08/07/2019

ESPORTES E CLUBES



OUTROS ARTIGOS:

PEPE, ESTA É A SUA VIDA

O CLUBE DE REGATAS  TUMIARÚ

O INTRÉPIDO ANTÔNIO ROCHA

ÍCARO DE CASTRO MELLO, ARQUITETURA E ENGENHARIA DO ESPORTE

OS ASTROS DO BASQUETE 

SÃO VICENTE E O SANTOS DE PELÉ 

OS ARISTOCRATAS DO GOLF CLUB

DO CASINO AO ILHA PORCHAT CLUB 

NA ONDA DO SURF

JOGOS, CAMPEONATOS E TORNEIOS

O OPERÁRIO DO HIPISMO



Nascido e batizado em Santos, o menino Pepe aprendeu a jogar futebol nos anos 1940 na várzea vicentina da Vila Melo, Catiapoã, Cascatinha, Guassu, Vila Valença e Voturuá, todos bairros simples e sem calçamento. Em matéria de página inteira do jornal Cidade de Santos feita por Eron Brum em 1967, a carreira do Canhão da Vila foi destrinchada em curiosidades biográficas ao longo dos anos até a sua despedida do Santos F.C. Selecionamos apenas os trechos da época varzeana.








Revista A Fita, Santos, edição de 1910. 



*

O CLUBE DE REGATAS TUMIARU

"A história do Clube de Regatas Tumiaru data de uma época em que São Vicente era considerada apenas cidade de estilo colonial. O turista ainda não havia descoberto seus encantos e apenas jovens aqui radicados tomavam conta das praias, sem que houvesse uma entidade recreativa onde fossem proporcionados momentos alegres de estreito convívio da coletividade. 
Assim, um animado grupo de rapazes, imbuído de ardente vontade, resolveu fundar uma agremiação náutica, a fim de possibilitar sua participação nas regatas disputadas em Santos, entre os clubes de regatas Santista, Internacional de Regatas e Saldanha da Gama, agremiações que ainda hoje, como a entidade calunga, ostentam respeitável patrimônio histórico e esportivo. 
Com essa finalidade, reuniram-se na manhã de 22 de dezembro de 1905, segundo consta, em local onde funcionava o antigo rinque de patinação vicentino, os srs. Salvador Malaquias Leal, Manoel Geraldo Forjaz Júnior, Manoel da Costa, Mário da Cunha Nogueira, Gaspar Manga, Henrique Wright, Luiz Hourneaux, Leopoldo Magalhães de Matos, João da Silva Santos, Bloen Martins e Olegário Herculano Alves. Foi aclamado para presidir os trabalhos o sr. Mário da Cunha Nogueira, que convidou para secretários os srs. Antero Bloen Martins e Manoel Geraldo Forjaz Júnior. Estava assim fundada a primeira agremiação esportiva de São Vicente. 
Segundo proposta do sr. Salvador Malaquias Leal, foi escolhida a denominação da sociedade: Clube de Regatas Tumiaru, homenagem ao local onde iria ser erguida a sua primeira sede, no porto de São Vicente, que naquela época era assim denominado. 
Quanto ao vocábulo Tumiaru, existe uma controvérsia entre historiadores, não sendo até hoje conhecida ao certo sua origem. Alguns afirmam ser "nome antigo e tradicional de nossa toponímia dos tempos de colonização. Era designativo da zona fronteira à ilha de São Vicente". No entanto, nenhum estudioso afirmou ao certo a origem da denominação daquela área compreendida na Vila de São Vicente. 
A primeira sede do clube foi inaugurada no ano de 1906, por ocasião do primeiro aniversário, sendo construída pelos próprios fundadores, em local próximo à cabeceira da Ponte Pênsil, do lado da ilha. 
Ali esteve sediado o Clube de Regatas Tumiaru até o ano de 1931, quando foi constrangido a transferir sua garagem de barcos para outro local, após atravessar diversas crises financeiras. 
Assim, em 1932, quando se comemorava o IV Centenário da fundação da cidade, outro grupo de jovens, cuja maioria ainda pertence ao quadro associativo tumiaruense, inaugurou a sede do Japuí, hoje transformada em instalações de campo e recreativas da entidade, onde está construída a primeira piscina oficial de São Vicente. 
Depois disso, ante o surgimento de novas crises financeiras, o Tumiaru esteve prestes a desaparecer. Todavia, o trabalho hercúleo do mesmo grupo de sócios abnegados conseguiu, em 1939, adquirir um terreno na Praça Coronel Lopes, onde foi construída a quadra de bola-ao-cesto. Mais dez anos se passaram e o alvinegro calunga sentiu necessidade de ampliar suas instalações, adquirindo, então, o terreno anexo, que faz esquina com a Rua Expedicionários Vicentinos. 
Dessa época até nossos dias, o Tumiaru foi crescendo satisfatoriamente e galgando a esplêndida linha de progresso que hoje todos conhecem. 
Construída a sede social, as instalações esportivas passaram a ser criadas e ampliadas, transformando a antiga agremiação do Japuí em expressiva força no esporte da Baixada Santista e de todo o Estado de São Paulo. 
Enumerar os feitos esportivos tumiaruenses é tarefa desnecessária. No entanto, seria injustiça não rememorar o reide São Vicente-Buenos Aires, efetuado em 1934, pelos remadores Antonio Rocha e José Ferreira de Andrade, no barco Bandeirantes. Essa a maior vitória obtida pelo Tumiaru, secundada por muitas outras, dentre elas a de Wlamir Marques, esportista militante nos quadros de bola-ao-cesto do alvinegro calunga, que inscreveu o nome do clube vicentino no plantel sulamericano e mundial." (A Tribuna, 22 de dezembro de 1960 ) 
Esportes - Depois do remo, foi para a natação. O polo aquático foi, igualmente, introduzido, trazendo para o clube vicentino inúmeras glórias e projetando entre outros: Rui Ribeiro Rato, Olimpio Azevedo Filho, Luiz Martins Viana, Irany de Carvalho, Gilberto Jordão Ribeiro, Saulo de Castro Bicudo, Ari Gardon, Gastão Moreira do Amaral, Alberto Junior, Durval Martins Duarte e José do Carmo Neves Filho como seus maiores valores. 
Nessa modalidade conquistou o título de vice-campeão dos Jogos Abertos do Interior de 1939. Mais tarde, surgiram novos valores como: Silvio A. de Castro, Irineu de Carvalho, Lauro Azevedo, Edison Teles de Azevedo Filho, Pedro Corvelo, Francisco Schneider, Armando Lichti Filho e outros. 
Em sua galeria de campeões destaca-se as figuras de Vilibaldo Mello Leite, campeão brasileiro de natação - 1952; Isabel Ribeiro Morais e Silva, campeã brasileira de natação; Wlamir Marques, vice-campeão mundial de bola ao cesto - 1954; Noé P. Vaz, campeão brasileiro de 1952, modalidade bola ao cesto juvenil e Milton Almeida, campeão brasileiro de 1953, na mesma modalidade. 
Hino - Adamastor F. Pereira compôs para o clube a marcha "Tumiaru", hino oficial da agremiação vicentina (Polianteia) 



"O Diário" de Santos, quinta-feira, 20 de janeiro de 1939. Matéria sobre o C.R.Tumiaru e sua sua sede náutica no "Japuy". Acervo: Hemeroteca da BN


O TUMIARÚ E OS FEITOS VICENTINOS 

O Clube de Regatas Tumiarú foi o fundador da Federação Paulista das Sociedades de Remo. O Remo nasceu em São Vicente através de dois grupos que tinha dois barcos: a turma do “Marina”, que formada por por Olimpio Azevedo, Antônio Militão Júnior, Luix Horneaux e Adauto Félix de Lima; e a equipe do “Jurema”, compostas pelos irmãos Manoel e José Leite Forjaz e um grupo de amigos. Foram esses homens que tendo o o capitão-tenente Theodureto Souto (foto) como líder, fundaram o Tumiáru em 1905. Em 1907 foi fundada a Federação Paulista das Sociedades de Remo. O primeiro presidente e idealizador da federação foi o capitão-tenente Theodureto Souto. O Tumiaru deu mais dois presidentes para a federação, que foram: José do Carmo Neves e Walter Amaral. A primeira regata Oficial realizada em São Vicente, foi em 1907, na qual o Tumiaru foi o vice-campeão. As guarnições tumiaruenses foram formadas dentre outros por Artur Ratto, Nestor Moura, Almiro Rodrigues, Hermano Câmara, Luiz Horneaux, Armando Plácido Trigo e Guilherme Emmerch. 

O primeiro grande feito do Tumiaru foi o primeiro “ride” inter-estadual São Vicente-Rio de Janeiro. A saída deu-se em São Vicente, no Japuí, no dia 25 de fevereiro de 1933 e a chegada no Rio de Janeiro, na rampa do Clube de Regatas Flamengo, no dia 13 de março de 1933. Essa conquista foi realizada no canoé “Itararé”, pelo remador Antônio Rocha. O maior feito de remo do mundo, que se tem notícia, foi o “ride” São Vicente-Buenos Aires, feito pelos remadores Antônio Rocha e José Ferreira Andrade. Foi feito no duble-canoé “Bandeirantes”, no período de 2 de abrail de 1924 a 21 de outubro do mesmo ano, com saída do Jaupuí e chegad em Buenos Aires, na rampa do Clube de Regatas “La Marina”. 
(...) Durante todos os anos em que os barcos do Tumiaru iam para a “Raia” do Valongo, Ponta da Praia, São Vicente e São Paulo (Tietê), o “patrão” sempre foi Dídimo de Souza Santos... 

C.R. TUMIARU EM 1944 


NO CLUBE DE REGATAS TUMIARU - O Clube de Regatas Tumiaru, de São Vicente, está revivendo suas fases de brilhante atividade esportiva e social, realizando belas reuniões, que têm assinalado o maior êxito. Os clichês que publicamos representam aspectos apanhados durante uma das últimas festas na sede do querido grêmio vicentino, atualmente dirigido por esportistas como Jorge Elbel e Francisco Sá Júnior, que tudo vêm fazendo pelo progresso do Tumiaru" 

Fotos e legenda: revista Flama, maio de 1944 (ano XXIII, nº 5) 


"Fotografia tirada na sede do Clube de Regatas Tumiaru, de São Vicente, no dia 18, após o almoço que os cronistas esportivos ofereceram à diretoria do querido grêmio calunga" 


A COOPERAÇÃO DE SÃO VICENTE AOS ESPORTES DE SANTOS


S. Vicente e Chanteclér, nos tempos antigos - Hoje, muito entusiasmo, muita vibração - O Tumiaru, o clube mais antigo da terra de Martim Afonso de Sousa - um legítimo patrimônio de glórias 

Por José do Carmo Neves 

Não andaram com acerto, prezados amigos da A Tribuna, querendo de mim algumas linhas sobre a cooperação de minha terra - o município de São Vicente - aos esportes da bela Santos, sua comarca. Faltam-me forças para corresponder à exigência de tão alta missão, que encontraria por certo em outro conterrâneo meu quem a cumprisse com maior brilho e mais elevação. Só mesmo um acontecimento todo excepcional, que constitui motivo de grande júbilo, é que poderia me obrigar a consentir que se apagasse de mim o pessimismo. Triunfou a ordem dos meus bons Amigos, porque com ela me é proporcionada a gratíssima oportunidade de falar dos esportes de minha terra e, ao mesmo tempo, de saudar A Tribuna, na data festiva de seu jubileu. 
Venho dizer, numa sincera efusão de simpatia, que A Tribuna é para os vicentinos, tanto quanto para os santistas, um clarão que durante meio século vem iluminando todos os recantos por onde passa. Jornal que nasceu com a cidade em plena formação, com ela progride e como ela se renova, aperfeiçoando-se e sempre se distinguindo no cenário da boa imprensa brasileira. Sua existência, toda dedicada a recolher os mil aspectos da vida para logo depois transmiti-los aos milhares de seus leitores, tem sido sempre venerada porque só tem sido vivida para simbolizar o bem! E nós, os que mourejamos nos esportes, temos sido pródiga e fidalgamente aquinhoados. Constitui, portanto, motivo de imenso prazer o encontrarmos oportunidade para manifestar de público o nosso profundo reconhecimento pelo muito que de bem ela nos tem feito. 
Enobrecido pela grande e imerecida distinção que me foi conferida, vou procurar dizer aos caríssimos leitores da A Tribuna qual tem sido a cooperação de minha terra aos esportes de Santos. 
Começando pelo futebol, esporte que se tornou o mais popular de nossa Pátria, preciso voltar aos belos tempos em que o nosso glorioso São Vicente Atlético Clube só nos enchia de orgulho, levando aos gramados santistas o seu "onze" valoroso e muitas vezes vencedor. 
O clube de Armando Trigo foi fundador da extinta Associação Santista de Esportes Atléticos, entidade que era na época a dirigente do futebol amador de Santos. Pouco depois, fundava-se em São Vicente o Chantecler Futebol Clube, outro grande colaborador incansável e que sob a orientação de Francisco Sá, levava aos campos de Santos a sua turma disciplinada e forte, emprestando aos campeonatos oficiais santistas o mesmo brilho e o mesmo concurso do seu companheiro de lutas, o São Vicente Atlético Clube. Hoje, o futebol amador da terra de Martim Afonso tem sua entidade própria, e seu campeonato oficial, disputado por clubes de valor, como o Beira Mar, União, Feitiço, Beija Flor, Itararé etc., cujos quadros se unem com os dos clubes de Santos em jogos amistosos e festas civis, comemorativas e de beneficência. 
Passando para os esportes aquáticos, evoco as saudosas tardes domingueiras em que o Valongo se engalanava para receber festivamente as delegações dos clubes paulistas e, muitas vezes, os cariocas e nortistas que aqui vinham disputar com santistas e vicentinos as mais lindas regatas que ainda hoje são lembradas com vibração e entusiasmo. Embarcações de todos os tipos, remadas valentemente por atletas de fibra, singravam as águas do nosso belo estuário, em porfia leal e vigorosa, na ânsia de darem ao pavilhão de seu clube a palma da vitória. A bordo de rebocadores ou de grandes lanchas, reuniam-se as nossas famílias em verdadeiras festas de requintada elegância, nas quais imperavam a mais perfeita sociabilidade e a mais legítima esportividade. 
Assistia-se à disputa dos páreos e cumprimentava-se o vencedor com a mesma alegria e a mesma satisfação com que se dançava nos intervalos das corridas. Azulões, Papagaios, Vermelhinhos, Calungas e Vascaínos, unidos e coesos, completavam o sucesso dessas memoráveis festas que tanta saudade nos trazem. 
E ao evocar esses belos feitos do remo santista, sinto-me levado ao Japuí, àquele lindo recanto banhado pelas águas tranqüilas do Mar Pequeno, onde o Clube de Regatas Tumiaru mantém suas principais instalações. O Tumiaru é, presentemente, o clube mais antigo de S. Vicente. Foi fundado a 22 de dezembro de 1905 e vem desde essa data prestando seu inteiro e incondicional apoio a todas as boas iniciativas do esporte santista. 
No remo é fundador da extinta Federação Paulista das Sociedades do Remo, que teve como seu primeiro presidente o saudoso Teodureto Souto, oficial distinto da Marinha Brasileira e grande incentivador dos esportes aquáticos em nosso Estado. É igualmente, fundador da atual Federação do Remo do Estado de São Paulo, à qual continua filiado. 
Em natação e pólo-aquático, é também fundador da Federação Paulista de Natação e da Liga Santista de Esportes Aquáticos, das quais é membro efetivo e disputante dos campeonatos oficiais pelas mesmas patrocinados. 
É ainda fundador da Liga Santista de Basketball, a cujo quadro pertence, e, finalmente, filiado à Liga Santista de Voleibol. Nestas duas últimas modalidades, basquete e vôlei, São Vicente tem se feito representar oficialmente nos campeonatos da cidade de Santos, por intermédio do Clube de Regatas Tumiaru, na divisão principal e do São Vicente Praia Clube, na segunda divisão de Basquete e na primeira divisão de Voleibol. O Tumiaru já obteve o título de vice-campeão das segundas turmas, assim como o São Vicente Praia Clube o de vice-campeão, em basquete. 
Como se vê, o Tumiaru é o clube que há mais tempo e em mais setores vem participando da vida esportiva de Santos, conhecendo-lhe muitos dos acidentes de sua inconstante existência. Palmilhando desertos ou atravessando prados floridos, segue o Tumiaru a sua marcha de batalhador incansável que só deseja, como seus co-irmãos, elevar bem alto, dentro e fora do município, o bom nome dos esportes vicentinos. 
São de meu ilustre conterrâneo, o dr. Paulo H. de Moura, as seguintes palavras com que encerro esta desataviada crônica: 

"O Tumiaru é um legítimo patrimônio de glórias da terra de Martim Afonso. Ostenta-se há 39 anos e há de por certo conservar-se sempre como o baluarte impávido das tradições de que tanto se orgulham os vicentinos. Remo, natação, pólo-aquático, vôlei, basquete. Turmas de atletas de ambos os sexos. Muitos campeões nas várias modalidades dos esportes que ali se praticam, eis o que São Vicente apresenta como resultado positivo de sua boa política de aproximação e de cordialidade junto às Entidades e aos clubes esportivos de Santos". 

“Zéquinha (treinador) foi um grande homem e educador, impunha disciplina rígida sem deixar de lado a afetividade por todos da sua equipe. Formou inúmeras equipes infanto-juvenil, e em todas forjou campeões que na maturidade foram campeões na vida”. Lauro Clasen Moura

Nomes que marcaram a natação do C.R. Tumiarú:Vilarinho, Marlene Antunes, Deise Fischetti, Sonia Neves, Suzel, Matilde Parada, Jiro, Rudye Dennis Kochel Camargo, Manoel Carlos Castro Navarro, Nelson Gonçalves, Hermes Antonio Oliveira, Nicomedes Pacheco de Barros, Jorge Dib, Danilo Malagoli, Rudy Von Emmerich, Roberto Mario Mortari, Mario Cerqueira Leite, Manoel Blaz Rodrigues, Antonio Lima, Gatão, Osny de Lima Carvalho, Anadyr Carvalho, Antonio Di Renzo, Ruggero Malagoli, Celso Politi, Ciro Politi, Edmundo Dias Garcia, Luiz Antonio Freitas Umbuzeiro, Luiz Ernesto Umbuzeiro Horneaux, Luiz Dias Garcia.



O INTRÉPIDO ANTÔNIO ROCHA


Foto do remador do Clube de Regatas Tumiaru Antonio Rocha publicada na capa da revista argentina El Gráfico em 1934, quando da sua chegada em Buenos Aires com o companheiro José Ferreira de Andrade.


O remador do Clube de Regatas Tumiarú nunca teve medo do mar. Sozinho ou acompanhado, causava verdadeiro frisson ao desembarcar no Rio de Janeiro (onde era recebido com festa no C.R. Flamengo) ou em Buenos Aires, após dias desafiando ondas e tempestades. Era o Rei dos "rides" náuticos nos anos 1930. Tentou três vezes chegar sozinho em Belém do Pará. Não conseguiu. Na última tentativa, em 1961, sua canoa "Itararé" espatifou-se num recife da praia de Saquarema-RJ, onde morreu afogado.

Tumiaruenses remam 1.134 milhas

Os grandes raides em embarcações a remo- Interrompida em nossa cidade uma tentativa de Angelú e Hungria - Antônio Rocha e José Ferreira de Andrade empreendem o mais sensacional raide já conhecido no continente - Os dois remadores do Tumiaru remam de Santos a Buenos Aires, percorrendo 1.134 milhas!
Por Jorge Elbel – A Tribuna – 26 de março de 1944
Em janeiro de 1932, quando se comemorava com imponentes festas o 4º Centenário da fundação de S. Vicente, partiam do Rio de Janeiro três remadores do Clube de Regatas do Flamengo, tripulando uma iole-franche a 2 remos, com destino a Santos. Era o primeiro grande raide marítimo que se efetuava por esportistas do remo. Eram eles, os seguintes remadores: Ângelo Gamaro (Angelú), Antonio Rebelo (Engole Garfo) e Alfredo Corrêa (Boca Larga). Precedidos de reclamos de toda a espécie, amparados pelo entusiasmo popular e por um grande diário carioca, iniciaram o raide. Seis foram as etapas, sendo que a primeira com cerca de 16 horas de viagem, e, afinal, ei-los chegados a Santos, a 20 de janeiro de 1932, dois dias antes da comemoração dos festejos de S. Vicente.
O que foi a chegada dos destemidos remadores a esta cidade, o carinho que os nossos esportistas lhes dispensaram e as homenagens que receberam, tanto aqui como no Rio, por ocasião do regresso, são de sobejo conhecidos. Após o brilhante feito dos cariocas, era voz corrente entre os remadores paulistas que essa visita deveria ser retribuída, mas de forma que fosse, senão suplantada, pelo menos igualada.
Muitos palpites e projetos foram então discutidos mas ninguém se animava a levar avante a idéia, já por acharem uma temeridade enfrentar o mar numa frágil embarcação de regatas, se não também pela falta de um todo apoio por parte dos clubes de remo desta cidade.
Pelo início do ano de 1933, discutia-se numa roda de remadores as possibilidades de retribuição da visita aos cariocas, quando, inopinadamente, aparece um moço bastante conhecido nos meios náuticos santistas, propondo-se a realizar um raide ao Rio de Janeiro, num simples canoé. Os presentes olharam abismados e incrédulos para o moço e sorriram, como que desmerecendo as palavras que acabavam de ouvir. Esse moço era o conhecido remador Antônio Rocha, nessa ocasião pertencente ao Internacional de Regatas.
Antônio Rocha, rapaz de fibra e de uma força de vontade ímpar, não desanimou enquanto não conseguiu um barco para a efetivação do seu desejo. O feito dos remadores cariocas calara fundo no seu espírito de intrépido remador, que passou então a conjeturar a possibilidade de uma retribuição à visita. Sondara os dirigentes dos clubes sobre a possibilidade do empréstimo de um canoé, mas todos recusaram, pois receavam um fracasso no raide e a possível perda do barco. Não desanimou, porém. Acercou-se dos dirigentes do veterano Clube de Regatas Tumiaru, expondo a sua idéia e os planos que concebera.
Alguns receberam o pedido com indiferença, outros com entusiasmo, entre estes José Vicente de Barros, que prevendo uma certa resistência de seus colegas de diretoria, prontificou-se, em caso de insucesso do raide, a adquirir um novo barco para o clube. Diante da atitude nobre e desassombrada de seu dirigente, a diretoria deliberou ceder a Rocha o barco de que o mesmo necessitava. Rocha, então, tratou de adaptar o barco para a longa travessia. Escolhera o barco Itararé. O Tumiaru mandou construir um castelo sobressalente, mais alto, para resguardar o tripulante contra uma possível agitação do mar, impedindo assim, de certo modo, a entrada de água na parte central da embarcação.
Enfim, a 25 de fevereiro de 1933, às 18,30 horas, compareciam à sede do Clube de Regatas Tumiaru, no Japuí, em São Vicente, os diretores srs. José Vicente de Barros, cap. Luiz Antonio Pimenta, cel. José Rites, Jorge Elbel, Leopoldo Caiafa, Leopoldo Dietrich e o redator da A Tribuna, Antônio Guenaga, para apresentarem as despedidas ao intrépido remador.
Minutos antes, justamente no momento em que o barco ia ser lançado à água, o cap. Pimenta, num comovente improviso, saudou Antônio Rocha, afirmando manter a convicção de que o raide seria bem sucedido, porque admirava a coragem desse esportista bem intencionado, que outro propósito não tinha senão levar aos seus irmãos da Guanabara um fraternal amplexo.
Rocha respondeu com breves palavras, dizendo que nem mais um minuto desejava permanecer ali. A simplicidade do ambiente, a singeleza da despedida, chocaram-no profundamente.
O Itararé foi, então, pelos presentes, transportado até o mar. Rocha acolheu-se, amarrou os sapatos no finca-pé e deu a primeira remada, que o reduzido número de testemunhas recebeu com calorosos aplausos. E assim, vigorosamente impelido, remou firme em direção ao poente, para fazer a primeira etapa que tinha por meta a Bocaina. No dia seguinte, às 4,05 horas da manhã, Rocha deixava a sede do C. R. Santista, onde pernoitara, e acompanhado por dois remadores do Internacional rumou pelo rio Bertioga, em direção ao mar.
No dia 27, os jornais estampavam a alvissareira notícia da chegada de Rocha a São Sebastião. Depois de sua saída da Bocaina e após remar cerca de 3 horas, Rocha se defrontava com o oceano. Às 7 horas, pois, o ousado navegante solitário avistava a costa brasileira, tomando então rumo do canal de São Sebastião, em cuja localidade chegou cerca das 12 horas.
Estava, pois, vencida galhardamente a 2ª etapa.
A 28, telegrafava de Ubatuba, participando sua chegada às 14,30 horas. Saíra de São Sebastião às 7 horas da manhã. Esta etapa foi vencida com cerca de sete horas de remo. De Ubatuba seguiu para Parati, porto do Estado do Rio. Esta etapa percorreu-a no dia 3 de março. Por essa ocasião tinha vencido cerca de 142 milhas no espaço de 6 dias. Para atingir a Baía de Guanabara restavam ainda 92 milhas.
No dia 6 de março, por volta das 14 horas, Rocha chegava a Mangaratiba, bastante gripado e febril, após uma travessia penosa e num mar muito agitado. A sua permanência em Mangaratiba foi de cinco longos dias, que trouxeram os seus adeptos em constante apreensão. Atendido com todo desvelo nessa localidade, a 11 de março partia para Pedra Guaratiba, já em águas do Distrito Federal. Por essa altura, na capital do país faziam-se grandes preparativos para uma condigna recepção ao intrépido remador santista.
No dia seguinte à sua chegada a Pedra Guaratiba, tentou transpor a última etapa, não o conseguido devido à fúria do mar. Finalmente, a 13 de março de 1933, aportava à rampa do Flamengo, verificando-se a sua chegada às 11,30 horas. A notícia da chegada de Rocha ao Rio foi recebida em São Vicente com demonstrações de grande entusiasmo, tendo sido organizada pelos associados do Tumiaru uma passeata à noite. Diversas homenagens lhe foram tributadas na capital do país, pelos esportistas cariocas, sendo entusiasticamente recebido na sede do Clube de Regatas Flamengo, onde ficou hospedado. No Rio, Rocha foi recebido pelo então ministro da Marinha, almirante Protógenes Guimarães, que o felicitou pelo êxito da prova. Durante um almoço que lhe foi oferecido, Angelú, remador flamenguista, expôs a Rocha o seu projeto de realizar um raide, em double-canoé, ao Rio Grande, e possivelmente a Montevidéu. Disse que a maior dificuldade na execução do empreendimento estava em encontrar um remador de fôlego, e, assim, convidava Rocha para seu companheiro nessa jornada, sendo pelo mesmo aceito o convite. A realização desse raide ficou assentada, em princípio, para data que seria oportunamente fixada.
Toda a imprensa paulista e carioca se manifestou entusiasticamente sobre o grande feito do remador vicentino.
Das homenagens recebidas por Rocha, a que mais impressionou foi a que recebeu de Angelú, um dos tripulantes da yole Flamengo que, desejando testemunhar a sua grande admiração pelo valor do raide, mandou cortar ao meio a linda medalha de ouro que lhe tinha sido ofertada pelos esportistas de Santos e com a metade presenteou Rocha.
A Federação Paulista das Sociedades do Remo, em sessão do Conselho e por proposta do representante do E.C. Corintians Paulista, deliberou homenageá-lo, ofertando uma rica medalha de ouro, concedendo-lhe o honroso título de sócio honorário, inaugurando ainda o seu retrato na galeria da entidade.
19 de março, devido ao seu precário estado de saúde, Rocha regressava a Santos, sendo recebido na gare da S.P.R. por seus familiares, diretores e associados do Clube de Regatas Tumiaru e esportistas locais. Foram então levadas a efeito inúmeras homenagens em sua honra.
Com o fito de premiar o bravo remador, foi aberta uma subscrição popular, o que veio provar o interesse que despertou o raide entre os esportistas de Santos.
E, assim, terminou o seu primeiro empreendimento.

Manchete do Correio de São Paulo narrando o feito do vicentino Rocha quando realizou sozinho o raide Santos-Rio de Janeiro em 1933.

O Raide Rio-Buenos Aires

A 15 de fevereiro de 1934, cumprindo a promessa feita, de efetuar um grande raide ao Sul do país, partiam do Rio de Janeiro, tripulando um double-canoé, que fora batizado pela sra. Osvaldo Aranha com o nome de Tudo nos une..., Ângelo Gamaro (Angelú) e Edgard Hungria.
Esse raide, patrocinado pelos poderes governamentais, teve a ajuda do sr. Sabbado D'Angelo, saudoso industrial paulista, que mandou construir o barco. Seria realizado o raide em homenagem ao general Justo, então presidente da República Argentina.
Onze dias levaram esses remadores para cobrir as 215 milhas do Rio a Santos. Fizeram este percurso em quatro etapas, chegando a Santos no dia 26 de fevereiro. Nessa data, por uma interessante coincidência, festejava o Clube de Regatas Tumiaru o primeiro aniversário da partida de Antônio Rocha para o Rio no canoé Itararé.
Reuniam-se, assim, todos os diretores do clube vicentino no Café Marreiros, para um jantar comemorativo, e foi com indizível satisfação que o grupo recebia, depois, a adesão de Angelú e Hungria, convidados a fazer parte do ágape oferecido pela diretoria do Tumiaru.
Foram os remadores cariocas, depois de terem guardado o barco na garage do Clube de Regatas Santista, recebidos entusiasticamente pelos esportistas ali reunidos, saudando-os, em feliz improviso, o cap. Luiz Antonio Pimenta.
De ambos os remadores, foi Hungria o que mais sentiu o esforço desprendido com a travessia. Pois chegou com os dedos das mãos intumescidos, ressentindo-se ainda dos músculos dos bíceps. Os calos, disseminados por toda a palma da mão, rebentaram com o constante movimento do punho do remo.
Em vista do seu precário estado de saúde, foi Hungria submetido a rigoroso exame médico, sendo-lhe aconselhado um repouso de alguns dias para poder prosseguir no grandioso raide.
No dia 8 de março, os jornais anunciavam a contristadora notícia de que o raide do Tudo nos une... tinha fracassado. Hungria já seguira para o Rio, e Angelú, seu companheiro, pretendia fixar residência em Santos.
A atitude dos remadores cariocas, após 10 dias de luta contra os elementos, no trajeto do Rio-Santos, após tantos sacrifícios, é tomada em resolução extrema, devido à falta de recursos.
Aqui chegados, Angelú e Hungria foram abandonados pelos poderes governamentais, que patrocinavam o raide, de nada valendo as providências postas em prática no sentido de poderem concluir o arriscado empreendimento, garantidos pelos recursos que se faziam necessários.
Noticiado que foi a interrupção do raide, a Folha de Santos invocou o auxílio de Antônio Rocha, ante a desistência de Hungria, na consecução final da arrojada tentativa e conseqüente efetivação da homenagem que se prestaria à República Argentina.
Paulista brioso, numa prova de seu ânimo e valor, Antônio Rocha não hesitou em aceitar a perigosa incumbência que se lhe ofereciam. E, incontinente, procurou a redação daquele vespertino para dizer que estava disposto a acompanhar Angelú no Tudo nos une..., até Buenos Aires.
Para que Rocha e Angelú pudessem levar a efeito o que tencionavam, tornava-se necessário um esforço conjugado dos clubes da cidade e dos esportistas em geral.
Numa reunião havida na redação da A Tribuna, deliberou-se que o raide seria reiniciado dentro de oito dias. Constituiu-se uma comissão de esportistas para tratar das medidas preliminares e estudar a possibilidade de seu prosseguimento. Solicitou então essa comissão do sr. comandante Mário Linhares, delegado da diretoria do Lloyd Brasileiro nesta cidade, que respondesse a um questionário formulado com referência ao raide em apreço e, diante da resposta dada pelo ilustre homem do mar, ao questionário, a comissão concluiu pela sua não realização naquela época do ano.
E assim, mais uma vez, fracassava o importante empreendimento.
Antônio Rocha, entretanto, não desanimou. Procurou, com carinho, um companheiro para o importante raide. Encontra em José Ferreira de Andrade o elemento de que necessitava. Vai a São Paulo e obtém do sr. Sabbado D'Angelo o barco que os remadores cariocas trouxeram até Santos.
Obtido o double-canoé Tudo nos une..., Rocha deliberou que ele passasse a denominar-se Bandeirante. Aquele industrial subscreve então a importância de Cr$ 1.000,00, iniciando uma subscrição, a fim de financiar as despesas do raide Santos-Buenos Aires.
Os clubes de São Paulo declaram apoiar incondicionalmente o interessante raide, tanto mais que se tratava de uma realização que traria novas glórias para o esporte bandeirante.
Rocha e Andrade traçam a rota a seguir, com etapas determinadas, sem a preocupação de tempo, visando de preferência a realização segura de cada uma.
Todos os preparativos foram procedidos calculadamente e assim toda a imprensa, no dia 31 de março, anunciava a partida do Bandeirante para o dia 1º de abril.
No dia seguinte, uma bela manhã de domingo, às oito horas, sob aplausos da multidão, que se comprimia no cais, junto ao pontão das barcas do Guarujá, deixou o nosso estuário justamente à hora marcada, singrando as águas deste porto, o double-canoé Bandeirante, rumando à Ponta da Praia, sendo acompanhado por cerca de cinqüenta embarcações de todos os nossos clubes de remo.
Chegando à Ponta da Praia, os remadores fizeram uma pequena parada, descendo para uma rápida visita de despedida ao Clube de Regatas Saldanha da Gama e Clube de Regatas Vasco da Gama.
O ex-Tudo nos une..., ostentando bandeirinhas argentina, paulista e brasileira, é alvo da curiosidade do público. Sobre o seu castelo de proa estão vistosa e artisticamente pintados os pavilhões da Argentina, de São Paulo e do Brasil.
Após a visita, Rocha e Andrade são cumprimentados pelos esportistas e grande número de amigos, todos confiantes, com fé, no êxito da arrojada tentativa. Tomam lugar no Bandeirante, ouve-se troca de hurras e aleguás, vivas aos clubes santistas, ao Tumiaru e ao esporte paulista.
O Bandeirante movimenta-se, avança entre as embarcações que coalham aquela parte do estuário, apresentando belíssimo espetáculo. Duas lanchas acompanham também o Bandeirante, que vai se distanciando sob palmas e mais palmas, às 10 horas, precisamente.
Transposta a ponta do Itaipu, o Bandeirante avançou em sua rota. Entretanto, o mar grosso, àquela hora, exigia dos remadores um esforço duplo, castigados ainda pelos raios solares.
Uma parada foi então feita no Japuí, em São Vicente, sede do Clube de Regatas Tumiaru, sendo a prova reiniciada na madrugada do dia 2, quando Rocha e Andrade seguiram rumo a Itanhaém. Partindo às 4,30 horas, do Japuí, aportam em Itanhaém com 9 horas de remo, completando assim auspiciosamente a primeira etapa.
Devido à forte agitação do mar, os remadores permanecem até o dia 7 em Itanhaém, quando iniciam a segunda etapa, alcançando Guaraú, com 4 horas de remo e 17 milhas percorridas. De Guaraú, Rocha e Andrade dirigem-se para Bom Abrigo. No dia 8, recebem-se notícias de Iguape, comunicando que tinham completado em uma única etapa desde Guaraú, em 12 horas de remo, cobrindo a distância de 39 milhas de percurso, completando assim a terceira etapa. Nessa localidade, foram recebidos com grandes demonstrações de carinho por parte da população.
De Iguape, seguem para a quarta etapa, que é Cananéia, onde chegam no dia 10. Este percurso, de 32 milhas, foi coberto em oito horas. Dessa localidade recebem-se notícias da partida do Bandeirante com destino a Paranaguá, onde chega depois de 18 horas de remo para um percurso de 36 milhas, com fortes ventos Sul contra.
A 26, partem Rocha e Andrade de Paranaguá diretamente para São Francisco. Ficaram, portanto, retidos naquele porto durante 14 dias, devido ao mau estado do mar. De São Francisco comunicam que com 15 horas de remo cobriram a distância de 42 milhas, tendo feito uma pequena parada em Caiobá. Essa foi uma das mais penosas etapas.
No dia 3 de maio, completam a mais longa etapa, atingindo Itajaí, tendo remado 55 milhas.
Às 8 horas do dia 12 de maio, deixam o porto de Itajaí rumo a Florianópolis, capital de Santa Catarina, onde chegam depois de um percurso de 50 milhas.
Como o mau tempo persistisse na costa Sul, ficam os remadores retidos em Florianópolis até o dia 29. Diante do estado do mar, que é péssimo, a Capitania dos Portos, ali, proibiu formalmente fosse continuado o raide. Rocha, porém, não se intimidou, telegrafando ao sr. ministro da Marinha, solicitando a devida licença, que por telegrama lhe foi concedida e, assim, no dia 29 atingiram Imbituba, penúltimo ponto de escala em Santa Catarina. No dia seguinte alcançavam o porto de Laguna, cobrindo 18 milhas em 4 horas. Esta etapa foi feita com um passageiro a bordo. Nesta cidade, foram recebidos com todo o entusiasmo pela população, ficando como hóspedes de honra do Clube de Regatas Almirante Lamego, que lhes dispensou todas as atenções possíveis, organizando-se grandes festas em sua honra.
De Laguna, Rocha comunica que pretende deixar aquela cidade às 12 horas do dia 1º de junho, com destino a Torres, já no Rio Grande do Sul, onde espera chegar no dia seguinte à tarde, fazendo, se possível, uma pequena parada no farol de Santa Marta.
Saindo de Laguna, os remadores paulistas rumaram na madrugada de 2 para o farol de Santa Marta, próximo ao litoral daquele porto, onde pernoitaram.
Na madrugada seguinte partiram do farol, rumo a Torres e, apesar de lutarem titanicamente durante onze horas consecutivas, os tripulantes do Bandeirantes apenas conseguem alcançar Araranguá, ainda na costa catarinense.
A 5 de junho os remadores paulistas logram cobrir mais uma etapa, atingindo Torres, primeiro ponto da costa rio-grandense, iniciando assim a mais difícil série de etapas longas.
Porto Alegre, capital gaúcha, que estava fora da rota do Bandeirante, é também visitada. Em Laguna e Torres, fazem-se portadores de mensagens especiais ao sr. Flores da Cunha, interventor do Rio Grande do Sul.
Para cumprirem a missão que lhes propuseram, tiveram os remadores que fazer o percurso pelas lagoas Itapeva e dos Patos, a fim de atingir a capital gaúcha, o que veio aumentar também a distância em milhas a percorrer. Para poderem atingir a lagoa Itapeva, tiveram os remadores que transportar o Bandeirante, numa distância de mais de cinco quilômetros, em uma carroça, que veio dificultar muito o seu transporte devido ao seu comprimento e peso.
Na grande capital sulina, foram hóspedes de honra do Clube Náutico Gaúcho, que lhes prestou toda a sorte de homenagens, assim como o Centro Paulista, daquela capital. O percurso percorrido de Torres a Porto Alegre foi de 74 milhas.
A travessia Porto Alegre-Pelotas foi bastante penosa para os remadores, visto o estado do tempo na Lagoa dos Patos. No dia 4 de julho, chegavam a Pelotas depois de terem passado por São José do Camaquã e São Lourenço.
Partem de Pelotas no dia 12 de julho, via Lagoa Mirim, com destino a Jaguarão. Dessa localidade seguem para Santa Vitória do Palmar, extremo Sul do país. Remaram portanto, em costa brasileira, 851 milhas.
Às 9 horas do dia 27 de julho os intrépidos remadores transpunham a Barra do Chuí, já em águas uruguaias, rumo a Montevidéu, e alcançam La Paloma, com 58 milhas percorridas. De La Paloma rumam a Punta del Este, onde chegam a 5 de agosto. Nessa altura do raide, grande é a curiosidade em Montevidéu e Buenos Aires, onde os clubes náuticos preparam festiva recepção aos remadores paulistas.
N dia 7 de agosto atingem Piriápolis, já dentro do estuário uruguaio. Pretendem seguir logo para Montevidéu, mas são impedidos pelo mau tempo.
Finalmente, no dia 10 de agosto, aportam na capital uruguaia, sendo otimamente acolhidos pelos esportistas, entidades e autoridades. São hospedados no Rowing Clube de Montevidéu. Os esportistas uruguaios souberam condignamente premiar com o seu sincero acolhimento o feito soberbo dos remadores brasileiros. Dispensaram-lhes toda a sorte de gentilezas e manifestaram o seu júbilo por aquela grandiosa conquista para o esporte sul-americano.
A 17 de agosto fazem-se novamente ao mar com destino a Sauce, mas devido a um forte temporal arribam à praia de Rincon del Pino, a 36 milhas da capital. Isso veio impedir que Rocha e Andrade consigam atingir a capital argentina naquele dia, como pretendiam.
Estando para ser coberta a derradeira etapa do grandioso empreendimento, em Buenos Aires cresce o interesse e entusiasmo pela chegada dos remadores àquela capital. Além da organização de numerosa flotilha para ir ao encontro dos destemidos tripulantes do Bandeirante, os esportistas cuidam também de promover carinhosa recepção.
Enfim, depois de 4 meses e 19 dias de constantes apreensões, recebe-se a alvissareira notícia da chegada dos intrépidos remadores a Buenos Aires, onde são recebidos com as honras que se dispensam aos heróis.
A última etapa do raide caracterizou-se por um fato interessante, como descreve La Razon, de Buenos Aires: "Resolvido estava que a viagem se reiniciasse durante as primeiras horas da manhã de 22, tão depressa se dissipassem definitivamente as últimas penumbras da madrugada e, como era natural, se o tempo fosse propício, de modo a não entorpecer o último capítulo da audaciosa aventura. Assim, na tarde de 21, horas depois do almoço, Rocha e seu companheiro subiram à embarcação que utilizaram no raide e se dispuseram a um passeio pelas imediações da costa uruguaia, de onde os seus movimentos e as suas remadas eram observadas por um grupo de curiosos, disseminados na praia.
"Tanto Rocha como Andrade levavam sua indumentária de passeio, de vez que os seus propósitos, segundo ficou dito, não eram tomar rumo de Buenos Aires. A certa altura, entretanto, o primeiro advertiu o seu companheiro da aproximação de um pailebot, que momentos antes havia deixado Colonia, e que iniciava lenta e pesadamente o trajeto ao porto de Buenos Aires. A proa da embarcação, singrando mansamente as águas, o adeus dos seus tripulantes e a magnificência do espetáculo, influíram no espírito dos remadores como um exemplo digno de ser imitado. Entreolharam-se, nenhum se atrevia a dizer: 'Vamos?' Apenas um gesto e como que iluminados pelo mesmo desejo, trocaram imediatamente suas roupas de rua pelas camisetas de listas e seus calções brancos e, um instante depois, um agitar de mãos dizia um improvisado adeus às praias uruguaias.
"Durante a primeira parte da travessia não encontraram os remadores outro obstáculo senão uma ligeira brisa do Sul, que soprou, depois, com maior intensidade, pela proa do Bandeirante, ao meio da tarde. A elegante e veloz marcha do barco encontrou, então, dificuldades de certo vulto, porém os braços vigorosos dos atletas paulistas eram mais fortes que a leve adversidade da tarde.
"A média de remadas alcançou, assim, 26 por minuto, quase exatamente o número das que empregaram no início da travessia. Mais tarde, começou a esboçar-se a costa argentina e o ritmo das remadas recrudesceu. Fez-se com outra energia. Rocha e Andrade aceleraram as remadas e já ao anoitecer, seguindo sempre a linha de pontos traçadas pelas bóias do estuário, encontravam-se a poucos quilômetros de nossa costa.
"E foi precisamente a orientação das bóias que extraviou os remadores, cuja rota equivocada os levou às proximidades da Dársena Sul, quando na realidade procuravam atracar no Yacht Club Argentino. Advertidos do engano quando estavam a poucos metros de terra, modificaram o trajeto e, meia hora depois, chegavam, finalmente, ao ponto de destino.
"Aportaram, portanto, no Yacht Clube Argentino, debaixo de estrondosa salva de palmas, às 20 horas do dia 21 de agosto de 1934".
Toda a imprensa paulista, brasileira e argentina abre suas colunas para exaltar o grande feito do remo brasileiro. As emissoras irradiam contínuas notícias com referência ao empolgante empreendimento, exaltando a grande prova de resistência.
Os remadores em Buenos Aires são recebidos pelas mais altas autoridades argentinas, sendo mesmo realizada uma imponente regata em sua honra. Nesta regata, tomam parte no grande desfile de embarcações, a fim de que o grande público presente possa apreciar devidamente o Bandeirante navegando.
São hóspedes de honra do grande Clube de Regatas La Marina, cujos associados e diretores lhes dispensam a mais cordial acolhida.A imprensa argentina publica em seus diários e revistas interessantes entrevistas com ambos remadores.
A importante revista portenha El Grafico, em seu número de setembro, estampa na capa em tricomia os retratos de Rocha e Andrade, transcrevendo uma grande entrevista com El Capitan, como apelidaram Rocha.
Foram recebidos em audiência concedida pelo presidente da República Argentina, o general Augustin Justo, que manteve cordial palestra com os remadores, comentando com grande interesse as principais fases do raide.
O embaixador brasileiro obsequiou-os com artísticas cigarreiras de prata, que ficaram como lembrança de sua visita àquela embaixada.
Nesse ínterim, uma comissão de esportistas em Santos, à cuja frente se encontravam José Vicente de Barros, Cipriano de Carvalho e Eugênio de Barros Queiroz, providenciavam para o regresso de Rocha e Andrade.
A Rádio Excelsior Sociedade, de Buenos Aires, homenageou, também, os remadores brasileiros, dedicando-lhes meia hora de seu programa. Iniciando esse número, a estação L.R.5, a cujos estúdio compareceram os remadores, acompanhados de várias autoridades do esporte náutico argentino, irradiou uma marcha brasileira. Falou, depois, o secretário da comissão do Tigre, enaltecendo o feito dos remadores e dizendo da grande satisfação que os argentinos tiveram em receber os nossos patrícios.
No dia 30 de agosto, embarcavam no vapor Monte Sarmiento, com destino a Santos, onde chegaram no dia 4 de setembro. Inúmeras foram as provas de simpatia e regozijo apresentadas aos remadores, quando da sua chegada a este porto.
O mundo esportivo local dispensou-lhes fraternal acolhida, sendo formado um extenso cortejo até o centro da cidade, onde foram ovacionados pelo grande público que estacionava nas ruas do percurso.
Belo gesto teve a firma Theodor Wille e Cia., agentes da companhia do vapor em que regressaram os remadores, dispensando a comissão promotora do pagamento do frete do Bandeirante até esta cidade. O Bandeirante ficou exposto por muitos dias nas lojas da firma Cássio Muniz e Cia., onde foi admirado pelo público santista.
Durante o percurso de Santos a Buenos Aires, os remadores foram premiados com 11 medalhas cada um, a maior parte de ouro, além de grande número de flâmulas, galhardetes, diplomas e distintivos dos clubes sulinos, uruguaios e argentinos, alguns deles destinados ao Clube de Regatas Tumiaru.
Foram inúmeros os ofícios e telegramas que o Clube de Regatas Tumiaru recebeu de todo o mundo esportivo nacional, cumprimentando-o pelo sucesso do raide.

Terminado que foi o raide, recebidos magnificamente nesta cidade, justo se torna realçar a figura de José Vicente de Barros, que foi, sem dúvida, o grande animador do raide, o incentivador constante daquela magnífica empresa e, ao mesmo tempo, o comandante seguro do financiamento das despesas.
Não se pode, entretanto, deixar de fazer uma referência especial àquele que mais decididamente influiu para a feliz efetivação do raide. Trata-se do conceituado industrial paulista, o saudoso sr. Sabbado D'Angelo. Depois de contribuir com elevada soma para o financiamento da construção do Bandeirante, ex-Tudo nos une..., esteve sempre pronto a contribuir financeiramente em favor do empreendimento.E assim terminou a maior epopéia do remo sul-americano, façanha essa que talvez jamais será igualada.
Dando mais uma vez expansão ao seu espírito aventureiro e ousado, que não mede o perigo nem sacrifícios, Antônio Rocha empenha-se em novo raide, desta vez ao Rio de Janeiro. Tendo partido no dia 12 de abril de 1935, pela madrugada, da sede do C.A.Santista, Rocha pretende cobrir a distância desta cidade à capital do país, em 6 dias. O barco utilizado em mais esse raide é o double-canoé Bandeirante, o mesmo que singrou as águas do litoral sul brasileiro.


Conduzem o Bandeirante, desta feita, Antônio Rocha e seu mano Álvaro, seguindo a bordo, como observador, Osvaldo Du Pain, cronista esportivo da Folha de Santos. São portadores de diversas mensagens de clubes desta cidade para os do Rio de Janeiro, e também para a C.B.D. e delegações de remo argentina e uruguaia, a quem é dedicado o raide, e que estão na capital do país, para disputar o campeonato sul-americano de remo.

Chegam ao Rio de Janeiro no dia 24 de abril e hospedam-se no Clube de Regatas Vasco da Gama, que lhes dispensa todas as atenções.
E, assim, terminam os audaciosos raides a remo levados a efeito por atletas decididos e corajosos, provando à posteridade o quanto vale a força de vontade, perseverança e dedicação.

NOTA DO ORGANIZADOR- Antônio Rocha faleceu em 27 de abril de 1961, durante a realização de uma prova, ao tentar tentar pela terceira vez realizar a “raide” de São Vicente a Belém do Pará. O sinistro ocorreu quando seu barco espatifou-se num recife da praia de Saquarema, Rio de Janeiro.



*

       ÍCARO DECASTRO MELLO


ARQUITETETURA E ENGENHARIA DO ESPORTE



Ícaro com o uniforme oficial da CBD nas Olimpíadas de Berlim em 1936. Acervo do E.C. Pinheiros.


Icaro de Castro Melo foi um dos quatro filhos de Vicente Correia de Mello e Maria Joaquina de Siqueira Castro, filha de Carlos de Castro, fazendeiro e produtor de café em Bragança Paulista. Casaram-se em 1912. Tiveram quatro filhos, duas mulheres e dois homens: Isabel de Castro, Julieta de Castro, Icaro de Castro e José Carlos de Castro. 

Logo após o casamento com Maria Joaquina, Vicente mudou-se com a família para o litoral, onde estabeleceu-se com uma corretora na Bolsa do Café de Santos. Icaro de Castro nasceu no ano seguinte ao casamento dos pais, quando a família fixou residência em São Vicente em 1913. Anos mais tarde a família foi residir em Santos, no bairro do Gonzaga.

O pai de Icaro era um desportista atuante e, por influência de amigos  negociantes cafeeiros de Santos, tornou-se sócio do Clube de Regatas Saldanha da Gama, onde fazia parte da equipe de remo. Foi dele que Ícaro herdou a vocação para o esporte e que o tornaria um atleta amador de nível internacional quando era estudante universitário na Universidade Mackenzie e frequentador do Esporte Clube Pinheiros. Ícaro destacou em várias modalidades atléticas e foi escolhido para compor a delegação que representou o Brasil nos Jogos Olímpicos de 1936, realizados em Berlim. Foi a mesma olimpíada na qual o grande atleta negro Jesse Owens tornou-se medalhista e recordista e na qual Hitler se retirou do estádio recusando a premiar o grande atleta  dos EUA, ídolo cultuado e respeitado pela maioria dos seus colegas norte-americanos e de outros países participantes dos jogos.

Ícaro em treinamento no Esporte Clube Pinheiros nos anos 1930. Acervo de família doado ao clube. 


 Essa longa vivência como desportista, no Brasil e no exterior, levou o estudante universitário Icaro a voltar-se para a especialização em projetos e obras de grandes instalações e equipamentos esportivos. Seu prestigio como atleta e conhecedor das construções olímpicas tornou sua principal marca como empresário de arquitetura e engenharia cujos empreendimentos do seu escritório deixou uma vasta obra de projetos e edificações  em São Paulo e outras cidades brasileiras. Essa tradição e vivência foi seguida pelos filhos Roberto Castro (economista),   Eduardo Castro  e Christina Castro, arquitetos.  

Em Santos, Icaro projetou as instalações do Clube Atlético Santista, recentemente demolido, mas que formou diversas gerações de atletas, bem como famosos eventos artísticos e memoráveis bailes de carnaval até o final da década de 1990. 

Em São Paulo, Icaro assinou  o projeto do famoso  Ginásio do Ibirapuera e seus anexos, obra tombada como patrimônio histórico da cidade e do estado.

José Rosael/Hélio Nobre/Museu Paulista da USP

"Ícaro também esteve presente na construção de outros projetos esportivos. Em 1943, visto seu desempenho, desejo e atuação política na classe dos arquitetos, Silvio Magalhães Padilha, então diretor do Departamento de Educação Física e Esportes do Estado de São Paulo convidou o engenheiro-arquiteto para participar da construção do parque da Água Branca (1948), os ginásios do Clube Sírio-SP, Uberaba, Santos, Bauru e Jockey Club, de São Paulo". Wikipédia


*

OS ASTROS DO BASQUETE VICENTINO


 "PECENTE"

Pedro Vicente Fonseca, o Pecente, apelido formado pela aglutinação de sílabas de seus dois primeiros nomes, um dos grandes nomes do basquete brasileiro, com marcante passagem pelo XV de Piracicaba e Seleção Brasileira, reside em Piracicaba, interior de São Paulo.
Natural de São Vicente (SP), onde nasceu em 21 de janeiro de 1935, Pecente conquistou o Mundial de Basquete de 1959 no Chile, no time que contava com Wlamir Marques, Rosa Branca e Amaury Passos, entre outros, além dos campeonatos paulistas de 1955, 1956 e 1957.
E, curiosamente, o começo de carreira de Pecente foi dividido entre o basquete e o futebol. Ele foi um grande goleador nas categorias de base do Comercial de São Vicente. onde atuou ao lado de Pepe, o que lhe credenciou a atuar pelo Santos Futebol Clube, a convite do treinador Lula.
Porém, após disputar um torneio de basquete na Argentina, Pecente decidiu fazer sua carreira esportiva com as mãos, e não com os pés.
Sua história ganhou uma belíssima narrativa feita por uma de suas filhas, a agrônoma Sonia Barreto, que lançou em 09 de junho de 2018 o livro "Nosso Pecente - A Vida de um Grande Campeão", com prefácio de Wlamir Marques, em evento que aconteceu no Sesc de Piracicaba. (Marcos Júnior Micheletti )


Pecente foi convocado para a seleção brasileira de basque após ser indicado como talento admirável pelo técnico do Harlen Globe Troters, em excursão pelo Brasil. Ele se referiu a Pecente com " O Número 7 do Santos". 

No famoso time do XV de Piracicaba. Pecente - com os dedos sobre a bola - e atrás dele, em pé, o também astro vicentino Wlamir Marques.


WLAMIR MARQUES


Lenda viva do basquete brasileiro, Wlamir Marques fala do que sente sobre a modalidade e a história que construiu nela.

Nesta sexta-feira (30), a Seleção Brasileira de basquete entra em quadra por mais uma partida pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2019 contra a República Dominicana. Pela primeira vez na competição, a equipe irá atuar em São Paulo, no ginásio Wlamir Marques, do Corinthians, no Parque São Jorge. Mas quem foi Wlamir Marques?
Hoje, no alto de seus 81 anos, com dificuldade para andar por um problema no pé esquerdo, oriundo da época que ainda atuava pelas quadras brasileiras, Wlamir Marques é um senhor que pode passar desapercebido para a grande maioria das pessoas. “As vezes, quando venho ao Corinthians, vejo algumas pessoas perguntando se Wlamir Marques foi um goleiro do time de futebol”, comenta o próprio.
O fato é que Wlamir Marques foi um dos grandes nomes da história do basquete mundial. Chegou ao topo do planeta pela Seleção Brasileira, conquistando o bicampeonato Mundial, em 1959 e 1963, e com clubes, conquistando o mundo com o Corinthians. O “Diabo Loiro”, como ficou conhecido, é a maior estrela e a lenda viva da modalidade no país.
“A emoção do Corinthians ter dado o meu nome ao ginásio é a maior homenagem que eu poderia ter recebido pela minha vida esportiva, principalmente porque recebi ela em vida ainda. Desconsiderando as medalhas olímpicas, mundiais, mérito esportivo, porque isso não se compara”, comentou Wlamir Marques.
Foram 10 anos vestindo a camisa cinco do Corinthians, de 1962 a 1972. Década em que o time paulista teve um grande time de basquete e conseguia, com isso, trazer grandes equipes da modalidade no mundo para a cidade, como aconteceu quando o Timão enfrentou o Real Madrid, então bicampeão europeu, em 5 de julho de 1965, no ginásio que hoje leva o nome de Wlamir Marques.
“Tínhamos um grande time, com grandes jogadores, mas o maior jogo nosso foi contra o Real Madrid, em 1965, quando vencemos de 118 a 109. Foi o meu maior jogo na carreira (Wlamir marcou 51 pontos) e eu desconfio que o meu nome no ginásio se deve a essa partida” disse Wlamir.

A pulada de muro que mudou o basquete brasileiro*

Nascido em São Vicente, no litoral de São Paulo, Wlamir Marques entrou pela primeira fez em uma quadra de basquete aos 10 anos de idade, em uma quadra próxima de sua casa. “Um dia eu estava em casa e meus amigos me chamaram para jogar em uma quadra que ficava nos fundos da minha casa. Pulei o muro de lá e fui”, disse Wlamir.
Durante a infância e parte de sua adolescência, Wlamir Marques teve uma vida voltada para o esporte, praticou atletismo, natação, vôlei, basquete, futebol e mais alguns outros esportes. Contudo um problema médico obrigou com que ele optasse por somente um deles.
“Por volta de uns 13, 14 anos eu tive um problema de excesso de fadiga muscular. Pelo fato do meu coração ser muito dilatado, fui orientado pelo médico que diminuísse a quantidade de esportes praticados. Por conta da medalha de bronze nas Olimpíadas de 1948 conquistada pelo Brasil, acabei optando pelo basquete, que era também o que eu tinha mais facilidade”, comentou.
Depois da escolha, tudo acabou acontecendo rápido. Com 16 anos, Wlamir Marques já integrava a Seleção Brasileira adulta de basquete, onde foi reserva apenas em uma partida, a primeira. Depois desse jogo, os demais jogadores falaram com o técnico que ele não poderia ficar no banco.
De 1959 a 1970 o Brasil teve sua época de ouro no Basquete, participando de três edições dos Jogos Olímpicos e de quatro Campeonatos Mundiais, conquistando seis medalhas. Wlamir Marques foi o capitão da Seleção Brasileira durante 10 anos nesse período. “Foram bons anos, conseguíamos treinar, se preparar e jogar. Tenho dois ouros, duas pratas em Mundiais e dois bronzes em Olimpíadas, mas no Brasil só falam do bicampeonato, porque segundo lugar aqui é o primeiro perdedor infelizmente”, disse o ex-jogador.
Medo do futuro da modalidade
Capitão da equipe brasileira que colocou o Brasil em evidência mundial no Basquete, Wlamir Marques vê o cenário atual e futuro da modalidade com muito receio. “Estamos mal, não temos estrutura. A base não está bem, não temos um técnico presente no país por falta de verba para manter ele aqui. O NBB é nivelado por baixo, sem um time dominante. Precisamos recomeçar, mais uma vez, em vários aspectos, houve melhora mas ainda falta”, finaliza Wlamir Marques. (Paulo Chacon 29 de novembro de 2018 – Olimpíada Todo dia)
Wlamir Marques daria outra pulada de mudo que ficaria famosa. Foi quando estava na concentração para o o Campenonat Mundial do Chile, isolado em quartel do Exército, em Volta Redonda. Seriam dispensados para passar o Natal de dezembro de 1958 casa. Mas no dia 20 soube da que sua mulher iria dar à luz. Pediu dispensa, mas teve licença negada pelo técnico Kanela. Diante da recusa, comunicou a um membro da comissão técnica que iria embora. “Nosso quarto dava para a rua, então pulei a janela de madrugada e fui para a rodoviária, peguei um ônibus para São Paulo e lá para Piracicaba (cerca de 500 quilômetros ao todo). Quando o Kanela soube, na hora ele me cortou. Fui avisado e falei ’Bom, eu não posso fazer nada’. Meu filho nasceu na madrugada de 21 para 22. Então não me arrependo. No dia 24 recebi um comunicado, o Kanela pedia que eu me reapresentasse. Ele voltou atrás, e eu volte para Rio no dia 26. Não tivemos nenhum tipo de conversa. Voltei como se não tivesse acontecido nada. Foi um ato de rebeldia. Concordo que deveria ter sido cortado, mas foi tudo de cabeça pensada. Não me arrependo. Depois que ganhamos o Mundial e estávamos voltando ao Brasil, o Kanela sentou ao meu lado no avião e me disse: ‘Alemãozinho quase jogamos tudo isso fora’. (Folha de São Paulo, 19/01/2019- Fuga de Wlamir Marques marcou o 1º título mundial do basquete brasileiro) – Nota do Organizador. 


Wlamir Marques em visita á quadra do C.R Tumiaru, para uma homenagem e reportagem da ESPN, em 2015.



O Astro do E.C. Tumiaru Wlamir Marques está no Hall da Fama da Fiba 2023. O calunga Wlamir viveu longos anos na rua Expedicionários Vicentinos, de onde via o movimento do seu clube de base. Foi também superatleta da natação nas travessias do "piscinão natural" do Japuí. Filho do Dr. Marques, dentista muito conhecido na cidade, Wlamir - juntamente com seu companheiro de quadra Pecente- foi brilhar no XV de Piracicaba na década de 1950. Contratado pelo Coríntians Paulista, ali permaneceu até o fim da sua carreira de atleta no início dos anos 70. Brilhou também como campeão na Seleção Brasileira e destaque nas Olimpíadas em Tokio-1964. Tornou-se técnico e depois professor universitário onde formou uma legião de alunos que o veneram como atleta e educador de excelência. A FIBA é o principal órgão oficial federativo do basquete mundial. Wlamir publica sempre aos sábados crônicas sobre suas lembranças e também sua visão sobre atualidades. 

175- "TEMPOS DE CRIANÇA"-28/10/23- SÁBADO
"LEMBRANÇAS"
Lembro da minha primeira entrada em uma quadra de basquete. Era nadador do Tumiaru e algumas vezes o técnico Zéquinha levava-nos para fazer exercícios físicos em sua quadra de basquete. Ali comecei a me ligar no "bola ao cesto". Era uma quadra ainda feita de saibro.
Mais tarde vi a quadra ser cimentada. Era uma quadra oficial onde o Tumiaru jogava toda a sua tragetoria esportiva no basquete. Assisti varios jogos da equipe adulta e o meu sonho era fazer parte daquele enredo. Em 1951 disputei o meu 1º campeonato infantil naquela quadra.
Disputamos um tornei inicio no ginásio da Atlética Santista em Santos e, na final contra o Internacional vencemos por 19 x 12 e eu fiz os 19 pontos do Tumiaru. No dia seguinte o jornal "A Tribuna" publicou uma nota exigindo que a Liga Santista impedisse a minha participação.
Como impedir? Eu estava dentro da idade e tinha todo o direito de disputar qualquer campeonato. Esse foi o meu primeiro e único torneio que eu disputei na base, o resto foi só com as equipes adultas. Nos anos de 1952/53 fui bi campeão brasileiro juvenil com a seleção paulista.
O salto foi muito grande e rápido, pois em Dezembro de 1953 fui convocado pela primeira vez para uma seleção brasileira adulta. Já não pertencia mais ao Tumiaru. No dia 27/11/53 fui transferido para a cidade de Piracicaba. Ali dediquei 9 anos da minha carreira atlética.
Essa é uma outra história que merece um carinho todo especial. Em Piracicaba eu casei e tive a felicidade de ter os meus dois filhos Wlamir Jr e Susi, além da minha esposa Cecilia (in memoriam). Muitos acham que eu nasci em Piracicaba, mas sou vicentino e calunga com muita honra! WM.


DO BOLA AO CESTO AO BASQUETE

Ubirajara Rancan

1970: 10 pra 11, 4o. ano, temor diário das reguadas e gritos de Dona Elza. Longe de excessiva, sua “didática” ajustava-se a atitudes e orientações do casal que comandava o velho Grupão: ele, seu Elias; ela, dona Neusa. De um lado, bigodinho sinistro, cara bolachuda e oleosa; de outro, óculos medonhos—mas sintonizados com o conjunto que rematavam—e postura correcional em uníssono com a melodia macabra dos recém-repovoados porões da ditadura.

Daqueles tempos na antiga “Escola do Povo”, do Pré-Primário às portas do Ginásio, duas professoras permanecem ainda hoje entre minhas mais caras recordações: Dona Dóris e Dona Lúcia, que—obra de um encantatório acaso—eu reencontraria 31 anos depois, no dia em que, à frente do “Boca santa”, coral que fundara dois anos antes na UNESP, em Marília, eu me apresentava na Basílica Menor de Santo Antônio do Embaré, em Santos, dezembro de 2001.
Durante aquele ano, antes ou depois da consagração futebolística em Guadalajara, saía mais cedo da aula, um dia por semana, e ia com minha mãe ao catecismo, na Matriz vicentina, a menos de um quilômetro da escola; conosco, o colega Augusto. Altos, míopes, gordinhos e dentuços, formávamos uma dupla e tanto... Concluído o ensino dogmático, a Irmã nos liberava para um pingue-pongue ultrarrápido, petisco de cachorro pela encheção imposta... Esse, o único esporte que eu praticava, e que só reencontraria no fim do colegial.
Se Santos tinha Pelé [natural de Minas], ídolo em duas copas, São Vicente tinha Wlamir, herói do bicampeonato [59 e 63] mundial de bola ao cesto [“basquete” seria pra mais tarde], autenticamente calunga! Dona Hermelinda, sua mãe, apelidada Lindinha, era prima de meu avô materno, o que me tornava primo [em quarto grau...] do então craque do basquetebol corintiano.
Ao contrário de meu pai, que praticara atletismo e remo no “Club de Regatas Saldanha da Gama”, e por aquela época ainda jogava tamboréu, eu começava a seriamente correr atrás de sustenidos e bemóis em partituras cabeludas, já então sob a orientação de Souza Lima.
Mas eis que um amigo de meu pai, o advogado e vereador Dr. Alberto Lopes dos Santos, considerando que eu devia diversificar minhas atividades, “demasiado cerebrais”, insistiu com ele para que eu fosse ao “Tumiaru” e jogasse bola ao cesto. Afinal, era como se o esporte estivesse no sangue! Meu avô, entusiasmado, articulava uma reunião familiar em que eu viesse a ser apresentado a Wlamir, que me incentivaria etc. etc.
Alheio a esse planejamento todo, o dia chegou. Em companhia de meu pai e Dr. Alberto, fomos os três ao clube. Deles ouvindo que Wlamir começara ali mesmo onde eu poria os pés, lá cheguei, desengonçado e distante, na mesma praça Coronel Lopes em cujo lado oposto ficava o Grupão frequentado desde 66. Ao entrar no “Tumiaru”, lembrei-me do salão principal em que tocara piano aos 5 anos, e no qual estivera em muitas ocasiões para ouvir o “Coral Vicentino” dirigido por meu pai. Mas, agora, o lado da praça era outro, outra a parte do clube em que eu fora—deixado. Sim: porque papai e seu amigo já se tinham ido...
Avisado por Dr. Alberto, membro da Diretoria do clube, o treinador vem até mim, com ele os rapazes que, íntimos de espaço, bola, regras de jogo, mundo que me era completamente estranho, constituíam a turma da qual eu deveria fazer parte. Não conhecendo ninguém, a primeira coisa que ouvi do técnico—gritada a menos de um metro de mim—soou como ordem pra eu tirar a roupa inteira: “Garoto: deixa ‘o’ óculos e vem pra cá!” “Pelado”, fui com todos ao centro da quadra. “Rapaziada: o garoto aqui é primo do ‘Diabo loiro’! Vai começar com a gente, mas já tem tudo no sangue! É ou não é, garoto?!”
Aquele compreensível incentivo [às avessas], que me identificava como potro de raça, foi mal recebido pela turma subitamente desvalorizada, sem pedigree. Desconhecendo o apelido famoso do “primo” Wlamir, literalmente impronunciável por quem concluía o catecismo, também imaginando quão mais dolorida seria a reguada daquele professor..., recuperei os óculos e dei meia volta.
Quase cinco décadas depois, meu filho de 12 anos, com a mesma altura [1,85m] do treinador do time em que joga, também a do “Diabo loiro”—e com óculos apropriados...—, dá continuidade à tradição esportiva de uma parte de seu “sangue”. Sabendo do [distante] parentesco ilustre, revelou-o a seu técnico que, dia desses, perguntou-me: “Então você é primo do Wlamir?!” Ao que eu, de bate-pronto, completei: “Em quarto grau! Em quarto grau!”




FUTEBOL DA VÁRZEA




SÃO VICENTE E O SANTOS DE PELÉ 

JOSÉ MIGUEL WISNIK

Em 1957, um garoto começou a se destacar no Santos. No ano seguinte, o garoto se chamava Pelé e jogava na seleção, e a seleção, num domingo infinito, era campeã do mundo. 

Confissões de um torcedor feliz. 

Ter sido exposto à força e à beleza do futebol da Baixada Santista dos anos 50 e 60, como se ele fosse normal, pode ter provocado danos irreversíveis à minha personalidade 
Nasci na Baixada Santista, no litoral paulista, em São Vicente, cidade que compartilha a ilha do mesmo nome com a sua vizinha, a tradicional cidade portuária de Santos, colada a ela como se fossem uma só cidade em duas. Vivi ali até os 18 anos, entre 1948 e 1966. Era um mundo fusional de cidade, praia e mangue, onde o futebol estava em toda parte. Nos terrenos vazios e ruas não pavimentadas, em terrenos alagadiços de lama escura, a molecada esperava a muito custo a digestão do almoço para começar um jogo que terminava sempre na boca da noite, e se estendia por todo o verão de férias. Muitas vezes voltei coberto da cabeça aos pés, sempre descalço e sem camisa, daquela lama – como um camisa dez. Mais tarde, as aulas de educação física do meu ginásio se faziam na praia, e consistiam num jogo de futebol sem trégua, desde as 7 horas até quase o final da manhã, por conivência de um professor interessado em outras atividades, que nos deixava sob as ordens do apito final de um salva-vidas. 
Tudo isso tinha correspondência, é claro, com o que se via em volta, no mundo dos adultos. Como tantas cidades pelo Brasil, se não todas, São Vicente era pontuada de campos de futebol expostos à rua, às praças, às várzeas, rodeados de simples cercas baixas de madeira, onde se disputavam, a cada domingo, os campeonatos da “divisão principal” e da “primeira divisão”. 
O campo gramado do Itararé (onde tantas batalhas houve) nascia quase diretamente da areia da praia, e o do Beira-Mar, que ficava curiosamente do lado oposto ao mar, era uma praça irregular em que se distinguiam no chão, além das áreas e círculo central apagadiços, trilhas de passantes diários que tinham no campo de futebol o seu caminho, e onde, em trechos mais concentrados de capim, algum cavalo pastava descuidado durante a semana, entre roupas postas a quarar. O Beija-Flor da Vila Margarida desentranhava seu gramado impecável das redondezas do mangue, em meio a um bairro pobre, arriscando-se já, a partir de um modesto esboço de arquibancada, à aventura de um ensaio de iluminação noturna. E o São Vicente Atlético Clube simulava um estádio real cercando o seu gramado, rente e duro, de muros altos e alambrado, além de uma fileira de arquibancadas toscas de madeira escura e crua, com cabeças de prego à mostra, mas ousadamente cobertas. 
Some-se ainda o Vidrobrás (time da fábrica em que meu pai trabalhava como chefe do forno), o Corinthians da Vila Cascatinha e o Continental da Vila Melo (relembrado, com um amor e humor dignos de Amarcord, no livro Bombas de Alegria: Meio Século de História do Canhão da Vila, do ponta-esquerda Pepe, que viveu, anos antes que eu, esse universo vicentino, indo daí para o Santos Futebol Clube). Ao lado da pequena estação ferroviária da Santos-Juquiá, o campo baldio do rubro-negro SPR (São Paulo Railway), espremido num entorno mais urbanizado, denunciava ainda, já camuflada pelo tempo, a origem histórica de toda essa onda: a ferrovia inglesa, à margem da qual, num núcleo que incluiu também clubes, fábricas e várzeas, o futebol nasceu no Brasil. 

Equipe do Beija-Flor F.C. , da Vila Margarida, na década de 1950. 

Era o futebol, acima de tudo, que evidenciava São Vicente e Santos como duas cidades diferentes, embora grudadas num continuum urbano no qual o visitante não perceberia falhas, à primeira vista. O futebol vicentino era essencialmente local, com a modéstia e a proximidade animada que lhe correspondem, enquanto o de Santos tinha dimensão estadual, com três times da divisão principal: a Portuguesa Santista, o Jabaquara do torcedor Plínio Marcos, com seu inesquecível uniforme rubro-amarelo e sua incurável condição de time sem estádio, e o Santos Futebol Clube. Este iria ganhar, como todos sabem, exatamente ao longo desses anos, a sua fulgurante dimensão nacional, internacional, mundial e única. O que não diminuía em absolutamente nada, que fique claro, a vibração das tardes impecáveis, ou dos dias dramáticos de gramados lamacentos e empoçados, em que transcorriam turno e returno do campeonato vicentino. O Grêmio Recreativo Vidrobrás foi uma das grandes equipes da várzea vicentina. Participou de vários torneios, conquistando muitos títulos. Em 1961, conquistou o campeonato da 1ª Divisão; em 1965 sagrou-se bicampeão da 1ª Divisão pelo Torneio Início. 

O Grêmio Recreativo Vidrobrás foi uma das grandes equipes da várzea vicentina. Participou de vários torneios, conquistando muitos títulos. Em 1961, conquistou o campeonato da 1ª Divisão; em 1965 sagrou-se bicampeão da 1ª Divisão pelo Torneio Início. (Gigi na Rede) 

Através do campeonato, os bairros mais remotos e desiguais da cidade se comunicavam, se entremostravam e dividiam campos comuns. Do Catiapoã à Vila Voturuá, da praia ao parque Bitaru, o fim de semana transfigurava o dia-a-dia numa festa de cores e convertia uma população de operários, empregados do comércio, biscateiros e funcionários em seres algo míticos, embora irrecusavelmente terrenos no choque dos corpos com o capotão, eclodindo na potência sonora dos chutes, em meio à lama preta, seu cheiro penetrante como o da grama – tudo a uma distância curtíssima, de tirar o fôlego. 
O goleiro Alicate, o meia-esquerda Barbosa e um centroavante baixinho e inexcedível do Vidrobrás, cujo nome não me perdôo ter deixado escapar da memória (Nilson, Nélio, Neizinho?), jogam cada vez melhor na minha lembrança (como diz Chico Buarque sobre os craques do passado). Tudo fazia justiça à frase de Nelson Rodrigues: “A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana.” 
Na praia, esse movimento todo de clubes, divisões e campeonatos se deixava derramar numa dimensão atemporal e utópica. As praias de Santos e São Vicente, assim como as que se estendem desde a Praia Grande a Itanhaém e Peruíbe, são planas e de areia dura, ao contrário das areias fofas e movediças do Rio de Janeiro. Quando a maré baixa, elas se oferecem como extasiantes e granuladas mesas de bilhar ao sol, prateadas ao crepúsculo, na beira líquida e firme do vai-e-vem do mar. Ali se jogou, durante tardes infinitas, um futebol sem fronteiras definidas, e onde, aí sim, não se distinguiam mais as duas cidades. Com dois “gols-caixote” de cerca de 1 metro, demarcados com pedaços de madeira ou chinelos, e participantes às vezes inumeráveis, juntados ao acaso, o jogo se estendia interminavelmente, e em geral semi-esquecido do placar, que importava menos do que a condução e a disputa da bola, o festival desperdiçante dos dribles, o descortino inusual dos passes, a brisa e a água do mar espirrando nas divididas pela beirada. 
O modo de organização dessa cultura lúdica era simples: quem chegava à praia e se aproximava de um grupo já reunido em torno de uma bola, no momento da formação dos times, entrava no jogo a partir do par-ou-ímpar de dois representantes apontados para escolher os demais. Quem se apresentava para um jogo em andamento, de preferência em dupla, era admitido na forma do um-para-cada-lado, até o limite numérico do generosamente razoável. Esse regime de inclusão espontânea me parecia tão natural como a própria natureza, o mar e o morro. 
Ao longo dos anos, sempre que voltava a São Vicente, eu buscava imediatamente o império das tardes na praia, entrando naqueles jogos onde se misturavam livremente classes sociais e faixas etárias, e reconhecendo neles um dos bens preciosos que é possível compartilhar, de modo informal e gratuito, no mundo. 
Nos anos 90, se não me engano, fui sentindo uma mudança que a consciência demorou a registrar: tornava-se mais difícil entrar nos jogos. Eles escasseavam. Os grupos já chegavam equipados com camisetas básicas, mas pré-distribuídas, traves e redes instaladas, e um cordão de isolamento com que cercavam e cerceavam o espaço da disputa. Várias vezes zanzei de jogo em jogo pela faixa da praia, azulíssima e calmamente dourada, sob uma temperatura ideal na tarde declinante. (Surgiam agora, aqui e ali, jogos organizados de futebol feminino, disputados com uma fúria inédita por garotas pobres que pareciam reeditar na areia a várzea de outros tempos.) 
O futebol de praia, junto com a escola pública e os campeonatos de várzea, formava um campo de contato democrático e informal que ia sendo desativado, demarcado e regulado pelos novos padrões de consumo e por uma reorganização da separação social onde não cabia a mesma permeabilidade. Como acontece na constituição de todas as formas míticas, aquela utopia lúdica me foi dada a ver, com toda a sua evidência, justamente quando ela se mostrava já transitória e passada. A entrada em cena dos padrões de consumo de massa, a relativa conversão de São Vicente em cidade-dormitório de empregados de Santos e Cubatão, seu crescimento demográfico, a especialização do entretenimento das populações pobres que melhoraram de vida nesse período, e sinais esparsos da violência urbana iam se fazendo sentir, indiretamente, naqueles sábados solitários. E a zona despovoada que se estendia do campo do Beira-Mar até os fundos da ilha, próximos dos mangues, braços de mar e a ponte dos Barreiros, tinha se transformado num aglomerado urbano cujo nome não era outro senão México 70. 
Estudos sociológicos sobre futebol batem quase sempre na tecla dos conflitos sociais que fazem do jogo a sua maneira de expressão – como se o jogo fosse antes de mais nada um instrumento da necessidade de manifestar os choques sociais, quase que a sua alegoria. Esses conflitos certamente estão e estavam lá, naquela São Vicente. Mas eram menos esquemáticos em si e menos visíveis para um garoto de classe média como eu, imerso nas possibilidades dadas por uma ilha de fantasia que era, ao mesmo tempo, real. Ao sociologismo automático prefiro ainda o meu idealismo ginasiano – porque me foi dado ver ali o substrato autenticamente lúdico do jogo, e a margem de certa gratuidade irredutível que ele guardava. Essa margem vai ficando inverossímil num mundo ostensiva, extensiva e intensivamente capitalizado. 
Em 1956, com 7 ou 8 anos de idade, me vi às voltas com a escolha do time a torcer. Para a criança já capturada pelo fascínio do futebol, talvez seja essa a primeira decisão pressentida como um ato que alterará a sua vida inteira. Um rito de passagem oficiado no recesso de um foro íntimo imenso e quase virgem. Às vezes, essa decisão pode vir pronta e dada pela tradição familiar, como numa sociedade tradicional que já filiasse o nativo a um clã. Mas o meu caso, como imagino ser o de muitos, supunha a indecisão entre as alternativas dadas pelos clubes de São Paulo e a eleição, em princípio arbitrária e cruelmente gratuita, de um objeto para “Ideal de Eu” – a conseqüente inclusão forçosa num campo de compartilhamento, no qual passamos a acreditar e ao qual passamos a pertencer como se essa identificação nunca tivesse sido objeto de uma escolha arbitrária. 
Depois de um exame das alternativas, a minha dúvida se concentrou em duas possibilidades: o São Paulo Futebol Clube, que era o time do meu pai, e o Santos Futebol Clube, que tinha o atrativo de estar bafejado por uma aura de proximidade e de ter sido, depois de vinte anos sem títulos, campeão no ano de 1955. Era o velho e o novo (o símbolo do São Paulo era, exatamente, um velho de barbas brancas). A época era a da decisão do campeonato de 1956 que, não por acaso, envolvia os dois protagonistas do meu dilema, ritualmente confrontados. Acredito que podemos escolher por imitação direta de um modelo (o time do pai) ou escolher por contra-identificação, já dentro do espírito do jogo, onde a existência do outro “me nega e me afirma ao me negar”. No dia do jogo decisivo, escolhi o Santos Futebol Clube. Dormi ouvindo a partida pelo rádio, no intervalo do meio-tempo, quando o Santos perdia por 2 a 1, e acordei campeão, com uma goleada de 4 a 2, e a foto do meu time estampada numa página inteira de jornal. 
Num dia qualquer de 1957, vi numa gazeta esportiva a foto de um garoto que vinha se destacando no Santos. No ano seguinte, esse garoto se chamava Pelé e fazia parte da seleção brasileira, e a seleção brasileira, num domingo infinito que parece a própria final dos tempos, era campeã do mundo. Quando Pelé voltou para a Vila Belmiro – o pequeno estádio do Santos –, já se podia ouvir pelo rádio, no momento em que a bola chegava a ele, um alarido diferente na platéia, um clamor excitado e ansioso, uma marca de sagração. 
Um acontecimento dessa potência nunca se dá sozinho, não só porque um time de futebol tem onze jogadores, mas porque um poder de imantação parece arrastar, por acaso e necessidade, o que está à sua volta. Pelé estava ao lado de craques: do volante Zito, do centroavante Pagão, do ponta-esquerda vicentino Pepe (que se reivindica, com razão, o maior artilheiro da história do Santos, contando com o fato de que “Pelé não conta”). A eles se somaram o centroavante Coutinho (cujas tabelinhas com Pelé faziam dele um alter ego, uma soma e um plus, como se não bastasse, e deles uma dupla de heróis geminados, à maneira de certas narrativas míticas), Calvet, Dorval e Mengalvio, vindos do futebol gaúcho, e ainda o goleiro Gilmar, o central Mauro, além de Lima, o “coringa”. Garantiu-se uma sobrevida desse período de glórias com a vinda do lateral direito Carlos Alberto, com as substituições posteriores de Laércio por Gilmar e deste por Cejas, de Mauro por Ramos Delgado, de Calvet por Orlando, de Pepe por Edu, de Zito por Clodoaldo, de Coutinho por Toninho Guerreiro, de Dorval por Manoel Maria. 
Como é sabido, o Santos ganhou – no período de 1956 a 1969, que coincide, na maior parte, com a minha “vida útil” de torcedor na Baixada Santista – os campeonatos paulista (58-60-61-62-64-65-67-68-69), brasileiro (61-62-63-64-65-66), Rio-São Paulo (59-63-64-66), sul-americano (62-63) e mundial (62-63), ao mesmo tempo que excursionava por todos os quadrantes. Eu e a torcida do Santos dessa fase somos uma espécie de avesso de Nick Hornby, o romancista inglês que escreveu, em Febre de Bola, a sua autobiografia de torcedor do Arsenal num período em que o time não ganhava de ninguém. A situação se invertia em toda linha: meu pai virou santista, como quase todos os são-paulinos nessa época de exceção, e nos associou ao clube, com direito a duas cadeiras cativas (o São Paulo construía o Estádio do Morumbi e enfraqueceu o time; o Santos era irresistível mesmo para as torcidas adversárias). A pequena Vila Belmiro, com sua calma e arejada atmosfera de província, que passei a freqüentar quase semanalmente, continha uma parte considerável da expressão máxima que o futebol já conheceu em qualquer tempo (como se pode dizer de maneira insuspeita, nesse caso raríssimo, sem medo de estar cometendo um ato de prepotência). 


Dorval, Lima, Coutinho, Pelé e Pepe.


O que se passou ali tem pouco registro em vídeo. Pelé é um ser de transição entre o futebol do rádio e o da televisão, cujos teipes contribuíram para torná-lo o símbolo de alcance planetário que ele é. Mas, no que se tem para ver, falta a massa do dia-a-dia do futebol da Vila. Ali, aconteceu de tudo o que se pode e o que não se pode imaginar em matéria de criação futebolística. Como um fabuloso time que pôde jogar junto muito tempo, o que não acontece mais, a combinação dos talentos e da genialidade se decantou e quintessenciou fantasticamente. Um ou outro jogador mais limitado, como os laterais Dalmo ou Geraldino, resplandeciam como craques no corpo daquele time, induzidos por um ritmo de jogo que tanto podia arrebentar em onda branca quanto passear pelo campo como um tapete de espuma suave e implacável. A alvura do uniforme, por sinal, sem a poluição da logomarca do patrocinador, que não existia, em contraste com as peles negras de sua linha atacante (descontado Pepe, a ovelha branca), e só se deixando marcar pelo distintivo alvinegro no coração, era um ícone e um ideograma de alguma fórmula alquímica que tivesse sido alcançada ali. 
Entre os gols dessa época que se perderam da memória coletiva, escolho um que não é de Pelé, mas de Coutinho, e não aconteceu na Vila Belmiro, mas no Maracanã, numa noite de 1962, na primeira partida da decisão do Mundial Interclubes, entre Santos e Benfica. A bola foi lançada pelo alto, vinda da intermediária pelo lado direito, caindo sobre o bico esquerdo da pequena área, onde estava Coutinho. Ele matou de efeito, sem deixá-la cair no chão, aproveitando tanto o impulso natural da bola quanto o seu desenho em curva para dar um chapéu de fora para dentro num primeiro zagueiro, e, em seguida, um outro chapéu simétrico num segundo zagueiro, antes de concluir, sem que a bola tocasse o chão. 
Vi esse gol, de uma perfeição rara, uma única vez – é de antes da existência do replay. A televisão em preto-e-branco dobrava hipnoticamente o branco do uniforme alvinegro, redobrado ainda pelo contraponto visual da pele negra com a bola branca (que só se usava, então, para jogos noturnos). Tudo num flash – àquela época espocavam flashes, confundidos na luz da tela e na da memória com o próprio gol fulminante em tempo-espaço mínimo. Mais do que produzir o efeito de “uma pintura”, ele me lembra aquela técnica de desenho japonês em preto-e-branco, o sumiê, em que o artista arremata a obra com uma única pincelada. Não conheço ninguém mais que se lembre desse gol. Um colega de ginásio me disse na época que o tinha visto no cinema, mas nunca o reencontrei nas raras e extasiantes retrospectivas do Canal 100. O filme Pelé Eterno não o mostra, reduzindo-o literalmente a uma mutiladora fração de segundo. Li num jornal, dois dias depois do jogo, que, ao embarcar de volta para Portugal, um dirigente do Benfica declarou sobre o gol, numa autêntica chave de ouro camoniana, que valera a pena atravessar o oceano, só para sofrê-lo. 
Ao mesmo tempo, o Santos era um time real que também perdia. Às vezes, Pelé jogava mal – embora pudesse reverter esse fato a qualquer momento. A equipe tinha épocas de crise. Mesmo num grande dia, podia se deparar com um adversário à altura, como o Palmeiras o foi tantas vezes nesse período. Os ataques eram mais francos, as defesas mais abertas. Podia ser goleado por um time pequeno, como aconteceu frente à Portuguesa Santista e ao Jabaquara. Esse é, de todo modo, um corretivo a fazer às insistentes idealizações de times mitificados e supostamente prontos e perfeitos desde sempre, contrapostos às equipes atuais, vistas como insatisfatórias desde o primeiro instante. O imaginário, e talvez em especial o brasileiro, tende a renegar a necessidade da contínua construção de um time por meio da invocação idealizante de um passado impecável (como se o futebol não fosse, entre todas as artes, aquela que exibe o rascunho de si mesma como o seu resultado final). 
Nesse período, o time do Santos passou a transitar entre o bairro e o mundo, virando lenda transcontinental, com seus episódios inéditos e folclóricos conhecidos (guerras interrompidas na África para ver os jogos, juízes depostos pela torcida na Colômbia para que Pelé, expulso, voltasse a campo etc.). A memória, por outro lado, guarda restos de uma domesticidade provinciana: Pelé, já campeão do mundo, como sentinela no quartel do 2o Batalhão de Caçadores, em São Vicente, onde cumpria o serviço militar; contratado como gerente-propaganda da loja A. D. Moreira, perto da praça Barão do Rio Branco, no início da sua fama; deixando a irmã, de manhã cedo, na porta do colégio público onde eu estudava. 
Ao voltar da Copa de 1970, ao lado do seu carro, num posto de gasolina, cercado de populares para os quais comentava um lance da Copa, Pelé foi abordado por meu amigo Wanderley Sanches. Ele teria aberto espaço entre os curiosos e lhe perguntado com naturalidade: “Pode me dizer onde fica a rua Djalma Dutra?” Além do efeito de desconcertante trivialidade, Wanderley, um gênio maliciosamente (ou deliciosamente) erradio de poeta-filósofo, que aplicava sua metafísica originalíssima ao exame das circunstâncias, queria conferir, segundo ele mesmo, se aquela cabeça vista por milhões ao fazer o primeiro gol da final contra a Itália continha uma certa “informação local”. Se a história é verídica ou inventada por ele, não importa, nem a resposta. Ela se basta como a cifra do que vivíamos ali, e como a antevisão de uma experiência nova que mal se prefigurava – o primeiro espasmo da localidade com a globalidade planetária. 
Quanto a mim, fui condenado a não poder deixar de viver tudo aquilo senão como se fosse natural – insisto, como o morro e o mar. Um amigo dez anos mais novo, e também torcedor do Santos, ao ver filmes do auge da era Pelé, afirmou sem hesitar que o fato de eu ter sido exposto, em tenra idade, à força daqueles fatos, “como se isso fosse normal”, produziu danos irreversíveis à minha personalidade. Ele não foi mais explícito do que isso, mas a frase me atinge. Na melhor das hipóteses, ela se refere à minha incurável tendência a ver sentido em tudo. (Revista Piauí, maio de 2008)


1982. Vila Margarida. Rua Alexandria esquina com a Rua Dr. Polydoro de Oliveira Bittencourt e parte do muro e das arquibancadas do antigo campo do Beija-Flor F.C. tradicionalíssimo time de várzea em nossa cidade. Naquela época, poucas vias do bairro possuíam calçamento. Publicada em duas postagens de São Vicente de Outrora no dia 25/9/2018 e 5 de fevereiro de 2022. Foto original da Polianteia Vicentina.




 

 *

OS ARISTOCRATAS DO GOLF CLUB



Em 9 de setembro de 2005, o jornal santista A Tribuna registrou, na seção Imagem do passado: A imagem é de 1959 e mostra a antiga sede do Santos Golf Club, em São Vicente, posteriormente substituída por outra, mais moderna, mas na mesma área. O grupo que posa é formado por sócios àquela época, entre eles, Harry Charles Jones (todo de branco, à direita), dono desta foto. (Novo Milênio)
A data de nossa fundação - 2 de outubro de 1915 - representa efetivamente um marco histórico no panorama esportivo de Santos e São Vicente. O Clube nasceu dos esforços e ideias da colônia inglesa da época. A quantidade de firmas britânicas poderosas, dominando as atividades de importação e exportação e um largo espectro de demais atividades no nosso Brasil de então, era notável. De algumas delas surgiram nossos primeiros associados; São Paulo Railway; The City of Santos Improvements Company; Western Telegraf Co; Brazilian Warrant Co; Light & Power Company; Royal Mail Lines; Lamport & Holt Lines; Cunard Lines; F.S. Hampshire & Co; Bank of London & South América Ltd; Pratt House - e muitas outras. O pessoal empregado nestas firmas, em nível de gerência ou administração, era bem respeitável. A quantidade de recursos possibilitava bons empreendimentos para a colônia anglo-americana. A "alma e cuore" da fundação foi HENRY L. WRIGHT. Reuniu os membros da colônia, e, juntando os recursos, promoveu a fundação oficial do Clube, nas dependências do Anglo-American Club of São Vicente.
Pode-se afirmar, que o Clube, levando-se em conta a época, já nasceu grande. Com os recursos prontamente levantados entre os abonados fundadores, promoveu-se paulatinamente a aquisição de vastas áreas, em uma zona então distante e remota, que ia da divisa com atual via férrea e atual fábrica de vidro Santa Marina, até praticamente todos os canais e mangues que circulam a nossa Ilha de São Vicente. A área era considerável, e nada existia em termos de "civilização" em torno do Clube. Aos poucos outras áreas foram sendo acrescidas, tendo em 1924 sido adquirida a última gleba. De 1915 a 1928 HENRY L. WRIGHT foi presidente. A partir desta última data, passou a Presidente de Honra do Clube. Sua figura afável e nobre ainda hoje é lembrada pelos sócios mais antigos. Nunca perdeu o contado com a vida do Clube. Já bem idoso, o simpático velhinho, vinha até o seu Clube, com o motorista particular, e, não podendo sair do carro, nele ficava tomando seu whisky, que era levado com prazer até ele!.. Acompanhava o andamento dos jogos sempre com alegre interesse.
Algum tempo após a fundação, foi erguida uma sede social de madeira nobre e pinho de Riga. Tinha um bar (sem restaurante), os vestiários, masculino e feminino, e um terraço. O número de sócios efetivos era talvez maior do que hoje. Até 1936 a maioria absoluta, diríamos quase que 95% dos sócios, eram de anglo-americanos. Os brasileiros, pouquíssimos. Com início da Segunda Guerra Mundial muitos sócios retornaram, ou a Inglaterra ou aos Estados Unidos, para se alistarem nas forças armadas que combatiam na Europa. O Clube sofreu sério esvaziamento. Segundo os sócios mais antigos, o ano de 1942 foi o pior de todos. O número de sócios caiu por demais, o bloqueio submarino impedia qualquer transação comercial, salvo a grandes riscos; não havia a chegada de material esportivo. E foi então que um brasileiro, ÁLVARO DE SOUZA DANTAS, assumiu a presidência de 1941 a 1947, conduzindo o Clube durante os anos difíceis da guerra, sendo que a partir de 1948 o número de sócios brasileiros começou a aumentar muito, sobrepujando os estrangeiros.
Um dos fatos históricos mais marcantes de nosso Clube foi a visita do então Príncipe de Gales, mais tarde Rei Eduardo VIII e Duque de Windsor, que no dia 4 de março de 1931, demonstrando suas habilidades golfísticas, logrou fazer um "hole-in-one", que até hoje está registrado em um marco no campo. Até 1951, a par das atividades individuais, o Clube sempre manteve um campeonato interno e a disputa da medalha do mês, bem como o "TROPHEU WRIGHT". A partir de 1951, sendo prefeito de São Vicente Sr. CHARLES A. FORBES, foi instituído o primeiro campeonato aberto da CIDADE DE SÃO VICENTE. Na década de 50 chegou-se a conclusão de que o Clube já merecia ter uma nova sede, mais condigna para os associados. Por intermédio dos diretores TARQUÍNIO FERREIRA, LEO NIOAC e FRANCISCO FORBES partiu-se então para o difícil empreendimento de erguer-se uma nova sede social. A diretoria contou novamente com pleno apoio do entusiasmado quadro social. A exemplo do difícil ano de 1942, quando os diretores deram ao Clube, junto com grande número de associados, uma contribuição extra mensal de 20$000 réis (vinte mil réis), até a situação do bloqueio marítimo ser aliviada novamente, houve outras colaborações inestimáveis por parte dos associados. Naquele ano de 1958 foi instituída uma contribuição de Cr$ 30.000 (trinta mil cruzeiros) pró-construção da sede, que foi unanimente subscrita.
Iniciada a construção em 1958, sob a supervisão do arquiteto ARNALDO CONCEIÇÃO PAIVA FILHO, e do engenheiro ARTHUR GUILHERME MARTINELLI, foi a mesma gloriosamente inaugurada justamente no dia 21 de abril de 1.960, para coincidir com a inauguração de Brasília. O custo orçado foi de Cr$ 3.000.000 ( três milhões de cruzeiros) da época.
Não podemos nestas linhas deixar de destacar que o Clube, no início, tinha bem mais "apoio geral" das autoridades esportivas e fiscais do que temos agora. Assim é que em 7. de outubro de 1919 o "The Santos São Vicente Golf Club" conseguia uma isenção de direitos alfandegários para uma máquina "movida a gasolina", própria para cortar a grama do campo. A máquina chegara ao porto trazida pelo vapor "Nedmac" de Philadelphia. Da mesma forma, em 13 de novembro de 1919, uma grande caixa com tacos de golfe também era isenta, chegada pelo navio "Tintoretto" de Liverpool. A 19 de dezembro de 1.919 eram isentas caixas de bolas de golfe, trazidas pelo "S.S. Molière"; assim por diante, muitas isenções eram dadas estímulo do esporte. Hoje, com tantos e tantos brasileiros associados, maior apoio deveria ser dado para a divulgação do esporte de golfe entre nós. Há sempre esperanças... Isto é, em linhas gerais e em rápidas pinceladas, o que tem sido o Santos- São Vicente Golf Club desde a sua fundação até os dias de hoje. O Clube continua relativamente pequeno em comparação com a maioria dos clubes de golfe no Estado de São Paulo, limitado pelo estatuto, e pela infra-estrutura, a 180 associados (=famílias), mas em compensação, o seu ambiente é como numa grande família, onde todos se conhecem e todos se dão bem, havendo sempre um clima de harmonia e fraternidade, em que todos estão sempre procurando melhorar as condições de funcionamentos das atividades esportivas do clube e do bem estar geral dos associados e visitantes.
Além do campo de golfe com 9 buracos - evidentemente o nosso maior patrimônio, o Clube possui uma sede social agradável, com varanda, bar e restaurante, sala de jogos e duas saunas (seca e vapor), bem como uma sala recreativa para as crianças. A esta última foi dado o nome de "AVELINO FERREIRO’, em homenagem ao saudoso gerente do Clube, por quase meio século. Portanto, um nome que faz parte da própria história do Santos (São Vicente Golf Club).


" Field Day" no Catiapoã. Jornal Cidade de Santos, 5 de dezembro de 1969.






Golf Club de São Vicente está perto de dar sua última tacada

Clube passou a pagar R$ 3,7 milhões por ano de IPTU e luta pelo tombamento
O Golf Club conta atualmente com 80 sócios.
Não está fácil para ninguém. Pelo menos, é o que parece. Local de encontro de dezenas de pessoas da região, o Santos São Vicente Golf Club - que tem nada menos que 104 anos - pode fechar suas portas e dar lugar a um condomínio de alto padrão.
Oficialmente, o assunto está sendo tratado em sigilo, mas até assembleia entre os associados já aconteceu e teria sido aprovada a divisão da área de 276 mil metros quadrados, equivalente a 38,5 campos de futebol, em lotes, que serão comercializados.
O motivo disso é o valor do Imposto Territorial e Urbano que passou a ser cobrado dos clubes de entretenimento em São Vicente. Por ano, essa conta bate em R$ 3,7 milhões. Outro clube que está prestes a ser comercializado é o Jóquei Clube da Cidade.
O Santos São Vicente Golf Club, inclusive, já vendeu uma parte do seu terreno para uma rede de supermercado por atacado. O local possui árvores, várias espécies de aves e nascentes e uma história de mais de 100 anos.
Há quatros anos, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arquitetônico, Cultural e Turístico de São Vicente (Condephasv) aprovou por unanimidade o tombamento do Golf Club para proteger a área.
Essa atitude implicaria na isenção de impostos. Acontece que, à época, o então prefeito Luís Cláudio Bili não assinou o decreto. O atual mandatário da Cidade, Pedro Gouvea, não assinou também. Outra questão é que dentro da Lei de Responsabilidade Fiscal, a Prefeitura de São Vicente não pode abrir mão dos R$ 3,7 milhões.
O clube não está tombado; uma parte de 12 mil metros quadrados teria sido vendida por R$ 7 milhões e corre sério risco de dar lugar a um condomínio. Perto de R$ 2 milhões serão encaminhados para um empresa para fazer um estudo ambiental para ver o que pode ser comercializado legalmente.
Em contato, o presidente do Santos São Vicente Golf Club, Raul Ferreira da Rosa, disse que era a informação era novidade. "Se teve assembleia, não participei", afirmou.
Prefeitura
A Prefeitura de São Vicente, por meio da Secretaria da Fazenda (Sefaz), informa que os clubes começaram a ser tributados a partir de 2018. Atualmente, há 18 clubes instalados na Cidade. Para o exercício de 2019, foram lançados em torno de R$ 7 milhões de IPTU para estes clubes. (diário do Litoral, 26 de março de 2019)


CELEIRO DE DE JUDOCAS

Cidade de Santos. 30 de novembro de 1969.





DO CASSINO AO ILHA PORCHAT CLUBE

 Banhistas na praia do Itararé, em frente ao Casino Ilha Porchat, nos anos 1940.

A 30 de setembro de 1964, um grupo de cidadãos paulistanos, também domiciliados em São Vicente, adquiriram a propriedade do antigo Casino Ilha Porchat e a transformaram num clube social-recreativo, através de uma sociedade incorporada com a venda de títulos de sócios-proprietários. Foram seus incorporadores os Srs. Jorge Fares, Antonio Ferraz de Andrade Filho,Carlos Ernesto Passinato e Reginaldo Bertolino, dos quais assumiu a presidência o Sr. Jorge Fares. 
O Ilha Porchat Clube funcionou muitos anos, em regime de empresa, sob a exclusiva direção do grupo incorporador, sem que os sócios tivessem qualquer direito de opinar ou de participar da administração da entidade. 
Foi necessário mover uma ação judicial, pela iniciativa de um grupo de associados, para que, obtendo ganho de causa, o Poder Judiciário determinasse que o clube deveria ser entregue a soberana deliberação de sua Assembléia Geral de Sócios. 
E assim aconteceu. A Assembléia Geral foi convocada, foi eleito seu primweiro Conselho Deliberativo e através deste o Primeiro Presidente do Clube, Dr. Ismar Marcílio de Freitas, que a 20 de dezembro de 1973 assumia a presidência do Clube, através de legítima representação do quadro associativo. Seguiram-lhe, em sucessão, no exercício da Presidência, o Gal. José de Souza Carvalho, Geraldo Faggiano e Odarcio de Oliveira Ducci, que já se mantém na Presidência, em seu terceiro mandato consecutivo. 


Revista  O Cruzeiro 1967. Grupo Fotos Antigas de São Bernardo do Campo. Eloá Bragança Pinheiro, de São Bernardo do Campo, eleita Embaixatriz do Turismo no Brasil e a segunda colocada, Maria Elizabeth de Castro, que representava Campinas. São Vicente de Outrora. 



"A Atual Diretoria do Ilha Porchat Clube está assim constituída: Presidente: Odarcio de Oliveira Ducci; 1º vice-presidente, Reinaldo Terciano; 1º tesoureiro,José Roberto Guimarães; 2° tesoureiro,Enzo Dales Nava; diretor de patrimônio, Ayres Lima Santos; 1º secretário, Armando de Jesus Carvalho; 2º secretário, Armando Micelli. 
A presidência do Conselho deliberativo foi exercida, pela ordem, pelos seguintes associados: Mario Esteves, Mario Diegues e Carlos Aparecido de Vasconcelos Camargo,seu ataul presidente. 
O Gal. José de Souza Carvalho é sócio-benemérito do clube, e são seus sócios-honorários: Capitão-Mar-e-Guerra Antonio Eduardo César de Andrade; Gal. Dickens Ferraz; Deputado Athiê Jorge Coury; Gal. Waldir Eduardo Martins; Governador do Estado de São Paulo, José Maria marim e o empresário Carlos Caldeira Filho".

Anos 1970. Parte reservada da praia do Itararé para os sócios do Ilha Porchat Clube. 

Entre as diversas atividades que o clube promove, têm se destacado os concursos: Rainha das Praias Brasileiras, sendo eleitas Fernanda Boscolo de Camergo (1980), Maristela Silva Grázzio (1981) e Karen Ribeiro (1982). Garota lha Porchat, sendo eleitas Jeanice Julie Garcie (1978), Sarita Lopes Martins Licchti (1979), Fernanda Boscolo de Camargo (1980, - eleita Miss São Paulo e Miss Brasil – e Ana Eliz Flores da Cruz (1982). 
Também são destaques nas atividades do clube os shows e bailes promovidos, mobilizando todos os eus vasto quadro associativo, além da sociedade vicentina, santista , paulistana e de toda a Baixada Santista, não apenas pelo alto gabarito de seus extraordinários shows nacionais e internacionais, mas pela excelência de suas orquestras e da beleza de suas excepcionais ornamentações. Dentre as suas maiores festividades, duas se destacam por suas riqueza e grandiosidade: Uma Noite nos Mares do Sul; e os festejos carnavalescos. 
Em seus shows têm desfilado artistas que por si só são as maiores afirmações da grandeza dos espetáculos promovidos: Ray Connif, Dione Warwick, Fred Bongusto, Peppino Di Capri, Nico Fidenco, Billy Eckstine, Billy Vaughan, Sergio Endrigo, Gigliona Cinqueti, Roberto Carlos, Juca Chaves, Sargentelli, Simone, Caetano Veloso, Angela Maria, Chico Anísio, Ney Mato Grosso, Martinho da Vila, Milton Nascimento, Nelson Gonçalves, Silvio Caldas e outros tantos. 
No Ilha Porchat foi Montado um Museus de Danças Folclóricas Afro-Brasileiras, com 350 peças do ceramista Geraldo Albertine o que se constitui numa atração até mesmo de natureza turística. (Poliantéia, 1982)


Souvinir do Ilha Porchat Clube  nos anos 1980.  São Vicente de Outrora. 

O Ilha Porchat Clube no início dos anos 1990. 


REVISTA ILHA PORCHAT CLUBE




HELÔ PINHEIRO NO BAILE MARES DO SUL


HELÔ PINHEIRO NA BAND ENTREVISTANDO LILIAN RAMOS. Cobri, durante anos o Carnaval pela Tv Manchete, SBT, Band e CNT. Adorava trabalhar porque além de ganhar estava me divertindo entrevistando. O Ilha Porchat foi um ponto de partida para estar lá durante anos no tradicional Baile dos Mares do Sul onde toneladas de frutas e as diversas orquestras ou bandas agitavam o litoral paulista . Tudo era organizado de uma forma brilhante pelo Presidente Odárcio Oliveira Ducci . Pessoas em fantasias bem criativas esbanjavam beleza e simpatia, era um Carnaval em estilo havaiano que abria a temporada de folia .

ENCONTRO DE MISSES NO ILHA

Em 1982, a venezuelana Pilin León (Miss Mundo 1981) esteve no Brasil e participou do tradicional baile do Ilha Porchat Club, em São Vicente (SP). O baile foi chamado de "Uma Noite nos Mares do Sul", na decoração foram gastas aproximadamente 40 toneladas de frutas naturais. Estavam presentes Martha Rocha e Martha Vasconcellos, duas misses da Bahia. De quebra a bela manequim Luiza Brunet, que até hoje continua saindo como Rainha da Bateria. Revista Fatos e Fotos - Carnaval 1982.

Concurso Miss São Paulo nos anos 1980 com a presença de Pelé.


Luiza Brunet en Uma Noite nos Mares do Sul, nos anos 80


Beldade representando de Goiás num concurso de belez nos anos 1980. 

Fernanda Bôscolo, Rainha das Praias Brasileira, 1980.

Renata Damião, Miss São Paulo 1981 com Odácio OLiveira Duci


C.R. NISSEI VICENTINO


1961, o lançamento da pedra fundamental da sede própria do Grêmio Recreativo Nissei Vicentino, à Praça 23 de Maio, Parque Bitaru.Com os devidos apoios e direcionamentos, o local poderia se transformar em um grande difusor da (riquíssima) cultura japonesa em nosso município. São Vicente de Outrora.  Recorte do jornal A Tribuna

*

NA ONDA DO SURF

O SURF CONTAGIANDO O LITORAL PAULISTA I

Em 1964 viajamos diversas vezes para o Rio de Janeiro, pois tínhamos amigas na Cidade Maravilhosa e meu tio morava no Flamengo, onde eu podia me hospedar. O Rio de Janeiro, parecia outro país: os programas de televisão, as músicas, a moda, os ídolos, o futebol, era tudo muito diferente da Santos. A aldeia global não estava implantada. Cada viagem, feita em um maravilhoso Fusca com rodas tala larga e um equipamento inimaginável hoje: uma vitrola Philips instalada entre os bancos da frente tocando músicas dos Beatles o tempo todo. Só tocava disco compacto e a troca só podia ser feita em segunda e quarta marchas. Não tinha quinta marcha, a Globo não existia, algumas viagens eram feitas pela antiga rodovia Rio-São Paulo, a Rodovia Dutra seria duplicada em 1965. Íamos em quatro pessoas: o Antenor da Colégio Anwer, o Sérgio Heleno de copiloto, eu (Paulo Miorim) e o Dagoberto Batochio. Às sextas feiras saíamos lá pelas dez ou onze da noite do Colégio Canadá direto para a Cidade Maravilhosa, onde tínhamos onde ficar (casa da Ana Amélia em Copacabana e apartamento de meu tio no Flamengo). E foi no Rio que vimos pela primeira vez uma prancha para “pegar onda em pé” e, no Arpoador uns poucos rapazes pegando onda. Eu e o Sérgio Heleno vivíamos correndo ondas de peito na praia de Itararé em São Vicente. Nosso amigo Gregório Stipanich era fabricante de barcos de pesca em um estaleiro da família no Japuí, próximo à sede náutica do C. R. Tumiarú. Juntando o estaleiro do Gregório com o que vimos no Rio, somado à uma reportagem da revista Manchete trazida pelo Antônio Di Renzo Filho sobre a nova mania dos cariocas, descobrimos para que eram usadas aquelas pranchas grandes: SURF, uma prática dos reis do Havaí, divulgado por um nadador olímpico havaiano chamado Duke Kahanamoku, que se preparou para a Olímpiada de 1912 “cavalgando ondas em pranchas de madeira”. E imediatamente buscamos maneira de fabricar pranchas para nosso uso. Gregório fabricou a primeira prancha tipo caixa de fósforo, que batizamos de Ripple (“ondulação”, em inglês). Hoje analisando essa explosão do surf em Santos, acredito que parte se deve ao dia da estreia da prancha. Era janeiro de 65 ou julho de 64, só sei que era um mês de férias, e praticamente toda a equipe de natação do Internacional e mais agregados participou desse evento, totalmente informal e anárquico. Fomos em três carros: a Vemaguete do meu pai, o DKW do Moa (Moacir Rebello dos Santos), e o carro do Canarinho. Um total de 14 caras. Fomos direto para a Praia de Pernambuco, que estava deserta, pois era uma tarde chuvosa. A chuva era forte e o mar muito mexido. Uma prancha, 14 caras em volta. Jogamos na água, flutuou. Deitei em cima afundou um pouco mas dava para se locomover. Fui em direção ao fundo, passei a rebentação e tentei ficar em pé. Não durou dois segundos e ocorreu a primeira vaca de Guarujá, fui eu. Um a um, todos nós tentamos permanecer em pé e nada. A prancha era lisa e ninguém sabia que precisava usar alguma coisa para criar atrito entre o surfista e a prancha. Muito frustrados, mas certos que era apenas um princípio, saímos entusiasmados da experiência. Passeamos por Guarujá, a prancha apoiada em cobertor verde do Exército (meu pai era capitão) e bem amarrada no teto da Vemaguete. Tenho certeza que esse fato instigou diversos rapazes a ir atrás de fabricar uma prancha, pois uma semente de surf havia sido plantada em cada um. Que eu me lembre, participaram desse banho inicial da nossa prancha: Canarinho, Piolho, Jair Bala, Moacir, Sérgio Heleno, Di Renzo, Paulo Miorim (eu), Marcino, Vladi (talvez), Dagoberto Batochio e outros. Descobrimos que o melhor antiderrapante era parafina, como havia muitas velas utilizadas em despachos de umbanda na Praia de Itararé, era só catar os tocos e passar na prancha. Essa foi a única facilidade que encontramos. Como o homenageado deste ano Cocó (Eduardo Fangiano) falou, ao contrário do Rio de Janeiro o surf na Baixada Santista foi inventado por diversos amantes do então novo esporte, pois ao contrário do Rio, éramos mais simples e não possuíamos as mesmas informações dos cariocas. Cada nova descoberta de como fabricar equipamento objeto do nosso desejo era divulgada e imitada. Quando não havia acerto, a prancha era deixada de lado e começava-se a fabricar outra com novas tecnologias. Eu mesmo testei diversas pranchas de isopor que depois de pouco tempo quebrava ou se partia em diversos pedaços. O Manoel dos Santos fez uma prancha com uma ripa no meio. Ao pegar uma onda a madeira quebrou, e as pontas de madeira quase feriu o Manoel. Lembro de um dia de ressaca no Itararé que o Nei Sobral, homenageado deste ano, caiu e montou a cavalo na prancha. A prancha virou ficando com a quilha para cima e cortou a parte interna da coxa provocando perda de sangue. Nei saiu da praia para o Pronto Socorro. Por hoje é só, Aloha!!
Paulo Miorim 29/01/2019

PIONEIROS DO SURF - 1960, O MEIO 

 GABRIEL DAVI PIERIM

A vitrola Philips do fusquinha estava tocando I Fell Fine dos Beatles. O toca-discos era uma das atrações inusitadas do Volkswagen invocado do Antenor. Às dez horas da noite daquela sexta-feira, Antenor, Dagoberto e Sérgio Heleno esperavam Paulo Miorim na porta do Colégio Canadá, em Santos. De lá pegariam a estrada para o Rio de Janeiro.

As viagens para a cidade maravilhosa se repetiam aos finais de semana. A antiga capital do país mantinha seu aspecto cosmopolita. Era a porta de entrada para as novidades do mundo inteiro. Naquele ano de 1964, a turma de santistas acompanhou a duplicação da Rodovia Dutra. No Rio se hospedavam na casa de parentes e amigos.
O sábado de primavera amanheceu ensolarado na capital carioca. Os rapazes foram dar um passeio pela praia de Ipanema até chegar ao Arpoador. Do alto de suas pedras, vislumbraram surfistas descendo as ondas de pé sobre suas pranchas. Ficaram impressionados.
Quando chegaram a Santos, contaram para os amigos sobre a nova mania dos cariocas. Um deles, Antônio Di Renzo Filho, recordou que tinha guardado uma revista Manchete que trazia uma reportagem sobre o surfe, uma prática dos nativos havaianos que deslizavam sobre as ondas. Lembraram do amigo Gregório Stipanich, fabricante de barcos de pesca. A família de Gregório tinha um estaleiro no Japuí, em São Vicente. Da ideia para a fabricação de uma prancha foi um pulo.
Com as referências que possuíam, Gregório fabricou a primeira prancha tipo “caixa de fósforo”. Ela foi apelidada de Ripple (Ondulação). Paulo Miorim ia diariamente ao estaleiro acompanhar o andamento da produção.
A prancha ficou pronta e as férias chegaram. A turma resolveu fazer do batismo uma experiência única. A estreia em grande estilo foi na Praia do Pernambuco, no Guarujá. O dia estava chuvoso, o mar mexido e a praia deserta. Eles chegaram em três carros: a Vemaguete do pai do Paulo Miorim, o DKW do Moacir Rebello dos Santos e o carro do Canarinho. Estavam ali reunidos toda a equipe de natação do Clube Internacional, entre outros. Uma prancha, quatorze rapazes.
Paulo Miorim tomou a iniciativa e colocou a prancha na água. Ela flutuou. Passou a arrebentação com dificuldade, pegou a primeira onda e com ela o primeiro capote. Ficar de pé por alguns segundos foi o maior dos desafios do dia.
A frustração não diminuiu o entusiasmo dos jovens. Os dias se seguiram e a diversão continuou na praia do Itararé. Naquele ano de 1965, outros grupos de rapazes praticando o surfe e construindo novos modelos de pranchas começaram a aparecer nas praias santistas. A juventude ia tomando gosto pelo esporte.
Na manhã de 21 março de 1965, José Carlos Paioli se preparava para a Travessia da Baía de São Vicente. Na última edição da competição, o nadador tinha alcançado a 8ª posição. Ele se tornou um dos favoritos ao título.
No início da prova de Travessia, José Paioli se desviou da rota, corrigiu, recuperou o tempo e ultrapassou os concorrentes. Com o tempo de 12 minutos, o jovem de 15 anos conquistava a Travessia pela primeira vez.
A aptidão pela natação era uma herança de família. Seu pai, Carlos Paioli foi seis vezes recordista paulista. Ao se tornar técnico do Saldanha da Gama quebrou a hegemonia de mais de vinte anos do Clube Internacional, ganhando o campeonato santista infanto-juvenil.
A intimidade com as águas das piscinas e do mar conduziu José Carlos para o surfe. No final de 1964, ele folheava um exemplar da revista O Cruzeiroquando encontrou uma reportagem sobre o esporte que se difundia nas praias cariocas.
Aquela reportagem foi uma luz na vida de José Paioli. O desejo de ficar de pé sobre uma prancha tomou conta do seu pensamento. Alguns dias se passaram, Zé Paioli estava na praia do Itararé, quando viu o Paulinho Montenegro com uma prancha de madeirite. Ele correu ao seu encontro e perguntou como a prancha foi feita. Paulinho falou como arranjar uma tábua de madeirite, descreveu o desenho para fazer o outline e orientou que procurasse uma marcenaria para fazer o corte e colocar a quilha.
Zé Paioli se juntou ao amigo Geraldo Faggiano Junior. Juntos invadiram o canteiro de obras de um prédio em construção na avenida Presidente Wilson. Os garotos surrupiaram duas tábuas de uma pilha de madeirites.
No dia seguinte, Zé riscou o outline nas tábuas. A marcenaria ficava na rua Marechal Deodoro a poucos quarteirões de sua casa. Com a ajuda do pai e na companhia do amigo, ele colocou as tábuas sobre o fusca e foram até a oficina. O corte foi feito e, em casa, Zé fez o arredondamento das bordas e a pintura da prancha.
O dia de estreia estava chuvoso, mas Zé estava radiante. Ele foi com o pai e o irmão Chico Paioli para o canto do Itararé, mas só ele entrou no mar. Durante duas horas, o jovem garoto insistiu até ficar de pé sobre a prancha. O ritual mágico iria se repetir durante o ano de 1965.
Outros garotos do Itararé, entre eles os irmãos Argento, também começaram a se divertir com os madeirites, para desespero dos construtores dos edifícios de uma cidade em expansão.



MUITO PRAZER, PAULO MIORIM

Sou um cidadão de uma região chamada Baixada Santista, que engloba as cidades do litoral sul do estado de São Paulo. Nasci numa casa da Praça Barão do Rio Branco, ponto central da cidade de São Vicente. Eram onze horas da noite e, nos trabalhos de parto, minha mãe ouvia a música de encerramento da última sessão do circo instalado no terreno em frente onde morávamos (local hoje ocupado por edifícios). Ela sempre contava isso e talvez daí venha meu fascínio pelo extraordinário, pelo humor, pela alegria e, lógico, por música. Nascer com música de circo é um privilégio. Nascido em dezembro de 1945, logo após a 2ª Guerra Mundial, eu era o terceiro filho e fui caçula até os 05 anos. Em 1951, nasceu minha irmã Maria Luiza, com síndrome de Down. Lembro bem do dia em que a Luiza nasceu. Estava na quadra jogando futebol e vi minha mãe passar dentro de uma van do Exército a acenar. Sabia que ia ter um novo membro na família.
Meu pai era militar e, desde criança, mudanças são uma constante em minha vida. Vivi meus primeiros quatro anos na Fortaleza de Itaipu, Praia Grande. Os oficiais tinham direito a morar em casa do Exército, dentro do terreno onde fica o Forte. Eram casas amplas, bem construídas, com enormes quintais, muito confortáveis. Pelo menos essas são lembranças que tenho dessas casas. Uma vida maravilhosa para uma criança, meu pai pescava grandes garoupas, sargos (de beiço e de dente), peixes galo e sempre tínhamos em nossa casa um bom estoque. Não havia geladeira e conservávamos o pescado no sal. Em 1949 meu pai foi transferido para o Rio de Janeiro onde fez um curso de moto mecanização, especializado em veículos militares. Nós moramos em Cascadura, bairro da Zona Norte. A cidade já era grande e minha mãe desenvolveu uma espécie de pânico, tal era a preocupação com meu pai, que utilizava o Trem da Central, famoso pelos acidentes e problemas que nele ocorriam. Todos os dias à tarde ela ficava a espera do meu pai, apavorada para saber se havia noticia de algum acidente. Lembro de uma forte chuva de granizo que forrou nossa rua com uma camada bem grossa de pelotas de gelo, da descoberta de uma fruta chamada cajá manga e dos primeiros jogos de futebol em um campinho que as traves eram feitas de bambu. Na época, descobri-me apaixonado por café com leite e pão com manteiga. Meu pai foi transferido para Santa Maria, Rio Grande do Sul. Uma ano depois mudamos para Santo Ângelo, uma pequena cidade . Descemos do trem no dia em que minha irmã Ieda completou 15 anos, nove de dezembro de 1951. Assustamo-nos com a pequena cidade manchada de barro vermelho. Quatro anos depois, com a aposentadoria de meu pai, viemos morar em São Vicente. Depois de uma estada de seis meses na Praia Grande, em casa de meus avós maternos, para freqüentar o terceiro ano primário, vim morar com meus pais no bairro do Catiapoã e, poucos meses depois, mudamos para um casarão que havia na esquina das ruas XV de Novembro e Benjamin Constant, centro de São Vicente. É nessa época que começam minhas lembranças de uma cidade que não existe mais, que era tão nossa e hoje se transformou num frenético centro de consumismo. O maior clube da cidade fazia fundos com nossa casa. Era o Clube de Regatas Tumiarú, que já, naquela época tinha uma notável tradição em várias modalidades esportivas, sendo que seu maior orgulho era ter revelado Wlamir Marques, um dos maiores jogadores de basquete da história. O espaço do clube era notável, a sede social compunha-se de um salão de baile na parte superior e, no térreo, havia um bar, sala de carteado, uma pista de dança. Mas o que atraía a garotada eram as duas quadras de basquete onde passávamos os dias jogando “21” um jogo que ocupa meia quadra e pode ser jogada por equipes de um a três jogadores. Assistíamos aos jogos de basquete masculino e feminino, de futebol de salão e de vôlei do campeonato santista, torcendo pelo Tumiarú, sentados em umas arquibancadas de madeira. Essa convivência com muitos garotos foi muito rica e até hoje conservo alguns desses amigos. Lembro-me de outros, dos quais não sei que destinos tomaram, com muitas saudades e carinho. Alguns já não se encontram entre nós, mas deixaram boas lembranças.

                          
Da esquerda para a direita: Antonio Di Renzo, Gregório Stipanich, Paulo Miori, Lúcia Hele, Márcia Algodoal e Márcia Magra.


O INÍCIO DO SURF EM SÃO PAULO


1964 - Eu, Sérgio Heleno, Dagoberto Batocchio e o Antenor , filho da dona de uma escola chamada Anwer ( ficava perto da Faculdade de Letras, quase em frente à igreja da Pompéia, em Santos), íamos quase todos os finais de semana para o Rio. O Di Renzo apareceu com uma revista Manchete que trazia uma reportagem sobre um novo esporte da moçada do Rio: chamava-se surf. Gregório Stipanich fabricava barcos, nós vimos diversos caras no Rio pegando ondas com pranchas de fibra. Daí a fabricar uma prancha ôca de madeira com 2,40m, em agosto de 1964 ( mais ou menos) foi um pulo. Em seguida o Gregório fabricou outra prancha listrada de vermelho e branco com 2,80. Não havia cordinha, as pranchas enchiam de água. Muitas vezes, essa água ia para a parte da frente da prancha, ela mergulhava e o empuxo fazia com saltasse violentamente para trás.. Era um perigo. Nessa época já havia umas pranchas de Madeirit roubada das obras e a molecada tentava pegar onda, alguns com pés de pato. Raramente alguém permanecia de uns instantes de pé. A estréia da prancha foi em grande estilo na Praia de Pernambuco, com uns quinze nadadores, em três carros, numa tarde fria e nublada, onde descobrimos que sem parafina ninguém ficava em pé.
1965 – Em maio eu e Sérgio Heleno demos baixa do Exército e pudemos dedicar esse período pós caserna para voltar a vida normal e surfar muito. Era um frisson, uma febre. Dia e noite falando de surf, de Havaí, hang five, hang ten e o escambau. Surf, surf, surf. Uma batalha constante com os salva-vidas do Corpo de Bombeiros. Por diversas ocasiões fomos obrigados a sair d´àgua porque o mar estava impróprio. Tínhamos que explicar que éramos nadadores, que quanto maior as ondas melhor para surfarmos. Nenhum dos salva vidas tinha sequer ouvido falar nessa nova moda: o surf. O Di Renzo nadava noCorinthians e nos finais de semana chegava louco para surfar Quando passou o filme “ Mar Raivoso”, então, ficamos alucinados. O Di Renzo assistiu quinze vezes, eu e o Sérgio Heleno umas doze. E o assunto era um só: surf.
Começaram a aparecer vários adeptos do novo esporte: Fernandão, os gêmeos Dudu e Carlinhos (que fundariam a marca de surf wear TWIN), os irmãos Fangiano, Fernando Quizumba, Sandoval, Miro, Italiano (vendia amendoim e depois virou um bom surfista), Sidnei Negão, Timó, Nelson Caríca, Eduardo Falcão ( irmão do Charles Möeller, produtor e diretor de musicais), Nei, Detter, Barreto, Nelsinho Axel ( que morreu atropeldo quando ia surfar no Guarujá), e inúmeros outros. A grande maioria morava nas imediações da Praia de Itararé em São Vicente. O Emissário Submarino não existia, seria construído em 1975, mas em Santos começou a aparecer um pessoal. O Eduardo Nogueira (Piolho), grande amigo nosso, começou a surfar e se sobressaiu, é dessa época.
1966 – O Ilha Porchat Clube patrocinou o primeiro campeonato realizado no estado de São Paulo. Tirei terceiro lugar, mas no dia da premiação não compareci e não recebi a medalha. Trouxemos o Mudinho, campeão do Rio de Janeiro e ficamos maravilhados com sua performance. Nessa época estudei com o Homero, que começava a surfar e fabricar pranchas.
1967- Com apoio da Prefeitura de Guarujá e do Jornal da Tarde (Grupo de O Estado de São Paulo), realizamos de um campeonato no Guarujá, que realmente foi muito bem organizado e marcou para sempre como início doe surf como esporte em São Paulo. Nós fomos juízes e participantes. Piolho foi campeão, Fernandão em segundo. Daí pra frente todo mundo sabe.

Antonio Di Renzo (de costas) e Gregório Stipanich com uma Glaspac.


O PRIMEIRO DIA DE UMA PRANCHA MUITO ESPECIAL

Conto para vocês como foi colocada na água a primeira prancha que pode ser considerada como prancha de surf da Baixada Santista após a época do Osmar Gonçalves, o pioneiro desse maravilhoso esporte. 
Eu, Paulo Miorim, e o Sérgio Heleno servimos o exército no 2º Batalhão de Caçadores, em São Vicente, em 1964 e 1965. Éramos nadadores do Clube Internacional de Regatas. Devido o horário dos treinos terem se limitado às folgas do quartel, passamos a dedicar todas as horas de folga a pegar ondas de peito na Praia de Itararé, uma vez que morávamos em São Vicente. O Antonio Di Renzo Filho era nadador do Corinthians (era época do figuraça Vicente Mateus, que agradecia à Antarctica pelas brahmas e dizia que o Sócrates era invendavel, inegociável e imprestável), seus pais moravam em São Vicente e toda sexta feira vinha de São Paulo. Normalmente ficava em minha casa. No domingo visitava seus pais e retornava a São Paulo. Para completar a turma, o Gregório Stipanich, cujo pai construia barcos de pesca em um estaleiro no Japuí (São Vicente) e o Carlos Detter que tocava bossa nova ao violão. O Di Renzo era nadador da seleção brasileira e imediatamente aderiu a nossa mania de pegar ondas de peito. O Sérgio Heleno namorava a Ana Amélia, que morava no Rio de janeiro, na rua Sá Ferreira, posto 6, Copacabana. Quase todos finais de semana íamos para o Rio. Eu ficava na casa de meu tio no Bairro do Flamengo e o pessoal ficava na casa da Ana Amélia. Todas as sextas feiras a gente saia do Colégio Canadá em um fusca equipado com um toca disco: eu, Sérgio Heleno, Dagoberto Battochio e o Antenor, que era o dono do carro. Essas viagens eram embaladas ao som dos Beatles, cujos discos eram tocados na vitrola Philips. Foi nessas idas ao Rio e uma reportagem da revista Manchete que descobrimos uma nova maneira de pegar ondas. Chamava-se Surf. Temos de levar em conta que a comunicação há 50 anos atrás, nada tinha a ver com os dias de hoje, que sabemos detudo que acontece instantaneamente no mundo todo. O que acontecia no Rio era totalmente diferente do que acontecia em São Paulo e Santos. Músicas, filmes, roupas, moda em geral, costumes. Tudo diferente. O surf carioca começara uns anos antes e já havias vários praticantes, e alguns se destacavam. A gente via esse pessoal passar com suas pranchas e decidimos que faríamos uma prancha. Fibra de vidro e poliuretano eram totalmente desconhecidos por nós. Teria que ser uma prancha de madeira. 
Procuramos o Stipanich, contamos que queríamos fazer uma prancha e se seria possível fazê-la. Stipanich projetou uma prancha com cavername e tudo, escolheu um lugar escondido em que seu pai não veria a sua obra. Fizemos várias visitas e acompanhamos a gestação de um sonho. No meio de vários cascos de barcos pesqueiros em construção, havia uma pequena estrutura de madeira que era nosso objeto de desejo. Cada viagem ao Rio reforçava nossa vontade de surfar e a ansiedade de ver a prancha pronta. O bico e a popa eram dois pedaços de madeira maciça trabalhada e o revestimento de compensado marítimo. Pintada em cinza alumínio, com um raio vermelho no meio e com o nome escrito: “Ripple”, ondulação em inglês. Tinha 2,40 m de comprimento, 60 cm de largura, pesava vinte quilos seca e muito mais quando cheia d´àgua, tinha uma bolina que hoje chamamos quilha e um bujão que desenroscávamos pra esgotar a água infiltrada. 
Para colocar aquela joia na água pela primeira vez, escolhemos a Praia de Pernambuco e um dia de semana chuvoso. Fomos em três carros: a Vemaguete do meu pai, o DKW do Moacir Rebello e um terceiro carro que não lembro de quem. Fomos em doze ou treze nadadores, a prancha amarrada encima da capota do meu carro forrado com um cobertor para não estragar a pintura. Da prancha, é lógico. 
Chegados a praia de Pernambuco, que estava deserta, debaixo de forte chuva, colocamos a prancha na água, sem ter a menor idéia de que era um passo marcante para implantar um esporte que viria a ser uma febre. Mas, para nossa tristeza, salvo poucos instantes em pé, ninguém conseguiu pegar sequer uma onda. Motivo: não sabíamos da necessidade de passar parafina e garantir o atrito entre os pés e a prancha. Amarramos a prancha no carro e voltamos depois de umas duas horas de tentativas frustadas. Era época dos Beatles e a contestação, a mudança de valores e revolucionar padrões sociais eram a tônica da juventude. E a nossa turma, a maioria nadadores do Internacional, seguia essas diretrizes. 
Dias depois, em nosso reduto, que era a praia de Itararé em São Vicente, descobrimos que a parafina resolvia o problema do atrito pé e prancha. Passamos a usar as velas deixadas na praia para despachos de umbanda,ou comprávamos maços de vela para passar na prancha. 
Paulo Miorim 07/02/2019 

A ENTREGA DA PRANCHA NA GLASPAC

Foi exatamente do jeito que contei, salvo alguns detalhes esquecidos pois já se vão uns aninhos... Meu pai tinha uma Vemaguete ( perua da DKW) 1962 e a emprestava para irmos surfar. Naquela ápoca não havia rack, e o jeito era forrar o teto do carro com cobertores velhos e amarrar passando as cordas pela janelas, e rezar para a prancha não soltar com o vento. No dia em que íamos entregar a prancha TIKI para a Glaspac, que serviria de modelo para as pranchas fabricadas em série, foi na Vemaguet do meu pai que levamos. Porém, meu pai não poderia sequer desconfiar que eu iria a São Paulo com o carro dele. Saímos após o almoço, eu, Sérgio Heleno e o Di Renzo, pegamos a prancha no Japuí, próximo à Ponte Pensil, amarramos no teto do carro e subimos a via Anchieta ( a Rodovia dos Imigrantes seria executada uns dez anos depois). A Glaspac ficava na avenida Santo Amaro, já perto da São Gabriel. Era uma empresa pequena, um dos donos era pernambucano criado numa colônia inglesa e tinha um sotaque de um inglês nato. Entregamos a prancha e exigimos que a mesma fosse devolvida dois dias depois, prazo suficiente para fazer um molde da prancha Tiki. Era uma segunda feira, marcamos de buscar o modelo na quinta e retornamos. Ou melhor, começamos a viagem de volta pela avenida Santo Amaro, fomos parar na Avenida Jabaquara para pegar a rua Vergueiro e sair na Via Anchieta. Mas, como tudo que se faz escondido, ocorreu um sério imprevisto. Não havia semáforo na Praça da Árvore e um carro atravessou na minha frente. Não pude evitar a colisão. Descemos do carro para ver as avarias: para-choque amassado, vidro do farol direito quebrado, para-lama direito amassado. Foi terrível. Imediatamente formou-se um tumulto em volta dos carros. O outro carro era dirigido por uma senhora que trazia os filhos da escola. Ela me acusando de estar errado, eu, que vinha numa preferencial, com certeza de estar certo. Mas, imaginemos a cena: uma senhora com dois filhos no carro e três caras queimados do sol, muito fortes, discutindo com ela. A galera se voltou contra nós, a senhora disse que ia sair com o carro. Sentamos no chão na frente do carro da mulher e apareceu um cara grandão muito justo que começou a falar: “- Eles são moços, podem ser play-boys, mas estão certos. A senhora desculpe, mas está errada.” Em momento nenhum faltamos com o respeito para com a senhora, mas éramos superduros e não poderíamos nem pensar em pagar o conserto do carro. A multidão parou de nos acusar. Liguei para o marido dela, que veio ao local e se prontificou pagar o conserto do carro. E, após acertarmos os detalhes, seguimos viagem. Foi difícil encarar meu pai e contar que a batida havia sido em Santos. Dias depois, eu e meu irmão fomos a São Paulo e recebemos o valor do conserto. As primeiras pranchas entregues a nós eram ocas, somente com uma madeira longitudinal como estrutura (longarina) e não foram aprovadas. Nova negociação e a Glaspac fabricou a prancha que se tornaria campeão de vendas na época: com poliuretano e manta de fibra de vidro, que hoje encontramos em vários museus de surf no Brasil. Acredito ter sido um marco para desenvolvimento do surf no estado de São Paulo. 



Paulo Miorim e Sergio Heleno - últimos à direita - no primeiro campeonato de surf de SP em 1967, na praia de Pitangueiras, em Guarujá.

                         

CAMPEONATO ABERTO DO ILHA PORCHAT CLUBE - 1968

A Ilha Porchat constitui-se como um marco geográfico da região. No início da colonização identificava a entrada da vila fundada por Martim Afonso. Em meados de 1800 pertenceu à conceituada família Porchat, que lhe passou a denominação.
A primeira propriedade foi o Grande Cassino de Jogos e Diversões que daria lugar em 1964 ao famoso Ilha Porchat Clube. A instituição, recém fundada, foi a patrocinadora do 1º Campeonato Aberto de Surfe de 1968. Na organização estavam o delegado regional de Educação Física, Geraldo Faggiano, o esportista Carlos Paioli e o diretor do Ilha Porchat Reynaldo Tersitano.
O torneio recebeu surfistas de São Paulo e do Rio de Janeiro. A grande sensação foi o carioca Carlos Roberto, o Mudinho. O surfista foi o campeão da categoria Seniores e deu um verdadeiro espetáculo nas águas do canto da Ilha na Praia do Itararé.
O campeonato começou na sexta-feira, dia 12 de abril, reuniu 140 surfistas e foi assistido por um grande público, incluindo autoridades, como o interventor estadual em São Vicente, Jorge Conway Machado e o comandante do 2º BC, coronel Lauro Roca Diegues.
No sábado entrou uma forte ressaca na ilha e as grandes ondas ajudaram no desempenho dos surfistas. Nas finais de domingo o mar diminuiu um pouco e Mudinho precisou de apenas uma onda para mostrar toda a sua habilidade e superioridade. O carioca pegou uma grande onda na linha da arrebentação com a sua prancha Hawaii Model A, realizou uma série de manobras e terminou no raso fazendo malabarismo sobre a prancha para delírio dos espectadores.
Os primeiros colocados da categoria Seniores foram: 1º Carlos Roberto, o Mudinho – 28 pontos; 2º Odailton Silva (Itararé) e Nando Gouveia (Santos) – 17 pontos; 3º Nelson Feitosa (Itararé) e Luiz Carlos Frigério (Big Kahuna/Santos) – 15 pontos; 4º José Carlos Paioli – 14,5 pontos; 5º Miroel Couto (Itararé) – 13,5 pontos; 6º José Roberto Fernandes, o Lacraia (Santos), Jô Hirano e Paulo Miorim (Itararé) – 11,5 pontos.
O melhor juvenil foi Carlinhos Argento. O surfista do Itararé alcançou 18,5 pontos. Fernando Mittelman, primeiro campeão estadual, ficou com a 2ª posição com 17,5 pontos. Os demais colocados foram: Eduardo Faggiano, o Cocó, Eduardo “Dudu” Argento, Francisco “Chico” Paioli, Nelson Ferreira da Silva, Francisco Paulo Fargiorgio e Marcelo Guimarães, o Pardal.
A categoria infantil foi dominada pelos cariocas. Os primeiros colocados foram Ricardo Fontes de Souza e Moacyr Castro, ambos com apenas 15 anos de idade. O campeão Ricardo de Souza se tornaria o conhecido Rico de Souza, vitorioso surfista brasileiro. O competidor do Itararé, Odmar Fernandes Aguiar, o Timó, ficou com a terceira colocação. As demais posições foram ocupadas pelos santistas Antônio Carlos Soares, Álvaro Luiz Inocente, Sérgio Melo Bertran, Fernando Lima e Valdemar Oldakji.
A disputa da prova feminina ficou entre três participantes: Silvia Helena Lage, Elizabeth de Campos Marsiglia e a paulistana Fernanda Maciel Marinho, primeira colocada.
O campeonato terminou às 16 horas do domingo, dia 14, com um brinde de champagne aos vencedores. Os prêmios para os primeiros colocados foram entreguem em um baile realizado no salão do Ilha Porchat Clube. Foi o primeiro campeonato da história do surfe em São Vicente.

Por Gabriel Pierin


VICENTINOS NO JURI do 1º Campeonato Paulista de Surf, 1967: juizes da esquerda para direita: Miguel Sealy, Marcino Ferreira Filho, Edgar Moura Nogueira( Canarinho), Paulo Miorim, Antonio Di Renzo Filho. Acervo: Paulo Miorim.

PS. Na foto, à direita, de braços cruzados, está o surfista pioneiro "Chicão"



SÃO PAULO ANOS 60 

O Segundo Grande Polo do Surf Nacional


REINALDO DRAGÃO ANDRAUS


                      
O surfista Chicão Brasileiro na Ilha de Urubuqueçaba na divisa de Santos com São Vicente. Acervo: Patrícia Young

Influenciados pelas pranchas de madeirite do Rio,

 os paulistas encontram o seu caminho.

O surf em São Paulo se desenvolveu com suas peculiaridades. De forma diferente do Rio de Janeiro, que teve um foco central no Arpoador, na vasta costa do Estado de São Paulo, com ondas propícias para os iniciantes, o surf se desenvolveu em três regiões principais. Ubatuba ao norte, Guarujá (Ilha de Santo Amaro) e o berço original: Santos e São Vicente. Como vimos no primeiro capítulo do livro a Cidade de Santos, a maior do litoral paulista, foi o cenário dos primeiros registros do surf em território brasileiro. Após um breve hiato o surf se re-estabeleceria ali de forma definitiva.

OS PIONEIROS PAULISTAS

Depois que Osmar Gonçalves foi morar no interior, Thomas e Juá Hafers foram para os EUA, Margot Rittscher ainda continuou deslizando sobre as ondas. No meio dos anos 40, teria a arte do surf (de pé) sido abandonada nas praias paulistas?
Talvez haja um elo perdido nesta história, mas até que ele seja encontrado, vamos trabalhar com o que temos de concreto.
Conversando com o professor Francisco Alfredo Alegre Araña (Cisco), que há duas décadas comanda a Escola Radical, localizada no Posto 2 em Santos, shaper, atleta de chegada desde os eventos da década de 70 e um verdadeiro mestre e estudioso do surf, ele me passou nomes de uma série de pessoas que podem ter informações chave nesse desenvolvimento do surf no Estado de São Paulo. Muitas ainda serão procuradas...
Cisco começou a surfar em 1968 com um pranchão francês Barland/Rott 9’8”, que comprou da família Hirano. Ele conta: “Antes disso cheguei a surfar com modelos de prancha caixa de fósforo e também madeirite, antes de ganhar a minha de fibra. Ainda na década de 60 tive uma segunda prancha de isopor, embalada com celofane.”
Cisco tem guardada em sua casa uma prancha de madeirite original de 1964 fabricada por Geraldo Faggiano, pai do Cocó. Suas maiores influências foram Homero Naldinho e Horácio Cocada. Mais tarde o Flávio La Barre. Através de indicação de Cisco cheguei a Manoel dos Santos, que completará 75 anos em fevereiro de 2014, hoje ele dirige duas escolas de natação e academias em São Paulo.

MANOEL DOS SANTOS JUNIOR


Manoel dos Santos Júnior, um dos responsáveis pelo renascimento do surf em São Paulo.

Nascido em 22 de fevereiro de 1939 em Guararapes no interior de São Paulo. Em 1957 mudou-se para Santos e treinando no Clube Internacional de Regatas com os técnicos Adalberto Mariane e depois com o japonês Minoru Hirano, fez parte da seleção brasileira de natação para os Jogos Olímpicos de Roma, em 1960, conquistando a medalha de Bronze nos 100 metros – nado livre. Em 1961 bateu o recorde mundial nesta prova, mantendo-o por três anos. No início dos anos 60 mudou-se para São Paulo, finalizando a sua carreira no Esporte Clube Pinheiros.
“Morei em Santos de 1957 até 1960, fui para lá para treinar. Depois do término de minha carreira na natação, minha noiva era de Santos, eu descia todos os finais de semana e ia surfar em Itararé (São Vicente). Eu surfava junto com Roberto Hirano, que era o filho do meu técnico e tinha mais ou menos a mesma idade que eu. Na época em que eu treinava natação cheguei a morar na mesma casa que ele.
Juntos fabricamos umas pranchas de isopor, com reforço (longarina) de madeira. Isolávamos a prancha com fitas, várias voltas, para poder aplicar a lã de vidro com a resina. Nós fazíamos toda a forma da prancha, às vezes exagerávamos na curva, ficavam tortas demais. As longarinas (às vezes duas separadas) que davam a envergadura, era um serviço de marcenaria.
A ideia veio de nossa cabeça, depois de vermos filmes de Hollywood, nos quais apareciam surfistas. Foi no verão de 1958 para 1959 que decidimos fazer as primeiras pranchas. Elas mediam de 2,30 a 2,40 metros. Eram iguais às que havíamos visto nos filmes, apenas diminuímos o tamanho para aumentar a resistência, pois quanto maiores, elas quebravam mais fácil. Essas pranchas eram muito pesadas. Quando colocávamos muita lã de vidro e resina elas ficavam pesadas demais, e se diminuíamos elas perdiam a consistência e se partiam. Não havia uma espuma certa para isso, usávamos o isopor e este não tinha resistência nenhuma. Primeiro fizemos pranchas com uma longarina, depois duas e ficaram um pouco mais resistentes. As pranchas não duravam nem dois meses, mesmo se surfássemos apenas nos finais de semana. Quando percebíamos que elas iam quebrar... Já estávamos fazendo um modelo diferente, mais reforçado. O Hiraninho deve ter feito umas 15 a 20 pranchas nesse período. Passávamos vela para não escorregar.
Nosso foco principal era treinar a natação, mas nos dias que apareciam ondas boas, não era sempre, eu e o Hiraninho íamos para a praia. Não tinha mais ninguém, éramos só nós dois, no início. Nos finais de semana chegava a amontoar gente na beira da praia para nos ver surfar. Surfávamos mais no inverno, por ter menos gente. Quando perdíamos a prancha era perigoso acertar alguém na beira.
Depois eu fui para o Havaí em 1961, fui para nadar, tirei muitas fotos do pessoal surfando em Waikiki, das pranchas e trouxe isso para usarmos de base. Em 1961 as pranchas do Havaí já eram de fibra de vidro.
Preferíamos a praia de Itararé porque as ondas eram mais longas. O Hiraninho era menor do que eu e com isso era mais prático, fazia mais manobras, até o spinning (giro do corpo sobre a prancha), mas basicamente íamos nas ondas e subíamos e descíamos um pouco na parede, não fazíamos cutbacks, íamos seguindo na onda.
A partir de 1962 para 1963 deixei de ir para Santos e a turma de surfistas não chegava a dez pessoas. O Hirano continuou surfando, chegou a mandar vir pranchas do Havaí, já começaram a aparecer vários outros surfistas. Lembro que uma vez fui para o Guarujá, em 1963 para 1964 e já tinha uns trinta surfistas, lá na praia das Astúrias.”

A TURMA CRESCE COM AS MADEIRITES

Hiraninho, ou Jô Hirano, como ficou conhecido pela maioria da turma de surfistas de Santos e São Vicente, já faleceu, mas seu nome é citado por diversos pioneiros de Santos que surfam até hoje. Podemos colocar o ano de 1963 como instrumental para que o surf desabrochasse com força no Estado de São Paulo. Dos primeiros praticantes na praia de Itararé, em São Vicente, o surf foi se alastrando por Santos, depois Guarujá, chegou a Ubatuba e foi até o litoral sul. As ondas de São Paulo, como todos sabem, são muito diversificadas e excelentes para a prática do surf, desde o nível para experts, como a praia da Paúba em São Sebastião, às tranquilas ondas do Canal 3 em Santos.
A praia de Itararé com suas ondas que aparecem lá fora, quebram, formam e reformam diversas vezes, propiciando longos passeios buscando paredes abertas em seu percurso formavam o cenário perfeito para extrair o máximo daquelas pranchas de madeirite.
A evolução foi muito rápida, tudo acontecia em meses e as novidades surgiam trazidas cada vez por um adepto diferente. A maioria destes primeiros surfistas era composta pela turma dos nadadores: Jô Hirano, Di Renzo, os irmãos Paioli - José e Francisco... Cocó – Eduardo Faggiano, e seu irmão Geraldo Faggiano Junior, amparados pelo pai, Geraldo fabricaram pranchas primitivas, pesquisaram e ajudaram muito na evolução do surf paulista.
Praticamente todos estes garotos que começavam a surfar com 11, 12, 13 anos acabavam fazendo as suas próprias pranchas. Vou me valer de alguns relatos que tenho gravados para desenhar (esboçar) esta história.
Zé Paioli, o mais velho dos irmãos, nascido em 1949 conta:
“Comecei a me interessar pelo surf pois eu era nadador, foi vendo uma reportagem da revista O Cruzeiro, com o pessoal do Rio de Janeiro, que já havia começado. Eu ia para a praia em São Vicente, mas não havia visto ninguém surfando. Depois disso vi dois irmãos, que eram da família Montenegro. Eles estavam com uma prancha de madeirite, na praia de Itararé, então fui lá e perguntei como eles haviam feito a prancha. Eles me disseram para pegar uma tábua de madeirit de construção e levar numa marcenaria, desenhar o outline, fazer um rasgo para colar uma quilha com o formato da de um tubarão e colar com Araldite.
Isso foi em 1964, eu era amigo do irmão do Cocó, o Geraldo Junior, fomos à noite numa obra que tinha na Av. Presidente Wilson (havia uma pilha de madeirites lá) e pegamos duas tábuas. Levamos em uma marcenaria lá perto no dia seguinte e cortamos. Nem lembro de ter reparado na prancha dos Montenegro se ela tinha envergadura, só atentei ao detalhe da quilha. Demos uma arredondada na borda e pintei a prancha. Naquela época o material das tábuas de madeirite era muito superior aos de hoje, ele não desfolhava, era mais grosso. A qualidade era muito melhor.
Quando ela ficou pronta pedi para meu pai me levar na praia, era um dia chuvoso, eu não sabia de parafina, de vela, não sabia de nada. Eu era um bom nadador, fui para a água e fiquei nadando com a prancha até um certo ponto. Fiquei uma a duas horas na água e consegui ficar em pé em uma onda. Caramba! Maravilhoso. Eu tinha 15 anos. O Chico tinha 13, ele nem surfou nesse dia. Não tinha mais ninguém na praia. Depois de um tempo descobrimos como envergar a prancha esquentando o madeirite. Logo em seguida o Chico começou a ir comigo. Nós entrávamos na onda estourada e como a onda de Itararé abre uma parede mais para o raso, começamos a cortar as ondas. Aos poucos foram aparecendo mais surfistas e foi tudo muito rápido, depois soubemos que amigos nadadores como o Sergio Heleno e Paulo Miorim haviam trazido as primeiras madeirites. Nós estávamos ainda com madeirite, quando Di Renzo e outros nadadores amigos nossos apareceram com umas prancha caixa de fósforo, que haviam feito no Estaleiro Stepanich. Foram as primeiras pranchas ocas que vimos.”
Recentemente o shaper Eduardo Argento (1951~2013), que infelizmente faleceu neste ano, produziu uma réplica destas pranchas dentro do Museu Brasileiro do Surf, em Santos (atualmente em fase de remodelação). Estive conversando com seu irmão gêmeo TWIN, Carlos Argento Junior, nascido em 15 de março de 1951. Carlinhos também tem uma bela experiência deste início:
“Estávamos aqui no Itararé, onde morávamos e um dia meu irmão falou, vamos até ali perto da Ilha Porchat ver um pessoal surfando... E eu nem sabia o que era isso. Era uma turma pequena, os irmãos Paioli, Di Renzo, Jô Hirano – os nadadores... Menos de dez surfistas.”
Os irmãos Argento se lançaram na produção de pranchas. Primeiro de madeirite, depois as caixas de fósforo, Carlinhos destaca que a maior vantagem delas é que boiavam. Outra tentativa foi trabalhar com pranchas de isopor revestidas com tecido morim. Depois começaram com as Pranchas Eduardo Argento e Carlos Argento Junior. A nova marca foi a NÃO Surfboards, visando afastar o crescente número de pidões que queriam emprestar suas pranchas. Culminando com as Twin, já próximo aos anos 70.
A marca Twin se tornou lendária e pioneira. Fizeram a primeira surf shop em Santos, depois inauguraram o polo de Moema com uma loja na rua Imarés. Quando começaram a buscar material para fabricação de pranchas no Rio, aproveitaram para trazer algumas camisetas (tipo Hang Ten). Na garagem do prédio deles funcionava a fábrica de pranchas e uma “lojinha”, mas isto será assunto para capítulos futuros.
Ao entrevistar Carlos na TWIN, estava de passagem por lá um outro surfista dessa geração de precursores de São Vicente:

JACKSON CARDIM STAMATO BERGAMO nascido em 19/9/1950 tem a sua história:
“Comecei vendo o Cocó surfar em 1963. Esse pessoal que começou a surfar com madeirites, os nadadores Di Renzo, irmãos Paioli, Hirano, o Carioca (Nelson Feitosa - que já faleceu)... Eles sabiam manobrar com as pranchas de madeirite.
Chegou um ponto que até pensávamos assim: ‘Não precisamos de pranchas que flutuam, pois conseguimos fazer tudo aqui’. Aqui em São Paulo, os que usavam pé de pato era apenas no pé de trás, pois o da frente atrapalhava muito, não dava. Eu particularmente nunca usei. Um olhava o que outro estava fazendo – ‘Ah que legal você fez isso, deu certo?’
QUILHA – pedi para um cara que tinha ferramentas, escavar com uma tupia fazendo um buraco na prancha e encaixava aparafusando do deck para a quilha. Não tinha umas cantoneiras que alguns tentaram usar. Uma outra curiosidade foi que já na primeira prancha utilizei uma tocha para esquentar perto do bico e envergar. As madeirites quebravam, cheguei a fazer longarinas de peroba para colocar em baixo delas.”
Jackson Bergamo se considera o primeiro skatista do Brasil, descendo sozinho as ladeiras da capital paulista, sem ter visto ninguém antes, desmontando patins, laminando o shape – isso em 1967, com base no que havia visto nas revistas americanas. Jackson acrescenta que, “as REVISTAS eram a maior e única referência, se não fosse por elas não teríamos base nenhuma.”
Jackson também foi mencionado no capítulo seis. Foi ele que seguiu para o Rio, Guarujá e Santos num Fusca com Paulo Issa para afixar os pôsteres do primeiro Festival Nacional de Ubatuba em 1972.
Os adolescentes que queriam se aventurar no surf tinham que se virar para começar no esporte.

MAIS PIONEIROS
Outra galera que tem se organizado para lembrar os bons tempos do surf é o Clube dos Pioneiros de Santos, uma turma grande. Tive o prazer de encontrar com três deles para captar histórias destes tempos, no apartamento de Walter Theodosio Junior encontrei Sant’Anna e Edinho, aqui vai um aperitivo de seus relatos.

JOSÉ LUIZ SANT’ANNA - 10/1/51
“Comecei a surfar com 12 anos em 1963. A primeira vez que vi alguma referência ao surf foi numa revista Seleções da Readers Digest, a matéria chamava: ‘Cavaleiros das Ondas do Mar’. Pelo que pude ver nas fotos da revista as pranchas pareciam ser de madeira. Eu fui na Serraria Brasil comprar uma placa de cedro para fazer uma prancha maciça que flutuasse.
O segundo passo foi uma madeirite, ao arrancar uma placa da cerca da obra do Hotel Brickman, que estava em construção junto com meu amigo João derrubamos metade do tapume. Saímos andando com as futuras novas pranchas quando aparece na rua uma viatura da Polícia Marítima. Era plena era da ditadura e achamos que estaríamos ferrados, mas os guardas passaram reto.”
Sant’Anna lembra de ter visto Jô Hirano com uma prancha que flutuava. “Ele foi muito importante na evolução. Até 65 usei pranchas de madeirite. Mais tarde cheguei a fabricar pranchas de fibra durante muitos anos. Foi vendo aqueles filmes da série Beach Party que percebi que as pranchas tinham volume. O Jô era mais velho, professor de judô, falava muito pouco e não dava dica nenhuma para nós. Era um cara inacessível. Entrava para surfar com um chapelão estilo mexicano. O fato é que a prancha do Jô flutuava e as nossas madeirites afundavam. Ele sentava lá fora e nós ficávamos mais na beira.
Foi nessa época que encontrei uma matéria na revista Mecânica Popular, com uma série de materiais que eu nunca havia ouvido falar. Improvisamos usando isopor, Eucatex e minha mãe fez uma capa de lonita para isolar, arredondamos a borda só em baixo, pois em cima era reto por causa do Eucatex. Ao invés de resina usamos tinta a óleo e fincamos a quilha numa longarina de pinho. Aí sentamos ao lado do Jô. Ele não acreditou. Isso foi no Canal 1.”

WALTER THEODOSIO JUNIOR - 9/1/1953
“Morei no interior até os treze anos. Vim morar em Santos em dezembro de 1966 e vi o pessoal com pranchas de madeirite. A primeira prancha que fiz era reta, só descobri que ela precisava ter uma curva depois das primeiras embicadas. A quilha, no princípio, coloquei um reforço de madeira apenas de um lado, depois de arrancá-la algumas vezes cheguei à conclusão que tinha que colocar dois. Também já pintei esta prancha de azul. Depois comprei por Cr$ 5,00 uma prancha de madeirite branca, com a borda colorida que tinha o desenho da Pantera Cor de Rosa com uma piteira. Até 1967 fiquei com pranchas de madeirite, até que no meio do ano um colega meu da escola comentou: ‘Vamos fazer uma prancha à lá Tom Blake?’ Era uma caixa de fósforo. Nessa época estas pranchas eram feitas em dois lugares, ou na Carpintaria Guarany, ou com o Nelson da Morsa. Em maio de 68 fui encomendar uma prancha com o Coronel Parreiras, ela ficou pronta em agosto, dois meses eram apenas para curar a prancha.”

EDINHO – EDSON TADEU MARQUES DE ALMEIDA - 21/9/1953
“Eu morava no Marapé e com 11 anos de idade, em 1964 comecei a me interessar pelo movimento das madeirites, que eram tiradas de obras. Com meu vizinho Toninho fizemos duas pranchas, com uma única tábua de madeira. Estudei como eram envergadas. Para envergar usava um pano velho com álcool e colocava fogo em cima da madeirite. Isso danificava a madeira e algumas vezes quando tomávamos um tombo mais violento quebrávamos a prancha. Estudei no mesmo colégio do Cocó, que era dois anos mais velho. Foi com o pai dele, seu Geraldo, que aperfeiçoamos a técnica para envergar as pranchas. No campeonato da Ilha Porchat (1968) fui o único surfista que ainda competiu usando uma prancha do modelo caixa de fósforo. Depois criei uma marca de pranchas: Orca, até hoje ainda brinco com ela.”
Eduardo Faggiano, o Cocó, tem sua entrevista agendada para o início do próximo ano, ao lado de seu irmão Geraldo Junior (2 anos mais velho) e do pai o Sr. Geraldo Faggiano, formaram uma das mais importantes famílias pioneiras do surf paulista.
Em 1962 ele viu o surf pela primeira vez em uma reportagem da revista O Cruzeiro. Com 12 anos, sem outras referências a família produziu uma primeira madeirite. Cocó também cita Paulo Mansur, pai do ex-Prefeito Beto (96 a 2004), como a pessoa que trouxe a primeira madeirite do Rio para São Vicente. Seu Geraldo sempre incentivou e ajudou os filhos, produzindo pranchas, organizando (ao lado do pai de Zé e Chico Paioli) o primeiro campeonato de São Vicente em abril de 1968. Cocó foi o shaper original da Squalo ao lado de Paulo Issa, antes disso produziu madeirites, caixas de fósforo e pranchas de fibra, agindo por tentativa e erro – acertos. Os Faggiano introduziram inovações no Brasil, tiravam informações de uma revista Mecânica Popular em espanhol, tem recortes com manchetes tipo: ‘Grande roubo de tapumes na Cidade de Santos’. Hoje está morando em Paraty no sul do Estado do Rio de Janeiro.

PRIMÓRDIOS DO SURF NO ESTADO DE SÃO PAULO


Os irmãos José Carlos Paioli e Francisco Paulo Paioli são verdadeiras instituições do surf paulista, mais do que lendas vivas, são personagens folclóricos, carismáticos e surfistas inveterados adentrando os 60 anos de vida na ativa. Conhecer a história deles é cavar em busca de uma das raízes mais profundas do surf paulista.


Todos sabemos dos atos pioneiros de surf em Santos nos Anos 1930, com Osmar, Thomas, Juá e suas pranchas estilo Tom Blake. Mas o surf em São Paulo começou a andar “de vez” apenas no início dos anos 60. Aqui temos diversas histórias, em praias diferentes, com artefatos distintos, pranchas construídas de forma diferenciada. Mas quando perguntamos a todos os pioneiros, sempre, os irmãos Paioli aparecem como referência.
Eles começaram a surfar quando moravam na praia do Itararé, em São Vicente e nunca deixaram de lado sua paixão da infância. Participaram do primeiro campeonato em São Paulo, em 1967 e até hoje não perdem os encontros para veteranos, ou as etapas do SP Contest.
Zé Paioli é um industrial, trabalha com um sistema de detecção de trincas em equipamentos fabris e tem casa na Barra do Una, São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, seu pico local é o canto direito da praia de Juquehy, onde muitos o consideram o “xerife” da área.
Chico por sua vez, sempre com uma atitude mais “flamboyant”, faz barulho em todos os lugares que chega, cumprimentando a todos e causando alvoroços. Além de ter se transformado em um atleta vencedor, campeão paulista e brasileiro de longboard máster, no final dos anos 80 e início dos anos 90 é considerado um dos técnicos de surf mais categorizados do ramo.
Eles mudaram de São Vicente para Moema, na capital paulista, em 1967. A Escola Paioli de Natação sempre foi um marco do bairro na esquina das ruas Pavão com Canário. O pai deles, Carlos Paioli, falecido em 2005, aos 85 anos, já era um atleta por opção, nadou no Rio Tietê quando ainda era limpo, os filhos se transformaram em exímios nadadores. Foi o pai deles que organizou, ao lado de Geraldo Faggiano, o primeiro campeonato de surf da Ilha Porchat em 1968, que contou com as presenças dos cariocas Carlos Mudinho e Rico de Souza.
Vamos conhecer como eles se envolveram com o surf, foi a partir de 1964.
ZÉ: “Comecei a me interessar pelo surf pois eu era nadador, foi vendo uma reportagem da revista O Cruzeiro, do pessoal do Rio de Janeiro, que já havia começado. Na reportagem falava da história do surf, do Hawaii, aquelas coisas todas. Mostrando como o esporte estava se desenvolvendo no Brasil e no Rio já tinha um pessoal praticando.
Eu ia para a praia em São Vicente, mas não havia visto ninguém surfando. Depois disso vi dois irmãos, que eram da família Montenegro. Eles estavam com uma prancha de madeirite, na praia do Itararé. Eu nunca havia visto uma prancha ao vivo. Então fui lá e perguntei como eles haviam feito a prancha. Eles me disseram para pegar uma tábua de madeirite de construção, cortar no meio e levar numa marcenaria, fazer o outline, fazer um rasgo para colar uma quilha com o formato da barbatana de um tubarão e colar com Araldite. Eles nos explicaram como fazer. Eram nossos vizinhos ali no Itararé, em São Vicente.
Isso foi em 1964, eu tinha 15 anos e era colega do irmão mais velho do Cocó, o Geraldo Faggiano Junior, fomos à noite numa obra que tinha na Av. Presidente Wilson, na esquina da rua da nossa casa (tinha uma pilha de madeirites lá) e pegamos duas tábuas. Uma para cada um. Levamos para casa e no dia seguinte fomos em uma marcenaria lá perto, na Marechal Deodoro, perto de onde hoje é a oficina do Delton Menezes – Classic Longboards.
Primeiro cortamos. Foi tudo de olho, fui orientando na hora. Nem lembro de ter reparado na prancha dos Montenegro se elas tinham envergadura, só o detalhe da quilha. Demos uma arredondada na borda, lixei e pintei a prancha. Naquela época era um compensado de madeirite bem melhor que os de hoje, ele não desfolhava, era mais grosso, a qualidade era muito superior. Em casa eu abri um rasgo, coloquei uma quilha, sem envergar. Pintei ela de preto. Depois de um tempo descobrimos como envergar a prancha, esquentando o madeirite.

O PRIMEIRO SURF

“Quando ela ficou pronta peguei meu irmão Chico, Paulinho nosso primo e pedi para meu pai me levar na praia, era um dia chuvoso, pavoroso, horrível. Foi todo mundo em um Fusca, nem lembro como chegamos na praia. Peguei a prancha... Só queria saber de experimentar ela. Eu não sabia de parafina, de vela, não sabia de nada. Fui lá para dentro do mar e remava, mas não conseguia entrar nas ondas.
Eu era um bom nadador, fui para a água e fiquei nadando com a prancha até um certo ponto. Fiquei uma a duas horas na água e consegui ficar em pé em uma onda. Nossa, quando eu consegui... Caramba! Maravilhoso. Foi a primeira experiência minha. Eu tinha 15 anos. O Chico tinha 13, ele nem surfou nesse dia. Não tinha mais ninguém na praia. Ninguém. Eu não via ninguém surfar no Canal 1, Canal 2. Mesmo aqueles irmãos Montenegro, eu nunca mais os vi. Depois o Chico começou a ir comigo”.
CHICO: “Eu acompanhava ele, pegava a prancha dele e surfava. A gente ia para o fundo e entrava na onda estourada. Aquela onda do Itararé tem muitas seções. A gente entrava na espuma e de repente abria uma parede, do nada, dava para cortar a onda. Foi fácil de aprender”.
ZÉ: “Tem uma história que quando nós roubamos a segunda madeirite, a notícia começou a espalhar na praia. E o pessoal começou a correr atrás e a pilha que tinha naquela obra começou a baixar. Aí o que acontece? Tinha uma turma indo lá de noite e os operários da obra pegaram os caras e levaram para a delegacia. Foram presos. Só que eram moleques. O problema é que quando começou todo mundo a querer saber, nós demos a letra de que era naquela obra que tinha os madeirites. Começou a baixar a pilha até que pegaram os caras. Isso já era em 1965, ainda surfávamos com pranchas de madeirite. Aos poucos foram aparecendo mais surfistas”.
CHICO: “Na verdade foi uma coisa muito rápida, que fica difícil você estabelecer: quem, como, quando”.

VAMOS CONSTRUIR PRANCHAS DE FIBRA

ZÉ: “A primeira prancha de fibra que a gente fez, foi depois que apareceu o Jô Hirano e o Manoel dos Santos, quando a gente estava surfando no Itararé com pranchas de madeirite, eles apareceram com duas pranchas ocas (de fibra). Uma cada um. Era oca e a envergadura dela parecia que era para baixo. Eles ficavam bem mais no fundo que a gente, pois as pranchas boiavam. Nós vimos aquilo e ficamos loucos”.
NOTA: As pranchas não eram ocas eram de isopor. O desenvolvimento do surf em São Paulo ocorreu em diversos focos e com iniciativas diferenciadas.
Em 1965 eles estavam com pranchas de madeirite. Nessa época apareceram as pranchas ocas “caixa de fósforo”, também de madeira. Em 1966 ouviram falar do Homero Naldinho (tenho entrevista ainda inédita com ele). Zé, depois de uns três meses que estava surfando viu uma prancha São Conrado, mas já estavam começando a produzir pranchas de isopor e fibra com o pai de Cocó (Eduardo Faggiano). Ainda estou procurando algumas peças deste quebra-cabeças para encaixar aqui. O fato é que Zé e Chico Paioli foram instrumentais no desenvolvimento do surf brasileiro. (Reinaldo “Dragão” Andraus – Histórias do Surf)

*

FABRICANDO PRANCHAS EM SÃO VICENTE




ARMANDO JAGUARY (1954-2015)


Nasci em Santos, mas o interessante é que sempre morei em São Vicente. Minha infância foi tranqüila. Aquela infância normal, de brincar na rua, jogar bola. Aquelas coisas que a gente fazia e não existe mais. 

As vezes eu ia mais para o surf do que para o colégio. Tanto é que as vezes eu faltava no colégio para surfar em Praia Grande porque estudava lá nessa época. Na volta, escondido dos pais, no mesmo ônibus eu encontrava a minha professora de inglês. Essas coisas. 

Dia de onda muito boa não tinha como não faltar. Tanto é que tinha uma prancha guardada na casa de um amigo em Praia Grande porque quando o mar estava bom era água. Mas conseguia conciliar muito bem. Só não fiz o curso universitário. 

Naquela época era meio difícil. Uma pela condição de meu pai ser funcionário público, era topógrafo em Santos, e não tinha condição de pagar uma faculdade. Na década de 1970 não existia essa competitividade, esse globalismo, essa ambição. A rapaziada era mais do paz e amor, os valores eram outros. Nós éramos desprendidos de bens materiais.
No esporte eu comecei no Tumiaru como nadador. Eu, meu primo Anadir Dias de Carvalho e algumas personalidades na época do esporte. 

Só que em 1968 eu conheci uma galera do surf. Comecei a ter mais contato com praia, porque eu vivia na piscina, e aí entrou o surf na minha vida. Tinha uns amigos que surfavam, eram os precursores do surf, que era o Longarina (Luis Fernando Longa), o Henry Torlai, Alberto Oto Ross, que era uma galera que já tinha começado o surf em São Vicente. Por intermédio desses amigos eu comecei a frequentar esse time, sempre no Itararé. Na época de férias, a gente ia segunda-feira para o Guarujá e voltava na sexta-feira, detalhe só com a bermuda e a prancha. Sem dinheiro, sem nada porque os amigos e amigas traziam as coisas para gente comer na praia. Nós passávamos a semana inteira pegando onda. A gente tomava banho escondido no Ferrareto Hotel.

Todo mundo queria ter uma prancha e era muito difícil você ter acesso ao material a informações. Era uma aventura você fazer uma prancha. Na época existia um único fabricante em São Vicente chamado Nelson que faleceu num acidente e foi o precursor nessa área. Nós fazíamos pranchas para os amigos, mais artesanal. A fabricação veio justamente pela dificuldade de se ter uma prancha. As boas eram só americanas e o pessoal engatinhava muito em relação a fabricação. 

O Luis Fernando Longa fazia pranchas na praça Coronel Lopes e foi com ele que eu tive as primeiras noções de fabricação. Aquela coisa do moleque que vai na casa do amigo que faz prancha. Os nossos pais eram muito amigos e foi aí que eu comecei. Se hoje eu sou um fabricante de prancha eu devo o meu aprendizado, o começo ao Luis Fernando Longa. 

Luis Fernando Longa em sua oficina de pranchas.

A maioria das pessoas esconde a origem, principalmente na arte. Teve uma senhora, mãe de um amigo meu, que me deu dinheiro para fazer a minha primeira prancha. O nome dela é Noêmia Gertrude Losachi, mãe do Geraldo Losachi, amigo meu. Ele era filho de um classificador de café e comprou a prancha no Omero e eu não tinha. Ela me deu o dinheiro para comprar, fui para São Paulo na reforplas que era o único lugar no Estado que vendia material para prancha de surf e fiz a minha primeira prancha. Devo a ela isso. Se não fosse ela ter dado o dinheiro para comprar o meu caminho talvez fosse outro. Muita prancha eu fiz de graça para chegar lá. Você sempre tem um mentor, você sempre aprendeu com alguém. Essas pessoas quando atingem um patamar fazem questão de esquecer de onde vieram e quem foi que os induziu àquilo. Devo ressaltar isso. 

Profissionalmente eu passei a fazer no início da década de 1980. Anteriormente trabalhei em outras atividades, mas me dedicar a fabricação foi na década de 1980. O surf naquela época era marginalizado. Você ser surfista era ser vagabundo, drogado. Quando se falava em droga naquela época só se referiam a maconha. Mas todos os surfistas daquele tempo eram meio que renegados pela sociedade. Foi um começo difícil. Nós surfávamos por paixão, porque nós gostávamos. 

Nossa vida era complicada em relação à isso, mas nós sempre surfamos a vida toda. Nunca por interesse, nem por comércio e sim por paixão. No tempo de auge da fabricação eu conciliava os meus horários. Acordava as quatro da manhã para trabalhar até as quatro da tarde. Eu fazia uma parte da prancha que hoje são funcionários que fazem. As quatro da tarde, categoricamente, todo dia se tivesse onda era surf. Parava até no meio do caminho, no meio de um shape abandonava e ia surfar. Tinha o horário que era das quatro as seis e meia da tarde, no verão as vezes até as oito da noite.

O MERCADO DO SURF E OS PIONEIROS VICENTINOS 

Surfistas santistas e vicentinos no Itararé no final dos anos 1960. São Vicente de Outrora. "O segundo da esquerda é Eduardo Argento, o Dudu da Twin Surf". 

Eu sou assumido um cara estouradão, tenho um temperamento horrível. Eu nunca consegui ser submisso a alguém e a fabricação de prancha na época para mim foi a liberdade porque não tinha patrão. Passei a viver só disso. Em 1986 foi o auge em que eu chegava a fazer 120 pranchas por mês, naquela época isso era muito. Foi o auge da minha carreira, meu nome foi lá em cima. Hoje mudou muito. A alguns anos atrás qualquer surfista que quisesse uma prancha ele pedia para o pai leva-lo a uma fábrica. Hoje está tudo direcionado para as lojas, motivo de eu ter aberto a loja. O mercado ficou diferente. Antes todo mundo ia numa fábrica. Está aparecendo em cada esquina um fabricante de prancha, porque ele leva a máquina, faz a parte de usinagem e a prancha vem praticamente pronta. Você dá o softwear para ele, ele passa na máquina e pronto.

No Brasil existe uma diferença em relação aos Estados Unidos e ao Havaí. Lá quanto mais velho o cara for na profissão dele, mais conhecido ele é. No Brasil não. Um havaiano, que tem oitenta anos, ele veio para a feira de surf em São Paulo e foi idolatrado. No Brasil isso não acontece. Nós temos o Omero e o Naldinho, que foram precursores na fábrica de pranchas. Hoje eles vivem praticamente das pessoas que têm consideração por isso, que são poucas. Profissionalmente eixaram o cara de lado.

Tenho dois filhos, um do primeiro casamento que tem 16 anos, chama-se Aran, e o segundo que é o Andreas, tem 12 anos agora. Não acredito que sigam o caminho do pai. O primeiro seguiu, porque eu toco guitarra, bateria, e o meu primeiro filho é baterista e canta numa banda. Apesar dos tios serem surfistas, ele não surfa. O Andreas está naquelas de surfar com o amigo, mas dizer sinceramente que ele goste do surf como eu gostava e eu me dediquei. É o que mais talvez possa ser um surfista.

O esporte hoje está tirando muitas crianças de caminhos errados. Há uma inversão de valores. Quando nós começamos nós éramos marginalizados, mas hoje o esporte serve para tirar muita criança do caminho errado. Virou uma ferramenta de inclusão social. 

O surf movimenta R$ 2 milhões por ano, virou uma coisa muito interessante para todo mundo. Quando você via uma firma multinacional interessada pelo surf ? Hoje todo mundo quer, o surf wear virou uma identidade para muitos jovens. 

Nós temos vários atletas brasileiros que conseguiram despontar lá fora. Um deles é o Fábio Gouveia. Ele colocou o País numa posição no esporte lá fora que nunca havia sido conseguido. Ele foi um trampolim para que os brasileiros acreditassem. Foi um estímulo para muita gente. Essa garotada nova vai para os campeonatos no exterior, o WCT e WQS. Atualmente nós temos o Adriano Mineirinho, que é do Guarujá, representando muito bem o Brasil. Nós devemos a dois caras, o Fábio Gouveia e o Teco Padaratz. Só que antes deles, os precursores foram o Pepe, Ricardo Bocão, Roberto Valério, Jorge Patieli.

Nós tivemos vários atletas em São Vicente. Dizem que o surf começou em Santos com o Osmar. Mas eu acredito que tenha começado em São Vicente porque nós temos várias pessoas que têm mais de 50 anos de surf e nunca foram citadas. Tem o falecido Miroel Couto, que era um expoente do surf. Eu não posso esquecer de gente que foi tão famosa. O Omero era um fabricante de Santos e existia uma richa entre Santos e São Vicente, mas eu não posso deixar de citar o cara só porque ele era de Santos. Deixaram de citar vários surfistas de São Vicente de ponta. 

(Adaptado de entrevista ao Jornal Vicentino, 7 de outubro de 2006).




LONGARINA, 
A ARQUITETURA E A ENGENHARIA DO SURF


Luis Fernando de Oliveira e Silva, o "Longarina" ou "Longa" é uma lenda viva do surf vicentino e da região. Nenhum historiador ou memorialista desse esporte esquece seu nome como referência de pioneirismo e principalmente da sua atuação como mestre-artesão de pranchas. Ele é a memória de um tempo em que as praias do litoral paulista travavam uma luta entre a selva e a civilização, com a ocupação urbana irreversível. Os surfistas eram nessa época os hippies dos oceanos, mediadores entre a natureza e cidade, flutuando incrivelmente nas ondas. Eram semideuses marinhos, mistura de humanos e netunos, desafiando raios, trovões, marés, ressacas com as suas engenhocas deslizantes sobre as águas frias e salgadas. É uma confraria de "nativos", etermamente jovens, e se tratam como irmãos. Espíritos hawaianos nas orlas do Brasil. Longarina é um deles.

*****
Nasci em Belém do Pará, em 21 1 51. Meu pai é natural de São Vicente, fazia serviço militar lá;  minha é natural de Belém. Vim para São Vicente com três anos de idade onde me criei e vivi até 1992 hoje moro em Praia Grande. Meus pais e meus irmãos ainda moram em São Vicente, meu pai com 94 anos e minha mãe com 87.

São Vicente era uma cidade calma e tranquila passei a infância na vila São Jorge até os 10 anos depois mudamos para a praça do correio onde vivi pôr uns 12 anos ,fiz serviço militar, no Rio de janeiro fui para lá em 69 e voltei em 71 servi no regimento de infantaria Santos Dumont na brigada de paraquedistas do exército em Deodoro. 

O surf eu conheci através da revista Seleção quando tinha 11 anos o título era Cavaleiros das ondas do mar. E com 13 anos vi pela primeira vez no Itararé surfando num sábado de uma tarde de verão Sérgio Heleno, Di Renzo e Paulo Miorim com uma prancha modelo caixa de fósforo amarela. Desse dia em diante, comecei a fazer minhas pranchas de Madeirite junto com o amigo João Carlos Kubas, na casa dele, na rua Martins Fontes na descida da linha de trem.

Depois com o ir e vir da praia fui conhecer Eduardo Fargiano o Cocó, filho do professor Geraldo, que foi um dos pioneiros do surf vicentino em Madeirite em em seguida de Fiberglass
Daí começa a era de surf de São Vicente. 

Aprendi a arte de shape com Nelson Exel onde tinha uma sala na garagem de sua casa na rua Benjamin Constante e que já fabricava a Nel Surf Board que por sinal já era bem avançado para a época, isso acho que 1965. Nelsinho, como era conhecido, infelizmente veio a falecer num acidente de carro no Guarujá em 71 por atropelamento, onde estavam presentes Vicente Ferraro, Salvio, Geraldinho e eu.
Depois desse trágico acontecimento, houve uma dispersão do grupo  e cada um seguiu o seu caminho,  mas continuamos nos encontrando no mar na praia e a vida seguiu.

Eu continei fazendo minhas pranchas, onde morava na praça do Correio , até que mudamos para a rua do Colégio. Então comecei a trabalhar com Homero Naldinho. Sua oficina ficava na rua de trás da minha casa onde tinha o Mercado Municipal. Shapeei por sete anos na Homero onde ele fabricava sua própria espuma de poliuretano. Shapeava de 7 a 10 pranchas por dia na plaina. Uma vez fiz 20 shaps em um dia, das sete da manhã as oito da noite.

Continuei surfando e shapeando , até que sofri um acidente no mar que me afastou por mais de um ano do trabalho e do esporte chegando a abandonar por um bom tempo a ideia de surf . O acidente foi, acho, não lembro bem, em 78.

Voltei a trabalhar em casa no início de 80 onde recebi um convite para ir trabalhar na La Barre, em Itanhaém, onde fiquei por cinco anos. Depois fui para a Star Modelo, com o falecido Paschoal e junto com Delton Menezes onde eram sócios.  Fiquei uns três anos, não lembro bem. Voltei a fazer as minhas pranchas em casa por um bom tempo.

Na década de 90 trabalhei como shaper na Venezuela, na fábrica de um amigo, a Martim Surf Board. Depois voltei a trabalhar na minha própria oficina, até que fui convidado pelo Almir Salazar a trabalhar com ele na New Advance, também como shaper por um bom tempo, acho que uns cinco anos.
Na época em trabalhei na New Advance, shapeei algumas pranchas para Picuruta Salazar em especial Long board onde chegou a se consagrar campeão mundial pelo ISA World Games. Algumas pranchas para ele surfar nas pororocas também.

E durante o período que estive na G Zero shapeava para a família Pacelli em especial para Nicole Pacelli e seu Jorge Pacelli onde Nicole veio a se tornar a primeira campeã mundial de Sup no Hawaii.
Quando deixei a New Advance, fui chamado pelo Armando Jaguari, da Fluid Energi. para dar um apoio em um pedido muito grande que era da Vikings, e a partir desse trabalho, graças ao Armando, fui convidado a fazer parte equipe de shape da Vikings, onde fiquei acho que uns três anos.

Saindo da Vikings voltei a trabalhar com minhas pranchas em casa onde tenho uma sala de shape . Até que, acho que em 2009,  recebi um convite através do Neco Carbone para trabalhar em Guarujá , na G Zero como shaper no começo da febre do Surf . Onde fiquei por sete ou 8 anos .

E é isso. Hoje estou com 69 anos de idade e 56 anos de surf . Casado com Helena Yara Barrella e Silva há 36 anos, tenho um casal de filhos  e moro em Praia Grande, onde tenho minha sala de shape onde continuo fazendo minhas pranchas artesanalmente.

OS HIPPIES E NETUNOS DOS OCEANOS


SURFISTAS VICENTINOS viajando para o Rio de Janeiro em 1978. 
Roteiro pelo litoral norte, de bicicleta. Fernando Longa com Antonio Elias e Clau. Avervo: Fergando Longa.



























SURFISTAS VICENTINOS NO ITARARÉ


 SURF NO ITATRARÉ NOS ANOS 1970. Paulo Miorim postou: "Atenção! essa foto é rara! O Cara da esquerda de óculos escuros é o Mirão, figura lendária do início do surf no Itararé. à direita Nelsinho Axel que nos deixou muito cedo". Ao centro, passando parafina na prancha,  segundo alguns comentários na postagens, é o Dato ( Odailton de Oliveira).



Praia do Itararé, início dos anos 70. Da esquerda para a direita: Sandrinha, Vicente, Maneco, Hiru, Paulo Italiano, Flavio la Barre e Fred. São Vicente de Outrora, do acervo de Will Rodrigues. 


Comentários

Rose Argento: Paulo Itália... Surfando no céu !!🙌

Wagner Ruiz: Esse rapaz de perfil deve ter sido o que inspirou o bonequinho da Twin…rsrsrsrs…

Rosely Caputo Argento: O melhor verão de 70 muita praia 🏖️ calor e Surf. Aloha 🏄

Marco Vendramel: Minha primeira prancha bi qui comprei do pulguinha em são Vicente era a top de linha,e as tri quilha do Armandinho. Já faz muito tempo bons tempos.

Rosa Maria Carvalho: Passei minha juventude frequentando a praia de Itararé ( entre 1965/1977)
Era bom demais!! Boas lembranças!!!

Wagner Ruiz: Luis Claudio Damasceno Ferreira. Faltou Picuruta,Lequinho e outros

Magda Oliveira Rodrigues Oliveira. Que foto q marca uma epoca...de praia...surf...patotas

Rosely Caputo Argento: Saudades desta época !!! Hiru , Paulo Itália.🏄🏄

Valdir Fonseca: Poxa legal ,sou dos anos 80, só uma dúvida, comprei várias camisa da la barre, tinha uma loja em Itanhaém perto da praia dos sonhos ,será que esse Flávio Lá barre tem a ver com essa marca de camisa

Regina José Luiz Nascimento: Só molecada do meu tempo !!!

Lu Lucélia: Alguém conheceu os irmãos Zanon, 2 surfistas q moravam no Edifício Marrocos? Nessa época eram bem jovens. Não me lembro o primeiro nome deles. Tinham uma irmã mocinha e a mãe era uma senhorinha italiana. A família foi embora pra Itália e eu perdi contato.
Responder19 h

Lu Lucélia: Será q é esse Paulo italiano?

Mario Sergio Oliveira: Época boa demais nunca peguei onda más tinha amigos surfistas, Beto Fiorot, tempos do colégio Martim Afonso o Tuca estudávamos na mesma classe e outros como Pigmeu.

Luis Silva Silva: Época do bacalhau

Geraldo De Almeida Viana Filho Viana

Jane Hyppolito: Wilma Nunes Melo

Eduardo Lima Alves: Surf das antigas Felipe Henrique Flávio Henrique













Surfistas vicentinos reclamavam da proibição da prática de surf nas praias do Guarujá. Ai medida foi tomada pelo delegado de Policia daquele município, José Arary, em função de alguns acidentes ocorridos com banhistas. (Acervo de Marcos Braga)

A matéria foi publicada num jornal da região (provavelmente Cidade de Santos) com depoimentos dos seguintes atletas:

Miroel Couto, residente na avenida prefeito José Monteiro , 770: “ Delegacia está certa em prevenir os acidentes . Mas a solução seria um aumento da área com cordas e boias. Só nos resta os domingos na Praia do Itararé, que é cheio de turistas. Mas vou falar com prefeito para demarcar com cordas a nossa área”.

Luis Costa Neto, morador da rua Fernando Costa, 78: “Sou contra a determinação da Delegacia do Guarujá, pois lá tem ondas de dois a três metros. Não deveriam tomar uma medida dessa e fazer um acordo demarcando um trecho para os surfistas , de preferência nas Pitangueiras, Pernambuco e Tombo”.

Joel Pereira de Souza Filho, o Alemão, residente à rua Emílio Carlos, 272: “ As melhores ondas estão no Guarujá e os surfistas poderão ir para Ubatuba, que é mais longe. Os banhistas não respeitam a área dos surfistas e por isso acontecem os acidentes. Muitas vezes perdemos a prancha e os turistas correm para pegar e, como fazem indevidamente, ficam feridos”.

Nicolau Fernandes Liparrelli, rua Claudio Luiz da Costa, 90, 2º andar, apartamento 6: “As autoridades podiam demarcar um trecho com cordas e boias”

Delton de Menezes, rua Quintino Bocaiuva, 1537, apartamento 2: “A mesma coisa deveria ser feita no Itararé pois o trecho que temos é praticamente sobre as pedras”

Bruno Caruso, residente à rua Franklin Roosevelt, 111, apartamento 27: “Nossa área fica sobre as pedras e podemos perder nossas pranchas aqui no Itararé. Quando tem ressaca nem podemos usar o nosso espaço”.

Gerson Dias, rua Dr. Fernando Costa , 524: “Com a proibição do Guarujá ficamos apenas com o Itararé, onde o trecho para a prática do esporte é muito pequeno. Antes tínhamos o trecho da Pedra da Feiticeira até o Posto Salva Vidas, mas foi diminuindo. Mesmo assim ninguém respeita a nossa área”.

Luis Paulo Amorim, José Augusto Navarro e Carlos Eduardo Hablitzel também foram
entrevistados.




JOGOS, CAMPENATOS E TORNEIOS


Time da rua  9 de Julho. Vila Cascatinha.   Acervo. Alessando Padim:  "Meu pai, Toninho Peres, que está no centro agachado. Ele era ponta direita, mas não consigo identificar se é do time da Nove de Julho, onde ele jogou muito tempo na várzea nos anos 60". 




TRAVESSIA DA BAÍA DE SÃO VICENTE -1962 ou 1963 
 PAULO MIORIM

Aconteceu comigo na Travessia da Baía de São Vicente. A saída era ao lado de Ponte Pensil, a chegada no Gonzaguinha. Acontecia uma fortíssima maré de vazante. A saída da prova era em uma pequena praia vizinha à Ponte Pensil, do lado Praia Grande. E a preocupação dos organizadores e atletas era a forte maré acima citada. Uns queriam adiar a prova, outros achavam melhor aguardar a virada da maré para autorizar a largada. O Duda ( José Eli, que saudade, onde anda?) era o nosso técnico. Eu, uns anos antes, moleque, vivia mergulhando e pegava cavalos marinhos para vender nas barracas de “souvenires”, e aquele mar era uma espécie de meu “habitat”. Fiquei observando os comentários, as opiniões de cada um dos envolvidos na prova.
Os nadadores discutiam qual o melhor trajeto, a maioria dizendo que o ideal seria nadar paralelo às margens e só mudar o rumo próximo a ponta do Porta do Sol ( um edifício), aí sim cortando a baía em direção à chegada em ângulo reto. Eu não era nadador de distância, escutava as conversas. Nicomedes Pacheco de Barros, Sérgio Heleno ( que já havia vencido a travessia passada), Sebastiãozinho, e um monte de nadadores optaram pelo trajeto acima. Como conhecia bem o local, pensei: “vou cortar reto, a maré vai parar e virar”. Parti e nadei a prova sózinho, pois praticamente todos seguiram o traçado combinado. Como ninguém havia levado em conta minha opinião, minha estratégia deu certo, ganhei a prova e cheguei uns dois minutos na frente do Sérgio Heleno Oliveira, do qual eu era freguês em águas abertas. Lógico que fiz muitas gozações com o fato. Abraço fraterno a todos.











AS GAROTAS ABUSAM DO DIREITO DE SEREM SIMPÁTICAS ENFRENTAM A DERROTA E A VITÓRIA COM O SORRISO DESPREOCUPADO DE QUEM JOGA PELO PRAZER DE JOGAR -- HELENINHA, ZILA, CARMEM, JUCY E ELZA AS PRINCIPAIS — CLEIDE, RUTH, MADALENA, DEISE KALIL. DEISE CARDIM E DILMA NELSON "TIO" DE BARROS, O TREINADOR, SOFRE HÁ QUATRO ANOS DANDO JOGO ÀS GAROTAS DIABÓLICAS.
 
 Daqueles uniformes bonitos e curiosos que à primeira vista já impressionam, as garotas de
São Vicente tomaram conta do ambiente cestobolístico bandeirante. E quando largaram da sua cidade para irem vencer a série colegial dos "Jogos da Prima. vera" do "Jornal dos Sports" no ano passado, conquistaram também as plateias cariocas, exercendo no Rio em toda a sua extensão, aquele enorme poder que têm sobre o público que assiste a partidas de bola ao cesto.
Um dia, não faz isso mais de três meses, as garotas foram a Sorocaba disputar a finalíssima do Troféu Bandeirantes, um dos torneios mais emocionantes promovidos pelo Departamento de Esportes do Estado de São Paulo. Acabou-se, então o tabu de invulnerabilidade da turma sorocabana, pois as vicentinas Alcançaram consagrador triunfo. Mas não é isso o mais importante. O mais importante é que aquela torcida de Sorocaba - cantada por todos como a mais feroz do Interior paulista - aplaudiu em peso as diabinhas de São Vicente e fez delas verdadeiras heroínas.
Não se pode negar: as meninas são simpáticas, de fato. Simpaticíssimas. Perdendo ou ganhando - elas Também perdem - de seus lábios só sai aquele sorriso despreocupado de quem joga pelo prazer de jogar e para quem a derrota e a vitória são simples contingencias de disputas esportivas.
Suam as camisetas, jogam com fibra, empenham-se ao máximo em todas as disputas, fazem misérias com a bola e parecem pequenas "globe-trotters" do bola ao cesto feminino. Heleninha é a principal "estrela". Simpática e alegre, na quadra é fenomenal. Encesta de longe, de perto, de qualquer jeito. Dá passos magníficos, e completa. Já não se tem dúvida de que seu nome, obrigatoriamente, estará entre os das cestobolistas convocadas para qualquer seleção paulista que se organize. Zilá - aquele "monstrinho" que tem nos jogos um semblante de eterna zanga - é também uma garota 100%. E como sabe jogar basquetebol ! Olhe o leitor as fotografias que ilustram a reportagem.
Veja, por exemplo, aquele lance em que Zilá está em pleno ar, após receber um passe bonito de Heleninha. Lances assim se repetem em todas as partidas das vicentinas. Carmem - como é bonita ! - tem qualidades enormes de grande cestobolista. Elza é uma grande "fominha", na mais pura acepção do termo. Bate bola como veterana, possui um controle excepcional e magnífico da "redonda". Jucy encarna com perfeição o espírito vicentino de amor à equipe. Em Sorocaba, com o joelho a lhe causar fortíssimas.dores, fez questão de continuar na quadra até o fim. E garantiu a vitória do Praia Clube. Cleide - tão bonita quanto a irmã, Carmem; tão simpática quanto todas as outras companheiras; tão Angadinha na quadra quanto Zila - vem melhorando de dia para dia. Ruth, Madalena, Deise Kalil, Deise Cardim e Dilma, todas, enfim, têm as mesmas características todas são grandes garotas.
Jogam por São Vicente. Pertencem ao Praia Clube, mas também vestem a camiseta do selecionado da cidade, ou do Grêmio do colégio em que estudam. São as donas do basquetebol praiano de São Paulo. No ano passado tiraram dois honrosos terceiros lugares no Troféu Bandeirantes e no campeonato da Liga Santista. Nos Jogos da Primavera, representando o Colégio, venceram a série colegial e deram um "show" de bola que conquistou os cariocas. Este ano foi mais prodígio, pois até agora conseguiram, além de uma série enorme de vitórias de menor vulto, aquele maiúsculo sucesso no Troféu Bandeirantes, cuja final foi disputada em Sorocaba. E conseguiram também,vencendo as mestras e veteranas de Santos - levantar o campeonato da Liga Santista.
De onde surgiram ? Como começaram a jogar basquetebol? Quem as descobriu ? Não se sabe ao certo. Há quatro anos que elas vêm sendo preparadas. O técnico Nelson "Tio" Barros tem feito medonhos sacrifícios para dar-lhes sempre uma assistência completa. E tem sido feliz. As garotas só lhe dão alegria.
São umas "diabinhas" simpáticas. Muito simpáticas...
Dezembro de 1955

*



















*




Fred no CHSSV saltando uma paralela com o potente El Araucan, vencedor de provas de potência


 O OPERÁRIO DO HIPISMO

Nome Completo: Frederico Pereira de Lima. Apelido: Fred. Idade: 52 anos 
Natural de: São Paulo/SP (Sou paulistano). Hobby: Leitura 
Formação Acadêmica: Sou Engenheiro Civil formado pelo Mackenzie, em São Paulo 
CS: Há quantos anos no esporte e onde começou: 
Fred: Eu comecei a montar com treze anos de idade, há 39 anos, no Clube Hípico de Santos na época, depois veio a se chamar Clube Hípico de Santos e São Vicente. 
Já praticou outros esportes e por quê escolheu o hipismo? 
Pratiquei outros esportes, mas não competitivamente, nadei, joguei tênis, um pouco de futebol, mas o único esporte que eu competia realmente era hipismo. Eu comecei a praticar o hipismo porque ia muito para sítio, fazenda de tio montar cavalo e minha mãe tinha muita insegurança que a gente montasse e fui pra hípica para aprender a montar, simplesmente para ter um pouco mais de segurança, porém nunca mais fui pro sítio. Então, foi um esporte que agente escolheu por realmente gostar daquilo, é um esporte apaixonante. 
Quem foi o seu primeiro instrutor e quais foram os mais significativos? 
Meu primeiro instrutor foi o Zé Ignácio, ele é pai do Benedito (Dito) que hoje dá aula no Jockey Club de São Vicente, era um excepcional "picador" da Hípica de Santos e foi o professor que iniciou vários cavaleiros na escolinha de Santos. Um outro professor que foi muito significativo pra mim foi um cavaleiro antigo de Santos que era o Rui Rondino, e com ele realmente a gente começou aprender um pouco mais de técnica, mas interesse pelo estudo da equitação. 
Quem foi o seu maior incentivador dentro do esporte? 
Eu acho que fui eu mesmo, acho que eu nunca tive um grande incentivo pra fazer, eu sempre me dediquei, corri atrás, não tinha muito incentivo não. 
Teve apoio da família? Outros integrantes da família também praticam ou praticaram o hipismo? 
Eu tenho alguns primos que montaram, em São Paulo eu tenho alguns primos também, alguns parentes que montam, mas acho que o único que levou mesmo a coisa pro lado profissional, fui eu. Não, minha mãe apoiava no início, ela deu alguns cavalos tal e depois fui por conta própria mesmo. 
Qual foi a sua primeira competição, lembra? 
Lembro, a primeira competição foi uma prova de escolinha, na Hípica de Santos, algo assim próximo do que hoje é equitação fundamental, só que eram provas internas e no início da escolinha, se não me engano, 50 ou 60 centímetros, alguma coisa assim. Lembro que eu ganhei a prova até contra alguns alunos que estavam bastante tempo na escola e diziam que iriam ganhar por isso e eu lembro que eu ganhei esta provinha. 
O que representou o Clube Hípico de Santos e São Vicente na sua vida e por quê resolveu trocar de cidade? 
A Hípica de São Vicente para mim foi praticamente minha adolescência, eu cresci dentro da Hípica de Santos, comecei a montar como eu disse com treze anos de idade e fiquei lá até a época de ir pra faculdade. Era uma hípica bem gostosa, apesar de que foi uma hípica que sempre teve muitos altos e baixos, mas acho que mais baixos do que altos, mas foi muito importante no sentido de ter sido a formação e de ter apresentado o hipismo pra mim. Na verdade, não foi uma opção minha, foram situações que foram surgindo, possibilidade de trabalho em outros locais que fui me deslocando, não que eu tenha feito essa opção de sair de Santos. Aconteceu, surgiram outras oportunidades e a gente se deslocou atrás desses serviços, desses trabalhos. 

ÚLTIMA PROVA DA HÍPICA

"Campeonato Paulista de Veteranos, ultimo torneio no Clube Hípico de Santos-São Vicente, que hoje não mais existe! Destaque para a Hípica Los Alamos, com Carlinhos montando Donner (vice campeão) e Paulo Mesquita montando Tô-Que-Tô. Saudades! Acho que foi em 1996."
Foto e depoimento do temponauta Paulo Mesquita. São Vicente de Outrora.









MAIS RECENTE

A CIVILIZAÇÃO DOS PORTOS

   Banner.  São Vicente e Santos em 1615, em gravura do roteiro do Almirante Joris Van Spilberg idealizada pelo ilustrador Jan Janes. Fonte:...