qual é hoje a região, qual a província, até onde quer que
se estenda tanto o império romano como o nome de Cristo, que não rejubile por
celebrar o dia consagrado a Vicente?»
Segundo a tradição hagiográfica, os acontecimentos
ter-se-iam passado na sequência de uma série de decretos dos imperadores
Diocleciano e Maximiano, emitidos nos anos 303 e 304, que intentavam reprimir o
culto cristão por todo o império. Vicente seria diácono em Saragoça, quando é
preso por um governador de quem não temos qualquer outra referência e cuja
existência é muito problemática, de nome Daciano. Recusando revelar o sítio dos
livros de culto e abjurar, como ordenava o decreto imperial, é levado para
Valência (episódio singular, pois Saragoça e Valência pertenciam a províncias
distintas, uma à Tarraconense, a outra à Cartaginense, cada uma com o seu
próprio governador). Das sequelas do interrogatório sob tortura a que foi
submetido, faleceu a 22 de janeiro do ano 304.
Após a morte, a hagiografia deixou-nos acontecimentos
miraculosos, como o episódio do corvo e o do regresso do corpo a terra, após
ter sido lançado ao mar. Poucos anos depois, a partir de 313, no tempo do
imperador Constantino, constrói-se um sepulcro martirial em Valência, que mais
tarde daria lugar uma basílica extramuros, onde o corpo era venerado pelos
devotos.
O culto difundiu-se rapidamente. Corroborando os textos
hagiográficos, Valência assumiu-se desde logo como sua sede privilegiada. Aqui
ficava a igreja que acolhia o corpo do mártir, citada por Prudêncio e pela
Paixão traduzida mais adiante. Além disso, uma inscrição transmitida por um
manuscrito do século IX indica que o bispo Justiniano (527-548), membro de uma
família de ilustres literatos e eclesiásticos, além de muito devoto do santo,
terá deixado os seus bens em testamento a um mosteiro dedicado a S. Vicente,
que a tradição identifica hoje com San Vicente de la Roqueta.
O outro local importante era Saragoça, onde Vicente fora
diácono e onde o seu martírio começara. Já em finais do século IV e inícios do
século V, o poeta Prudêncio refere o culto que aí se desenvolvia, aludindo a
umas relíquias (fala de algum objeto com o sangue do mártir). Em 541, durante o
cerco de Childeberto, rei da Nêustria, Saragoça teria sido salva pela
intervenção miraculosa da túnica do mártir, em episódio mais adiante referido.
Na primeira metade do século VII, o poeta Eugénio de Toledo dedica um epigrama
a uma igreja do santo, aludindo ao sangue e à túnica, túnica que reaparece numa
oração da missa composta na mesma altura. Eugénio foi, de resto, arcediago
desta igreja.
Além de Valência e Saragoça, cidades indissociáveis da
figura de S. Vicente, o culto cedo se estendeu a outras cidades da Hispânia. Em
Sevilha, já antes de 428, quando os Vândalos invadem a cidade, a catedral onde
Isidoro se recolheu na véspera de morrer estaria dedicada a S. Vicente. A
catedral de Córdova também estaria sob a invocação do mártir em período
anterior às invasões muçulmanas.
A epigrafia documenta-nos o desenvolvimento do culto em
época recuada. Temos conhecimento, talvez no século V, de uma igreja em Toledo.
No século VI, há notícia de três igrejas dedicadas ao mártir: uma em Nativola,
Granada (consagrada em 594), outra em Cehegín na província de Múrcia, e uma
terceira em Loja, perto de Córdova. No século VII, no ano 644, consagra-se um
templo em Vejer de la Miel, perto de Cádis. Também o calendário epigráfico de
Carmona, porventura do século VI ou VII, assinala o dia do santo. No século
VII, o impulso dado ao culto é atestado pela significativa produção litúrgica
(um hino, orações, uma missa, sermões), alguma da qual percorreremos nas
páginas seguintes.
E desde o século VIII até ao século X, a proliferação de
igrejas dedicadas a S. Vicente é notável por toda a Hispânia: cite-se apenas
Oviedo, onde em 761 são depositadas umas relíquias trazidas de Valência.
Em África, sabemos que, por inícios do século V, o dia de S.
Vicente era celebrado com grande solenidade. O ilustre Agostinho redigiu, entre
410 e 412, quatro sermões para este dia, um outro com larga referência, e, se
acaso for do bispo de Hipona, um sexto entre 410 e 419 ("Serm. 4 De Iacob
et Iesau"). Em quatro deles indica expressamente que tinham acabado de
escutar a leitura da Paixão do mártir. No século VI, o seu culto está atestado
por um calendário litúrgico de Cartago, escrito entre 506 e 535, por alguns sermões
anónimos e pela epigrafia.
Na Gália e Aquitânia, o culto remonta, pelo menos, a meados
do século V. (...) O século IX assiste a uma notável expansão do culto de S.
Vicente (...). Mas, de longe, a igreja mais famosa na Gália é a de Paris. Em
541, em campanha contra o rei visigodo Têudis, o rei Childeberto da Nêustria
sitia Saragoça. A túnica de Vicente, mencionada por Eugénio de Toledo e na
missa reelaborada no século VI na Hispânia, então reino dos Visigodos, foi
levada em procissão em redor das muralhas e a cidade foi salva. Childeberto
pediu então ao bispo da cidade relíquias do mártir. Este concedeu-lhe a estola
(espécie de manto que se usava sobre a túnica). No regresso, Childeberto
edificou em Paris uma basílica dedicada a S. Vicente onde depositou a relíquia,
tendo sido consagrada em 558 pelo bispo de Paris, Germano. Este foi o panteão
dos primeiros reis merovíngios. Nos finais do século X e inícios do século XI,
a igreja foi reconstruída. Em 1163, a igreja foi dedicada de novo a S. Germano,
sendo desde então conhecida como Saint-Germain-des-Prés. Em Itália, o culto
também se desenvolveu desde muito cedo. (...)
Por estas brevíssimas notas, é evidente a espantosa difusão
que o culto a S. Vicente alcançou nos séculos anteriores à nossa nacionalidade.
Ora, sucede que os inícios do reino de Portugal, e, em particular, a cidade de
Lisboa, estão indissociavelmente ligados ao diácono de Saragoça.
Já antes da conquista de Lisboa por D. Afonso Henriques,
temos notícia da existência de basílicas dedicadas ao mártir no que será mais
tarde território português. Um documento do ano 830 (seguido de dois outros de
cerca de 90S e do ano 911) refere uma igreja dedicada a S. Vicente em Infias,
Braga, que poderá remontar ao século VII. Em 972, documentação referente ao
mosteiro do Lorvão menciona uma igreja nas imediações de Coimbra; documentos
dos anos 970 e 973 aludem a uma Porta de S. Vicente, nos limites das terras de
um mosteiro designado "de Bacalusti", nas margens do rio Douro; em
978 e 1002 refere-se uma igreja de S. Vicente "de Pararia".
Em Lisboa, a mais antiga atestação remonta ao tempo do nosso primeiro rei. Ao sitiar Lisboa em 1147, D. Afonso Henriques fizera o voto de, se a cidade lhe caísse nas mãos e os infiéis fossem aniquilados, mandar construir dois mosteiros junto a dois cemitérios que se revelavam necessários para sepultar os cruzados que sucumbiam junto às muralhas do castelo. Uma das igrejas foi erigida junto ao cemitério dos teutónicos em 1148 sob a invocação de S. Vicente. Não sabemos se já ali haveria um culto mais antigo, se era uma criação expressa. Tendo o rei dado a escolher ao bispo D. Gilberto e aos cónegos uma das duas igrejas, estes optaram por Santa Maria dos Mártires (a atual Sé de Lisboa), junto ao cemitério dos ingleses. A igreja de S. Vicente ficou então na posse do rei, e foi dirigida por presbíteros ingleses, até D. Afonso Henriques nomear o primeiro prior, Gualter, de origem flamenga, a que se seguiram cónegos regrantes da confiança do rei. Isto é relatado na "Notícia da fundação do mosteiro de S. Vicente", redigida em 1188.
Mas o que liga intrinsecamente Lisboa a S. Vicente é a
chegada das suas relíquias ocorrida em 1173. Conta a "Crónica de
Al-Razi", composta no século X, que conhecemos por intermédio de uma
tradução portuguesa do século XIV feita a mando de D. Dinis, que, durante a
perseguição de Abderramán I (756-788), o corpo de S. Vicente fora levado de
Valência, onde estaria na antiga igreja sob sua invocação, para o Promontório Sacro,
hoje Cabo de S. Vicente, em Sagres. O caráter sagrado do local já na
Antiguidade era assinalado, desde, pelo menos, o geógrafo Estrabão, que viveu
nos séculos I a. C. e I d. c., Plínio (século I d. C.) e outros autores do
mundo clássico. A "História PseudoIsidoriana" e o geógrafo Al-Idrisi
em obra de meados do século XII afirmavam que ali existiria uma "igreja
dos corvos". Porventura, desde época recuada, ali poderia ter havido uma
capela. Esta tradição sustentava a pretensão de Lisboa, pretensão essa apoiada
nos séculos XVI e XVIII por Ambrosio de Morales e Henrique Flórez: seria aqui
que estavam efetivamente as relíquias do santo.
Diga-se que Lisboa não era a única cidade a presumir ter o
corpo do mártir. Aimoin de Saint-Gerrnain-des-Prés conta que o corpo do mártir
fora trazido, em 863, de Valência para Castres, uma cidade no sul de França. No
século XI, um braço num relicário fora levado de Valência para Bari. Também San
Vincenzo ai Volturno (desde inícios do século VIII), e depois Cortona e Metz,
Benevento e Monembasia (no sul da Grécia), reclamavam deter o corpo do santo.
Por outro lado, o século XII é um período de intenso "achamento" de
corpos santos e relíquias, geralmente com o objetivo de promover a peregrinação
e ampliar o prestígio e o estatuto das respetivas igrejas. Relembre-se apenas,
no início do século, Braga e Compostela, que se dedicaram à disputa da posse de
corpos santos.
Neste contexto, em 1173, de acordo com um texto de finais do
século XII ou do século XIII da autoria de Estêvão, chantre da catedral de
Lisboa, e que segundo Aires Nascimento, corresponde ao momento da instauração
do culto na diocese de Lisboa, um anónimo alerta para a existência do corpo do
mártir na ponta do Algarve, em mãos dos infiéis. No dia 15 de setembro, as
relíquias chegam a Lisboa, ficando na igreja de Santa Justa, antes de se
recolherem no dia seguinte na Sé, com a oposição da igreja real de S. Vicente.
O mártir de Valência tornou-se assim o padroeiro de Lisboa, sendo o dia da
chegada do seu corpo celebrado na liturgia e em animadas festas populares (15
de setembro). E este dia, que no século XIX mudou para 16 de setembro, foi
comemorado até recentemente.
Autor: Paulo Farmhouse Alberto In "Santos e Milagres na Idade Média em Portugal", vol. I, ed. Centro de Estudos Clássicos - Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Publicado em 21.01.2015 in Pastoral da Cultura.
SÃO VICENTE JUDAICA
Ilustração do livro de Helena Ragusa "Os cristãos-novos no Brasil Colonial e a escrita nos livros didáticos". Editora Eduel.
A PRIMEIRA CANAÃ DAS AMÉRICAS
JOÃO RAMALHO MALDONADO
João Ramalho em Cubatão aponta o caminho de Piratininga a Martim Afonso de Souza. Pintura de Benedito Calixto. 1912João Ramalho Maldonado foi um aventureiro e explorador português. Viveu boa parte de sua vida entre índios tupiniquins, após chegar no Brasil em 1515. Foi, inclusive, chefe de uma aldeia, após se tornar amigo próximo do cacique Tibiriçá, importante líder indígena tupiniquim na época dos primeiros anos da colonização portuguesa no Brasil. Teve um papel importante na aproximação pacífica entre índios e portugueses, principalmente na chegada de Martim Afonso de Sousa no Brasil, com quem se encontrou no território de São Vicente, e criou grande amizade. Vivia no povoado de Santo André da Borda do Campo, que em 1553 foi transformado em uma vila pelo governador-geral do país na época, Tomé de Sousa. Ramalho foi vereador e alcaide (prefeito) da vila.
Em 1562, João Ramalho foi designado a capitão-mor da Praça ou de São Paulo (uma espécie de protetor da região) por decisão popular, e lhe teve atribuída a tarefa de comandar a resistência da vila. Ao lado de Tibiriçá, Ramalho e o povo de São Paulo conseguiram repelir os índios que cercaram a região. Teve relações com várias mulheres indígenas, mas sob influência do Padre Manuel da Nobrega casou-se com Bartira, filha de Tibiriçá, maior chefe guerreiro da região, batizada de Isabel Dias, tiveram nove filhos juntos, e dessa união descendem inúmeras das mais tradicionais famílias paulistas atuais.
João Ramalho deixou como descendentes a chamada dinastia de mamelucos, filhos de portugueses com indígenas, e teria recebido apelidos como o pai dos paulistas e o fundador da paulistanidade. Entre as famílias tradicionais fundadoras de São Paulo de Piratininga (em 1554) que se misturaram com os descendentes de João Ramalho, destacam-se, entre outras: os Leme, Prado, Almeida, Castro, Monteiro de Castro, Almeida Prado, Silva Prado, Castro Prado, Cardoso de Almeida, Pinheiro Guimarães, Bueno da Silva, Furquim, Castanho, Almeida Castanho, Freitas, Cunha Gago, Cunha Bueno, Dias, Botelho, Arruda, Arruda Botelho, Afonso Gaia, Rendon, Moraes Antas, Fernandes Reis, Fernandes Gonçalves Reis, Fernandes , Gama, Nogueira da Gama, etc
Terra de Santa Cruz. Fonte: A Capital da Solidão: Uma História de São Paulo das origens a 1900.
DESDE 1490: PORTUGUESES NO BRASIL
J. HERCULANO PIRES
Enigma do nome - João Ramalho é enigma a partir do nome. Por que Ramalho, se conhecemos a sua procedência, como filho de João Velho Maldonado? Schmidt explica assim o novo nome: "Os da paróquia alcunharam-no de Ramalho ou Ramalhudo, numa alusão às barbas, bigodes e cabelos arrepiados". Um apelido que lhe fora posto em Vouzela, sua vila natal, onde o futuro patriarca se casara com Catarina Fernandes.
Esse Ramalhudo estava destinado a varar mundo e deitar seus ramos além-mar, em terras desconhecidas. Deixaria Catarina no termo de Coimbra, chorando o desterro do marido, para casar-se no Planalto com uma princesa indígena, Bartira ou Potira, filha do rei Tibiriçá. E uma vez conquistada a nova terra, nela se manteria como um agente da política secreta de D. João II, a que se referem Jaime Cortesão e Pedro Calmon. Tornando-se genro do Rei, o marrano Ramalho assumia a posição de príncipe regente, como depois a história no-lo apresenta, em seu domínio fortificado de Santo André da Borda do Campo.
Pode parecer estranho que um degredado de origem judaica assumisse as funções, embora de maneira forçada, de representante secreto do monarca português nas terras virgens. Mas acontece que a política de D. João II, no tocante aos judeus, era mesmo ambivalente. Admitiu-os em Portugal e chegou a dar-lhes incumbências importantes, antes que se desencadeasse a perseguição religiosa que roubou ao País a glória de ter como seu filho o filósofo Espinosa. Não admira, pois, que atendendo aos interesses momentâneos do Reino, mandasse os marranos para fora, mas deles se utilizasse na distância.
Enigma da assinatura - As atas da Vila de Santo André da Borda do Campo, atas da Vereança, de que nos restam apenas "um rendilhado feito pelas traças", deixam ver, entretanto, dezenove assinaturas de João Ramalho, figurando em todas elas o sinal-distintivo do kaf judaico. Alguns admitem que as assinaturas são apenas o nome dos vereadores, escritos pelo escrivão, mas Schmidt entende que há poucas possibilidades de haver escrivães disponíveis na vila, e propõe: "Segundo parece, quem escrevia seus nomes era João Ramalho. No entanto, o alcaide-mor, ao lançar a sua rubrica, riscava com pulso firme aquela ferradura deitada, com a abertura voltada para a esquerda. Era o kaf, a sua derradeira afirmação de judeu".
O kaf, letra hebraica, equivale ao kapa grego e ao nosso k, hoje banido do alfabeto. Em reportagem anterior mostramos a importância que Horácio de Carvalho deu ao aparecimento dessa letra na assinatura de Ramalho, como sinal cabalístico, indicativo da posição do patriarca na Ciência Secreta Hebraica. Esse sinal era ao mesmo tempo um talismã, que dava poder e abria caminho à riqueza. Daí João Ramalho usá-lo na assinatura, como o auxílio secreto de que dispunha para enfrentar a terra nova e seus perigos, bem como a ambição e as ameaças constantes dos homens brancos que chegavam, cada vez em maior número.
Enigma de Schmidt - Diante desses enigmas, e de todos os que cercam a figura semi-lendária de João Ramalho, o escritor Afonso Schmidt se coloca também numa posição enigmática. Recusa-se a tomar uma decisão como historiador, limitando-se a dizer e a escrever que nada mais fez do que uma "novelazinha fantasiosa". Mas, no posfácio que escreveu para a novela, recomenda aos interessados o exame do parecer de Theodoro Sampaio sobre o caso do kaf.
Schmidt não quer complicações. Evita provocar debates históricos. Lembra que escreveu muitas outras novelas do mesmo gênero, sem pretensões a firmar ou defender teses. Mas é evidente que a sua novela coloca novamente em foco o "Enigma de João Ramalho", como se vê do próprio título do livro. O Patriarca de São Paulo - apontado também como o verdadeiro fundador da cidade, como o fez ainda agora o poeta Guilherme de Almeida, em crônica publicada no jornal O Estado de S. Paulo - continua, assim, a desafiar os investigadores e os estudiosos de nossos problemas históricos.
Assinaturas de João Ramalho nas atas da Câmara de Santos André.
KALUNGA E CALUNGAS
SÃO VICENTE AFRICANA
CALUNGA
OS VELHOS CALUNGAS
Uma parte destes voltou para o interior; outra ficou em Santos com seus antigos senhores ou agregada a novas famílias, a pagamento, pela casa ou pela comida. Uma terceira parte, porém, procurou liberdade total, emigrando para onde havia mais abrigo natural e solidão.
ORIGEM DO TERMO CALUNGA
Como surgiu, o vocábulo calunga?
"Calungas, são chamados, os nascidos em São Vicente".
O vocábulo "Calunga" sempre foi, como tantos outros, uma esfinge etimológica, eternamente à espera de alguém que a decifrasse. À falta de conhecimento da sua origem limitavam-se os estudiosos e os dicionaristas a lhe conhecer o sentido social, permanecendo no ar aquela pergunta e mais outra: "por que teria sido ele aplicado ao povo de São Vicente?".
"Calunga", entretanto, é uma dessas vozes que, por simples comodidade, a exemplo de "vatapá", "munguzá" e tantas mais, foram declaradas, pura e simplesmente, africanas, trazidas para o Brasil por escravos durante os séculos 18 e 19.
A falta de curiosidade em relação ao árabe e ao hebráico - duas grandes línguas primitivas, influenciadoras e geradoras de tantos dialetos, foi certamente a razão da existência desses enigmas lingüisticos.
O árabe possui duas formas de sons muito semelhantes e de significados pouco diferentes: KaLLa - cessar de falar, de ver, de movimentar-se - e QuaLLa - indolente e moleirão.
Uma dessas raízes produziu o apelido "Calú", que em português se traduziu por "o sossegado".
A uma daquelas raízes citadas - KaLLa e QaLLa - juntaram o indeterminativo árabe "UN", mais a particula "GA", que corresponde a GAIN árabe, 19a letra do alfabeto, partícula que, aglutinada aos vocábulos, dá a idéia de "prender, agarrar, segurar".
Assim se formou o vocábulo CALUNGA ou QaLL'UN'GA, com o significado de quietão, que se prende a um lugar e quer descansar.
O vocábulo foi aplicado primeiro como apelido, pelos próprios africanos ou escravos moços aos mais velhos, que já estavam sem o vigor da mocidade. Depois foram os filhos dos senhores que passaram a adotar o apelido para se referirem aos escravos mais alquebrados.
Mas por que teria esse apelido se estendido até São Vicente?
O caso não é novo. Há vários tipos que acabaram se incorporando ao dia-a-dia de outras localidades. Exemplo disso é o apelido "carioca", dado à "Casa de Pedra", que Martim Afonso construiu em 1531, no Rio de Janeiro, à beira da atual praia do Flamengo, onde deixou vários degradados e judeus.
Já o apelido "caiçara" foi utilizado pelos índios revoltados ao se referirem aos colonos portugueses de Martim Afonso, que realizavam queimadas na floresta sagrada ("Cai"-queimada - e "Çara" - aquele que realiza ou faz). Boletim do IHGSV.
Como surgiu, o vocábulo calunga?
"Calungas, são chamados, os nascidos em São Vicente".
O vocábulo "Calunga" sempre foi, como tantos outros, uma esfinge etimológica, eternamente à espera de alguém que a decifrasse. À falta de conhecimento da sua origem limitavam-se os estudiosos e os dicionaristas a lhe conhecer o sentido social, permanecendo no ar aquela pergunta e mais outra: "por que teria sido ele aplicado ao povo de São Vicente?".
"Calunga", entretanto, é uma dessas vozes que, por simples comodidade, a exemplo de "vatapá", "munguzá" e tantas mais, foram declaradas, pura e simplesmente, africanas, trazidas para o Brasil por escravos durante os séculos 18 e 19.
A falta de curiosidade em relação ao árabe e ao hebráico - duas grandes línguas primitivas, influenciadoras e geradoras de tantos dialetos, foi certamente a razão da existência desses enigmas lingüisticos.
O árabe possui duas formas de sons muito semelhantes e de significados pouco diferentes: KaLLa - cessar de falar, de ver, de movimentar-se - e QuaLLa - indolente e moleirão.
Uma dessas raízes produziu o apelido "Calú", que em português se traduziu por "o sossegado".
A uma daquelas raízes citadas - KaLLa e QaLLa - juntaram o indeterminativo árabe "UN", mais a particula "GA", que corresponde a GAIN árabe, 19a letra do alfabeto, partícula que, aglutinada aos vocábulos, dá a idéia de "prender, agarrar, segurar".
Assim se formou o vocábulo CALUNGA ou QaLL'UN'GA, com o significado de quietão, que se prende a um lugar e quer descansar.
O vocábulo foi aplicado primeiro como apelido, pelos próprios africanos ou escravos moços aos mais velhos, que já estavam sem o vigor da mocidade. Depois foram os filhos dos senhores que passaram a adotar o apelido para se referirem aos escravos mais alquebrados.
Mas por que teria esse apelido se estendido até São Vicente?
O caso não é novo. Há vários tipos que acabaram se incorporando ao dia-a-dia de outras localidades. Exemplo disso é o apelido "carioca", dado à "Casa de Pedra", que Martim Afonso construiu em 1531, no Rio de Janeiro, à beira da atual praia do Flamengo, onde deixou vários degradados e judeus.
Já o apelido "caiçara" foi utilizado pelos índios revoltados ao se referirem aos colonos portugueses de Martim Afonso, que realizavam queimadas na floresta sagrada ("Cai"-queimada - e "Çara" - aquele que realiza ou faz). Boletim do IHGSV.
CALUNGA GRANDE E PEQUENO
KALUNGA, PASSAGEM PARA O OUTRO MUNDO
SOU CALUNGA, SOU DO MAR
WLAMIR MARQUES
A história é longa, não consigo conta-la por inteira nesse espaço, mas eu sou Calunga. Era assim que me chamavam quando eu era criança. Isso ficou eternamente marcado em minha vida. Entre tantas definições o nome Calunga refere-se aos escravos e ao mar. Cruzamento perfeito!
Aprendi que quando me chamavam de Calunga era pelo fato de eu ter nascido em São Vicente SP. Confesso que sempre me orgulhei de ser um Calunga da gema, mas nunca me preocupei em saber a origem dessa expressão. Sendo assim, corri atrás da sua definição.
Fui no Google e lá estava escrito em detalhes a história dos Calungas. À cada frase eu me situava na história. Me chamou muito a atenção o relacionamento dos Calungas com o mar. No mar eu comecei a minha carreira atlética e, me orgulho muito de ter nascido ao lado das ondas.
Eu já desconfiava, mas agora tenho a certeza que o fato de ser Calunga me deu a chance de vencer quase todas as atribulações da vida. Algo sempre me impelia à frente, nunca recuei, sempre dei um passo adiante. Nunca será tarde demais vencer o tempo: espero continuar vencendo!
Hoje é uma manhã gloriosa. Acordei querendo saber quem sou e o que represento. A minha realidade está exposta, não escapo do diapasão, nasci assim, vivi assim e vou morrer assim. Sou Calunga, vim da tempera dos escravos, vim da luta, vim do mar, sou o que DEUS me deu! WM.
*
SÃO VICENTE E O BRASIL NA DIMENSÃO ESPÍRITA
REENCARNAÇÕES DE ALMAS FALIDAS E ESPÍRITOS EM PROVAS
DALMO DUQUE DOS SANTOS
Nas concepções espiritualistas da tradição judaico-cristã, as nações possuem dupla dimensão existencial: uma na esfera astral ou espiritual e outra física, ambas reguladas por leis específicas desses planos, entrelaçados pelos destinos de suas humanidades, ora encarnadas e desencarnadas, segundo suas necessidades evolutivas, também físicas e espirituais. Suas organizações seguem os ditames das afinidades mentais, inclinações e raízes culturais. São governadas pelos seus gênios da raça, espíritos de alta hierarquia e também pelas lideranças familiares e politicas da esferas materiais Todas elas têm Deus e césares, postestades protetoras, gênios das artes, da ciência e almas valorosas sempre dispostas a fazer sacrifícios ou resgates em suas respectivas pátrias-mães. Individual ou coletivamente, as nações estão sempre sujeitas às Leis Universais, segundo suas ações e suas obras. Muitas delas foram e são construídas, segundo essas concepções, em longas jornadas encarnatórias das populações, no tempo físico cronológico e simultaneamente no tempo metafísico de káirós, como acreditavam os gregos antigos. O Brasil, nessa concepção, foi forjado no mundo espiritual como nação regeneradora de almas falidas em diversas culturas históricas do planeta. Tem como postestade o Anjo Ismael, que na mística judaico-cristã simboliza universalmente os povos oprimidos ou banidos de seus territórios e buscam acolhimento, como fizeram no deserto Ismael e Hagar aos serem expulsos por Abraão. Os ismaelitas simbolizam todos os povos que vieram habitar o Brasil na condição de degredados, escravizados ou servos da realeza lusitana, nação remanescente dos fenícios, nas suas virtudes e imperfeições. A miscigenação com os indígenas ainda puros teria a função regeneradora da formação de uma nova raça do Novo Mundo. A liderança superior do Brasil é Jesus, governador do planeta e responsável por sua humanidade de 20 bilhões de almas em processo de evolução. Helil e Ismael são respectivamente seus prepostos na organização dos povos da Terra e no Brasil. Helil corporificou-se em Portugal na personalidade de Henrique de Sagres.
São Paulo, 1904: rua Espírita esquina com a rua Lavapés e, ao fundo, o Morro do Piolho. Cenário da vivência do casal Batuira.
O autor de "Brasil Coração do Mundo, Pàtria do Evangelho" é o Espírito Humberto de Campos, conhecido, escritor e cronista que viveu no Brasil nas primeiras décadas do século XX. A obra foi ditada ao médium Chico Xavier sob a orientação de Emmanuel (Padre Manoel da Nóbrega), seu guia. A primeira edição foi publicada pela Federação Espírita Brasileira em 1938, um ano depois da implantação do Estado Novo, terceiro governo republicano de Getúlio Vargas. Nessa década o médium também publicou "Parnaso Além Túmulo" ( O Livro dos Espíritos em poemas de autores desencarnados) e iniciou a coleção Nosso Lar (dimensão espiritual do Grande Rio de Janeiro), sobre a vida no mundo espiritual no Brasil, narrada por André Luiz, pseudônimo de um conhecido médico carioca. Dessa coleção faz parte "E a Vida Continua", relatando a vida na Colônia Alvorada Nova, dimensão espiritual das ilhas de São Vicente e Santo Amaro, cidades do litoral sul e da Grande São Paulo. As cidades do litoral Norte são ligadas â Colônia de São Sebastião e também ao Burgo Esperança, na região da Serra da Mantiqueira (segundo relatos de Edgard Armond e da médium Yvone do Amaral Pereira). Esses núcleos espirituais, existentes em várias regiões do País, foram fundados por portugueses nos tempos que antecederam ao descobrimento e colonização do Brasil, daí a expressão "colônia" na caracterização e identificação dos mesmos.
Chico Xavier afirmava que as figuras humanas que aparecem no livro eram personalidades antigas que faliram em existências pregressas e reencarnaram no Brasil como missão regeneradora. Ele e seu guia Emmanuel foram conhecidos jesuítas dos primeiros tempos vicentinos: Manoel da Nóbrega e Manoel de Paiva. João Ramalho foi D. Diniz, rei de Portugal; e sua esposa Bartira, filha do cacique Tibiriçá, foi a rainha Isabel. Bartira, ao ser convertida ao catolicismo recebeu no Brasil o seu antigo nome de realeza europeia. Esse casal voltaria a viver no Brasil como benfeitores na cidade de São Paulo, animando as personalidades do casal Batuira ( o português Antônio Gonçalves da Silva e Brandina Maria da Silva). É necessário lembrar que, antes do descobrimento oficial do Brasil, já havia europeus vivendo em terras brasileiras. A presença de André Gonçalves, Gonçalo Coelho, Américo Vespúcio(este já estivera no Brasil antes de Cabral em missão de reconhecimento), João Ramalho e do degredado Bacharel Cosme Fernandes nos povoados de Tumiaru e em Cananéia logo após a notícia oficial de Porto Seguro são provas desses antecedentes cabralinos.
Vejamos a narrativa inicial de Humberto de Campos na abertura do livro:
CORAÇÃO DO MUNDO
O inundo político e social do Ocidente encontra-se exausto. Desde as pregações de Pedro, o Eremita, até a morte do Rei Luís IX, diante de Túnis, acontecimento que colocara um dos derradeiros marcos nas guerras das Cruzadas, as sombras da idade medieval confundiram as lições do Evangelho, ensangüentando todas as bandeiras do mundo cristão. Foi após essa época, no último quartel do século XTV, que o Senhor desejou realizar uma de suas visitas periódicas à Terra, a fim de observar os progressos de sua doutrina e de seus exemplos no coração dos homens. Anjos e Tronos lhe formavam a corte maravilhosa. Dos céus à Terra, foi colocado outro símbolo da escada infinita de Jacó, formado de flores e de estrelas cariciosas, por onde o Cordeiro de Deus transpôs as imensas distâncias, clarificando os caminhos cheios de treva. Mas, se Jesus vinha do coração luminoso das esferas superiores, trazendo nos olhos misericordiosos a visão dos seus impérios resplandecentes e na alma profunda o ritmo harmonioso dos astros, o planeta terreno lhe apresentava ainda aquelas mesmas veredas escuras, cheias da lama da impenitência e do orgulho das criaturas humanas, e repletas dos espinhos da ingratidão e do egoísmo. Embalde seus olhos compassivos procuraram o ninho doce do seu Evangelho; em vão procurou o Senhor os remanescentes da obra de um de seus últimos enviados à face do orbe terrestre. No coração da Umbria haviam cessado os cânticos de amor e de fraternidade cristã. De Francisco de Assis só haviam ficado as tradições de carinho e de bondade; os pecados do mundo, como novos lobos de Gúbio, haviam descido outra vez das selvas misteriosas das iniqüidades humanas, roubando às criaturas a paz e aniquilando-lhes a vida.
— Helil — disse a voz suave e meiga do Mestre a um dos seus mensageiros, encarregado dos problemas sociológicos da Terra — meu coração se enche de profunda amargura, vendo a incompreensão dos homens, no que se refere às lições do meu Evangelho. Por toda parte é a luta fratricida, como polvo de infinitos tentáculos, a destruir todas as esperanças; recomendei-lhes que se amassem como irmãos, e vejo-os em movimentos impetuosos, aniquilando-se uns aos outros como Cains desvairados. — Todavia — replicou o emissário solícito, como se desejasse desfazer a impressão dolorosa e amarga do Mestre — esses movimentos, Senhor, intensificaram as relações dos povos da Terra, aproximando o Oriente e o Ocidente, para aprenderem a lição da solidariedade nessas experiências penosas; novas utilidades da vida foram descobertas; o comércio progrediu além de todas as fronteiras, reunindo as pátrias do orbe. Sobretudo, devemos considerar que os príncipes cristãos, empreendendo as iniciativas daquela natureza, guardavam a nobre intenção de velar pela paisagem deliciosa dos Lugares Santos.
— Mas — retornou tristemente a voz compassiva do Cordeiro — qual o lugar da Terra que não é santo? Em todas as partes do mundo, por mais recônditas que sejam, paira a bênção de Deus, convertida na luz e no pão de todas as criaturas. Era preferível que Saladino guardasse, para sempre, todos os poderes temporais na Palestina, a que caísse um só dos fios de cabelo de um soldado, numa guerra incompreensível por minha causa, que, em todos os tempos, deve ser a do amor e da fraternidade universal. E, como se a sua vista devassasse todos os mistérios do porvir, continuou: — Infelizmente, não vejo senão o caminho do sofrimento para modificar tão desoladora situação. Aos feudos de agora, seguirse-ão as coroas poderosas e, depois dessa concentração de autoridade e de poder, serão os embates da ambição e a carnificina da inveja e da felonia, pelo predomínio do mais forte. A amargura divina empolgara toda a formosa assembléia de querubins e arcanjos. Foi quando Helil, para renovar a impressão ambiente, dirigiu-se a Jesus com brandura e humildade:
— Senhor, se esses povos infelizes, que procuram na grandeza material uma felicidade impossível, marcham irremediavelmente para os grandes infortúnios coletivos, visitemos os continentes ignorados, onde espíritos jovens e simples aguardam a semente de uma vida nova. Nessas terras, para além dos grandes oceanos, poderíeis instalar o pensamento cristão, dentro das doutrinas do amor e da liberdade. E a caravana fulgurante, deixando um rastro de luz na imensidade dos espaços, encaminhou-se ao continente que seria, mais tarde, o mundo americano. O Senhor abençoou aquelas matas virgens e misteriosas. Enquanto as aves lhe homenageavam a inefável presença com seus cantares harmoniosos, as flores se inclinavam nas árvores ciclópicas, aromatizando-lhe as eterizadas sendas. O perfume do mar casava-se ao oxigênio agreste da selva bravia, impregnando todas as coisas de um elemento de força desconhecida. No solo, eram os silvícolas humildes e simples, aguardando uma era nova, com o seu largo potencial de energia e bondade. Cheio de esperanças, emociona-se o coração do Mestre, contemplando a beleza do sublimado espetáculo. — Helil — pergunta ele — onde fica, nestas terras novas, o recanto
planetário do qual se enxerga, no infinito, o símbolo da redenção humana? — Esse lugar de doces encantos, Mestre, de onde se vêem, no mundo, as homenagens dos céus aos vossos martírios na Terra, fica mais para o sul. E, quando no seio da paisagem repleta de aromas e de melodias, contemplavam as almas santificadas dos orbes felizes, na presença do Cordeiro, as maravilhas daquela terra nova, que seria mais tarde o Brasil, desenhou-se no firmamento, formado de estrelas rutilantes, no jardim das constelações de Deus, o mais imponente de todos os símbolos.
Mãos erguidas para o Alto, como se invocasse a bênção de seu Pai para todos os elementos daquele solo extraordinário e opulento, exclama então Jesus: — Para esta terra maravilhosa e bendita será transplantada a árvore do meu Evangelho de piedade e de amor. No seu solo dadivoso e fertilíssimo, todos os povos da Terra aprenderão a lei da fraternidade universal. Sob estes céus serão entoados os hosanas mais ternos à misericórdia do Pai Celestial. Tu, Helil, te corporificarás na Terra, no seio do povo mais pobre e mais trabalhador do Ocidente; instituirás um roteiro de coragem, para que sejam transpostas as imensidades desses oceanos perigosos e solitários, que separam o velho do novo mundo. Instalaremos aqui uma tenda de trabalho para a nação mais humilde da Europa, glorificando os seus esforços na oficina de Deus. Aproveitaremos o elemento simples de bondade, o coração fraternal dos habitantes destas terras novas, e, mais tarde, ordenarei a reencarnação de muitos Espíritos já purificados no sentimento da humildade e da mansidão, entre as raças oprimidas e sofredoras das regiões africanas, para formarmos o pedestal de solidariedade do povo fraterno que aqui florescerá, no futuro, a fim de exaltar o meu Evangelho, nos séculos gloriosos do porvir. Aqui, Helil, sob a luz misericordiosa das estrelas da cruz, ficará localizado o coração do mundo!
Consoante a vontade piedosa do Senhor, todas as suas ordens foram cumpridas integralmente. Daí a alguns anos, o seu mensageiro se estabelecia na Terra, em 1394, como filho de D. João I e de D. Filipa de Lencastre, e foi o heróico Infante de Sagres, que operou a renovação das energias portuguesas, expandindo as suas possibilidades realizadoras para além dos mares. O elemento indígena foi chamado a colaborar na edificação da pátria nova; almas bem aventuradas pelas suas renúncias se corporificaram nas costas da África flagelada e oprimida e, juntas a outros Espíritos em prova, formaram a falange abnegada que veio escrever na Terra de Santa Cruz, com os seus sacrifícios e com os seus sofrimentos, um dos mais belos poemas da raça negra em favor da humanidade. Foi por isso que o Brasil, onde confraternizam hoje todos os povos da Terra e onde será modelada a obra imortal do Evangelho do Cristo, muito antes do Tratado de Tordesilhas, que fincou as balizas das possessões espanholas, trazia já, em seus contornos, a forma geográfica do coração do mundo.
NOTA DA EDITORA — O Autor preferiu a forma árabe. — Helil, em vez de Hilel, forma hebraica geralmente usada – Hilel (Hillel) = louvado.
OS DEGREDADOS
Todos os espíritos edificados nas lições sublimes do Senhor se reuniram, logo após o descobrimento da nova terra, celebrando o acontecimento nos espaços do Infinito. Grandes multidões donairosas e aéreas formavam imensos hífens de luz, entre a terra e o céu. Uma torrente impetuosa de perfumes se elevava da paisagem verde e florida, em busca do firmamento, de onde voltava à superfície do solo, saturada de energias divinas. Nos ninhos quentes das árvores, pousavam as vibrações renovadoras das esperanças santificantes, e, no Além, ouviam-se as melodias evocadoras da Galiléia, ubertosa e agreste antes das lutas arrasadoras das Cruzadas, que lhe talaram todos os campos, transformando-a num montão de ruínas. Afigurava-se que a região dos pescadores humildes, que conheceu, bastante assinalados, os passos do Divino Mestre, se havia transplantado igualmente para o continente novo, dilatada em seus suaves contornos. Uma alegria paradisíaca reinava em todas as almas que comemoravam o advento da Pátria do Evangelho, quando se fez presente, na assembléia augusta, a figura misericordiosa do Cordeiro. Complacente sorriso lhe bailava nos lábios angélicos e suas mãos liriais empunhavam largo estandarte branco, como se um fragmento de sua alma radiosa estivesse ali dentro, transubstanciado naquela bandeira de luz, que era o mais encantador dos símbolos de perdão e de concórdia. Dirigindo-se a um dos seus elevados mensageiros na face do orbe terrestre, em meio do divino silêncio da multidão espiritual, sua voz ressoou com doçura: — Ismael, manda o meu coração que doravante sejas o zelador dos patrimônios imortais que constituem a Terra do Cruzeiro. Recebe-a nos teus braços de trabalhador devotado da minha seara, como a recebi no coração, obedecendo a sagradas inspirações do Nosso Pai. Reúne as incansáveis falanges do Infinito, que cooperam nos ideais sacrossantos de minha doutrina, e inicia, desde já, a construção da pátria do meu ensinamento. Para aí transplantei a árvore da minha misericórdia e espero que a cultives com a tua abnegação e com o teu sublimado heroísmo. Ela será a doce paisagem dilatada do Tiberíades, que os homens aniquilaram na sua voracidade de carnificina. Guarda este símbolo da paz e inscreve na sua imaculada pureza o lema da tua coragem e do teu propósito de bem servir à causa de Deus e, sobretudo, lembra-te sempre de que estarei contigo no cumprimento dos teus deveres, com os quais abrirás para a humanidade dos séculos futuros um caminho novo, mediante a sagrada revivescência do Cristianismo.
Ismael recebe o lábaro bendito das mãos compassivas do Senhor, banhado em lágrimas de reconhecimento, e, como se entrara em ação o impulso secreto da sua vontade, eis que a nívea bandeira tem agora uma insígnia. Na sua branca substância, uma tinta celeste inscrevera o lema imortal: "Deus, Cristo e Caridade".
Todas as almas ali reunidas entoam um hosana melodioso e intraduzível à sabedoria do Senhor do Universo. São vibrações gloriosas da espiritualidade, que se elevam pelos espaços ilimitados, louvando o Artista Inimitável e o Matemático Supremo de todos os sóis e de todos os mundos. O emissário de Jesus desce então à Terra, onde estabelecerá a sua oficina. Os exércitos dos seres redimidos e luminosos lhe seguem a esplêndida trajetória e, como se o chão do Brasil fosse a superfície de um novo Hélicon da imortalidade, a natureza, macia e cariciosa, toda se enfeita de luzes e sombras, de sinfonias e de
ramagens odoríferas, preparando-se para um banquete de deuses. Os caminhos agrestes tornam-se sendas de maravilhosa beleza, rasgadas pelas coortes do invisível. Nessa hora, a frota de Cabral foge das águas verdes e fartas da Baía de Porto Seguro. Entretanto, nas fitas extensas da praia choram, desesperadamente, os dois degredados, dos vinte párias sociais que o Rei D. Manuel I destinara ao exílio. Os homens do mar se distanciam daqueles sítios, levando amostras da sua extraordinária riqueza. Em toda a paisagem há um largo ponto de interrogação, enquanto os dois infelizes se lastimam sem consolo e sem esperança. Os silvícolas amáveis e fraternos lhes abrem os braços; é dos seus corações rudes e simples que desabrocham, para a amargura deles, as flores amigas de um brando conforto. Mas, Afonso Ribeiro, um dos condenados ao penoso desterro, avança numa piroga desprotegida e desmantelada, sem que os olhos da História lhe anotassem o gesto de profunda desesperação, a caminho do mar alto. Ao longe, percebem-se ainda os derradeiros mastros das caravelas itinerantes. O infeliz degredado anseia por morrer. Os últimos gemidos abafados lhe saem da garganta exausta. Seus olhos, inchados de pranto, contemplam as duas imensidades, a do oceano e a do céu, e, esperando na morte o socorro bondoso, exclama, do íntimo do coração: — Jesus, tende piedade da minha infinita amargura! Enviai a morte ao meu espírito desterrado. Sou inocente, Senhor, e padeço a tirania da injustiça dos homens. Mas, se a traição e a covardia me arrebataram da pátria, afastando dos meus olhos as paisagens queridas e os afetos mais santos do coração, essas mesmas calúnias não me separaram da vossa misericórdia!
Nesse instante, porém, o pobre exilado sente que uma alvorada de luz estranha lhe nasce no âmago da alma atribulada. Uma esperança nova se apossa de todas as suas fibras emotivas e, como por delicado milagre, a sua jangada rústica regressa, celeremente, à praia distante. Em vão as ondas sinistras e poderosas tentam arrebatá-lo para o oceano largo. Uma força misteriosa o conduz a terra firme, onde o seu coração encontrará uma família nova.
Ismael havia realizado o seu primeiro feito nas Terras de Vera Cruz. Trazendo um náufrago e inocente para a base da sociedade fraterna do porvir, ele obedecia a sagradas determinações do Divino Mestre. Primeiramente, surgiram os índios, que eram os simples de coração; em segundo lugar, chegavam os sedentos da justiça divina e, mais tarde, viriam os escravos, como a expressão dos humildes e dos aflitos, para a formação da alma coletiva de um povo bem-aventurado por sua mansidão e fraternidade. Naqueles dias longínquos de 1500, já se ouviam no Brasil os ecos acariciadores do Sermão da Montanha.
OS MISSIONÁRIOS
D. Manuel I recebeu sem grande surpresa a notícia do descobrimento das terras novas. Seu espírito se achava voltado para os tesouros inesgotáveis das índias, que faziam da Lisboa daquele tempo uma das mais poderosas cidades marítimas da Europa. Contudo, o êxito do capitão-mor provocou um largo movimento de curiosidade no círculo dos navegadores portugueses. Quase todas as expedições que se dirigiam aos régulos da Ásia tocavam nos portos vastos de Vera Cruz, cujo nordeste já centralizava as atenções dos comerciantes franceses, que aí se abasteciam de vastas provisões de pau-brasil. Geralmente, as caravelas lusitanas que demandavam Calicut traziam consigo grande número de exilados e de aventureiros. Muitos deles foram abandonados no extenso litoral do país inexplorado e desconhecido, ao influxo das inspirações do mundo invisível; essas criaturas vinham como batedores humildes, à frente dos trabalhadores que, mais tarde, chegariam às terras novas. A situação oficial perdurava com a indiferença do monarca, distraído pelas suas conquistas no Oriente; mas, entre as autoridades administrativas do Reino, comentava-se a questão da nova colônia abandonada aos exploradores franceses e espanhóis. Compelido pela opinião do seu tempo, D. Manuel providencia as primeiras expedições oficiais, a fim de que se colocasse nas suas praias extensas o sinal das armas portuguesas. Prepara-se a expedição de Gonçalo Coelho, que, além de alguns cosmógrafos notáveis, levava consigo Américo Vespúcio, famoso na história americana pelas suas cartas acerca do Novo Mundo, nas quais, infelizmente, reside grande percentagem de literatura e de pretensiosa imaginação. Chegando ao litoral baiano, Gonçalo Coelho organiza a Feitoria de Santa Cruz, primeiro núcleo da civilização ocidental nas plagas brasileiras. O nome do país é agora Terra de Santa Cruz, pelo qual se faz conhecido nos documentos da metrópole. Depois de graves incidentes, nos quais Vespúcio se entrega a aventuras pelo interior da colônia, sedento de posição e de glória, o expedicionário português, pobre de possibilidades e com raros companheiros, lança marcos de Portugal ao longo de toda a costa brasileira. Uma das emoções mais gratas ao seu espírito é o quadro maravilhoso da Baía de Guanabara. Julgando-se no estuário de um rio esplêndido, denomina Rio de Janeiro o local, em virtude de se encontrar ali nos primeiros dias do primeiro mês do ano. No sítio encantado, instala uma nova Feitoria — a da Carioca, da qual não ficaram largos vestígios, passando aí meses a fio, a retemperar suas energias em contacto com a paisagem magnífica. Prossegue na sua tarefa de reconhecimento e volta depois à metrópole, sem conseguir interessar o monarca no que se referia à exploração da terra nova. Limitou-se o rei português a permitir o estabelecimento de feiras de pau-brasil, na colônia longínqua, o que facultou aos elementos estrangeiros o mais largo desenvolvimento de comércio com os indígenas da região litorânea. De Portugal, somente aportavam no Brasil, de vez em quando, alguns aventureiros e degredados, obedecendo a um apelo inexplicável e desconhecido. Foi, aproximadamente, por essa época, que Ismael reuniu em grande assembleia os seus colaboradores mais devotados, com o objetivo de instituir um programa para as suas atividades espirituais na Terra de Santa Cruz: — Irmãos — exclamou ele no seio da multidão de companheiros abnegados — plantamos aqui, sob o olhar misericordioso de Jesus, a sua bandeira de paz e de perdão. Todo um campo de trabalhos se desdobra às nossas vistas. Precisamos de colaboradores devotados que não temam a luta e o sacrifício. Voltemo-nos para os centros culturais de Coimbra e de Lisboa, a regenerar as fontes do pensamento, no elevado sentido de ampliarmos a nossa ação espiritual. Alguns de vós ficareis em Portugal, mantendo de pé os elementos protetores dos nossos trabalhos, e a maioria terá de envergar o sambenito humilde dos missionários penitentes, para levar o amor de Deus aos sertões ínvios e carecidos de todo o conforto. Temos de buscar no seio da igreja as roupagens exteriores de nossa ação regeneradora. Infelizmente, a dolorosa situação do mundo europeu, em virtude do fanatismo religioso, tão cedo não será modificada. Somente as grandes dores realizarão a fraternidade no seio da instituição que deverá representar o pensamento do Senhor na face da Terra, a igreja que, desviada dos seus grandes princípios pela mais terrível de todas as fatalidades históricas, foi obrigada a participar do organismo mundano e perecível dos Estados. Um sopro de reformas se anuncia, impetuoso, no âmago das organizações religiosas da Europa e, em breves dias, Roma conhecerá momentos muito amargos, não obstante os sonhos de arte e de grandeza de Leão X, que detém neste instante uma coroa injustificável, porquanto o reino de Jesus ainda não é desse mundo; mas, temos de aproveitar as possibilidades que o seu campo nos oferece para encetar essa obra de edificação da pátria do Cordeiro de Deus. Pregareis, em Portugal, a verdade e o desprendimento das riquezas terrestres e trabalhareis, sob a minha direção, nas florestas imensas de Santa Cruz, arrebanhando as almas para o Único Pastor. O característico de vossa ação, como missionários do Pai Celestial, será um testemunho legítimo de renúncia a todos os bens materiais e uma consoladora pobreza. Quase todos os Espíritos santificados, ali presentes, se oferecem como voluntários da grande causa. Entre muitos, descobriremos José de Anchieta e Bartolomeu dos Mártires, Manuel da Nóbrega, Diogo Jácome, Leonardo Nunes e muitos outros, que também foram dos chamados para esse conclave no mundo invisível. Em 1531, após Portugal ter resolvido, sob a direção de D. João III, a primeira tentativa de colonização da Terra de Santa Cruz, alguns dos convocados, participantes daquela augusta assembleia, chegavam ao Brasil com Martim Afonso de Sousa e a sua companhia de trezentos homens, a tomar parte ativamente na fundação de S. Vicente e na de Piratininga.
Nóbrega aportava mais tarde, na Bahia, com Tome de Sousa, o primeiro governador geral da colônia, em 1549, chefiando grande número desses irmãos dos simples e dos infelizes, a fim de estabelecer novos elementos de progresso e dar início à cidade do Salvador. Anchieta veio depois, em 1553, com Duarte da Costa, e se transformou no desvelado apóstolo do Brasil. Designado para desenvolver, particularmente, os núcleos de civilização já existentes em Piratininga, aí se manteve no seu respeitável colégio, que todos os governos paulistas conservaram com veneração carinhosa, como tradição de sua cultura e de sua bondade. Alguns historiadores falam com severidade da energia vigorosa do apóstolo que, muitas vezes, foi obrigado a assumir atitudes corretivas no seio das tribos, que, entretanto, lhe mereciam as dedicações e os desveles de um pai. Anchieta aliou, no mundo, à suprema ternura, grande energia realizadora; mas, aqueles que, na história oficial, lhe descobrem os gestos enérgicos, não lhe notam a suavidade do coração e a profundeza dos sacrifícios, nem sabem que, depois, foi ainda ele a maior expressão de humildade no antigo convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, onde, com o hábito singelo de frade, adoçou ainda mais as suas concepções de autoridade. A edificadora humildade de um Fabiano de Cristo, aliada a um sentimento de renúncia total de si mesmo, constituía a última pedra que faltava na sua coroa de apóstolo da imortalidade. D. João III teve a infelicidade de introduzir em Portugal o organismo sinistro da Inquisição. Com o tribunal da penitência, vieram os Jesuítas. Não constitui objeto do nosso trabalho o exame dos erros profundos da condenável instituição, que fez da Igreja, por muitos séculos, um centro de perversidade e de sombras compactas, em todas as nações européias, que a abrigaram à sombra da máquina do Estado. O que nos importa é a exaltação daqueles missionários de Deus, que afrontavam a noite das selvas para aclarar as consciências com a lição suave do Mártir do Calvário. Esses homens abnegados eram, de fato, "o sal da nova terra". Os falsos sacerdotes poderiam continuar massacrando, em nome do Senhor, que é a misericórdia suprema; poderiam prosseguir ostentando as púrpuras luxuosas e todas as demais suntuosidades do reino mentiroso desse mundo, incensando os poderosos da Terra e distanciando-se dos pobres e dos aflitos; mas, os humildes missionários da cruz ouviam a voz de Ismael, no âmago de suas almas; aos seus sagrados apelos, abandonaram todos os bens, para seguir os rastros luminosos d’Aquele que foi e será sempre a luz do mundo. Foram eles os primeiros traços luminosos das falanges imortais do Infinito, corporificadas na terra do Evangelho, e, com a sua divina pobreza, se fizeram os iniciadores da grande missão apostólica do Brasil no seio do mundo moderno, inaugurando aqui um caminho resplandecente para todas as almas, transformando a terra do Cruzeiro numa dourada e eterna Porciúncula.
OS ESCRAVOS
Certo dia, preparava-se, numa das esferas superiores do Infinito, o encontro de Ismael com Aquele que será sempre caminho, verdade e vida. Por toda parte, abriam-se flores evanescentes, oriundas de um solo de radiosas neblinas. Luzes policrômicas enfeitavam todas as paisagens celestes, que se perdiam na incomensurável extensão dos espaços felizes. Rodeado dos seres santificados e venturosos que constituem a coorte luminosa de seus mensageiros abnegados, recebeu o Senhor, com a sua complacência, o emissário dileto do seu amor nas terras do Cruzeiro.
Ismael, porém, não trazia no coração o sinal da alegria. Seus traços fisionômicos deixavam mesmo transparecer angelical amargura. — Senhor — exclama ele —, sinto dificuldades para fazer prevaleçam os vossos desígnios nos territórios onde pairam as vossas bênçãos dulcificantes. A civilização, que ali se inicia sob os imperativos da vossa vontade compassiva e misericordiosa, acaba de ser contaminada por lamentáveis acontecimentos. Os donatários dos imensos latifúndios de Santa Cruz fizeram-se à vela, escravizando os negros indefesos da Luanda, da Guiné e de Angola. Infelizmente, os pobres cativos, miseráveis e desditosos, chegam à pátria do vosso Evangelho como se fossem animais bravios e selvagens, sem coração e sem consciência. O mensageiro, porém, não conseguiu continuar. Soluços divinos lhe rebentaram do peito opresso, evocando tão amargas lembranças... O Divino Mestre, porém, cingindo-o ao seu coração augusto e magnânimo, explicou brandamente: — Ismael, asserena teu mundo íntimo no cumprimento dos sagrados deveres que te foram confiados. Bem sabes que os homens têm a sua responsabilidade pessoal nos feitos que realizam em suas existências isoladas e coletivas. Mas, se não podemos tolher-lhes aí a liberdade, também não podemos esquecer que existe o instituto imortal da justiça divina, onde cada qual receberá de conformidade com os seus atos. Havia eu determinado que a Terra do Cruzeiro se povoasse de raças humildes do planeta, buscando-se a colaboração dos povos sofredores das regiões africanas; todavia, para que essa cooperação fosse efetivada sem o atrito das armas, aproximei Portugal daquelas raças sofredoras, sem violências de qualquer natureza. A colaboração africana deveria, pois, verificar-se sem abalos perniciosos, no capítulo das minhas amorosas determinações. O homem branco da Europa, entretanto, está prejudicado por uma educação espiritual condenável e deficiente. Desejando entregar-se ao prazer fictício dos sentidos, procura eximir-se aos trabalhos pesados da agricultura, alegando o pretexto dos climas considerados impiedosos. Eles terão a liberdade de humilhar os seus irmãos, em face da grande lei do arbítrio independente, embora limitado, instituído por Deus para reger a vida de todas as criaturas, dentro dos sagrados imperativos da responsabilidade individual; mas, os que praticarem o nefando comércio sofrerão, igualmente, o mesmo martírio, nos dias do futuro, quando forem também vendidos e flagelados em identidade de circunstâncias. Na sua sede nociva de gozo, os homens brancos ainda não perceberam que a evolução se processa pela prática do bem e que todo o determinismo de Nosso Pai deve assinalar-se pelo "amai o próximo como a vós mesmos". Ignoram voluntariamente que o mal gera outros males com um largo cortejo de sofrimentos. Contudo, através dessas linhas tortuosas, impostas pela vontade livre das criaturas humanas, operarei com a minha misericórdia. Colocarei a minha luz sobre essas sombras, amenizando tão dolorosas crueldades. Prossegue com as tuas renúncias em favor do Evangelho e confia na vitória da Providência Divina. Calara-se a voz de Jesus por instantes; mais confortado, Ismael continuou: — Senhor, não teríeis um meio direto de orientar a política dominante, no sentido de se purificar o ambiente moral da Terra de Santa Cruz?
Ao que o Divino Mestre ponderou sabiamente: — Não nos compete cercear os atos e intenções dos nossos semelhantes e sim cuidar intensamente de nós mesmos, considerando que cada um será justiçado na pauta de suas próprias obras. Infelizmente, Portugal, que representa um agrupamento de espíritos trabalhadores e dedicados, remanescente dos antigos fenícios, não soube receber as facilidades que a misericórdia do Supremo Senhor do Universo lhe outorgou nestes últimos anos. Até aos meus ouvidos têm chegado as súplicas dolorosas das raças flageladas por sua prepotência e desmesuradas ambições. Na velha Península já não existe o povo mais pobre e mais laborioso da Europa. O luxo das conquistas lhe amoleceu as fibras criadoras e todas as suas preciosas energias e qualidades de trabalho vêm esmorecendo sob o amontoado de riquezas fabulosas. Entretanto, o tempo é o grande mestre de todos os homens e de todos os povos, e, se não nos é possível cercear o arbítrio livre das almas, poderemos mudar o curso dos acontecimentos, a fim de que o povo lusitano aprenda, na dor e na miséria, as lições sagradas da experiência e da vida.
Ismael retornou à luta, cheio de fervorosa coragem e os acontecimentos foram modificados. Os donatários cruéis sofreram os mais tristes reveses no solo do Brasil. Os Tupinambás e os Tupiniquins, que se localizavam na Bahia e haviam recebido Cabral com as melhores expressões de fraternidade, reagiram contra os colonizadores, transformados, para eles, em desalmados verdugos. Lutas cruentas desencadearam contra os brancos, que lhes depravavam os costumes. A luxuosa expedição de João de Barros, que se destinava ao Maranhão, mas que saíra de Lisboa com instruções secretas para conquistar o ouro dos incas, no Peru, dispersou-se no mar, sofrendo os seus componentes infinitos martírios e resgatando com elevados tributos de sofrimento as suas criminosas intenções, na condenável aventura. Os tesouros das índias levaram o povo português à decadência e à miséria, pela disseminação dos artifícios do luxo e pelas campanhas abomináveis da conquista, cheias de crueldade e de sangue. A sede de ouro acarretava o abandono de todos os campos.
A CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA
Nas praias largas e fartas de Santa Cruz, floresciam cidades prestigiosas. Com o feudalismo das capitanias, as cidades e as vilas modernas do litoral do Brasil estavam já em seus primórdios, destacando-se dentre todas os núcleos populosos de Salvador e de São Vicente, em vista das facilidades encontradas pelos colonizadores, com o auxílio dos Caramurus e dos Ramalhos, que os haviam precedido na ação, junto dos indígenas. Contudo, Portugal ainda não se decidira a destacar os seus elementos mais valorosos para os trabalhos da colônia, preferindo enviar-lhe criminosos e homens sem escrúpulos. Por toda parte, buscavam os naturais os recantos desconhecidos das florestas remotas, fugindo à escravidão e às torturas injustificáveis que lhes infligiam os homens brancos, por eles, um dia, acolhidos com as mais altas manifestações de fraternidade. O atrito das raças dava ensejo aos quadros mais dolorosos e mais lamentáveis. Tome de Sousa estava substituído por Duarte da Costa, que, como o primeiro governador geral, trouxera também consigo alguns dos missionários concitados por Ismael ao novo apostolado nas florestas americanas. Por essa época, os franceses desejaram aproveitar a encantadora beleza da Baía de Guanabara e estabeleceram aí uma feitoria, nos mesmos sítios por onde se havia retemperado Gonçalo Coelho, nos primeiros anos decorridos após o descobrimento. Com a proteção do Almirante Coligny, então favorito do Rei Henrique II de França, Nicolau de Villegaignon aporta à baía maravilhosa, em 1555, e funda uma colônia na Ilha de Serigipe, que tomou, mais tarde, o seu nome. Das árvores de Uruçumirim, que é hoje a praia elegante do Flamengo, os Tamoios valentes contemplavam, receosos, a intromissão dos europeus na sua região privilegiada. Mas, Villegaignon, com a sua mentalidade religiosa e honesta, consegue captar a confiança dos naturais, concedendo-lhes o mesmo tratamento dispensado aos seus companheiros. Os indígenas recebem carinhosamente a orientação de Paicolás e se tornam devotados colaboradores da sua obra. Enquanto os franceses se vão apoderando da costa, D. Duarte, na Bahia, lhes observa os movimentos, impossibilitado de adotar quaisquer providências. A metrópole portuguesa não se digna de enviar à colônia distante os elementos necessários à sua conservação e defesa. Villegaignon, localizado na Guanabara, edifica a sua obra; mas, os padres calvinistas, que lhe acompanharam a expedição, inutilizam-lhe muitas vezes o trabalho construtivo, com as suas discussões estéreis. Em 1559, Villegaignon regressa à França, no propósito de buscar recursos oficiais, sem jamais tornar ao Brasil, ficando os seus compatriotas abandonados na colônia nascente. Em 1558, havia assumido o governogeral de Santa Cruz, Mem de Sá, que combate sem tréguas a influência dos estrangeiros. Com a sua energia, expele os franceses do Rio de Janeiro, destruindo-lhes as fortificações. Mal, porém, se havia retirado o governador, voltaram os franceses dispersos a reassumir a sua posição na Ilha de Serigipe, com o auxílio dos Tamoios, reunidos a esse tempo na maior confederação indígena que já existiu em terras do Brasil, sob a direção de Cuhambebe, contra as perversidades dos colonizadores portugueses. O governador geral reconhece a necessidade de fundar-se uma povoação que aí ficasse como sentinela da costa, a fim de eliminar os derradeiros resquícios das influências francesas. O grande projeto aguarda ensejo favorável para a sua concretização. Estácio de Sá, sobrinho do governador, é então incumbido de comandar uma guarnição que ali se planta, em defesa da cidade; a povoação se reparte em pequenas guarnições de militares, junto ao Pão de Açúcar e numa das numerosas ilhas do golfo esplêndido. Os franceses, todavia, unem-se aos índios e Estácio de Sá morre, em 1567, empenhado com eles em guerras. O combate, em tais circunstâncias, assume proporções aspérrimas e rudes. Mem de Sá reúne todas as forças disponíveis nas cidades da colônia e ataca todas as fortificações que existiam onde hoje se situam a praia do Flamengo e a Ilha do Governador; obtém a mais completa vitória sobre o inimigo, mas permitiu, lamentavelmente, que aí se consumassem inauditas crueldades com os vencidos. Os portugueses transferem, então, a cidade, que fica definitivamente fundada no Morro de São Januário, mais tarde do Castelo. Em homenagem ao mártir do Cristianismo, recebeu a cidade o nome de São Sebastião, ficando outro sobrinho do governador na sua administração. Nas esferas superiores do infinito, Ismael e suas abnegadas falanges choram sobre tão lamentáveis acontecimentos, quais o suplício imposto a João de Boles pelos elementos de mais confiança dos maiorais da espiritualidade. A cidade fica sob a proteção espiritual de Sebastião, o grande filho de Narbonne, martirizado pela sua fé cristã ao tempo de Diocleciano, em 288 da nossa era. Estácio de Sá reúne-se às falanges invisíveis, encarregadas de cooperar no progresso daqueles sítios. Sob as vistas amorosas do desvelado patrono da cidade, desdobra-se em dedicação a favor do seu progresso, entre os núcleos florescentes. Muitas vezes voltou Estácio a se corporificar na Pátria do Evangelho, para viver na paisagem predileta dos seus olhos. Sua personalidade aí adquiriu elementos de ciência e de virtude e, ainda há poucos anos, podia ser encontrada na figura do grande benemérito do Rio de Janeiro, que foi Osvaldo Cruz. Depois das lutas sanguinolentas nas praias da baía mais bela do mundo, onde os vícios europeus, desencadeando nefandas guerras religiosas, batalhavam entre si, estendendo suas crueldades até ao Novo Mundo, Ismael considerou a necessidade de estabelecer uma diretriz para a organização econômica da terra do Cruzeiro. Após a elaboração de largos projetos de ação do plano invisível, o sábio mensageiro do Senhor discrimina as funções de cada região da pátria brasileira. Junto do golfo enorme, onde os contornos da paisagem assumem as cambiantes mais delicadas e mais espantosas, desdobrando-se nos mais graciosos caprichos da Natureza, traça ele as linhas de uma urbe maravilhosa, que será a sede do pensamento brasileiro e, mais fundamente, no coração da terra moça e bravia, traceja as plantas magníficas das duas usinas mais poderosas, onde se guardará o profundo manancial de suas forças orgânicas. Os pontos de fixação dessas sagradas balizas são encontrados ao longo dos seiscentos quilômetros de extensão do Paraíba do Sul e nas cabeceiras do São Francisco, cuja corrente deverá lançar, pelo seu percurso de quase três mil quilômetros, todas as sementes da brasilidade mais pura. Aproveitou também Ismael os núcleos orientadores de Piratininga, que se expandiriam, mais tarde, com as audaciosas bandeiras. A linha do coração do Brasil, até hoje, se encontra aí traçada. Ninguém pode negar a hegemonia da intelectualidade carioca e fluminense, desde os tempos em que a cidade de São Sebastião se derramou do Morro do Castelo, invadindo as ilhas, absorvendo as praias longas e elevando-se pelos outeiros vizinhos. São Paulo e Minas de hoje foram as regiões escolhidas como as duas fontes poderosas que guardariam o potencial de energias orgânicas da terra, formando os primeiros índices da etnologia brasileira. As águas do Paraíba do Sul e as de todo o percurso do São Francisco ainda constituem roteiro singular, onde se descobrem os característicos mais fortes do povo fraternal da terra do Cruzeiro. Cada Estado do Brasil tem a sua função essencial no corpo ciclópico da pátria que representa o coração geográfico do mundo; mas, em S. Paulo e em Minas Gerais se assentaram, por determinação do invisível, os elementos indispensáveis à organização da pátria esplêndida. Ambos serão ainda, por muito tempo, as conchas da balança política e econômica da nacionalidade e os dínamos mais poderosos da sua produção. Obedecendo aos elevados propósitos do mundo oculto, ambos ficaram irmanados junto do cérebro do país, por indefectíveis disposições do determinismo geográfico, que os reúne para sempre. Os Espíritos infelizes e perturbados, inimigos da obra de Jesus, que, entretanto, se converterão um dia ao supremo bem, pela sua infinita piedade, agem de preferência nos bastidores administrativos dos dois grandes Estados brasileiros, provocando a vaidade dos seus homens públicos, levantando tricas políticas e conduzindo-os, muitas vezes, a lutas fratricidas e tenebrosas, no sentido de atrasar os triunfes divinos do Evangelho, no coração de todas as almas. Mas, os devotados obreiros do Além não descansam em sua faina de abnegação e renúncia e, ainda agora, em 1932, quando um distinto jornalista da atualidade rasgava a bandeira nacional na capital paulista, em seu famoso discurso sem palavras, José de Anchieta, de quem João de Boles é agora dedicado colaborador, e vários outros gênios espirituais da terra brasileira se reuniam no Colégio de Piratininga, implorando a Jesus derramasse o doce bálsamo da sua humildade sobre o orgulho ferido dos valorosos piratininganos, e Ismael estende o seu lábaro de perdão e de concórdia sobre os movimentos fratricidas e reúne de novo os irmãos dos dois grandes Estados centrais do país, para a realização da sua obra em prol do Evangelho.
As fraquezas e vaidades humanas, fermentadas por forças maléficas do mundo, têm separado muitas vezes as coletividades dos dois grandes Estados da República, levando-os à inimizade e quase à ruína; mas, muito breve, quando as sombras da confusão dos tempos modernos invadirem ameaçadoramente os céus da pátria, ambos compreenderão a imperiosa necessidade de se unirem para sempre, como irmãos muito amados e, novos símbolos de Castor e Pólux, expandirão juntos as suas energias étnicas, modeladoras da terra do Evangelho, absorvendo nos seus surtos extraordinários as expressões excessivamente indiáticas do Amazonas, ao Norte, e as platinas influências nas planícies do Rio Grande, por cumprirem, de mãos dadas, os imperativos da sua grande missão histórica. Nesse tempo que não vem muito longe, as mensagens de fraternidade e de amor, expedidas pelos gênios inspiradores do Brasil, do sagrado Colégio de Piratininga, tocarão, primeiramente, na coroa de tênues neblinas das montanhas, antes de ascenderem aos céus.
SÃO VICENTE CALVINISTA
Minibiografia do jesuíta no guia de ruas "Conheça Sua Cidade", organizado por Narciso Vital de Carvalho, em 1978.
AS FAMÍLIAS POVOADORAS DA COLONIZAÇÃO VICENTINA
É importante lembrar que estamos considerando apenas localidades de origem dos primeiros povoadores segundo a genealogia paulistana de Luiz Gonzaga da Silva Leme, pois há certas famílias com sobrenomes iguais, mas que vieram depois, e de localidades distintas.Esses povoadores e seus filhos já nascidos no Brasil se tornariam o que viria ser os bandeirantes, que devassaria boa parte do oeste da linha das Tordesilhas e deixaria então a sua descendência.
Aqui vemos que dentro de nossas origens, há muitas influências do Sul e Norte de Portugal, além de açorianos principalmente das Ilhas de São Miguel e Ilha Terceira, além dos castelhanos e alguns tantos vindos de outros países e regiões da América e Brasil.
Não foi possível expor todas as famílias que pisaram em São Vicente e São Paulo antes de se espalhar pelo Brasil, mas expomos as principais e mais antigas.
PORTUGAL: Região do Porto-Anhaia-Moreira-Velho-Garcia-Pires-Gaia-Cubas-Cunha-Franco-Ferraz
Região de Viana do Castelo:-Maciel-Jorge-Carvoeiro-Siqueira-Peixoto-Brito-Camacho-Furtado-Antunes
Região de Braga:-Vasconcellos/Gago-Aranha-Pupo-Canto
Região de Vila Real:-Vaz-Guedes-Pinheiro
Região de Bragança:-Moraes
Região de Viseu:-Borges-Alvarenga-Cerqueira
Região da Guarda:-Naves
Região de Castelo Branco: -Gama
Região de Aveiro:-Cordeiro: -Paiva
Região de Leiria:-Chaves-Dias-Froes
Região de Portalegre:-Guerra
Região de Lisboa:-Brizola-Caldeira-Brant
Região de Évora:-Almeida-Castanho-Morato-Matoso-Cordeiro
-Região de Setúbal:-Pompeu-Taques-Horta-Preto
Região de Beja:-Raposo-Góes-Oliveira-Bayão/Baião-Ramos-Parente-Fernandes
Região de Faro:-Chassim-Galvão-Freitas-Pedroso-Barros-Muniz-Gusmão-França
ILHAS DOS AÇORESIlha de São Miguel:-Bicudo-Cabral-Dutra-Machado-Falcão-Sampaio-Marcondes-Botelho-Arruda-AmaralIlha Terceira:-Cardoso-Toledo-Piza-Abreu-Borba-Gato
ILHA DA MADEIRA: -Leme/Lemes-Bocarro-Nogueira-Mendonça
ESPANHARegião de Castilla y Leon:-Camargo-Ortiz-Lara
Região da Galicia:-Tenório-Aguiar/Aguilar
Região de Extremadura:-Rendon/Rondon-Quevedo-Alarcon/Alarcão-Sarmento/Sarmiento/Cabeça de Vaca-Luna-Godoy-Prado (Olivença)
Região de Andaluzia:-Bueno-Quadros-Bonilha-Carrasco-Saavedra
Outras regiões e países:
NOVA ESPANHA(Masogio, local desconhecido, mas provavelmente México):-Aguirre-Arias-Sodré
HOLANDA OU BÉLGICA, região de Flandres:-Arzão/Arzam
GÊNOVA, Itália-Adorno
PARAGUAI OU GUAIRA:-Zunega
FRANÇA, Lorraine-Furquim
RIO DE JANEIRO:-Barreto
PERNAMBUCO:-Penteado
Publicação : Paulistânia, a partir das seguintes fontes:
Genealogia Paulistana de Luiz Gonzaga da Silva LemeNobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica, de Pedro Taques de Almeida Paes Leme
4SÃO VICENTE NA LITERATURA E ENSINO DE HISTÓRIA
A HONRADA E VELHA CIDADE NORDESTINA
HUMBERTO DE CAMPOS
"Sábado, 14 de janeiro de 1929:
Às setes horas, com céu baixo e escuro, e chuviscos espaçados reclamando capa descemos o ascensor do Esplanada Hotel. À porta espera-nos três carros sólidos, carros de excursão, com o Dr. Queirós Barros., secretario da Viação, e o engenheiro-chefe das Brás hidráulicas de Santo Amaro. E os três automóveis, em fila, deixam São Paulo, indo, em um deles, o Presidente Pires Sexto, Queirós Barros e eu (...)
Aportamos , enfim, a ponto qualquer, onde outros automóveis nos aguardam. Estradas desfazendo-se em lama e lama desfazendo-se em água. Em caminho, uma parada, para um culto ao passado: uma visita à antiga Estrada do Vergueiro, caminho primitivo da Civilização, subindo a serra. Já aí, porém, temos notícia de que perdemos a parte pitoresca da festa: a neblina, levantada do mar, cobre a montanha toda e a baixada, de modo que não poderemos ver Santos e São Vicente, do alto da Serra do Cubatão!
O nevoeiro vai se tornando, na verdade, tão espesso que os carros parecem isolados numa viagem pelas nuvens. A um metro de distância não se vê nada. Cada um de nós dá ao outro a impressão de estar envolto em gaze, ou escondido num véu de noiva. A neblina parece compacta, sólida, palpável. Não uma evaporação impalpável. É um tecido que, quase, se pode romper com estrépito. E é no meio dela que chegamos à confortável moradia que a Light construiu para o seu diretor no alto do Cubatão, a 700 ou 800 metros de altura, e onde nos servem um almoço de príncipes que a poderosa empresa nos oferece.
E passamos a descer, rumo a Santos. A estrada de rodagem, imersa na névoa, é um punhal mergulhado num monte de linho. De vez em quando, e a cada curva, escuta-se uma buzina, que parece sair do mistério da neblina. Por mais de uma vez escapamos de rolar pelo abismo, indo de encontro às barras de ferro que separam a estrada e o precipício. Até que chegamos embaixo, e encontramos uma reta que corta um verde oceano de bananeiras, e em que desenvolvemos uma velocidade de 130 quilômetros a hora, - abuso permitido, apenas, ao automóvel do secretário de Viação.
De súbito, uma resolução: vamos primeiro a São Vicente. Tomamos outra estrada, atravessamos a ponte, e eis-nos na velha cidade colonial, berço da capitania, com a sua fisionomia de singela e simpática de honrada e velha cidade nordestina. E, enfim o mar, a praia imensa e lisa, pela qual rodamos no rumo sul por alguns minutos... Damos meia volta, e é Santos, com suas praias animadas e ruas extensas de cidade que mais se preocupa com o trabalho do que com os enfeites (...)
E às três horas estávamos subindo a serra debaixo de um temporal formidável, como Moisés subiu o Sinai: entre raios e trovões, que passam acima e abaixo de nós, e rolam pelo vale imenso como se tivéssemos chegado ao dia do Juízo Final (...)
De súbito, uma “panne”. O automóvel para no alto da montanha. A chuva diminuiu porque a tempestade desceu.
*
“54. No sul, onde aliás já se encontravam, prosperando, à custa do próprio esforço, povoadores; do tipo de Ramalho e do bacharel de Cananéia, com grande progênie mestiça e centenas de escravos ao seu serviço, a colônia de São Vicente foi oficialmente fundada em 1532, como mais tarde a da Bahia, a expensas da Coroa, “que correra com todas as despesas da armada e da instalação ao contrário do que sucederia nas restantes capitanias, cuja colonização se processou exclusivamente a expensas dos donatários” (Carlos Malheiros Dias, “O regime feudal dos donatários anteriormente à instituição do governo-geral”, História da colonização portuguesa do Brasil, III). Foi em Pernambuco que o primeiro século de colonização mais vivo esplendeu o espírito de iniciativa particular, de esforço individual dos moradores. O que faz crer que estes foram, entre os portugueses vindos para o Brasil no século XVI, os mais capazes economicamente. A gente de melhores recursos e aptidões para a colonização agrária”.
"A MÃE DAS POVAÇÕES COLONIAIS DO BRASIL"
GILBERTO FREIRE
GILBERTO FREYRE QUERIA MUSEU NACIONAL EM SÃO VICENTE
O sociólogo e então deputado federal por Pernambuco pela UDN escreveu um artigo na revista O Cruzeiro defendendo a criação especial de um Museu Histórico Nacional em São Vicente. No artigo o famoso autor de Casa Grande & Senzala reafirma a condição de Céllula Mater de São Vicente: "... a mãe das povoações coloniais do Brasil" e também "cidade monumento". O artigo foi publicado na edição de 22 outubro de 1949. Aprovado na Câmara, o projeto foi recomendado por uma comissão e estava atrelado ao projeto regional de unificação regional das cidades de Santos, São Vicente, Cubatão e Guarujá, de autoria do engenheiro urbanista Francisco Prestes Maia. A ideia não passou no Senado.
CONGRATULO-ME daqui – como já me congratulei na Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados – com a gente de São Vicente que, praticando o bom municipalismo e o bom tradicionalismo de que o Brasil necessita hoje, se volta carinhosamente para os valores do seu passado. Pois esses valores fazem do velho burgo cidade de significação não apenas paulista, porém regional e nacional.
MARTIM AFONSO E SÃO VICENTE EM "OS LUSÍADAS"
Luís de Camões, em Os Lusíadas (1572), fala também do descobrimento do Brasil como uma das façanhas do povo português:
"Das mãos do teu Estêvão vem tomar/ As rédeas um, que já será ilustrado/ No Brasil, com vencer e castigar/ O pirata Francês ao mar usado/ Despois, Capitão-mor do Índico mar, O muro de Damão, soberbo e armado, Escala e primeiro entra a porta aberta, Que fogo e frechas mil terão coberta"
O Brasil em "Os Lusíadas". A Terra de Santa Cruz
MACUNAÍMA E O BACHAREL EM SÃO VICENTE
A MADRUGADA DO BRASIL
“No outro dia bem cedo o herói padecendo saudades de Ci, a companheira pra sempre inesquecível, furou o beiço inferior e fez da muiraquitã um tembetá. Sentiu que ia chorar. Chamou depressa os manos, se despediu das icamiabas e partiu”.
(...)
“Correndo correndo, légua e meia adiante deram com a casa onde morava o bacharel de Cananéia. O coroca estava na porta sentado e lia manuscritos profundos. Macunaíma falou pra ele:
– Como vai, bacharel?
– Menos mal, ignoto viajor.
– Tomando a fresca, não?
– C’est vrai, como dizem os franceses.
– Bem, té-logo bacharel, estou meio afobado...
E chisparam outra vez. Atravessaram os sambaquis do Caputera e do Morrete num respiro. Logo adiante havia um rancho teatin".
Érico Veríssimo, o grande literato gaúcho, ao descrever o cenário paradisíaco e dar vida a Tibicuera, o seu personagem mítico, indígena e atemporal, chamou a experiência acontecida em São Vicente de “A madrugada do Brasil”. Uns falam dessa gênese vicentina e brasiliana com orgulho, outros apenas como reconhecimento científico óbvio; e outros reconhecem, porém escondem um certo quê de inveja e despeita por não aceitar que um lugar tão simples - como uma célula ou um casebre familiar rústico - pôde gerar descendentes tão diversos e lugares imensamente maiores do que a semente original do qual foram gerados. Ao tentar desconstruir a historicidade de São Vicente, minimizando os fatos e desprezando causas e efeitos, acabam chamando a atenção dos que querem saber mais e mais sobre o porto e a vila onde nasceu o Brasil.
O objetivo de Martim Afonso era encontrar caminho para explorar ouro, prata e diamantes. Sua presença em São Vicente foi uma espécie de prêmio de consolação pelo fracasso na sua busca original, restando tomar posse oficial a um porto já existente, estabelecer o sistema de colonização e dar continuidade à sua prospecção de negócios aliados ao rei de Portugal. Tanto que foi embora poucos meses depois da chegada e nunca mais retornou ao Brasil. Nessa outra missão ele não fracassou.
*
O ENGENHO DO GOVERNADOR E OUTROS ENGENHOS DE S. VICENTE
VIRIATO CORRÊA
Viriato Corrêa*, dono da Cadeira 32 de Academia Brasileira de Letras, escreve sobre o papel histórico de São Vicente na história do Brasil.
Vovô continuou:
– Trinta anos depois de descoberto o Brasil, Martim Afonso de Sousa chegava ao porto de São Vicente, em São Paulo, com cinco navios. Trazia ele a nomeação de governador da nossa terra.
O rei de Portugal resolvera finalmente cuidar do Brasil.
E mandou buscar as mudas na ilha da Madeira. Essas mudas tiveram tão boa sorte que, logo no ano seguinte, os lavradores de São Vicente começaram os seus canaviais.
– Valia, concordou Vovô. E justamente por isso outros lavradores se entusiasmaram e construíram os seus engenhos.
– Três fidalgos genoveses que vieram nos navios de Martim Afonso de Sousa, com a intenção de enriquecer no Brasil.
(10) Fértil – que produz muito. (11) Moenda – engenho de moer.
*
ENSINO DE HISTÓRIA NA CAPITAL DO IMPÉRIO
AS PRIMEIRAS EXPLORAÇÕES
"SAUDAR SANTOS É CUMPRIMENTAR SÃO VICENTE"
Repórter carioca da revista "Eu Sei Tudo" visita Santos, Guarujá e escreve sobre São Vicente em 1923.ASPECTOS DE SÃO PAULO - SANTOS
Uma visita a Santos jamais pode ser singular. Há de ser dupla por força.
Saudar Santos é cumprimentar São Vicente, a cidade vestutosíssima, o modelo histórico dos núcleos de habitação paulistas, a cabeça da capitania até que tal honra pairasse sobre os ombros de São Paulo. São Vicente é a relíquia do Estado.
Como tal deveria ser tratada se nossos governos, primeiro, nossos povos, depois, assentassem que a história é insubstituível escola dos homens.
Quem não sabe de onde veio saberá para onde vai? Um provérbio adverte: cabeça de louco jamais embranquece. As experiências, e a história está cheia delas, são as cãs dos povos. Quantos se julgam nascidos sem ligações com o passado errarão eternamente na vida.
A parte mais pitoresca de São Vicente é a do mar, com alguns bons prédios, inveja da cidade interior e com certeza, by God, recreio dos ingleses.
Descendo para o oceano, encontra-se o marco comemorativo pousado na terra vicentina pela Comissão Comemorativa do 4º Centenário do nosso Descobrimento, da qual foi pessoa eminente o Barão de Ramiz.
Perpetuaram em bronze vários nomes históricos. Em face do oceano ils ont grand air (em francês – “eles parecem ótimos”). Dizem muito passado a muito presente.
Também é antanho a matriz vicentina, onde traz inscrito o ano de 1757 no alto do arco da entrada. Encerra altares encimados pela coroa portuguesa. Entramos. Num deles celebravam uma missa. O sacerdote erguia hóstia qual a levantava o celebrante de 1757. Vento de passado circulava assim a igreja toda. Em São Vicente os banhos da história concorrem com os do mar.
Fonte: Memória Santista.
COMO NASCERAM NOSSAS CIDADES
"O Tico-Tico foi a primeira e a mais importante revista voltada para o público infanto-juvenil no Brasil. O primeiro número circulou em 11 de outubro de 1905, tendo à frente o jornalista Luís Bartolomeu de Souza e Silva. Já no ano seguinte tornou-se sucesso nacional de vendas, chegando à impressionante tiragem de 100.000 exemplares por semana". Biblioteca Nacional
PORTO E ESTADO DE SÃO VICENTE
WILMA TEREZINHA FERNANDES DE ANDRADE*
“ A nossa região foi descoberta em 1502, portanto dois anos após a descoberta do Brasil em 1500, por Pedro Álvares Cabral. Então, é essa expedição realmente que vai descobrir o litoral Brasileiro, desde aproximadamente onde hoje é o Rio Grande do Norte. E veio costeando todo o litoral com o objetivo de fazer um mapa, para que outros navios quando chegassem tivessem uma referência cartográfica. Eles vão aproximadamente até Cananéia e depois voltam. Essa expedição foi uma expedição de três caravelas, mandadas por D. Manoel, e foi chefiada por Gonçalo Coelho e o objetivo deles era conhecer essa tal terra de Santa Cruz, que era o nome que tinha naquela época. Para resumir, eles chegam aqui na nossa região, e descobrem o que acharam que era um rio. Então ele entraram e ancoraram onde hoje é, digamos, a Ponta da Praia, e eles deram o nome de Porto de São Vicente porque era dia de São Vicente. Com eles eram todos católicos, eles sempre davam aos pontos geográficos com o nome do santo do dia. Esse nome vai ter um enorme sucesso porque depois ficou Vila de São Vicente , Capitania de São Vicente e vai ser denominada São Vicente até o final do século XVII, quando então a passa a ser chamada de Capitania de São Paulo. Se não tivesse havido essa mudança, hoje provavelmente nós seríamos Estado de São Vicente.
Os portugueses estavam apaixonados, admirados pelas riquezas das Índias, que tinham as especiarias, que era o grande objetivo comercial da época. Então eles emigraram para o Brasil. Esse é o período chamado “pré-colonização”. Mas os franceses começaram a percorrer o litoral e os portugueses, já na época de D. João III, perceberam que ele teriam que tomar uma decisão: ou eles ocupavam ou perderiam o Brasil para os franceses. Então eles tomam providências e vem a expedição de Martim Afonso de Souza, que sai de lá no final de 1531, percorre o litoral, foi uma viagem muito acidentada, cheias de problemas, e chegam aqui também em 22 de janeiro, mas de 1532. Já existia um povoado onde hoje é São Vicente. Esse povoado era um povoado de dez ou dozes casas. Isso está documentado. Eles viviam daquilo que se chamava de escambo. Porque aqui não tinha pau-brasil, não tinha ouro, não prata nem esmeraldas. Então não tinha como viver só de escambo, de vender água e limão. Eles precisavam criar uma fonte de riqueza. Naquela época a grande fonte de riqueza era o açúcar".
*Professora Doutora em História Social. Imagem e trecho de depoimento no audiovisual História Regional da Baixada Santista - dos primeiros habitantes ao século XVI.
Fonte: Prefeitura de Praia Grande. Centro de Memória da Educação.
Os portugueses estavam apaixonados, admirados pelas riquezas das Índias, que tinham as especiarias, que era o grande objetivo comercial da época. Então eles emigraram para o Brasil. Esse é o período chamado “pré-colonização”. Mas os franceses começaram a percorrer o litoral e os portugueses, já na época de D. João III, perceberam que ele teriam que tomar uma decisão: ou eles ocupavam ou perderiam o Brasil para os franceses. Então eles tomam providências e vem a expedição de Martim Afonso de Souza, que sai de lá no final de 1531, percorre o litoral, foi uma viagem muito acidentada, cheias de problemas, e chegam aqui também em 22 de janeiro, mas de 1532. Já existia um povoado onde hoje é São Vicente. Esse povoado era um povoado de dez ou dozes casas. Isso está documentado. Eles viviam daquilo que se chamava de escambo. Porque aqui não tinha pau-brasil, não tinha ouro, não prata nem esmeraldas. Então não tinha como viver só de escambo, de vender água e limão. Eles precisavam criar uma fonte de riqueza. Naquela época a grande fonte de riqueza era o açúcar".
*
5
CIDADE MONUMENTO
Porto das Naus. Benedito Calixto.
A MAIS ANTIGA CIDADE DO BRASIL
JAIME MESQUITA CALDAS
Parece-nos que São Vicente está destinada a ficar desprovida de tudo. Não bastassem as divisões, desde os anos 40, da sua área territorial, com Praia Grande reclamando uma parte e Cubatão, outra; surge, agora, o Município de Cananéia a querer nos "tirar" um dos mais importantes títulos de nossa história (também reclamação de Porto Seguro-Bahia), alegando ser aquela cidade "a mais antiga do Brasil", polêmica que vem desafiando historiadores. O nosso trabalho é pesquisar e não contar histórias. Assim sendo, perguntamos: quais os documentos apresentados pelo historiador, Dr. Antônio Pauli- sua obra "História de no de Almeida, em Cananéia", na qual afirma ser, aquele Município mais antigo do que São Vicente. Em que? Que motivo teria para chegar a essa conclusão? Do ponto de vista histórico há, quase um empate. Mas tal não sucede. Gostaríamos de compulsar a obra de Paulino de Almeida. Tendo sido arquivista do Arquivo do Estado, pelos anos trinta provavelmente deve ter tido em mãos copiosa e preciosa documentação. Tudo faz crer, porém, que o historiador baseou-se no "Diário de Navegação" de Pero Lopes de Sousa, publicado e comentado pelo Comandante Eugênio de Castro, ou mesmo, em uma das conferências comemorativas do IV Centenário da Fundação de São Vicente, publicada na revista do IHGSP, vol. 29, intitulada "A Expedição de Martim Afonso de Sousa", do mesmo Eugênio de Castro. O único fato, em termos históricos, que nos coloca após Cananéia é que lá foi o primeiro lugar, no litoral paulista, que Martim Afonso aportou, no dia 12 de agosto de 1531, na Ilha do Bom Abrigo, "Chantando padrões de posse", pois pensavam muitos cosmógrafos que ali penetravam, em terras brasileiras, o Meridiano das Tordesilhas. Eis a razão da gentileza do Governo do Estado, em doar, àquela cidade, uma estátua de Martim Afonso, rememorando o acontecido há 450 anos. "Nessa época", segundo o historiador Paulino de Almeida, "a Ilha de Bom Abrigo" era habitada por cerca de 200 pessoas brancas (!) (náufragos e degredados). Acontece que em São Vicente, já havia um pequeno núcleo de portugueses que se misturaram com os nativos guaianazes, para alguns historiadores e tupiniquins para outros e, entre toda essa gente se encontravam, então, João Ramalho e Antônio Rodrigues.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Segundo escrito de Eugênio de
Castro, ao se referir a expedição de Martim Afonso de Sousa, "o litoral
atlântico que se desen- volve no quadrante sudoeste, entre as Ilhas de Santo
Amaro e do Bom Abrigo ou o "Portus de São Vicenzo" e o "Rio de
Cananor", de acordo com o exemplar cartográfico de 1502 - "é o mais
remoto cenário geográfico da civilização europeia na terra paulista". E no
Rio Cananor ou em Cananéia que, em 1501, a expedição de Gaspar de Lemos (ou
André Gonçalves), ou, em 1503, a expedição sob mando de Gonçalo Coelho (da qual
se desgarrou Vespúcio), deixa, a cumprir degredo, um português conhecido pelo
alcunha de "bacharel". E, é nas ribeiras vicentinas que, com o tempo
se irá ele juntar a outros portugueses. O famoso "bacharel" de
Cananéia que, para alguns historiadores, trata-se de Francisco Chaves e, para
outros, Mestre Cosme Fernandes, tão falado, tão comentado e não identificado
até hoje, foi encontrado, segundo Washington Luís na sua onra "Na
Capitania de São Vicente", por Diogo Garcia em 1527, em São Vicente e em
Cananéia, por Pero Lopes de Sousa em 1531. A identificação desse bacharel tem
pouca importância para a história, porque ele nada fez de valor. O fato dele
ter existido e ter sido encontrado por diversas pessoas em São Vicente e em
Cananéia, e com genros negociantes, comprova que São Vicente já era conhecida e
habitada por europeus muito antes de 1532. Nessa época havia moradores, não só
no pequeno núcleo de portugueses a que se refere Alonso de Santa Cruz em seu
"Islário", como serra acima até o planalto, pelo sertão e, outros
ainda, pela costa até Cananéia, Santa Catarina e mais ao sul. Já existia, pois,
a povoação de São Vicente, como feitoria conhecida". Dizer que Cananéia
era habitada em 1531, não nos causou surpresa e tão pouco admiração, a maioria
dos historiadores – e muitos – já exploraram por demais esse assunto.
MARTIM AFONSO, O FUNDADOR
Não vamos nos ocupar com o
roteiro da Armada de Martim Afonso de Sousa, sobejamente conhecida pelos
historiadores e estudiosos. O que nos interessa é a fundação oficial de São
Vicente. Possivelmente, D. João III deu instruções escritas sobre os fins
principais dessa expedição armada. Foram sempre minuciosos, abundantes e longuíssimos,
os regimentos organizados pelo governo português para todas as suas empresas. É
possível que, também tenham sido dadas instruções acreditamos que, secretas, a
Martim Afonso, as quais até hoje não foram divulgadas ou encontradas. Para a
navegação de Martim Afonso só foram registradas três breves cartas régias. São
conhecidas e podem ser lidas, na íntegra, na Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, vol. 24, págs. 74 a 78, ou na História da Colonização
Portuguesa no Brasil, vol. 3.0, págs. 159 a 160. Em nenhuma dessas três cartas
régias, datadas de 20 de novembro de 1530 e assinadas por D. João III, Martim
Afonso é nomeado, ou mesmo indicado, Governador do Brasil. Sabe-se que em 22 de
janeiro de 1532, no retorno do Rio da Prata e Cananéia, Martim Afonso,
aportando em São Vicente, ciente do pequeno povoado integrado por portugueses
já mesclados com o gentio, mesmo sabendo da impossibilidade, tendo em vista as
cartas régias procedeu o ato de fundação e Criação da Vila de São Vicente, que
foi a felizarda pela atitude do capitão-mór, função da qual estava investi- do
por uma das cartas régias, cujo ato foi manter o nome que já existia, erigindo,
com celebridade, a Igreja de N. S. de Assunção (que serviu de matriz), a Casa
do Conselho (Câmara), a Cadeia, o estaleiro e todas as obras que eram míster
para gazalhado da colônia e funções administrativas. Retornou para Lisboa, em
meados de agosto de 1533, para dar conta ao rei do resultado, de sua expedição.
Sem dúvida D. João III, tomando conhecimento desse resultado, e dele se contentando,
nomeou Martim Afonso, capitão-do-mar da Índia, a 19 de dezembro de 1533, para
onde ele partiu a 14 de março de 1534. Pela análise dos acontecimentos em que
tomou parte a expedição de Martim Afonso de Sousa, desde o Cabo de Santo
Agostinho, para o norte e para o sul e, pelo que ela fez, Washington Luís
deduziu, assim como outros cronistas, que a sua missão foi: 1.0) Expulsar do
Brasil os franceses que aí já começavam a se estabelecer, comerciando com os
índios; 2.0) Descobrir minas de ouro e prata e mais metais preciosos que se
esperava existir, muito abundantes, mais a leste das que os espanhóis se haviam
apoderado, e que então desvairavam o mundo incitando a cobiça geral; 3.0)
Reconhecer toda a costa e saber o que pertencia a Portugal, nos termos do
Tratado de Tordesilhas. Esperava, talvez, D. João III que o seu domínio inclusive
o Rio da Prata; 4.0) Fortalecer civil- mente é fortificar militarmente os
diversos pontos da costa do Brasil, dentro da demarcação portuguesa, para
assegurar os senho- rios do rei de Portugal, e neles estabelecer postos de
ocupação, "cravando padrões portugueses de posse. "Repetimos"
cravando padrões portugueses de posse". Foi isso o que aconteceu em
Cananéia. Durante o tempo em que Martim Afonso permaneceu em São Vicente, isto
é, de janeiro e 1532 a meados de 1533, não era ele, ainda, donatário da
Capitania, nem mesmo ainda a costa do Brasil havia sido repartida em Capitanias
Hereditárias, não havia ele ainda recebido a doação que deu poderes para citar
vilas. Antes não os tinha, pois o rei absoluto não os delegara nas mencionas
três cartas régias. O foral da Capitania de São Vicente, passado em Évora em
outubro de 1534, tão pouco os contém (vide documentos Históricos da Biblioteca
Nacional, vol. 13, pág. 149 e seguintes). Só a carta de doação, a 20 de janeiro
de 1535, os concedeu nos seguintes termos: "outrossim me apraz que dito
capitão e governador, e todos os seus sucessores possam por si fazer vilas
todas, e quaisquer povoações, que se na dita terra fizeram e lhe a eles parecer
que o devem ser, as quais se chamarão Vilas, e terão termos e jurisdição,
liberdade e insígnias de Vilas, segundo o fôro e costumes dos meus
reinos..."
CRIAÇÃO DA VILA DE CANANÉIA
Segundo os
"Apontamentos" de Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, acerca da época
da criação desta vila e de seus fundadores, consta que "houve provisão do
donatário em 1587, mas que só teve lugar a 13 de julho de 1600, pelo governador
e capitão-mor Roque da Costa Barreto". Entretanto, no Cartório da
Tesouraria da Fazenda de São Paulo, maço n. 3 de próprios nacionais,
encontra-se o seguinte documento: "Aos 31 de outubro de 1601, se juntaram os oficiais da Câmara desta Vila de São João Batista de Cananéia e assim
mais os moradores desta vila e foram buscar um sítio acomodado para se fundar a
vila, conforme previsão do sr. Governador...."
CONCLUSÃO
Toda a documentação consultada e
pesquisada nos revela esses acontecimentos acima descritos, menos que Martim
Afonso tenha fundado a Vila de Cananéia. No Brasão de Armas desse Município, no
primeiro quartel do escudo (escudo esquartelado, dividido em 4 partes), nos é
mostrado" um padrão de pedra com a cruz de Cristo, rememorando os marcos
que Martim Afonso de Sousa, em 1531, chantou à Barra de Cananéia, no pontal de
Itacurussa, primeiro ponto do Litoral Paulista a que aportou. "Como se
sabe, o brasão de Cananéia, é de autoria do ilustre e já desaparecido historiador
Afonso de E. Taunay", mestre dos historiadores paulistas, "tendo
sido, também, o autor da legenda que se encontra no Brasão de São Vicente, de
autoria de Benedito Calixto que foi corrigido e aprimorado nas suas regras
de heráldica em 1976. Para São Vicente, Taunay escreveu "Cellula
Mater" (celula mãe, início de tudo). E para Cananéia: "Urbs Braziliae
Clara" (Cidade Ilustre do Brasil), Francisco Adolpho de Varnhagen,
Visconde de Porto Seguro, considerado o mestre da Historiografia nacional,
quando se referia a São Vicente dizia - "São Vicente é a Cellular-Mater, quem
quiser provar o contrário, procure antes estudar a História do Brasil".
Provavelmente, Taunay tenha aproveitado essa expressão do grande historiador.
Convém lembrar que foi Taunay, também, o autor dos dizeres nas três placas de
bronze colocadas no obelisco de Cananéia, inaugurado as 14 horas do dia 12 de
agosto de 1931, na atual Praça Martim Afonso, comemorando dessa forma, o IV
Centenário do "APORTAMENTO DA FROTA DE MARTIM AFONSO, no porto de Cananéia
e da partida da bandeira de Pero Lobo". É o próprio Dr. Antônio Paulino de Almeida -
ilustre historiador, já falecido, que em 1926 era o Promotor Público de
Cananéia que envidou todos os esforços, para recuperar um dos marcos, submersos,
tendo, a 18 de julho de 1926, conseguido trazê-lo à praia e, que posteriormente
coadjuvado pelo então prefeito daquela Cidade, sr. João P. de Almeida, foi pela
municipalidade oferecido o marco ao Museu Paulista-escreveu, em 1932, os versos
do "Hino à São Vicente", música do maestro Eduardo Bourdot, composto
para as solenidades do IV Centenário da Fundação de São Vicente. É, ele mesmo,
no verso 3.0, assim se expressa: És a Cellula Mater da História/ que enobrece
este povo gentil. / O teu nome, com honra, com glória/ neste dia repete o
Brasil!
Finalmente, não sabemos a razão
porque Cananéia reivindica o título de "a mais antiga cidade do
Brasil".
MONUMENTOS
DADOS HISTÓRICOS SOBRE SÃO VICENTE, 1ª CAPITANIA DO BRASIL, NOS TEMPOS PRIMITIVOS. SUA DECADÊNCIA E SEU RENASCIMENTO
POR BENEDITO CALIXTO
PRICIPAIS REALIZAÇÕES ARQUITETÔNICAS E URBANÍSTICAS
"PONTE PÊNSIL"
São Paulo, sábado, 15/10/2022
SÃO VICENTE GUARDA HISTÓRIA EM EDIFÍCIOS
PORTO DAS NAUS AINDA RELEGADO AO ABANDONO
Distante poucos metros de uma das cabeceiras da Ponte Pênsil, o Porto das Naus, um dos locais históricos vicentinos mais antigos, considerado o primeiro trapiche alfandegário do Brasil, ficou por décadas abandonado. Em 13 de junho de 1982, essa situação foi denunciada em matéria do jornal santista A Tribuna.Conforme Jaime Caldas, há muita divergência entre os historiadores quanto a determinados aspectos históricos do Porto das Naus, chegando-se inclusive a afirmar que as ruínas atuais pertencem ao antigo ancoradouro das naus de Martim Afonso, quando na verdade elas são remanescentes do engenho de açúcar construído posteriormente no local.
De qualquer forma, o valor histórico do Porto das Naus não é contestado por ninguém, tanto que o próprio Condephaat, tão criterioso em suas pesquisas, optou pelo tombamento das ruínas. Mas os recursos para a recuperação.
PORTO DAS NAUS:
1º SÍTIO HISTÓRICO DA COLONIZAÇÃO BRASILEIRA
UM NOVO PADRÃO DE SÃO VICENTE
Discurso proferido polo Exmo. Senhor Doutor Ricardo Severo e mui gentilmente cedido por S. Excia. ao "Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro".
*
O SIGNIFICADO DO MONUMENTO-PADRÃO
JAIME CALDAS
A VILA VELHA DE SÃO VICENTE
Pe. PAULO HORNEAUX DE MOURA FILHO
Tudo, então, se me parece antigo.
Os índios alvoroçados com as novidades portuguesas... Os poucos negros, com o batuque da terra distante, fazem melancólicos e taciturnos os eventos da vila.
Que padre é aquele que vem lá? Gonçalo Monteiro, Anchieta, Nóbrega, Leonardo Nunes ou Frei Gaspar da Madre de Deus?
E aquele ancião, cercado de indiozinhos? João Ramalho ou outro lusitano, semeador de vida branca por aqui? Sei lá! O que sei é que vejo minha terra natal como deveria ter sido, exalando cheiro antigo na modernidade do ano 2001.
A Vila Velha soube ressuscitar, no desvario dos dias modernos, a placidez dos séculos passados. Quem é aquele menino, filho de português e índia, que eu vejo rezando tanto, mais que os outros, prenunciando a glória religiosa de uma cristandade nascitura? Seria André de
Soveral, o meu irmão martirizado, aquele menino rezador?
Séculos se foram. E eu vejo, hoje, como se fosse ontem, os embalos ingênuos de quase cinco séculos vividos.
O milagre da história colocou-me sentado ao lado dos pais da pátria. Eles me falavam da Igreja de Nossa Senhora da Assunção, do Colégio dos Meninos de Jesus, da água milagrosa da Biquinha dos encantos das praias virgens, da altivez da ilha do Mudo, do ancoradouro das Naus, dos engenhos de açúcar e aguardente, da evangelização religiosa, das lutas com os índios, do embarque dos bandeirantes, das noites de luar e das manhãs ardentes, das tempestades de outono, das festas religiosas, dos quitutes africanos e dos remédios de ervas, que os índios manipulavam... Falavam, principalmente, da pureza de costume.
O sonho contagiou-me. E eu sonhei até o instante em que alguém me lançou no batente: "Padre, está na hora de o senhor celebrar a missa do Padroeiro. O Sr. Bispo já chegou".
Adeus, Vila Velha! Adeus, São Vicente antiga! Adeus meus ancestrais! Passado, presente e futuro, tudo é uma coisa só, para quem ama!
"E eu te amo, São Vicente."
SÃO VICENTE E SANTOS, ILHA E CONTINENTE
Martim Afonso de Sousa concedeu a primeira sesmaria do Brasil a Pedro de Góes. Esta foi originalmente a primeira divisa territorial entre a Vila de São Vicente e a futura Vila do Porto de Santos, nascida dez anos depois, em 1542.
"S. Vicente, capitania de Martim Afonso é uma terra muito honrada e de grandes águas e serras e campos. Está a vila de S. Vicente situada em uma ilha de três Léguas de comprido e uma de largo na qual ilha se fez outra vila que se chama Santos a qual se fez porque a de S. Vicente não tinha tão bom porto; e a de Santos, que está a uma légua da de S. Vicente, tem o melhor porto que se pode ver, e todas as naus do mundo poderão estar nele com os proizes dentro em terra. Esta ilha me parece pequena para duas vilas, parecia-me bem ser uma só e toda a ilha ser termo dela. Verdade é que a vila de São Vicente diz que foi a primeira que se fez nesta costa, e diz verdade, e tem uma igreja muito honrada e honradas casas de pedra e cal e com um colégio dos irmãos de Jesus. Santos precedeu-a em porto e em sítio que são duas grandes qualidades e nela está já a alfândega de V. A. Ordenará V. A. nisto o que lhe parecer bem que eu houve medo de desfazer uma vila a Martim Afonso, ainda que lhe acrescentei três, s. (isto é) a Bertioga, que me V. A. mandou fazer, que está a cinco léguas de S. Vicente na boca (dum) rio por onde os índios lhe faziam muito mal” – Tomé de Souza em carta ao rei D. João III
ISBN: 978-85-7979-060-7
...
“Há em São Vicente, na rua que passa por detraz da igreja matriz, um pequeno prédio despido de todo o reboco, quase em pedra seca, fendido e partido no ângulo frontal direito pelas raízes de uma figueira brava que ali nasceu; este prédio, cuja porta é estreita e baixa, cujas janellas não têm mais de 3 palmos de altura e 2 de largura, affirma a tradição que fora a residência do primeiro capitão-mó de S. Vicente. Quizera que a civilizasão moderna respeitasse este monumento da antiguidade, e o conservasse intacto para servir de contraste com as modernas habitações; à porta desta casa, se tal nome se lhe pode dar, estava sentada uma parda velha cercada de creanças, a qual não se não tem mais de 100 annos, deve andar por muito perto delles” (1).
- Quer vender esta casa, senhora? Perguntei-lhe eu.
- Não, senhor (respondeu-me Ella com mau modo). Esta casa não se vende!
(1) Maria da Cruz, falleceu em outubro de 1883 tendo 93 annos de idade, entretanto que lhe davão a de 104 anos.
SÃO VICENTE EM 1829. Relatório do Dr Joaquim Antônio Pinto Júnior,vice-presidente da Província de São Paulo-1885. Almanaque Administrativo, Mercantil e Industrial do Rio de Janeiro 1885
A CASA DE PEDRA DE MARTIM AFONSO
"Saibam quantos este público instrumento de posse virem, em como, no ano de nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e trinta e dois aos 15 dias do mês de outubro, e ém a Ilha de São Vicente, dentro da Fortaleza, por Pero de Góes, fidalgo da Casa de El Rei nosso Senhor..."
Foi nesta fortaleza" que o fundador se instalou em janeiro de 1532, assinou seus primeiros atos e administrou a terra vicentina até o seu regresso a Portugal, em 1533, deixando-a aos capitães-mores que o sucederam, como residência, fortim e prisão.
Por volta de 1971, o prefeito Jonas Rodrigues planejava transformar o local, em que se achava a "Casa de Pedra" ou "Casa de Martim Afonso", em utilidade pública, para fins cívicos e culturais, situada na Rua Martim Afonso, nos: 48,52 e 56.
A idéia era antiga e não foi levada avante por absoluta falta de recursos do Município, para a compra do imóvel. O historiador Francisco Martins dos Santos chegou a elaborar os considerandos do projeto de lei que o então prefeito Dantas Forbes enviou à Câmara em 27 de julho de 1965, e que acabou sendo arquivado por falta de manifestação do Legislativo Vicentino.
A "Casa de Martim Afonso" estava cadastrada na Prefeitura, com 18 metros de frente para a Rua Martim Afonso, por 50 metros de fundos, a "Casa de Pedra" estava vazia, à venda (isto por volta de 1971).
Tinha sido ocupada por um estúdio fotográfico (que sofreu incêndio), uma quitanda-empório e uma hospedaria nos altos (era na época uma casa de dois pavimentos).
A primeira referência à Casa de Martim Afonso está no famoso mapa XIV do "Islário" de Alonso de Santa Cruz, 1. oficial subcomando da armada do almirante de Espanha, Sebastião Caboto, publicado na Alemanha, pela primeira vez, em 1532, onde o autor cartografa simbolicamente a povoação de São Vicente, após sua visita a este porto nos anos de 1526, 1527 e 1530.
Existem além desses, outros documentos que nos falam da "Casa de Pedra". Foi pintada por Benedito Calixto, reproduzindo uma antiga gravura,
Outros documentos mais recentes constatam a sobrevivência da "Casa de Pedra", como levantamento do século passado, registram este prédio já com dois pavimentos, com a legenda de "Construção Antiquíssima". Esse levantamento é de autoria do engenheiro belga Jules Martim, o mesmo que construiu o Viaduto do Chá, em São Paulo.
"O que não deixa de ser deprimente - dizia Francisco Martins dos Santos - para a Cellula Mater da Nacionalidade, a Cidade Monumento da História Pátria - é não ver remanescente da Casa de Martim Afonso seu monumento histórico maior".
Apesar dos esforços de muitas pessoas para com esse monumento da história vicentina, da história Paulo e da história do Brasil, ele foi demolido sem que pudesse chegar até nossos dias.
Era o sonho de muitos vicentinos ver transformado aquele velho edifício com algumas paredes de pedra primitiva casa, em Centro Cívico e Cultural de São Vicente.
Seria ali, com certeza - para fins turísticos e históricos - o Marco Zero do Brasil !