11/07/2019

SV PRÉ-COLONIAL

 DA PROTO-HISTÓRIA ATÉ 1532 - A 1ª CANAÃ DAS AMÉRICAS



SÍNTESE E CRONOLOGIA

O Período Pré-colonial marca os séculos que antecederam os descobrimentos marítimos, quando a Europa vivia as crises que resultariam no fim do feudalismo, cujo isolamento seria quebrado pelas guerras, pela peste e pela fome. Essa retração econômica e populacional do século XIV foi causada principalmente pelo monopólio dos muçulmanos do Mediterrâneo. Após as Cruzadas, a Europa se abre novamente para o comércio asiático por meio das rotas e feiras, restabelecendo o contato entre oriente e ocidente, interrompido por séculos. Segue-se um renascimento das cidades e também das navegações em busca de novas rotas e oportunidades comerciais com as mercadorias mais valiosas dessa época: as especiarias (temperos exóticos e conservantes alimentares), a seda e o artesanato. A Europa descobre a China e a Índia com suas imensas riquezas exóticas. As camadas burguesas se aliam aos reis para fundarem os estados nacionais, que serão gestores e fiadores dos empreendimentos marítimos entre as nações. Portugal torna-se nesse contexto a primeira nação moderna da Europa, centralizando o poder através de uma elite mercantil nobre que se impôs por meio de revolução de Avis, em 1385. Na sequência entram nesse cenário e tendência geopolítica as nações de vocação mercantilista, que vão gradualmente superando a agonia feudal conquistando novos territórios na Ásia, África e América: Espanha, França, Inglaterra e Holanda. Quando São Vicente foi oficialmente fundada por Martim Afonso em 1532 a ilha já estava povoada e com intensa atividade produtiva e comercial. O famoso caminho de pedras Peabiru, que interligava vários pontos do litoral do Brasil aos Andes,  já era utilizado há mais mil anos.  Os relatos dos viajantes desse período mostram - em diversos documentos - a existência do porto Tumiaru, da Ilha do Sol, Gohayó ou Ilha dos Pássaros. Aqui já viviam europeus como João Ramalho, Antonio Rodrigues e o bacharel Cosme Fernandes, este último degredado oficialmente em Cananéia. Foi um processo longo de reconhecimento, ocupação política e redefinição das políticas europeias para com a Nova Terra. Hábeis navegadores colocam-se a serviço das monarquias para alinhar-se com seu projeto de conquistas e colonização. Os mais conceituados eram os genoveses, cuja experiência de trânsito marítimo extrapolava os limites do Mediterrâneo em direção aos oceanos Atlântico e Índico. Foi assim que o Brasil conheceu Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500 e André Gonçalves em 1502. Este último estava acompanhado de Américo Vespúcio, capitão auxiliar que deu nome cristão São Vicente e mais tarde teve seu  próprio nome dado ao continente que ajudou a desvendar e explorar. O litoral vicentino desse período era intensamente frequentado por comerciantes de escravos indígenas e também extratores de pau-brasil, madeira tintorial de alto valor comercial na Europa. As feitorias francesas no litoral do Brasil deram nome ao novo território: "Brésil" e "brésiliens", lugar de comércio de pau-brasil e seus negociantes, substituindo a nomenclatura católica portuguesa: Terra de Santa Cruz ou Vera Cruz.

 Porto de Naus, retratado na obra de Carlos Fabra – Acervo IHGSV

3.000 AC – Provável chegada em Rondônia dos formadores do tronco Tupi. 
Estudos demonstram que os tupis teriam habitado originalmente os vales dos rios Madeira e Xingu, que são afluentes da margem meridional do rio Amazonas. Estas tribos, que sempre foram nômades, teriam iniciado uma migração em direção à foz do rio Amazonas e, de lá, pelo litoral para o sul. Supõe-se que esta migração, que teria também ocorrido pelo continente adentro no sentido norte-sul, tenha principiado no início da era cristã. 

2.000 AC – Povo Jê chega ao Nordeste. 
1.100 AC – Cultura Ananatuba introduz o milho na Ilha de Marajó. 
1.000 AC– Os Kaingang e Xokleng (PR, SC, RS) se separam do tronco Jê. 
500 AC – Dispersão dos Tupi rumo ao Médio Amazonas e Bacia do Paraguai. 
300 AC – Povos Macro-Jê chegam ao Centro-Oeste do Brasil. 
154 DC – Roma conquista a Luzitânia. 
100 – Os Aruaki chegam na Amazônia. 
450- Cultura Marajoara (Marajó- PA) 
467- Queda de Roma. 
1.000 – O navegador viking Leif Erikson chega na América do Norte. 
Leif Ericson (970), explorador marítimo islandês, ficou conhecido como o primeiro europeu a descobrir a América do Norte e, mais especificamente, a região que se tornaria o Canadá. Era filho de Eric, o Vermelho, um fora-da-lei que, após ter sido expulso da Noruega e da Islândia, desembarcou na Groenlândia (descobriu-a) e lá fundou duas colônias nórdicas, a Colônia do Oeste e a Colônia do Leste. Leif tinha boas noções de navegação e, por volta do ano 1000, acreditando em uma história de que havia terras além da Groenlândia, partiu daí para o sul para encontrar terras onde o frio fosse menos intenso.

ÍNDIOS DO BRASIL. O mapa identifica a nossa raíz mais próxima - do tronco-tupi - e também o Peabiru, estrada inca pré-colonial usada pelos nossos ancestrais, e que começava (ou terminava) na área continental de São Vicente. Brasil 500 anos. Atlas Histórico Isto É. 

1094 – O rei Afonso VI de Castela e Navarra doa o condado Portugalense para Henrique de Borgonha. 

1.179- Afonso Henrique I proclama-se rei de Portugal. O Papa Alexandre III em 23 de maio publica a Bula Manifestis Probatum, declarando o Condado Portucalense independente do Reino de Leão e Dom Afonso Henriques o seu soberano. Nascia o Reino de Portugal, um novo estado soberano na Europa. Séculos depois os portugueses desbravariam os mares e conquistariam territórios na América, Ásia e África

1275 – Marco Polo chega a Pequim. 

1.300 – Os Tapajós chegam ao Amazonas. 

1307- Fundação da Universidade de Coimbra. 

1325- Fundação da cidade de Cuzco (Peru). Início da expansão Inca. Peste Negra assola a Europa. 

1357- Pedro I, o Cruel, rei de Portugal. 

1360 – Mapa Mundi de Ranulf Nyggeder que se conserva no British Museum da Inglaterra onde se assinala a posição da Insula Brasil. 

1375 – O rei da França, Carlos V, manda ao Vaticano um cartógrafo de máxima capacidade e confiança para essa missão que faz uma cópia do Mapa Mundi de Ranulf Nyggeder. 

1384 - O legista João das Regras faz a defesa das pretensões ao trono de D. João, Mestre de Avis nas Cortes de Coimbra. 

                            

1385- Revolução de Avis funda uma nova dinastia real em Portugal, ligada aos empreendimentos marítimos. D. Nuno Álvares Pereira, cavaleiro e herói da Ordem de Avis da Revolução de Avis. Após anos da dinastia de Borgonha no poder, o trono fica ameaçado com a morte de D. Fernando, que não deixa herdeiros homens. Sua filha, Dona Beatriz, é casada com o rei de Castela, D. João I. Se ela ficasse com o trono, Portugal voltaria a ser um condado de Castela. 
A nobreza apoiava a decisão de se aproximar novamente de Castela, enquanto a burguesia considerava que haveria perda de autonomia, logo seus interesses comerciais seriam prejudicados. Estes resolveram apoiar D. João, Mestre da Ordem de Avis, que era irmão do monarca falecido. Castela não reconhece a coroação de D. João e invade o país. Com o apoio da nobreza, D. João I luta contra a burguesia, a pequena nobreza militar e o restante da população para tentar anexar o país. Em 1385 na batalha de Aljubarrota, os castelhanos são derrotados e a independência de Portugal foi assegurada. Essa vitória ficou conhecida como Revolução de Avis e iniciou-se a Dinastia de Avis, que foi a grande responsável pela expansão marítima de Portugal no século XV. Essa vitória ficou conhecida como Revolução de Avis e iniciou-se a Dinastia de Avis, que foi a grande responsável pela expansão marítima de Portugal no século XV. (Historitura) 

Monumento das Conquistas. O Infante D. Henrique de Avis, o Navegador, e seus principais mandatário conquistadores. 

1415 – Fundação da Escola de Sagres em Portugal. Tomada de Ceuta, na África 
1419 – Portugal toma a Ilha da Madeira. 
1431-Ocupação portuguesa nos Açores. 
1441- Portugal lança ao mar a primeira caravela. 
1436 – Mapa de Andréas Bianco insinua em uma inscrição que tal ilha está a cerca de 500 milhas imprecisas do Cabo Verde. 
1446- Ordenações Manuelinas, o primeiro código de Portugal. 
1454- Portugal ocupa cabo Verde. 

- Nascimento, em 9 de março, do navegador florentino Américo Vespúcio, nomeador oficial de São Vicente em 1502.


 Falecido m 1512,  efetuou várias viagens, cuja extensão e destino são, contudo, altamente controversos, pois os documentos que nos chegaram são pouco fidedignos. Américo Vespúcio era de uma família tradicional e aristocrática de Florença. Desde os 17 anos trabalhou para os poderosos Médicis, como contador na casa bancária da referida família.

Enviado em 1489 a Sevilha, Vespúcio conheceu Giannoto Berardi, sócio dos Médicis e um conhecido financiador e armador de navios. Através dele, Vespúcio conheceu Colombo, logo após o retorno do navegador da sua primeira viagem (1492-93).

A 18 de maio de 1499, partiu com a expedição de Alonso de Hojeda (que provavelmente ajudou a financiar). Saindo de Cádis  as caravelas alcançaram a costa norte da América do Sul (Suriname, Trindade  Haiti, etc.) e retornaram a Espanha a 8 de junho de 1500.

No mês seguinte Vespúcio escreveu ao seu antigo patrão, Lourenço de Médicis, não só omitindo o nome de Hojeda, mas colocando-se na posição de comando. D. Manuel I, entusiasmado com as notícias de Vespúcio e com as informações sobre a Terra de Santa Cruz, trazidas por integrantes da esquadra de Cabral, organizou outra expedição ao Brasil, confiando-a ao florentino.

A princípio Vespúcio hesitou, ainda cansado, e em conflito se deveria navegar sob a bandeira portuguesa. Mesmo assim, partiu de Lisboa a 13 de maio de 1501 sob o comando de Gonçalo Dias. A frota navegou rumo às ilhas Canárias. Parando em Bezeguiche (actual Dacar, Senegal), próximo a Cabo Verde, encontrou-se com o navio de Diogo Dias e com a caravela Nossa Senhora Anunciada, que aguardava o resto da esquadra de Cabral.

Nesse encontro, Vespúcio pode colher preciosas informações com Gaspar da Gama e teve a certeza de que estavam a falar sobre um novo continente. Em agosto de 1501, as três caravelas da esquadra de Gonçalo Coelho ancoram na Praia de Marcos, litoral do atual Rio Grande do Norte. O contacto com os nativos não foi amistoso e os viajantes puderam ver um dos marinheiros ser devorado pelos índios.
Gonçalo Coelho achou melhor zarpar do local, contornando o litoral do Brasil rumo ao sul. Munidos de um calendário Litúrgico, começaram a baptizar os lugares onde atracavam, com nome de santos do respectivo dia. Como exemplo, em 1 de Novembro de 1501 à baía, denominada Baía de Todos os Santos. Em 1 de janeiro de 1502 os tripulantes deparam-se com o que pensavam ser a foz de um rio, batizando o local com o nome de Rio de Janeiro.

De regresso a Lisboa em 1502, Vespúcio escreveu a Lourenço de Médicis e falou das árvores (inclusive do pau-brasil), dos frutos saborosos, dos animais e dos habitantes de "corpo bem feito" do novo mundo.
No ano seguinte uma nova expedição foi formada, com Gonçalo Coelho novamente no comando. A 10 de agosto a frota avistou um arquipélago (Fernando de Noronha) e Gonçalo Coelho, atingindo alguns recifes, naufragou. Pediu então a Vespúcio que procurasse um porto e o aguardasse. Após oito dias, Vespúcio descobriu que os outros navios o tinham abandonado. Com os seus companheiros, prosseguiu a viagem e construiu uma feitoria (provavelmente em Cabo Frio), recolhendo pau-brasil para levar para Portugal.

Quando retornou à Europa, já havia sido publicado na Alemanha um panfleto em latim, com quinze páginas, narrando uma viagem de Vespúcio ao "Novo Mundo". A popularidade trazida pelas narrativas converteu-o num dos textos mais vendidos à época. Foi o cartógrafo Martin Waldseemüller quem primeiro nomeou o novo continente de América, em sua homenagem.

Vespúcio permaneceu alguns meses em Lisboa após a sua terceira viagem, mas no ano seguinte, de volta à Espanha, recebeu em 24 de abril de 1505, a naturalização por parte da Corte espanhola. Também após o seu regresso a Sevilha, Vespúcio casou-se com Maria Cerezo.

1474 – João Vaz Corte chega ao Mar do Norte, na Terra do Bacalhau. 

1486- Bartolomeu Dias dobra o Cabo da Boa Esperança. 

1490 – Nascimento de Gonçalo da Costa. 
Veio para São Vicente provavelmente em 1510. Casou em 1520 (provável) com uma das filhas do Bacharel, morando em São Vicente por 20 anos. Percorreu todo o sul da costa do Brasil, sendo um dos maiores conhecedores do Rio da Prata. Morreu provavelmente em 1559, a serviço da Espanha, vítima de um temporal nas proximidades da Ilha de São Domingos. (Boletim IHGSV) 

TORRE DE BELÉM. Monumento das Conquistas Marítimas de Portugal.

1492- Cristóvão Colombo chega à América. 

1493–Nascimento de João Ramalho em Vouzela, Portugal. 

1494- Tratado de Tordesilhas renova antigos acordos entre Portugal e Espanha. 

1496-  Dom Manoel I assina - em 5 de dezembro o o Decreto de Expulsão dos judeus de Portugal. 

Expulsão dos judeus de Portugal. Roque Gameiro (1917).



A PRIMEIRA CANAÃ DAS AMÉRICAS


A expulsão dos judeus de Portugal no final do século XV causou uma diáspora que resultaria na fundação da Primeira Canaã das Américas, que foi o povoado Tumiaru, futura Vila de São Vicente. Antes da descoberta oficial do Brasil, já haviam judeus degredados e cristãos novos vivendo na futura vila vicentina, onde existiam estaleiros, oficinas, lavoura, criação de animais e algumas casas de alvenaria e pedras. A expulsão d os judeus de Portugal por decreto real em 1496  foi marcada por uma movimentação demográfica de exílio, ante e depois da publicação desse decreto real. A fuga para a América, mesmo não sendo ainda um território oficial português, era uma alternativa atraente para os judeus a curto e médio prazo. A maioria das famílias que acompanharam Martim Afonso tinham sangue hebreu e nomes cristãos-novos. 

Outro fator que reforça esse povoamento no Brasil foi a proteção de famílias judaicas foi a proteção dada a elas por fidalgos portugueses - até por interesses comerciais comuns - que passaram a usar os sobrenomes cristão tradicionais. Alguns se destacaram no clero e no serviço diplomático, como os os irmãos Alexandre e Bartolomeu de Gusmão, cuja família de oito irmãos usaram esse sobrenome fidalgo de um protetor na Ilha de São Vicente e depois na Europa para se protegerem contra a Inquisição.

A expedição de André Gonçalves, em 1501, que tinha Américo Vespúcio na tripulação, é prova desse antecedente colonizador. Até hoje não se sabe ao certo a identidade dos degredados, pois alguns eram muitos discretos, a fim de evitarem novas perseguições. João Ramalho era um deles e não era nada discreto. Porém, era sempre questionado e perseguido ideologicamente quando os cristãos do reino se sentiam ameaçados com sua liderança nos negócios. O Bacharel de Cananéia entra nessa lista. 

Muitos judeus brasileiros fugiram para a América do Norte, notadamente os de Recife, por causa da Inquisição católica, interessada em confiscar seus bens. O Porto dos Escravos, como era também conhecido o Tumiaru; e o povoado de Cananéia (terra de cananeus), foram locais de acolhimento dos desterrados de Portugal e Espanha. Essa marca de Primeira Canaã dá a São Vicente uma antiguidade especial, além de ser a mãe de todas as vilas coloniais: era a Terra Prometida aos israelitas, após a queda e destruição romana de Jerusalém; e seria também um Oásis para os descendentes de Abraão e Hagar, os ismaelitas, que vieram compor também a a nova pátria americana. 

(Dalmo Duque dos Santos). CALUNGAH-Coletivo dos Historiadores de São Vicente.

A EXPULSÃO DE JUDEUS DE PORTUGAL


"O contrato de casamento de D. Manuel I com D. Isabel de Aragão e Castela, filha dos Reis Católicos e viúva de D. Afonso, incluía uma cláusula que exigia a expulsão do território português dos mouros e judeus, cidadãos nacionais considerados hereges por aquele reino ibérico. D. Manuel I tentou impedir a consumação desta cláusula, pois necessitava dos conhecimentos técnicos e do apoio financeiro dos judeus para prosseguir a expansão ultramarina de Portugal. Após muitos avanços e recuos, acaba por, a 5 de dezembro de 1496, assinar o decreto de expulsão dos Judeus, dando-lhes ainda vários meses para estes decidirem se queriam converter-se ao cristianismo. D. Manuel I acreditava que o decreto de expulsão daria origem a inúmeras conversões, não sendo necessária a saída efetiva dos Judeus. Estes, porém, começaram a abandonar o País em massa, obrigando o rei a estancar a sua saída pelo encerramento dos portos nacionais, com a exclusão do de Lisboa. Nesta cidade, juntaram-se 20 000 judeus procurando sair de Portugal receosos que estavam que lhes cerceassem a vida, não conseguindo o rei evitar a sua saída. Os judeus que ficaram por aparentemente se terem convertido (apelidados de cristãos-novos), continuaram secretamente a cumprir os seus rituais ancestrais, não sendo muito bem vistos pelo cristãos-velhos. Quando uma epidemia grassou em Portugal, originando centenas de mortos, os judeus foram acusados de a ter provocado.Outros países acolheram estes cidadãos portugueses, nomeadamente a Holanda, que muito ficou a ganhar economicamente com a sua presença".

O Leme- Magazine. Páginas da História de Portugal.

Rosa do Ventos e o mapa das conquistas portuguesas na expansão marítimas européia.


1497- Nascimento de Pero Lopes de Souza, irmão de Martim Afonso de Souza e cronista do diário de navegação da expedição de reconhecimento e posse da costa brasileira. É dele os primeiros relatos oficiais dos antecendente e da fundação de São Vicente. 

- Conversão forçada de judeus e muçulmanos em Portugal (cristãos novos). 

1498- Em dezembro uma frota de oito navios, sob o comando de Duarte Pacheco Pereira, atingiu o litoral brasileiro e chegou a explorá-lo, à altura dos atuais Estados do Pará e do Maranhão. Essa primeira chegada dos portugueses ao continente sul-americano foi mantida em rigoroso segredo. Estadistas hábeis, os dois últimos reis de Portugal entre os séculos 15 e 16 - D. João II e D. Manuel I - procuravam impedir que os espanhóis tivessem conhecimento de seus projetos. 

- Vasco da Gama Chega a Calicute, na Índia. 

1500 – Nascimento de Martim Afonso de Souza. Capitão-mor e primeiro governador das terras do Brasil, nomeado por D. João III. Donatário da Capitania de São Vicente, vila que fundou em 22 de janeiro de 1532, era ainda alcaide-mor de Rio Maior, senhor do Prado e de Alcoentre, primo de Tomé de Souza, 1º Governador Geraldo Brasil. 



1. Martim Afonso de Sousa, tal como está retratado no Livro de Lisuarte de Abreu (século XVI). 2. Efígie de Martim Afonso de Sousa no Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa


 Fontes: ABW  • CAPES  • Google (N • L • A) (Julho de 2020)

Martim Afonso de Souza. Senhor do Prado. Senhor de Alcoentre


Governador da Índia Portuguesa
Período: 1542 até 1545
Antecessor: Estêvão da Gama
Sucessor: João de Castro

Donatário da Capitania de São Vicente
Período: 1534 até 21 de julho de 1564
Antecessor: Cargo criado
Sucessor: Pero Lopes de Sousa
 
Nascimento: c. 1500. Vila Viçosa, Portugal
Morte: 21 de junho de 1562 (62 anos). Lisboa, Portugal
Sepultado em Convento de São Francisco da Cidade, Lisboa
Nome completo: Martim Afonso de Souza
Esposa: Ana Pimentel
Descendência: Lopo Rodrigues, Pero Lopes, Rodrigo Afonso, Gonçalo Rodrigues, Inês, Brites, Tristão,
Isabel Lopes. 
Pai: Lopo de Sousa, 2.º senhor do Prado
Mãe: Brites de Albuquerque
Religião: Catolicismo romano

Martim Afonso de Souza (Vila Viçosa, c. 1500 – Lisboa, 21 de julho de 1564) foi um nobre, militar e administrador colonial português que foi, de 1533 até a sua morte, o primeiro donatário da Capitania de São Vicente e, de 1542 a 1545, governador da Índia portuguesa.

Martim Afonso era filho primogênito de Lopo de Souza, alcaide-mor de Bragança. Passou ao serviço do rei Manuel I em 1516 e, em 1530, foi incumbido pelo seu filho João III de comandar a armada que haveria de expulsar os franceses da costa da América portuguesa, e iniciar a colonização efetiva do território. Nessa expedição fundou a Capitania de São Vicente e seu irmão, Pero Lopes de Souza, recebeu as donatarias das Capitania de Santana, Santo Amaro e Itamaracá. Partiu para Portugal em 1533 e, após isso, não retornou mais à América.

Algum tempo depois foi nomeado pelo rei como capitão-mor da Armada do Reino, posto que exerceu até 1539. Em 1542 retornou à Índia onde foi governador até 1545, após isso retornou à Portugal onde atuou como conselheiro de estado até a sua morte.

Faleceu em Lisboa no dia 21 de julho de 1564 e foi sepultado no Convento de São Francisco da Cidade.

Linhagem

Martim Afonso de Sousa descendia dos Sousa Chichorro, cujo varão da geração inicial foi Martim Afonso Chichorro, filho bastardo de D. Afonso III, o qual foi elevado a altas posições sociais, políticas e económicas, no reinado de seu meio-irmão D. Dinis. O mesmo Martim Afonso Chichorro teve um filho homónimo com Inês Lourenço de Valadares. Este último teve um filho chamado Vasco Martins de Sousa Chichorro que já em avançada idade (naquele tempo) participou nas Cortes de Coimbra, e contribuiu para aclamação de D. João I. Seu filho, chamado, Martim Afonso de Sousa, combateu na Batalha de Aljubarrota na qual integrou a Ala dos Namorados, composta por cavaleiros que juraram que, se escapassem com vida da batalha, correriam imediatamente para os braços das suas namoradas.

Martim Afonso de Sousa escapou com vida à batalha e correu imediatamente para os braços de sua namorada que, por sinal, era abadessa de um mosteiro beneditino. Desta ligação nasceu um filho sacrílego (isto é, concebido em violação de votos públicos e solenes), ao qual puseram o mesmo nome do pai: Martim Afonso de Sousa.

Este último casou-se com Violante Lopes de Távora e teve um filho, Pero de Sousa, que se casou com Maria Pinheiro.

Deste casamento nasceu Lopo de Sousa, Senhor do povoado do Prado, Alcaide-mor de Bragança, que se casou com Brites de Albuquerque. Deste casamento nasceu Martim Afonso de Sousa, Senhor do Prado e Alcoentre, capitão-mor da Armada que veio ao Brasil em 1530.[a] Martim Afonso teve quatro irmãos: Catarina de Albuquerque, Isabel de Albuquerque, João Rodrigues de Sousa (Capitão na Armada do Estado Português da Índia) e Pero Lopes de Sousa (capitão na armada comandada pelo irmão mais velho, que chegou ao Brasil em 1530).

Vida e carreira

Ao deixar o serviço do duque de Bragança, em 1516, para ficar na corte da Casa Real, passou a ter aulas de matemática, cosmografia e geografia com o cosmógrafo-mor Pedro Nunes (1527-1530).

«Como era de um espírito elevado e queria esfera onde se dilatasse em coisas grandes, largou a alcaidaria-mor de Bragança e outras mercês que tinha do duque, para servir ao Príncipe D. João, filho de El-Rei D. Manuel. Depois foi a Castela e esteve algum tempo em Salamanca; voltando a Portugal, El-Rei D. João III, que já então reinava, o recebeu com muita estimação e honra porque Martim Afonso de Sousa foi um fidalgo em quem concorreram muitas partes, porque era valoroso, dotado de entendimento e talento grande».

Justificou a decisão dizendo: "O duque pode fazer-me alcaide-mor, mas o rei pode fazer-me duque", porém isso nunca aconteceu.

Acompanhou a rainha viúva D. Leonor de Áustria a Castela, onde se casou com Ana Pimentel, de ilustre família espanhola, cerca de junho de 1523. Ana Pimentel era filha de Arias Maldonado, comendador de Estriana e regedor de Salamanca e Talavera e de D. Joana Pimentel, filha de D. Pedro Pimentel, senhor de Távara e irmã de D. Bernardino Pimentel, 1.º Marquês de Távara [es]. A mãe da mulher de Martim Afonso de Sousa era assim descendente, pelo lado paterno, dos Pimentéis condes de Benavente [es], uma linhagem de origem portuguesa que passara para Espanha no século XIV; e, pelo lado materno, descendia dos condes de Alba de Liste [es]. Isso quer dizer que, pelo seu casamento, Martim Afonso de Sousa passou a ficar ligado a algumas das principais linhagens de Espanha. Na época, não era usual para fidalgos portugueses não titulares casarem com mulheres espanholas oriundas — mesmo se, como no caso, por via feminina - de famílias da grandeza de Espanha, pelo que se pode concluir ter Martim Afonso conseguido desenvolver com sucesso uma estratégia de aliança matrimonial com repercussões positivas em termos da sua carreira política e de conexões com o poder na primeira corte da Península Ibérica.


Assinatura de Martim Afonso de Souza. Carta de Martim Afonso de Sousa escrita em 2 de novembro de 1553


Martim Afonso de Sousa

Em Espanha, onde viveu quatro anos, lutou ao serviço do imperador Carlos V contra os franceses. No inverno de 1525, Martim Afonso teve uma participação destacada no cerco e tomada de Fuenterrabía, no noroeste da Espanha. O imperador elogiou-o publicamente e o convidou para permanecer em Castela.

Iniciou sua carreira de homem de mar e guerra ao serviço de Portugal em 1531 na armada que o rei D. João III determinou mandar ao Brasil, cerca de 1530, indicado por seu primo-irmão D. António de Ataíde, Conde da Castanheira, Fidalgo do Conselho Real, e usufruindo da amizade e confiança de D. João III. Ataíde fez essa indicação com intuito de afastar Martim Afonso de D. João III, também amigos de infância, para que fosse o único a ter certa influência sobre El-Rei.

A historiografia tradicional brasileira encara sua expedição como a primeira expedição colonizadora. Levava regimento para expulsar os franceses da costa brasileira, colocar padrões de posse desde o rio Maranhão até ao Rio da Prata, o qual não alcançou em função de ter naufragado antes, e dividir a costa brasileira em capitanias medidas em léguas de costa que seguidamente El-Rei concederia a donatários.

Estava autorizado a escolher para si mesmo cem léguas de costa da melhor terra e outras oitenta para seu irmão mais novo Pero Lopes de Sousa.

Martim Afonso de Sousa, tal como está retratado no Livro de Lisuarte de Abreu (século XVI)
Fundou em 22 de Janeiro de 1532 a primeira vila do Brasil, batizando-a de São Vicente, uma homenagem a São Vicente Mártir, por ser o dia consagrado a este santo, confirmando o nome dado por Gaspar de Lemos trinta anos antes, quando chegou àquela ilha, coincidentemente, em 22 de janeiro de 1502.

A viagem e o governo

Martim Afonso de Sousa no Diário da Navegação da Armada que foi à terra do Brasil em 1530 (1839)
Partiu de Lisboa ao dia três de dezembro de 1530 com quatro navios, tendo como imediato o irmão mais novo Pero Lopes de Sousa e transportando cerca de quatrocentas pessoas, como escreve Pedro Taques:

"De Lisboa saiu o governador Martim Afonso de Sousa com armada de navios, gente, armas, apetrechos de guerra e nobres povoadores, tudo à sua custa: com ele veio também seu irmão Pedro Lopes de Sousa, a quem o mesmo rei tinha concedido oitenta léguas de costa para fundar sua capitania, e faleceu afogado no mar. Trouxe o dito Martim Afonso de Sousa além da muita nobreza, alguns fidalgos da casa real, como foram Luís de Góis e sua mulher D. Catarina de Andrade e Aguilar, seus irmãos Pedro de Góis, que depois foi capitão-mor de armada pelos anos de 1558, e Gabriel de Góis; Domingos Leitão, casado com D. Cecília de Góis, filha do dito Luís de Góis; Jorge Pires, cavaleiro fidalgo; Rui Pinto, cavaleiro fidalgo casado com D. Ana Pires Micel, Francisco Pinto, cavaleiro fidalgo, e todos eram irmãos de D. Isabel Pinto, mulher de Nicolau de Azevedo, cavaleiro fidalgo e senhor da quinta do Rameçal em Penaguião, e filhos de Francisco Pinto, cavaleiro fidalgo, e de sua mulher Marta Teixeira, que ambos floresciam pelos anos de 1550, quando em 18 de junho do dito ano venderam por escritura pública em Lisboa aos alemães Erasmo Esquert e Julião Visnat as terras que de seu filho Rui Pinto haviam herdado na vila de S. Vicente: tudo o referido se vê no liv. 1º dos registos das sesmarias, tít. 1555, já referido, págs. 42 e seguintes. Outros muitos homens trouxe desta qualidade com o mesmo foro e também com o foro de moços da Câmara, e todos ficaram povoando a vila de S. Vicente, como se vê melhor no mesmo livro 1º. do registo das sesmarias per totum.

Em São Vicente, iniciou a cultura da cana-de-açúcar e ordenou a instalação do engenho dos Erasmos. A vida do novo povoado, entre 1530 e 1543, passou a girar em torno do engenho e do plantio.


Carta de Martim Afonso de Sousa em 2 de novembro de 1553.

Depois de percorrer todo o litoral até a foz do rio da Prata, onde sobreviveu a um naufrágio, como desdobramento de sua missão, retornou à região de São Vicente em vinte e um de janeiro de 1532 e, com ajuda de João Ramalho e António Rodrigues, moradores da região que haviam feito amizade com os caciques Tibiriçá e Caiubi, fundou a primeira vila nos moldes portugueses no Brasil: a vila de São Vicente.

Durante o ano de 1532, perdeu parte de sua tropa nesta expedição infrutífera para acessar o império Inca, o que posteriormente resultaria na primeira guerra entre portugueses e espanhóis na America do Sul, a Guerra de Iguape, que ocorreria em 1536,[12] com a invasão e saque da vila de São Vicente pelo Bacharel de Cananeia, que se vingou por haver sido expulso em 1531 por Martim Afonso de Sousa.

Uma onda gigante, um possível maremoto, no final do ano de 1541, também danificou seriamente essa vila. A catástrofe destruiu o lugar que abrigava um total de 150 habitantes. O porto, que funcionava como fonte da economia, mudou-se para onde está hoje.

Combateu corsários franceses no litoral e foi agraciado pela coroa portuguesa, sob o reinado de D. João III, como capitão-donatário de dois lotes de terras no Brasil: os dois lotes da Capitania de São Vicente. Desde outubro de 1532, recebera comunicação do rei de que o imenso território seria dividido em extensas faixas de terras: as capitanias hereditárias. Na ocasião, foram-lhe doadas cem léguas na costa e recebeu autorização de retornar a Lisboa.

Na região do planalto, na aldeia de Piratininga governada pelo Cacique Tibiriçá os jesuítas fundaram em 1554, por ordem do Padre Manuel José da Nóbrega, o Real Colégio de São Paulo de Piratininga, destinado à conversão dos índios, o qual esteve na origem da atual cidade de São Paulo.

Sua expedição trouxe para o Brasil, como ferreiro contratado por dois anos, para prover as necessidades de ferro da expedição e da colónia, o mestre Bartolomeu Fernandes, também conhecido como Bartolomeu Gonçalves e Bartolomeu Carrasco. Terminado o contrato, mestre Bartolomeu fixou-se em solo paulista, tornando-se proprietário do sítio dos Jeribás e instalando, nas margens do Jurubatuba, afluente do rio Pinheiros, na actual vila de Santo Amaro, a primeira forja no Brasil para produção de aço — facto mencionado pelo padre José de Anchieta, em 1554. Com quatro operários conseguiu-se produzir e forjar cem quilogramas de ferro em seis ou sete horas, consumindo quatrocentos e cinquenta quilogramas de carvão vegetal.

Cartas recebidas
Por cartas datadas de 20 de novembro de 1530 D. João III, rei de Portugal, confere-lhe jurisdição sobre os tripulantes da armada e sobre todos os habitantes da Colónia:

Carta de Grandes Poderes:
Carta de Poder para o capitão-mor criar tabeliães e mais oficiais de justiça
Carta para o capitão-mor dar terras de sesmaria


De volta ao Reino

Já em 1533 se encontrava em Portugal. Então no dia 19 de dezembro de 1533, passados quatro meses desde que tinha voltado de sua cansativa viagem, D. João III mandou-o servir na Índia com o posto de Capitão-Mor do mar Índico. Para o efeito, foi-lhe confiado o governo de uma Armada de cinco naus. Segundo o cronista Gaspar Correia, em Lendas da Índia, "Martim Afonso muito se enojou da decisão, porque sentiu que isso vinha por D. António".[18]

Na Índia

Nomeado Capitão-Mor do Mar das Índias (1533), foi encarregado de proteger as possessões de Portugal no Oriente. Defendeu a feitoria de Diu contra mouros e hindus, derrotou o samorim de Calecute e combateu os corsários que saqueavam as embarcações portuguesas na região. Vitorioso, foi nomeado por D. João III (1542) Vice-Rei das Índias.

Chegando à Índia, diz a «História Genealógica da Casa Real Portuguesa» volume XIV página 241:

«o Governador Nuno da Cunha refletiu que El-Rei em Martim Afonso de Sousa lhe mandava não só o Capitão-Mor do mar, mas companheiro, e sucessor no Governo. No fim deste ano, o Governador o meteu de posse, mandando-o sobre a praça de Damão, situada do Reino de Cambaia (Sultanato de Guzarate), com 40 velas e 500 portugueses, que rendeu, sendo mortos quase todos os inimigos, e a fortaleza foi arrasada. O rei de Cambaia, temendo maiores perdas, querendo na amizade dos nossos evitá-la, pediu pazes ao Governador do Estado Nuno da Cunha, que foram juradas solenemente com a condição de dar a El-Rei de Portugal para sempre Baçaim».

Foram duras condições de direitos a pagar, que se vieram a moderar quando se concedeu levantar-se a fortaleza de Diu, conseguida por negociações por Martim Afonso de Sousa quando no ano de 1535 se achava em Chaul. Uma carta escrita em Cochim durante esse período (em 24 de dezembro de 1536) por Martim Afonso de Sousa, dirigida ao seu primo coirmão D. António de Ataíde, 1.º Conde da Castanheira, fazendo um pedido por um parente comum a ambos - Heitor de Sousa de Ataíde - pelos lados Sousa e Ataíde, dá uma boa ideia do ambiente que na época se vivia entre as linhagens portuguesas envolvidas nas campanhas no Oriente:

"[Heitor de Sousa de Ataíde] nom tem outrem senom a V. S., e vay-se ele já pondo como sol e hé necesaryo socorer-lhe; e lenbre-vos que põe o Ataide arriba do Sousa, que nom pode mays ffazer polos Ataides."

Em 1536 Martim Afonso foi mandado à costa do Malabar «e destruiu e assolou todos os lugares marítimos do Samorim de Calecute, que tinha como seus aliados todos os Príncipes de Repelim. Estas e outras empresas lhe conseguiram o respeito e temor na Ásia e voltando para o Reino, sucedeu depois a morte do Vice-Rei D. Garcia de Noronha, que foi a 3 de abril de 1540; e aberta as cartas de sucessão, se achou nomeado em 1.º lugar Martim Afonso de Sousa; e como já havia voltado para o Reino, sucedeu o 2.º nomeado D. Estêvão da Gama no governo, cujos parentes quiseram conservar; porém D. António de Ataíde, Conde da Castanheira, seu primo irmão, o fez nomear para Governador da Índia, para onde partiu a 7 de abril de 1541 com quatro naus, levando consigo a São Francisco Xavier; (…) entrou em Goa a 6 de maio de 1542. (…) Em 1545 lhe sucedeu D. João de Castro.

Retorno definitivo ao Reino

Há controvérsia quanto ao fim de sua carreira. Alguns historiadores afirmam que ele retornou a Portugal em 1545 ou 1546, tornando-se um dos membros do Conselho de Estado. Outros sustentam que foi chamado de volta sob a acusação de desvio de dinheiro da Coroa e enriquecimento ilícito, mantendo-se afastado da vida pública até morrer.

Foi senhor de Alcoentre, que comprou ao Marquês de Vila Real e Alcaide-mor de Rio Maior. Instituiu um morgado, foi donatário das capitanias de São Vicente, Comendador de Mascarenhas na Ordem de Cristo e Fidalgo do Conselho de El-Rei D. João III. No final da vida, recuperou o senhorio do povoado do Prado que havia vendido quando jovem.

Casamento e descendência

Ana Pimentel, esposa de Martim Afonso de Sousa, ficou procuradora do marido em Lisboa relativamente aos negócios do Brasil, quando este partiu para a Índia. Natural da Espanha, era dama de companhia da Rainha D. Catarina. Foi ela quem, em 1534, providenciou para que se introduzisse o primeiro ”gado vacum” na Capitania de São Vicente e quem, em 1544, revogou a ordem do esposo, que proibia a entrada de europeus no campo de Piratininga e, assim, permitiu a expansão portuguesa para os Campos de S. Paulo.

Do casamento, Martim Afonso de Sousa e Ana Pimentel nasceram os seguintes filhos:

Lopo Rodrigues de Sousa, morto ao acompanhar o pai à Índia;
Pero Lopes de Sousa, Senhor de Alcoentre e Tagarro, Alcaide-mor de Rio Maior, 2.º donatário da Capitania de S. Vicente;
Rodrigo Afonso de Sousa que entrou na Ordem de S. Domingos e professou como Frei António de Sousa. Foi eleito Prior de S. Domingos em Lisboa, Provincial no ano de 1550, Mestre da Ordem e pregador do rei D. Filipe II. Em 1580 passou a Roma, ao Capítulo Geral da Ordem. Foi nomeado Vigário-Geral da Ordem dos Pregadores em 1594 pelo papa Clemente VIII. Foi nomeado Bispo de Viseu em 1595, tendo governado com prudência. Morreu em maio de 1597;
Gonçalo Rodrigues de Sousa, morto sem sucessão;
Inês Pimentel, casada com D. António de Castro, 4.º Conde de Monsanto;
Brites Pimentel, que morreu estando comprometida com D. Luís de Ataíde, mais tarde 3.º conde de Atouguia e Vice-Rei na Índia.

Fora do casamento teve Martim Afonso de Sousa:

Tristão de Sousa, que passou pela Índia e foi capitão de Maluco
Isabel Lopes de Sousa, que casou em São Vicente com Estêvão Gomes da Costa. Este Estêvão Gomes da Costa era natural de Barcelos e foi ao Brasil em 1531 com a expedição de Martim Afonso de Sousa.

Brasão de armas

Segundo o Livro de Linhagens do Conde D. Pedro a Família Sousa pertence às 5 famílias mais antigas e importantes do Reino de Portugal; tendo dado origem a vários condes e mordomos-mores nos séculos XII e XIII. No século XIII perdeu a varonia, sendo que as herdeiras foram casadas com bastardos reais filhos dos reis de Portugal e de Leão. Por isso mesmo as armas dos Sousas do Prado consistem no cruzamento das armas do Reino de Portugal com o de Leão e não contêm qualquer referência às armas originais dos Sousa (4 crescentes de prata).

O seu brasão de armas é descrito da seguinte forma: esquartelado: o primeiro e o quarto de prata, com cinco escudetes de azul postos em cruz, cada escudete carregado de cinco besantes do primeiro metal, postos em sautoir; o segundo e o terceiro de prata com um leão rampante de púrpura. Timbre: o leão do escudo.
Fontes: Wikipédia.






-Pedro Álvares Cabral, fidalgo, comandante militar, navegador e explorador português desembarca no Brasil, em local denominado Porto Seguro, na Bahia. 

Nomeado para chefiar uma expedição à Índia, seguindo a rota recém-inaugurada por Vasco da Gama, contornando a África. O objetivo deste empreendimento era retornar com especiarias valiosas e estabelecer relações comerciais na Índia — contornando o monopólio sobre o comércio de especiarias, então nas mãos de comerciantes árabes, turcos e italianos. Aí sua frota, de 13 navios, afastou-se bastante da costa africana, talvez intencionalmente, desembarcando no que ele inicialmente achou tratar-se de uma grande ilha à qual deu o nome de Vera Cruz (Verdadeira Cruz) e a que Pêro Vaz de Caminha faz referência. Explorou o litoral e percebeu que a grande massa de terra era provavelmente um continente, despachando em seguida um navio para notificar o rei Manuel I da descoberta das terras. Como o novo território se encontrava dentro do hemisfério português de acordo com o Tratado de Tordesilhas, reivindicou-o para a Coroa Portuguesa. Havia desembarcado na América do Sul, e as terras que havia reivindicado para o Reino de Portugal mais tarde constituiriam o Brasil. A frota reabasteceu-se e continuou rumo ao leste, com a finalidade de retomar a viagem rumo à Índia. 


MAPA DAS CONQUISTAS. Piso decorativo em mármore da Torre de Belém indicando "os pontos de paradas" dos navegadores portugueses durante a expansão e formação dos sistema colonial luso. São Vicente não consta no mapa, mas consta o povoado de Cananéia (1502), onde estava desterrado oficialmente o Bacharel Cosme Fernandes. Quando Martim Afonso veio ao Brasil em 1531, Cosme Fernandes estava em São Vicente (já batizada por Américo Vespúcio e André Gonçalves em 1502) e dali expulso pelo donatário, ordenando que voltasse para Cananéia. O povoado que seria São Vicente (Tumiaru) já existia antes desses eventos oficiais portugueses. A dúvida que intriga os historiadores até hoje é : por que Marim Afonso escolheu São Vicente para ser a primeira Vila oficial da Capitania?
CALUNGAH com colaboração de Renato Carreri.

1501 – Expedição de André Gonçalves. Partiu do rio Tejo em 10 de maio com o intuito claro de explorar amplamente a costa do Brasil. 

Foi assim que ele tornou-se o responsável pelo comando da primeira expedição verdadeiramente exploradora da costa brasileira, que traria consigo o navegador italiano Américo Vespúcio, no auxílio técnico da expedição. Sua expedição foi composta de três naus que chegaram à costa brasileira no dia 7 de agosto, ancorando os navios a 5º3’41” de latitude sul, defronte do lugar hoje chamado Arraial do Marco, situado no vértice da costa do estado do Rio Grande do Norte, distante do Cabo de São Roque, cerca de 45 milhas, segundo descreveu nos escritos. 

1502 - Em 22 de janeiro  o navegador Américo Vespúcio desembarca no porto e povoado já existente que ele denominou São Vicente.   Dali parte em direção a Cananéia, levando o Bacharel Cosme Fernandes. Mais tarde, o Bacharel retornou ao porto São Vicente e realizou obras importantes, tornando-se um líder do local. Cosme Fernandes, degredado judeu-espanhol, funda o porto de tráfico de escravos índios. 

Uma das primeiras referências a São Vicente encontra-se no Atlas de Kurstman, publicado entre 1502 e 1504. Na indicação das rotas marítimas para o sul, estão registrados os nomes “Rio de São Vicente” e “Porto de São Vicente”. Já Cananéia aparece, em 1527, em relatos de uma expedição espanhola ao rio da Prata. Ao retornar, os espanhóis embarcaram em São Vicente cerca de 800 índios comprados do bacharel de Cananéia. Era o primeiro registro da prática que se tornaria a principal atividade dos habitantes de São Vicente: a escravização dos nativos. (Terras Paulistas- História, artes e costumes - Os paulistas em movimento) 

1503 – Organização da colônia de Porto Seguro, na Bahia. 

1504- Carta de Américo Vespúcio identifica o Bacharel Cosme Fernandes como fundador do Porto Tumiaru ou Porto dos Escravos, futura Vila de São Vicente.
 
Pouco depois, em 1504, numa carta de Lisboa para Paris, dirigida a Lorenzo di Pier Francesco dei Médici, Vespúcio fez a apreciação da natureza do país que visitara. E, finalmente, em sua primeira carta, cujos trechos principais transcrevemos, e que constitui o seu verdadeiro “Diário de Viagem”, Vespúcio declara haverem trazido em uma das naus da expedição um “bacharel” degredado por Dom Manuel a cumprir pena na nova terra, e que esse “bacharel” foi deixado por eles em Cananor (ou Cananéia atual). (Boletim do IHGSV) 

1507 - Mapa mostra a costa do Brasil por Martin Waldsee Müller figurando a localização de São Vicente nessa data onde se assinala como Portus S. Vincête em letras góticas. 

1509- Primeiras plantações de cana-de-açúcar no Brasil. 

1510- Naufrágio de João Ramalho em São Vicente. 

João ramalho nasceu em Vouzela, distrito de Viseu, em Portugal, entre 1485 e 1493 e faleceu em São Paulo, por volta de 1580. Segundo suas palavras, teria chegado ao Brasil aproximadamente em 1512, não se sabendo se foi um náufrago ou um degredado. Porém, alguns estudiosos acreditam que poderia fazer parte das expedições de João Dias Solis ou de Fernando de Magalhães. Foi o primeiro europeu a subir a serra, então chamada de Paranapiacaba (lugar de onde se vê o mar), em direção ao planalto, onde estabeleceu contato com os índios guaianases, sendo aceito pelo cacique dessa tribo, Tibiriçá, que, simpatizando com ele, oferece sua filha M´bicy (Flor de Árvore), também conhecida por Bartira ou Portira, como esposa, presumivelmente em 1515, com quem teve inúmeros filhos. 

QUEM É, AFINAL O ENIGMÁTICO JOÃO RAMAHO

AFONSO SCHIMIDT



Ninguém sabe ao certo
Nos primeiros anos deste século (N.E.: século XX), travaram-se, no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e na imprensa, vivos debates sobre a figura do português aqui aportado ignora-se como e quando. A darmos crédito ao seu testamento feito em cartório, perante o escrivão, o juiz ordinário e testemunhas gradas, em livro rubricado por João Soares, ele chegara a estas terras ali por 1490, isto é, antes de Cabral e de Colombo. Mas esse testamento, citado por Pedro Taques e por Frei Gaspar da Madre de Deus, assim como por outras pessoas, desapareceu sem deixar maiores vestígios.
Onde estaria localizada a vila de Santo André da Borda do Campo, que João Ramalho fundou e da qual foi nomeado alcaide-mor por Tomé de Sousa, quando por aqui andou?
Esse é outro enigma pitoresco, ou melhor, enigma geográfico.
Ao longo de sua existência - que parece ter sido de cento e poucos anos - os enigmas dessa classe multiplicam-se. Náufrago? Degredado? Judeu escapo das perseguições? Agente da Corte de Lisboa? Analfabeto? Feiticeiro? Preador de índios? Pirata? Ninguém sabe. Por falta de documentos sérios, ao alcance dos estudiosos, sua vida é um campo aberto à fantasia dos poetas.
Nos anos a que aludimos, o nosso Instituto Histórico designou uma comissão para estudar vários pontos obscuros - que são quase todos. Tal comissão, consultando os escassos documentos que lhe foram apresentados, chegou à conclusão de que João Ramalho era analfabeto e assinava de cruz as atas da Câmara de Santo André da Borda do Campo. De cruz, não. Enquanto os demais camaristas iletrados assinavam de cruz, como é de praxe, ele assinava de "kaf", que é uma letra hebraica e, nesse caso, um nebuloso símbolo.
Horácio de Carvalho, erudito escritor que por muitos anos exerceu o cargo de diretor do Diário Oficial de São Paulo, e que tomou parte nessa campanha, escreveu alentado volume sobre o "kaf" de João Ramalho.
Mas, para os que se interessarem por tais problemas, Santo André da Borda do Campo e a vida do patriarca dos paulistas, melhor será consultarem a ata da citada comissão do Instituto Histórico, assinada por Teodoro Sampaio (relator), Antônio de Toledo Piza e João Mendes de Almeida Júnior. Segue-se um parecer, discordante, de M. Pereira Guimarães, secretário dessa lídima instituição de cultura. Tudo isso e ainda outras informações e suposições, o leitor curioso encontrará no vol. VII da Revista do Instituto, relativo ao ano de 1902.
Com esse material, vasto, mas discutido, limitei-me a escrever uma novelazinha sem pretensões históricas, à maneira de outras da minha lavra, como "O Assalto", aventura de Bartolomeu Fernandes Faria, potentado de Jacareí na época da mineração; "A Sombra de Júlio Frank", nos primeiros anos da fundação dos Cursos Jurídicos; "O Romance de Paulo Eiró", contando os sofrimentos e as glórias do grande poeta de Santo Amaro, e "A Locomotiva", com uma interpretação inédita do movimento de 1932.
Assim é "O Enigma de João Ramalho", a fantasiosa novelazinha que aí está -
A.S.

1511–Entre essa data e 1525 o Porto dos Escravos abastece diversas embarcações européias: Cristóvão Pires; Estevão de Frois, 1512; Nuno Dias de Solis, 1515; Fernão de Magalhães, 1519; Jean de Parmentier, Rodrigo de Acuña, Jofre de Loaysa, Diogo Garcia, Sebastião Caboto, 1525. São Vicente era um centro muito ativo, portanto, de produção e de comércio. 

1512 – Indícios da presença na Capitania São Vicente de João Ramalho, Cosme Fernandes e de Antônio Rodrigues. A Capitania tinha cerca de 2.500 léguas quadradas na soma de suas duas porções - uma desde Paranaguá ao sul até Bertioga e outra, da foz do rio Juqueriquerê até a foz do Macaé, ao norte, tendo encravada entre as duas a Capitania de Santo Amaro, de Pero Lopes irmão de Martim Afonso. 

1515 - As primeiras notícias das águas da fonte do povoado, que viria a ser a atual Biquinha de Anchieta. O Morro de Tumiaru (Outeiro de São Vicente, Morro Santo Antônio, Morro dos Padres e atualmente Morro dos Barbosas), junto à Praia Mahuá (Gonzaguinha). 

1516- Chega à Vila o Capitão Pero Capico, transformando São Vicente na sede da Administração da Costa Brasileira, até 1526, quando foi substituído por Antônio Ribeiro e que promoveu grandes transformações em São Vicente, o que propiciou um grande desenvolvimento no local. Aleixo Garcia naufraga na Ilha de Santa Catarina, ao sul, e passa a viver entre os índios carijós. 

1524–Descoberta do Peabiru. Acompanhado de alguns náufragos como ele e centenas de carijós, Aleixo Garcia Viajou cerca de 2.600 quilômetros a pé e de canoa, abrindo para os europeus o Peabiru (Caminho de São Tomé), a vasta rede de trilhas indígenas que ligava o litoral brasileiro ao Rio Paraguai.  Desbravou florestas e pântanos e enfrentou índios hostis. Depois de um ano e meio chegou a Cochabamba, na Bolívia, a 150 quilômetros da mina de prata de Potosí, hoje esgotada. Descobriu o império do rei inca Huayna Capac, menos branco do que se supunha, guerreou contra tribos sob o seu domínio e saqueou peças de ouro. Embora tenham sido mortos antes de retornar, seus mensageiros voltaram a Santa Catarina e confirmaram os relatos indígenas. Da Europa, foram mandadas expedições para refazer seu caminho. Assim, deu-se início à colonização dos rios da Prata, Paraná e Paraguai. (Super Interessante) 

1526- O veneziano Sebastião Caboto é enviado pela Espanha; depois de parar na Ilha de Santa Catarina, conhece os relatos sobre Aleixo Garcia e procura o Peabiru por quase dois anos, mas não achou nada. Encontra outro navegador Diego Garcia, que também retornou à Espanha, em 1530, sem encontrar o que tinha ido procurar. No mesmo ano, Portugal enviou ao Brasil o fidalgo Martim Afonso de Sousa, o primeiro governador das novas terras. O objetivo da viagem era encontrar a rota de Aleixo Garcia. Os portugueses buscavam o acesso ao território inca por terra. 

1527 - Comandando uma expedição, partida de Corunha em 1526, com o fim de explorar o Rio da Prata, Diogo Garcia chegou a S. Vicente. 

A 15 de janeiro de 1527 – cinco anos antes de Martim Afonso – e, narrou ter encontrado o bacharel e seus genros, aí moradores "mucho tiempo ha que ha bien 30 años". Deles comprou um bergantim, se abasteceu de água, lenha e todo o necessário para a viagem, contratou um dos genros por língua (intérprete) até o Rio da Prata. De acordo com todos os seus oficiais, contadores e tesoureiros, fez com esse bacharel e seus genros um contrato para transportar nos seus navios, quando de volta, 800 escravos para a Europa [1]. "Nesse porto estava muita gente chamada tupi, em companhia dos cristãos, mas comedora de carne humana" (Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil., vol. 15 pág. 9). 

1528 – João Caboto e Diego Garcia, guiados pelo português Gonçalo da Costa, sobem o rio Paraná em busca de informações sobre a região. 

1530- Tornando do atual Rio da Prata, Sebastião Caboto ancorou defronte da ilha de São Vicente, e aí permaneceu mais de mês. 
Num de seus navios estava o cosmógrafo Alonso de Santa Cruz, que escreveu: "Dentro do Porto de São Vicente há duas ilhas grandes, habitadas por índios e, na mais oriental, na parte ocidental, estivemos mais de mês. Na ilha ocidental tem os portugueses um povoado chamado 'S. Vicente' de dez ou doze casas, uma feita de pedra com seus telhados, e uma torre para defesa contra os índios em tempo de necessidade. Estão providos de coisas da terra, de galinhas de Espanha e de porcos, com muita abundância de hortaliça. Têm essas ilhas uma ilhota entre ambas de que se servem para criar porcos. Há grandes pescarias de bons pescados. Estão essas ilhas orientadas NO-SE com dez léguas de comprimento e quatro de largura" (Islário de Alonso de Santa Cruz, Ed. de F. R. von Wieser, pág. 56). 
Quando saiu de Portugal, Martim Afonso de Sousa, o primeiro governador do Brasil, já estava muito bem informado sobre a aventura de Aleixo Garcia. Viajava com ele o português Henrique Montes, sobrevivente do naufrágio de 1516 em Santa Catarina, que voltara à Espanha em 1526, e depois mudara-se para Portugal, ganhando o título de Cavalheiro da Casa Real. (Super Interessante) 

- A expedição de Martim Afonso de Souza, que partiu de Portugal nessa data, torna-se a base do sistema de colonização. O fidalgo de sangue real recebe poderes de vida e morte, inclusive de doar sesmarias e posses. Vêm com cinco naves, 400 homens, sementes e mudas de cana. 

1531- Martim Afonso chega a Cananéia, no litoral sul de São Paulo. 
De lá, envia o capitão Pero Lobo e oitenta homens para seguir o caminho de Aleixo Garcia. Todos foram mortos pelos índios. Mais tarde, mandou outra expedição, de trinta homens, incluindo Henrique Montes, para subir o Rio Paraná. Apesar do esforço, o governador também voltou a Portugal sem encontrar a cobiçada serra de prata. Ao saber da chegada de uma armada ao porto de São Vicente, o cacique Tibiriçá, capitaneando mais de 500 sagitários, com João Ramalho à frente, desceu do planalto para ataque, que não se realizou porque esse seu genro, reconhecendo que a armada era de Martim Afonso, de compatriotas conseguintemente, negociou e estabeleceu a paz entre os aborígines e os portugueses, por essa forma facilitando a colonização no Sul da América. 

- Expulsão de São Vicente do bacharel Cosme Fernandes. 


PORTAL DA MONTANHA DE PRATA

SÃO VICENTE ERA A DEFESA CONTRA A TOMADA DO PEABIRU


Em linha amarela, o Peabiru, estrada inca pré-colonial. Detalhe. Brasil 500 anos. Atlas Histórico Isto É. 


Por que os portugueses fundam as duas primeiras vilas do Brasil justamente em São Vicente e Piratininga? 

Os portugueses e espanhóis também souberam, pelas diferentes tribos indígenas, que um caminho que saía de Cananéia, do litoral de Santa Catarina e de São Paulo ia até o “reino da montanha de prata”. Esse caminho chamava-se, entre os tupis, Peabiru (palavra tupi, pe – caminho –, abiru – gramado amassado) e, de fato, ia até o local, à beira do rio Paraguai, onde hoje está Assunção.
Dali era possível alcançar a “montanha de prata” com relativa facilidade. Assim, a preocupação de Martim Afonso ao fazer a Coroa portuguesa fincar pé em São Vicente e no Planalto de Piratininga era guardar o acesso ao Peabiru e defendê-lo do assédio de outros europeus.
Com o que, a ocupação efetiva do Brasil começou pela defesa do caminho para uma mítica “montanha de prata” que, no final das contas, existia de fato!
Foi essa a razão de Martim Afonso ter enviado uma expedição de Cananéia ao interior pelo Peabiru, mesmo antes de se dirigir ao rio da Prata. Era como se quisesse apostar uma corrida entre a expedição por terra e outra pelo rio, para ver quem chegava primeiro aos tesouros do continente. O fato é que a expedição por terra foi dizimada pelos índios guaranis perto das Cataratas do Iguaçu e a expedição pelo rio fracassou com o naufrágio da nau em que o chefe português estava.
Outra razão para a escolha de São Vicente pode ter sido o fato de que, não muito ao sul dali, passava a Linha de Tordesilhas, que, por um acordo internacional, deveria limitar as posses do reino de Portugal e da Espanha nas novas terras descobertas.
Assim, era prudente que Portugal garantisse seus domínios já nas bordas do seu território, evitando que os espanhóis futuramente avançassem sobre ele.
Mais uma vez, um mapa pode ser consultado para a identificação dos locais citados, chamando a atenção para o “Planalto de Piratininga” e a relação do termo com o relevo da região.

CIVILIZAÇÃO DOS SAMBAQUIS
Os Homens dos Sambaquis eram uma civilização especializada no lagamar e em aproveitar seus recursos: uma civilização marítima, por assim dizer. Mais uma curiosidade: saber que existiram outras civilizações, muito semelhantes a essa, que também edificaram suas “montanhas de conchas” pelo mundo afora.
Elas se desenvolveram em muitas regiões litorâneas do globo (como o mar do Norte, na Europa, e o mar Negro, entre a Europa e a Ásia, por exemplo), cada uma em uma época diferente da história da humanidade. Finalmente, é importante frisar que essa civilização do litoral brasileiro sobreviveu durante nada menos que cerca de cinco mil anos!
Observe e faça também os alunos notarem a beleza e a precisão de algumas das esculturas em pedra produzidas por essa civilização. No vídeo aparece a escultura de um tubarão, coletada em Sambaqui do sul do Brasil. A peça é extraordinária por sua economia de traços e ao mesmo tempo muito rigorosa na forma de retratar o animal que, provavelmente, seria um objeto de culto naquela civilização.
OS TUPIS SALVARAM OS EUROPEUS
Quem eram os tupis? Por que eles teriam uma cultura mais “sofisticada” que a dos Homens dos Sambaquis?
Os tupis tinham dominado a agricultura e outras formas de adquirir alimentos – práticas que não existiam entre os Homens dos Sambaquis. Dentre as técnicas novas de caça, de pesca e de guerra, também desenvolveram, por exemplo, a poderosa arma que é o arco e flecha.
É importante esclarecer dois aspectos sobre os tupis: um é a antropofagia – prática que, em geral, faz todo mundo se arrepiar. O fato é que, por alguma razão, ainda desconhecida, inúmeras civilizações arcaicas tiveram o hábito de realizar sacrifícios humanos; os incas e os astecas são exemplos, assim como vários povos antigos da África e da Oceania. O mesmo ocorreu na cultura judaica e na Grécia Antiga. A prova disso está nas narrativas míticas sobre Abraão (a quem Deus teria pedido que sacrificasse o próprio filho) e sobre Ifigênia, entre os gregos (a cujo pai os deuses haviam ordenado que sacrificasse a própria filha). Tanto judeus como gregos e romanos acabaram substituindo o sacrifício humano pelo sacrifício de animais.
Entre os tupis, assim como em várias outras nações indígenas do Brasil, havia também o sacrifício humano, porém acrescido do rito da ingestão da carne do inimigo, dada uma tradição de valores míticos e religiosos muito peculiares à sua cultura.
O outro aspecto a lembrar é que a grande maioria de nós, brasileiros, descende de índios, quer recentemente, quer remotamente, fato cientificamente comprovado. O mais interessante é que a nação indígena que, entre todas, certamente mais colaborou para a formação do povo brasileiro foi justamente a dos tupis, que ocupava quase toda a costa e entrou em contato direto com os europeus no século XVI. Aos tupis e às suas técnicas é que devemos, em boa parte, a sobrevivência dos europeus nos trópicos.
SÃO VICENTE E O PAU-BRASIL
Durante os primeiros 50 anos, a costa do Brasil teve praticamente uma única atividade econômica: a troca de pau-brasil por facas, machados, anzóis, espelhos e bugigangas trazidas pelos europeus. Por causa disso, essa época foi caracterizada como Ciclo Econômico do Pau-Brasil. No entanto, esse comércio parece ter sido mais desenvolvido por franceses do que por portugueses. Os franceses mantinham uma ligação constante da costa brasileira com os portos do norte da França, onde o pau-brasil era vendido para fábricas e artesãos, que usavam a tinta extraída da madeira para tingir tecidos que seriam vendidos por toda a Europa. Certamente, devia ser difícil para os índios cortarem grandes quantidades da árvore do pau-brasil, depois levarem as imensas toras até a praia e embarcá-las nas naus e caravelas. Mas é importante notar o que significava, por exemplo, um facão ou um machado de aço para quem só conhecia facas de osso e machados de pedra. Imagine o trabalho que era cortar uma grande árvore com um machado de pedra, ou abrir uma picada no mato sem um facão de metal. Nossos índios não conheciam a metalurgia, e essas trocas da madeira por objetos de metal foram decisivas para tornar possível o ciclo do pau-brasil.
JOÃO RAMALHO, O PAI DOS VICENTINOS
A origem e a vida de João Ramalho são misteriosas. Mas uma coisa interessante a lembrar é que, na costa do Brasil, mesmo antes de 1532, já habitavam diversos náufragos e degredados (incentive a consulta desses termos em dicionários), tanto portugueses como espanhóis e franceses. O espanhol chamado Bacharel de Cananéia, por exemplo, também viveu durante um tempo em São Vicente, além de Cananéia e Iguape.
Aliás, assim que Martim Afonso de Souza fundou as vilas de São Vicente e Piratininga, o Bacharel, num ato de vingança, por ter sido ameaçado de prisão pelos portugueses, conseguiu destruir as duas vilas recém-nascidas e acabou por matar metade dos homens brancos que ali tinham se estabelecido.
Outro náufrago famoso foi Caramuru, acolhido pelos tupinambás da Bahia de Todos os Santos, onde seria construída a primeira capital da Colônia: Salvador. Caramuru casou-se com a filha do chefe local, Paraguaçu, e, assim como o Bacharel e João Ramalho, jamais pensou em voltar a viver no Velho Mundo, embora tivesse, em certa ocasião, viajado com Paraguaçu até a França.
Cabe uma pergunta interessante: Por que os náufragos e degredados da nossa costa jamais quiseram voltar para a Europa?
Uma resposta possível a essa pergunta está esboçada na janela sobre Ramalho: por aqui não havia a opressão do Estado europeu e da Igreja Católica, com suas respectivas ameaças contra crimes e pecados. E, sobretudo, porque esses desgarrados das navegações eram quase sempre gente pobre e pouco instruída, embora viessem do grupo social dos servos, no Brasil eram tratados, pelos índios e outros liderados, como chefes, como verdadeiros “senhores” locais.
Quanto a João Ramalho, entre todos, foi certamente o que mais teve filhos, netos e bisnetos, com incontáveis índias tupiniquins. Daí resulta que quase todas as famílias antigas da região de São Paulo, Baixada Santista e arredores sejam descendentes dessa espécie de grande “patriarca”. (O Porto de Santos e História do Brasil. Santos Brasil- Editora Neotrópica)




GONÇALO COELHO EM SÃO VICENTE E OUTRAS TERRAS

Centro Monárquico do Porto - Leonor Especial





Trago hoje o explorador Gonçalo Coelho que nasceu em 1451 ou 1454 e morreu em 1512, foi um navegador português, que estudou em Pisa e comandou as duas primeiras expedições exploratórias das terras descobertas por Pedro Álvares Cabral em 1501-02 e 1503-04, as duas acompanhado por Américo Vespúcio. Foi pai de Duarte Coelho, primeiro Capitão-Donatário da Capitania de Pernambuco.
in diversas fontes.

Primeira Viagem de Gonçalo Coelho:

Provavelmente a contratação de Américo Vespúcio por D. Manuel I foi influenciada pela carência de navegadores experientes disponíveis no começo de 1501. Pedro Álvares Cabral ainda não tinha regressado da Índia; João da Nova acabara de zarpar a 10 de Março; Gaspar Corte Real estava programado para ir novamente à América do Norte e partiu a 20 de Maio; Vasco da Gama preparava-se para regressar à Índia na Esquadra da Vingança, partindo a 15 de Fevereiro de 1501; e, embora o Rei ainda não o soubesse, Bartolomeu Dias já estava morto, naufragado no Oceano Índico.
Como acima menciono, uma cópia de uma importante carta de Américo Vespúcio ao seu patrão Lorenzo de Médici chegou ao conhecimento de D. Manuel I. A carta, datada de 18 de Julho de 1500, narra minuciosamente a viagem feita sob o comando de Alonso de Ojeda em 1499, mas omite o seu nome, e nela Américo Vespúcio se auto-intitula Capitão. Em Janeiro de 1501, D. Manuel I envia o florentino Giuliano del Giocondo, funcionário graduado de Bartolomeu Marchionni contratar Américo Vespúcio.

Assim, no dia 10 de Maio de 1501 a frota de três caravelas com Gonçalo Coelho zarpou de Lisboa em direcção às Canárias, seguindo depois para a baía de Bezeguiche (hoje Dakar).
Lá, a frota deparou-se com o navio de Diogo Dias, irmão de Bartolomeu Dias, que um ano antes, se desgarrara da armada de Pedro Álvares Cabral, fora parar à Etiópia e agora estava regressando a Portugal com apenas seis homens a bordo. No dia seguinte, por uma extraordinária coincidência, também chegavam àquele mesmo porto africano vindos de Calcutá, dois navios da esquadra de Pedro Álvares Cabral. Durante 13 dias, as tripulações desses navios portugueses permaneceram em Bezeguiche no Senegal. Os homens de Pedro Álvares Cabral e Diogo Dias descansavam das fadigas do mar enquanto os de Gonçalo Coelho abasteciam os navios de água e lenha para a viagem ao Brasil. Ao longo de duas semanas os capitães puderam trocar muita informação.

Foi o historiador Capistrano de Abreu (1853-1927) o primeiro a perceber as extraordinárias repercussões do encontro entre Américo Vespúcio e a frota de Pedro Álvares Cabral em Bezeguiche. Em 1900, no seu admirável livro O Descobrimento do Brasil pelos Portugueses, Capistrano dedicou um capítulo inteiro a esse encontro e às suas consequências. De acordo com o historiador cearense, foi graças às informações obtidas em Bezeguiche que Américo Vespúcio pode concluir que as novas terras descobertas por Cristóvão Colombo não eram a Ásia, mas sim parte de um Continente. Foi por isso que, ao regressar à Europa, Américo Vespúcio lançara a tese de que estivera num "Novo Mundo".
A viagem foi difícil, com muitas tempestades em alto-mar, e a frota avistou terra depois de 67 dias no mar, quando os mantimentos já começavam a escassear. Américo Vespúcio afirma ter ancorado a 5 graus de latitude Sul, local da foz do rio Mossoró, actual divisão entre o Rio Grande do Norte e o Ceará. No entanto, Max Justo Guedes defende a tese de que Américo Vespúcio teria ancorado na praia das Areias Alvas, 150 km a sul. "Os argumentos de Justo Guedes navegador experiente, são sólidos e respeitáveis. Vários outros historiadores no entanto, acham que o desembarque de Américo Vespúcio se deu mesmo na praia dos Marcos. O principal defensor dessa tese é Moacir Soares Pereira, autor de A Navegação de 1501 ao Brasil e Américo Vespúcio.

Ao desembarcar nessa praia de ondas fortes e areia fofa, os portugueses não viram ninguém. Mas na manhã seguinte, enquanto os marinheiros enchiam os tonéis de água fresca, colhiam palmitos e cortavam lenha, um grupo de indígenas surgiu no alto de um pequeno morro próximo à praia. Embora os marujos lhes oferecessem guizos e espelhos, os nativos recusaram-se a fazer qualquer contacto…exactamente como tinham feito os Potiguar encontrados por Pinzón. 

No dia 19 de Agosto, dois marinheiros obtiveram a permissão para descer a terra, penetrar na mata e negociar com os nativos. Gonçalo Coelho comprometeu-se a aguardá-los por cinco dias. Seis dias se passaram e nenhum dos homens voltou aos navios. Então, na manhã de 24 de Agosto - quando a frota já se encontrava ancorada há uma semana - a praia encheu-se de mulheres. Gonçalo Coelho enviou a terra dois batéis com alguns homens a bordo. Um grumete desembarcou e logo foi cercado pelas nativas, que "o apalpavam e o examinavam com grande curiosidade". Quando ele estava no meio delas, uma mulher desceu do monte com um tacape nas mãos, aproximou-se do jovem marinheiro e, pelas costas, desferiu-lhe um golpe na nuca. "Então", diz Américo Vespúcio, "as outras mulheres imediatamente o arrastaram pelos pés para o monte, ao mesmo tempo que os homens, que estavam escondidos, se precipitavam para a praia armados de arcos, crivando-nos de setas, pondo em tal confusão a nossa gente, que estava com os batéis encalhados na areia, que ninguém conseguia lançar mão das armas, devido às flechas que choviam sobre os barcos. Disparamos quatro tiros de bombarda, que não acertaram, mas cujo estrondo os fez fugir para o monte, onde já estavam as mulheres despedaçando o cristão e, enquanto o assavam numa grande fogueira, mostravam-nos os seus membros decepados, devorando-os, enquanto os homens faziam sinais, dando a entender que tinham morto e devorado os outros dois cristãos".

Gonçalo Coelho proibiu que se voltasse aos ataques e zarpou em direcção ao sul, avistando o Cabo de Santo Agostinho a 28 de Agosto, e chegando a 4 de Outubro à foz de um grande rio, que baptizou rio São Francisco. Depois recolheu os dois degredados deixados por Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro, juntamente com toros de pau-brasil. Já em Janeiro de 1502, julgando estar na foz de um rio, baptizou a baía da Guanabara de Rio de Janeiro.

Seguiram para o sul até Cananéia, onde abandonaram o enigmático Bacharel de Cananéia. Percebendo que a costa se inclinava para sudoeste e talvez temendo estarem já em possessões espanholas de acordo com o Tratado de Tordesilhas, afastaram-se dela, seguindo a partir daí uma rota desconhecida até chegarem à Serra Leoa. Aportaram em Lisboa a 22 de Julho de 1502 depois de 14 meses, e sem notícias de ouro ou especiarias nem nada de aproveitável, a não ser o pau-brasil.

Segunda Viagem de Gonçalo Coelho:

Em 1503, ao serviço da Coroa portuguesa, que firmara contrato com um grupo de comerciantes um ano antes, realizou a expedição ao litoral brasileiro. Pouco se sabia em Portugal da cartografia da costa norte brasileira e surgira assim a necessidade de ser despachada para a nova terra uma expedição exploradora que reconhecesse principalmente a parte situada aquém da linha divisória de Tordesilhas, por isso pertencente à coroa portuguesa. As melhores fontes atribuem o comando dessa expedição a Gonçalo Coelho, nauta experiente que trouxe, embarcado, o florentino Américo Vespúcio, já conhecedor de terras americanas pois navegara com Alonso de Ojeda em viagem castelhana em 1499.
Os comerciantes que financiaram a expedição, dentre eles Fernão de Noronha, conseguiram arrendar as terras brasileiras por um período de três anos para exploração do pau-brasil. Em troca, os arrendatários comprometiam-se a construir feitorias e pagar, à Coroa, parte do lucro obtido. O arrendamento foi renovado mais duas vezes, em 1505 e em 1513.

Como consequência do contrato e da expedição de Gonçalo Coelho, o Rei D. Manuel I doou em 1504, a Fernão de Noronha, a primeira capitania hereditária no litoral brasileiro: a ilha de São João da Quaresma, actual Fernando de Noronha, uma capitania do mar. Uma revisão histórica anunciada pelo almirante Max Justo Guedes na "Conferência dos 500 anos" de Angra dos Reis promovida pela prefeitura em 2002, trouxe à luz a oficialidade sobre o nome do verdadeiro descobridor da Ilha Grande: o navegador Gonçalo Coelho. Antes deste tratado o navegador André Gonçalves foi por muitos anos considerado o descobridor da Ilha Grande. Esta revisão foi feita com base na fonte: "Tratado Descritivo do Brasil", de Gabriel Soares de Souza.


 

OS "MISTÉRIOS"DE SÃO VICENTE


HERNÂNI DONATO

                     
Instalação de um Peabiru. na Exposição Terra Paulista no Sesc Pompéia-SP, 2005. Dalmo Duque.

Certeza que me acompanha e me espicaça é a de que São Vicente reserva para os pesquisadores suficientemente curiosos um elenco volumoso quanto precioso de assuntos a serem transformados em palpitantes revelações históricas. Não, propriamente, novidades para os veteranos. Porém, tópicos merecedores de serem retirados ao silêncio e ganharem versões definitivas. Para ganho geral.
Pois ali se concentraram pessoas e circunstâncias que em outros países, a exemplo dos Estados Unidos, da Alemanha, da Inglaterra etc., teriam promovido a felicidade autoral e editorial de muitos interessados. Dizem respeito não somente à crônica regional. Uns quantos desses mistérios por aclarar, podem, até, levar o refazimento da história continental.
 
Nesse caso está o tema de Peabiru. De São Vicente saía o vetor principal. Este, depois de enovelar-se pela serrania litorânea, de atravessar o chão piratiningano, atufava-se pelo sertão hoje paulista-paranaense e lá em Cuzco, já no Peru, inseria-se no extraordinário sistema viário incaico. Não seria, em solo brasileiro, estrada de primeira classe no rol das andinas. Percorreria, então, nestas partes, território a ser futuramente incorporado ao império. De todo modo, a primeira via transcontinental Atlântico-Pacífico, funcionando - e sabe-se que bastante bem - antes de Colombo e de Cabral. Dias em que local vicentino acomodava porto, povoação, gente vinda da Europa e do interior do continente. Quem? Quanto? Como? Fazendo o quê?
 
Se ligarmos essa situação, sobre a qual discretearam, sem maior detalhamento, autores do porte de Taunay, Washington Luís, Batista Pereira, Sérgio Buarque de Holanda, Aluísio de Almeida e outros, ao fato de que precedentemente ao ano 1500 aquele sítio era conhecido pelo nome de Porto dos Escravos, não é preciso inflar a imaginação para aceitar como verdadeira a afirmação de que portugueses e outros navegantes conheciam e traficavam bem antes de 1532 na que é hoje São Vicente.
 
A documentação é clara. Abasteceram-se ali as frotas de Cristóvão Pires em 1511; Estevão de Frois, 1512; Nuno Dias de Solis, 1515; Fernão de Magalhães, 1519; Jean de Parmentier, Rodrigo de Acuña, Jofre de Loaysa, Diogo Garcia, Sebastião Caboto, 1525. E outros e outros. Um centro muito ativo, portanto, de produção e de comércio.
 
São muitas as atividades. O padre Viotti ("O anel e a pedra", página 350) refere que logo em 1525 vicentinos estão na expedição de Salvador Correa de Sá e Benevides. Foram "prestar o seu concurso militar à restauração da cidade (Rio de Janeiro), deixando provas de audácia, destreza e valor".
E a Guerra de Moschera? Trata-se de convite excitante para os que poderiam iluminar de vez esses nichos de aventura onde poucos penetraram com estudos responsáveis. Quem localizaria (não me consta hajam localizado o lugar da vila de I-Caa-Para fundada pelos espanhóis subidos de Buenos Aires sob o comando de Ruy Garcia de Moschera).
 
Ao redor dessa vila e entre ela e São Vicente travou-se a primeira guerra de brasileiros contra invasores estrangeiros. Foi isso de 1534 a 1536. Dura e nem sempre bem sucedida campanha com vicentinos em armas defendendo sua vila, vencendo e perdendo, padecendo o saque e o incêndio da povoação. Também a isso, São Vicente sobreviveu. Acontecimento de tamanha magnitude, com significado não apenas local mas também nacional, sendo muito pouco o que se tem de certo a seu respeito.
O filão vai mais além. Há mais convites sugestivos para um atraente e de certo compensador mergulho nesse passado que só é distante porque o deixaram afastar-se e embuçar no esquecimento. Sabe-se, por exemplo, que no combate de 13/5/1560 contra os franceses, no Rio de Janeiro, o fogo mais eficiente lançado sobre as posições gaulesas foi o disparado por um bergantim vicentino. Até onde, vicentino? Quem o tripulava? Que fim o levou?
 
No século XVI, São Vicente foi também sinônimo e sítio de fartura. Sarmiento de Gamboa escreveu (1582) nas Memórias que em Buenos Aires "não havia abundância de gêneros e vitualhas para serem vendidos e nem mesmo para si próprios. Em Assunção... tudo era impossível". Vale dizer, penúria, quase a fome. Mas em São Vicente, fartura total.

Ali, ele, Gamboa, escamba (a metade paga com roupas, vinhos, calçados) a seguinte lista de gêneros: 341 arrobas e 22 libras de carne de vaca seca; 2.654 arrobas e 30 libras de carne de vaca salgada fresca; 371 arrobas de toucinho; 5.636 alqueires da farinha de mandioca; 9.774 libras de tortinhas de farinha de mandioca biscoitadas; 26 alqueires de arroz beneficiado; 70 alqueires de arroz em casca; 9 arrobas de sebo; 193 tábuas.
 
Tábuas quer dizer serraria; tortinhas biscoitadas, fornos e padeiros; arroz beneficiado quer dizer maquinaria especial; o volume da carne quer dizer pecuária desenvolvida e abatedouro e salgadouro. E todo esse rol para uma frota. Imaginemos o movimento industrial e comercial da região, à época.
Esse dispor comercial e jogar com tanta comida em tempo e lugar de escassez torna mais fascinante a hipótese levantada por cronistas e autoridades castelhanas do Prata, conforme o levantado e analisado por Duílio Crispim Farina, de que tais conveniências faziam parte da política portuguesa de enfraquecer a posição espanhola. Os vicentinos chamariam para si, a fim de alimentá-los e curá-los, "os membros das guarnições castelhanas flagelados pela fome (e) os contendores dos bandos rivais, em rixas (...) na ilha de Santa Catarina e somente os deixava sair, para dirigirem-se a Assunção. Com isso tudo, iniciava-se o fim da guarnição de Santa Catarina".
 
Claro, estes pontos e mais alguns não são de todo inéditos. Mas têm sido apenas aflorados. O que pretendo, neste espaço, é deixar uma provocação: quem sabe, entre os jovens santistas e vicentinos, haja uns quantos dispostos a aprofundar pesquisas e nos brindar com algo mais sobre fatos e pessoas assim decididamente referenciais.
 
Nem é o caso de evocar a primeira Câmara Municipal das Américas, as feitorias, os engenhos, a introdução do gado e de vegetais. Ou mais, ou menos, tais assuntos mereceram consideração.
Porém, e a notável referência a que na São Vicente dos dias iniciais tenha funcionado um cenáculo (Academia seria pensar demais) literário brasileiro? Há quem diga terem alguns dos encontros de padres, nobres, funcionários, aventureiros e seus comentários versado nada mais nada menos do que A Divina Comédia. Sim, aquela de Dante cujo volume teria ido de mão em mão trazido pelo nobre genovês Adorno.
 
Claro, sei que por aquela altura do calendário quinhentista não se fazia conhecer pelo título atual, mas simplesmente, Comédia. Ou A Comédia de Dante. Mas, quem conhece o título que lhe davam os comentadores vicentinos? Trata-se, é certo, de pesquisa especialmente difícil. Mas qual, das que valeram a pena o terem sido realizadas, mostrou-se fácil?
Vamos a elas, em nome de São Vicente?
 
Leopoldianum - Revista de Estudos e Comunicações da Universidade Católica de Santos, edição nº 63- abril de 1997.(*) Escritor e historiador, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Membro da Academia Paulista de Letras.
 

O BACHAREL DE CANANÉIA
Paulo Setúbal


                                               
 

(Retrato de formatura do ensaísta Paulo Setúbal)

Tenho constatado que ainda há gente que me lê. E tenho-o constatado com surpresa. Um escritor que há três anos (há três longos anos) evita, com paixão, a publicidade, e que, preconcebidamente, deliberou viver no seu modesto cantinho, isto é, viver na aconchegada e veludosa penumbra do seu lar, longe do fanfarreiro gritante dos jornais, é um escritor irremissivelmente condenado a não ter mais público. Pois vejo que me enganei. Estes despretensiosos artigos de domingo, com que o amável, mas irredutível diretor da "A Razão" me forçou a reaparecer na ribalta literária, têm provocado abundante messe de cartas, que, com espanto para mim, denunciam bem o número ainda envaidecedor de leitores que me seguem. Destaco hoje, dentre essas cartas, uma que me fez sorrir. Uma que vem assinada: "Velho Paulista". Encontrei nela este pedido: "… seria muito proveitoso que o Senhor explicasse, com o seu estilo fácil e com o seu jeito ameno de escrever a história, quem é esse bacharel que Martin Afonso encontrou em Cananéia. Nos tempos que correm não se tem mais tempo para ler trabalhos que tratem de assunto como este. etc. etc.".
Li a carta e —’ confesso! — sorri do velho paulista. Sim, sorri do meu gentilíssimo leitor. O pedido que ele me faz, com tão bonita singeleza, mostra, à evidência, quanto o brasileiro anda afastado das coisas da sua história. Não fosse esse afastamento, esse incomensurável afastamento, certo não solicitaria o "Velho Paulista", com a sua saborosa singeleza, que eu esclarecesse quem é o bacharel de Cananéia. E isso por um motivo simples: essa questão, apesar de pequenina, é uma das mais intrincadas e das mais enigmáticas questões da História do Brasil e, particularmente, da História de São Paulo. O que já se não escreveu sobre isso! Quanta tinta já não correu em torno da tese! Pedro Taques, Frei Gaspar, Machado de Oliveira, Varnhagen, Galanti, Cândido Mendes. . . quanta gente, meu Deus, já não debateu o assunto! E nenhum deles, nem mesmo um historiador da estirpe de Varnhagen, conseguia ainda esclarecer quem era o misterioso bacharel. Não serei eu, está claro, quem vá esclarecê-lo. Não posso, querido Paulista Velho, satisfazer-lhe a curiosidade.
Vou, contudo, fornecer a V. S. alguns dados sobre a personalidade do estranho personagem. V. S. quando já tiver amealhado o suficiente para viver sem trabalhar, poderá (eis uma linda ideia!) dedicar os dias de sua velhice em deslindar a impenetrável questão. Será — não acha? — uma bela e nobre maneira de encher os ócios de sua velhice: otium cum dignitate, como diriam os romanos.
* * *
Quando Martim Afonso de Sousa, em agosto de 1531, descia até o Rio da Prata, estacionou, por espaço de quarenta dias, no porto de Cananéia. Conta o Diário da Navegação, escrito por Pêro Lopes de Sousa, irmão de Martim Afonso de Sousa, que, durante essa permanência, fora enviada à praia, a fim de se entender com os selvagens, um certo Pedro Annes, piJoto da frota, que era grande conhecedor da língua tapuia. O piloto foi e voltou. Eis o que diz o Diário:
"Quínta-feira, 17 dias do mez de Agosto, veiu Pedro Annes, piloto, no bargantim, e com elle veiu Francisco de Chaves e o bacharel, e cinco ou seis Castelhanos.
Este bacharel havia trinta annos que estava degradado nesta terra, e o Francisco de Chaves era muy grande lingua nesta terra.
Pela informação que delia deu ao capitam, mandou á Pêro Lobo com oitenta homens, que fossem descobrir pela terra adentro; porque o dito Francisco de Chaves se obrigava que em dez meses tornara ao dito porto com quatrocentos escravos carregados de prata e ouro".
Eis em cena, Sr. Paulista Velho, o nosso homem famoso!
Agarremo-lo pela gola e vamos destrinçá-lo. Não é, acentuemo-lo desde já, a primeira vez que o nome de tal bacharel vem à baila. É ele, ao contrário, pessoa muito falada nas crônicas. Parece mesmo, pelo que ressalta de velhos papéis, que se trata de individualidade muito conhecida dos mareantes que arribavam por estas paragens. Assim, Diogo Garcia, o piloto da expedição de 1527, trata miudamente do bacharel. Chegou mesmo a tratar com ele vários negócios. O bacharel, a essa época, não estava em Cananéia, mas sim em S. Vicente. Eis o que diz Herrera, na sua "Historia das índias Ocidentais":
"El piloto Diego Garcia, português, fue a la bahia de San Vicente, adonde llegó a 15 de enero; y un bachiller, portuguez, le dió mucho refresco de carne, pescada, y vitualla de la tíerra…"
O próprio Diogo Garcia, cm carta que escreveu ao Rei da Espanha, se refere abundantemente a tal bacharel. Vivia ele há trinta anos, em S. Vicente, com os seus genros; e, homens de negócios, contratara com o próprio Diogo Garcia, a venda de oitocentos escravos. Eis a carta:
"1527. E de aqui fuemos a tomar refresco en San Vicente; alli vive un bachiller e unos yernos suyos ha bien 30 anos". . . "compre de un yerno deste bachiller un vargantin que mucho servicio nos hizo". . . "y este bichiller, con sus yernos, hicieron comigo una carta de fletamiento para que los truxese em Espana, con la náo grande, ochocientos esclavos"…
Eis pois, Sr. Paulista Velho, as fontes que falam do Bacharel.
Torna-se necessário, segundo elas, decifrar quem é esse homem, que, vivendo em S. Vicente no ano de 1527 e em Cananéia no ano de 1531, reunisse em si estes requisitos: ser bacharel; ser português; ser degradado; ter vários genros.
Dos historiadores que se meteram a decifrar essa charada, dois merecem um destaque especial. Foram os que mais eruditamente se entranharam na matéria. Um é Varnhagen; outro, Cândido Mendes. Para Varnhagen o bacharel é um tal Gonçalo da Costa, que Sebastião Caboto encontrou no Brasil e levou para Portugal. Para Cândido Mendes, que defende o seu ponto de vista com largo entranhamento, o bacharel é o próprio João Ramalho, o patriarca de S. Paulo.
Parece que ambos, apesar de muito doutos, não destrinçaram os fios dessa complicadíssima meada. Pois, com a maior justeza, assim critica o padre Galanti a teoria dos dois decifradores: Varnhagen quer identificar esse bacharel com um Gonçalo da Costa; Cândido Mendes, com João Ramalho. Em nosso ver, nenhum dos dois acertou. Não pode ser Gonçalo da Costa porque este, segundo Herrera, ao qual apela Vanhagen, não era bacharel, e em 3530 voltou para a Espanha com Sebastião Caboto, indo estabelecer-se em Sevilha, onde D. João III o mandou chamar, oferecendo-lhe segurança e mercês para que fosse a Lisboa.
Isto faz crer que Gonçalo da Costa, era ou um degradado, ou algum desertor. Observe-se que Caboto esteve só uma vez no Brasil em 1526, e tocou unicamente em Pernambuco, e em Santa Catarina. Pois, se Gonçalo da Costa seguiu Caboto em 1526, e voltou com ele para a Europa em 1530, como, em 1527, podia estar em S. Vicente, e em 1531 em Cananéia? E como podia dizer a Martim Afonso que morava naquele lugar havia trinta anos? Isto é, pelo menos, difícil de conciliar.
Nem se pode tão pouco identificar esse bacharel com João Ramalho, que era analfabeto, e por isso não era possível que fosse bacharel. Nem se diga que lhe davam o título de bacharel como alcunha, porque neste caso lho teriam conservado, e diriam: João Ramalho, o Bacharel. Afirmar com Cândido Mendes que esse bacharel, vivendo entre os selvagens, tinha esquecido tudo, e por isto parecia, analfabeto, cremos que é demais.
A não falarmos no Frei Gaspar, cuja boa-fé em nossos dias é reconhecida como assaz duvidosa, todos admitem que João Ramalho veio a estas terras pelos anos de 1515, ao passo que o bacharel morava cá desde 1502.
O bacharel tinha numerosos genros, e por conseguinte muitas filhas: as filhas de Ramalho foram apenas duas, Beatriz e Joana, as quais se casaram com Lopo Dias e Jorge Ferreira, portugueses vindos na frota de Martim Afonso. “O bacharel, sendo degradado, não podia preencher ofícios públicos, como os ocupou Ramalho, o qual embora de mau caráter, entregue a vícios baixos, etc, não era degradado”.
O bacharel, pois (como vê o Velho Paulista) continua ainda enigmático.
Quem poderá elucidar o problema?
Não sei. Certamente não serei eu.
Vamos deixar o caso para um desses historiadores beneméritos, carunchos de arquivos, que passam a vida entre papéis velhos a desvendar mistérios como esse.
Quando for deslindada a questão, eu hei de garatujar, aqui nesta mesma coluna, para V. S., Paulista Velho, e outros como V. S., um artigo em que explique "com o meu estilo fácil e o meu jeito ameno de escrever a História", quem é o bacharel de Cananéia.
Ensaios Históricos- São Paulo, 1925

O BACHAREL COSME FERNANDES


CARLOS FABRA


                        
Primeira notícia sobre o Bacharel Mestre Cosme Fernandes. Gravura: PMSV.

Na sua primeira carta, da que transcrevemos alguns trechos, e que se constitui o seu verdadeiro “Diário de viagem”, Américo Vespúcio declara haverem trazido a bordo de uma das naus da Expedição, um “Bacharel” degredado por D. Manuel, para cumprir o seu degredo na nova terra, e que esse “Bacharel” foi deixado em Cananor, ou seja, atual Cananéia. Com a publicação das cartas de Vespúcio, finalmente foi esclarecido o mistério que parecia encobrir a vinda do famoso “Bacharel”, identificado pelos espanhóis como Bacharel Duarte Perez e pelos historiadores portugueses e brasileiros como Bacharel Mestre Cosme Fernandes, figura esta que teve um importante papel na história inicial de São Vicente e do Brasil, iniciador e fundador dos povoados de Cananéia, Iguape e São Vicente (depois Vila de São Vicente). Que o Bacharel Mestre Cosme Fernandes foi o fundador do povoado de São Vicente e que depois foi elevada a Vila por Martim Afonso de Sousa, são fatos que não deixam mais dúvidas.
São Vicente antes de Martim Afonso
Desse constante navegar de armadas espanholas e portuguesas, principalmente nas águas austrais, resultaria o estabelecimento de muitos europeus na região de São Vicente e na própria ilha, lugares extremamente favoráveis à fundação de feitorias e do povoado, já que os índios que povoavam a região se mostravam amistosos. A região de São Vicente é relativamente próxima do Rio da Prata, considerado na época como lugar de muitas riquezas, ou como caminho par atingir o fabuloso império Inca. Portanto era São Vicente um local altamente estratégico para a conquista do Prata.
Outro fator que fazia de São Vicente um ponto de interesse tanto para Portugal quanto para a Espanha, era a proximidade ao ponto final da linha divisória estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, que dividia o continente sul-americano, determinando o limite entre as posses portuguesas e espanholas, limites estes, que só foram resolvidos com o Tratado de Madrid, ampliando o território do Brasil, no reconhecimento das conquistas realizadas no período que intermediava os dois tratados, pela ação dos bandeirantes.
Além destas razões, a existência do seu porto e povoado ali fundado pelo Bacharel Mestre Cosme Fernandes, fez de São Vicente um excelente lugar amplamente recomendável para o abastecimento de mantimentos das armadas itinerantes que demandavam o Rio da Prata à Índia, ou o norte do continente e mesmo a Europa.
Era, por conseguinte, um ponto chave, que justificaria exaustivamente o interesse de Portugal, em estabelecer em 1532 a primeira vila do Brasil, começando por São Vicente, o povoamento efetivo do país, através da ação de Martim Afonso de Sousa.
Outras motivações foram expostas, na medida em que foi desenvolvido este trabalho. Esta pequena explanação está fundamentada ao longo do que já foi exposto por nós, pois fica difícil aceitar opiniões, em que a existência de São Vicente (vila) nasceu de um capricho de Martim Afonso e do rei de Portugal, do acaso, ou finalmente de um fenômeno da natureza.
Os mais antigos moradores de São Vicente
Desse constante navegar dos mares do sul do continente americano à procura de novas terras a serem descobertas, novas riquezas a serem exploradas, resultaria o estabelecimento de muitos europeus, náufragos, aventureiros, desterrados ou degredados, na ilha de São Vicente e região adjacente e geograficamente próxima da disputada região do Prata e da confusa linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas.
Entre estes europeus estabelecidos em São Vicente, ou que tiveram de alguma forma importância para a sua história inicial, muitos nos são desconhecidos, não tendo os seus nomes chegado até nós. Ainda assim a história nos transmitiu a existência de muitos deles, moradores da região e Ilha de São Vicente, de cinco a trinta anos antes da vinda de Martim Afonso de Sousa, que destacamos como sendo os principais, devido à sua participação na história inicial de São Vicente – povoado – e nos acontecimentos subseqüentes à chegada da armada Afonsina (que começaria o povoamento regular do Brasil, dando legalidade efetiva à ocupação das terras brasileiras, estabelecendo a lei, a justiça e a administração pública, ao ser o povoado de São Vicente elevado à Vila e realizada a primeira eleição das Américas).
Entre estes, contam-se com os principais: o Bacharel Mestre Cosme Fernandes, e/ou Duarte Peres ou Perez, nome com o qual é identificado pelos historiadores hispânicos, Gonçalo da Costa (genro do Bacharel), Pero Capico, Francisco de Chaves (outro genro do Bacharel), Henrique Montes, Melchior Ramirez, Aleixo Garcia, Rui Mosquera, Antonio Rodrigues, João Ramalho, Diogo Braga e seus cinco filhos (João, Diogo, Domingos, Francisco e André Braga), Antonio Ribeiro e Pedro Eane. Além destes, os que mais tiveram relação com o porto e o povoado de São Vicente ou sua região, podemos citar D. Rodrigo de Acuña, remanescente da armada de Garcia Jofre de Loyasa, em caráter temporário, e os quinze espanhóis, sobreviventes da armada de Solis e outros navios de Caboto, trazidos depois por Martim Afonso da região de Iguape e que, como diz Rocha Pombo, “não se sabe se foram depois para Piratininga, ou se tomaram o rumo do Paraguai”. (Rocha Pombo – obra citada, V.III, pág. 53).
Citamos em geral os povoadores europeus efetivos ou temporários em São Vicente. Faremos agora uma explanação a respeito de alguns dos mais atuantes, historiando o que nos foi possível levantar, com relação a cada um deles. Para explicar melhor alguns fatos que podem esclarecer alguns atos de Martim Afonso, ao dar início, em 1532, ao povoamento regular de São Vicente e do Brasil, começaremos com Gonçalo da Costa, genro do Bacharel Mestre Cosme Fernandes.
Segundo alguns historiadores, Gonçalo da Costa teria vindo para São Vicente em 1510, onde por volta de 1520 uniu-se a uma das filhas do Bacharel, a quem já encontrou em terras vicentinas, quando da sua chegada, tornando-se braço direito em todos os empreendimentos do Bacharel. Gonçalo da Costa passou dez anos aproximadamente em São Vicente e durante esse tempo percorreu toda a costa sul do Brasil, tornando-se um dos maiores conhecedores e exploradores da região do Prata (Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (V. XXIX, pág. 154). Resolve voltar a Portugal e para isso obtém passagem a bordo da “Nossa Senhora do Rosário”, nau capitânia de Diogo Garcia de Moguér, em 1530, que viera, segundo Southey, com um galeão, uma pinaça e um bergantim, trazendo como piloto Rodrigo de Aires.
A viagem de Gonçalo da Costa, segundo diversos historiadores, entre os quais Francisco Martins dos Santos (em “História de Santos”, V. I, cap. III, pág. 18, 2ª. Ed.-1986), prendia-se a uma intimação que recebera seu sogro, o Bacharel, para abandonar a região de São Vicente, retirando-se para Cananéia, ou seja, o lugar designado para cumprir a sua pena de degredo. Ainda hoje não se sabe de quem partiu a ideia que visava, evidentemente, espoliar o Bacharel, do fruto do seu trabalho e do mérito de suas alianças com os índios da região.
Alguns acreditam que a ideia teria partido de intrigas de Henrique Montes, invejoso do Bacharel, partindo para Portugal pouco antes de Gonçalo da Costa, embora não apresentem nenhuma prova documental que fundamente estas afirmativas. Nessa época eram boas as relações entre o Bacharel e os capitães Pero Capico e depois Antonio Ribeiro (1º e 2º capitães de São Vicente), não existindo base, portanto, para se levar a sério tais afirmativas sobre a “traição” de Henrique Montes ao Bacharel. As relações do Bacharel com as autoridades portuguesas eram boas, visto que desde 1517 São Vicente, junto com Itamaracá, foi declarada capitania. São Vicente foi fundada por ele logo nos primeiros anos de seu degredo onde Pero Capico foi capitão durante dez anos, conviveu e enriqueceu, sem contratempos, com o Bacharel e sua gente.
Com relação a esta viagem de Gonçalo da Costa, comenta Herrera em “História General de las Índias Occidentales”, (ed. De Anvers, 1721, Cap.VI, Década IV, liv. 10, pág. 431 / 432: “...fué informada la reyna, que el Rey de Portugal habia escrito a Sevilla a um português llamado Gonçalo de Acosta, que habia muchos años em la província del Brasil, entre los índios, y se vino.....a Castilla, ofreciendole seguro y merced, porque fuese a Lisboa, etc.....le rogaron que fuese em una armada que se despachava para aquellas partes haciendole crecidos partidos y que por no dejarle volver a Sevilla, para llevar su mujer e hojos para dejarlos en Portugal, se ausento sin que le entendiese...” Ainda que através de outra interpretação, o que dá mais força ao depoimento, nota-se que o rei de Portugal mandou chamar da Espanha a Gonçalo da Costa, chegado recentemente, não porque fosse conhecedor das terras do Brasil, mas para decidir com ele em definitivo, se devia usar de outros meios para obrigar o Bacharel, seu sogro, a cumprir a ordem de voltar para Cananéia, lugar de seu degredo, deixando São Vicente para o povoamento que ia ser praticado, ou se ele faria isso espontaneamente.
Poder-se-ia supor que o rei queria saber também se Gonçalo da Costa aceitaria, dado o seu prestígio entre as tribos do sul do Brasil e o seu conhecimento de toda a região austral, ser o chefe da armada que estava pronta no Tejo, e que se destinava, principalmente, àquele povoamento e à exploração do Rio da Prata. Evidentemente devido à amizade e à fidelidade de Gonçalo da Costa a seu sogro, o Bacharel, motivaram a recusa de Gonçalo da Costa e a sua retirada apressada de Portugal, temendo ser detido, como se conclui na declaração de Herrera: “se ausento sin que nadie lo entendiese”. Na mesma viagem de Gonçalo de Costa, ia também o Capitão Rojas, seu protegido contra a raiva de Caboto.
Henrique Montes, um dos sobreviventes da expedição de Solis, amigo de Gonçalo da Costa, embarcara pouco antes deles, num dos navios de Caboto. Desta forma, parece que o início de um dos capítulos mais significativos da história inicial de São Vicente e que só terminaria nos anos de 1534 ou 1535. Tanto parece exato, que, Martim Afonso de Sousa, assumiu o comando da frota (a chamado expresso do Rei, na última hora), comando este que teria sido de Gonçalo da Costa. Nessa frota, Henrique Montes era nomeado prático da região e provedor dos mantimentos, e ainda mais: chegando a São Vicente, Martim Afonso de Sousa doou-lhe as terras de Jurubatuba e Ilha Pequena, o que evidenciaria o pagamento pela suposta traição, esquecendo os acusadores, que ele não era o único morador de São Vicente, que vinham na mesma armada Pero Capico e Pero Eanes.
Gonçalo da Costa chega a San Lucas de Barrameda em fins de agosto de 1530, dirigindose para Sevilha, onde a chamado rei, foi encontrá-lo, fato citado por Herrera, atendendo ao pedido do rei, o que era quase uma ordem de D. João. Dirigiu-se a Portugal, onde deu largas explicações, não só do Bacharel, como sobre os habitantes daquela região e do povoado de São Vicente e das expedições que ali aportavam clandestinamente ou não, quase sempre a caminho do Rio da Prata. Presumindo-se que ignorava, entretanto, quais as intenções do rei, e ao receber dele o convite para chefiar uma armada já pronta, quis saber qual a missão que deveria cumprir. Ao saber o que dele se esperava, pediu alguns dias para pensar, prazo este que aproveitou para voltar à Espanha, onde ficaria a serviço do rei, e “a cujas armadas serviria com invulgar destemor”, a ponto de participar da armada de 1º de setembro de 1534, com quem foi Pedro de Mendoza, para colonizar e fundar Buenos Aires.
Em seu trabalho “A expedição de Martim Afonso de Sousa”, diz o comandante Eugênio de Castro, na página 51, em nota ao texto, que Gonçalo da Costa, de 1535 a 1537, voltou ao Rio da Prata e visitou a costa brasileira, com a armada de Pedro de Mendoza, destinada à fundação de Buenos Aires. Em 1540 esteve na mesma costa, por ordem de Cabeza de Vaca. Parece ter vindo na armada de Sanabria, mas certamente andou embarcado na Flotilha composta de uma nau e dois bergantins destinados ao Rio da Prata em 1555. Acabou seus serviços para a Espanha, quando morreu na frota de 1559, mandada por Rusquim, dispersa por temporal na altura da Ilha de São Domingos e, assim, longe da costa sul-americana de que fora tão prestimoso informante para a Corte Espanhola e a Casa de la Contratación. Comenta ainda o autor, na mesma obra, à página 17, que Henrique Montes, ao contrário, que até então servira à Espanha nas armadas de Solis e de Caboto, e tivera residência no Porto dos Patos, mal chegado a Guadalquivir na armada Cabotina, desertou das terras espanholas e buscou Portugal, sua pátria, onde foi confiantemente acolhido. E, mais breve do que Gonçalo da Costa, tornou à terra brasileira na Armada de Martim Afonso de Sousa.
Depois da fracassada viagem de Gonçalo da Costa e a Portugal em fins de 1530, não houve por parte do rei D. João III respeito ou consideração, aos trinta anos de desterro e lutas passadas pelo Bacharel – Fatos mencionados pelo Bacharel, mais tarde, a Rui Mosquera, em desabafo, quando buscou refúgio em Iguape, depois de 1532, pressionado por Martim Afonso, sem considerar o patriotismo revelado durante todos aqueles anos, em que nunca deixara de ser português, mantendo a posse de Portugal, em regiões em que os espanhóis acreditavam pertencer à Espanha, como se pode constatar no depoimento de Alonso de Santa Cruz, de 1530, quando declara no seu “Yslário”: “Estas ilhas (São Vicente e Santo Amaro), os portugueses crêem ficar no continente que lhes pertence, dentro da sua linha de partilha; eles porém se enganam, segundo está averiguado por criados de Vossa Majestade com muita diligência... de maneira que a linha não termina no ‘puerto de San Vicente’ e sim mais para o oriente, num ponto chamado Sierra de San Sebastian...”“.
Verificada a recusa não declarada de Gonçalo da Costa às propostas do rei, e a sua retirada para a Espanha, o rei de Portugal se apressou em escrever a Martim Afonso de Sousa a carta de 20 de setembro (seguidamente à conferência com Gonçalo da Costa), ordenandolhe que viesse para Lisboa, a fim de chefiar a armada que já estava pronta, necessitando apenas de alguns acertos finais. Ele deveria começar o povoamento oficial da terra do Brasil, fundando vilas e povoados “no lugar mais acomodado que lhe parecesse” (recomendação esta que escondia sua deliberação de ocupar o povoado de São Vicente, ainda que à força, expulsando o seu dominador, o Bacharel, tornando-a vila e repartindo terras entre todos os que quisessem ficar habitando no país).
Segundo alguns historiadores, a prova da traição de Henrique Montes seria a “pressa” com que o rei D. João o nomeou Provedor dos Mantimentos da armada de 3 de dezembro de 1530, visto que a sua nomeação foi feita em carta de 16 de novembro desse ano, assinada em Lisboa, dias antes da nomeação do próprio Martim Afonso para chefe da mesma armada, o que só se daria pelas cartas de D. João datadas de 20 de novembro de 1530, da Vila de Castro Verde (Chancelaria de D. João III-liv.43, fls.130V) e “História da Colonização Portuguesa do Brasil”, v.III, pág. 125).
A sua morte, ocorrida em 1534, quando do ataque das forças de Iguape a São Vicente é apresentada como prova final da sua traição ao Bacharel, sem que os acusadores levem em conta o combate entre as forças de Mosqueira e os moradores da Vila. Por outro lado, ninguém relaciona a sua morte com a fuga de Paulo Adorno para a Bahia, acusado de matar um português nesse mesmo ano. Os acusadores parecem não duvidar.
A resolução do rei era de destruir a quem quer que se atrevesse a fazer oposição à sua vontade ou às ordens que Martim Afonso levaria, visto que mandou armar fortemente a expedição, em que “van quatrocientos hombres, sin otros muchos que voluntariamente se embarcaron, para poblar y edificar algunas fortalezas em los puertos, para eso llevaron mucha artilleria, y que desde el puerto de San Vicente, que era de su distrito pensavan entrar por tierra, ao Rio de la Plata...y que ivã em ella Enrique Montes, que havia muchos años que estava em aquellas partes...” (Antonio Herrera – “Historia General de las Índias Occidentales”- Edição de Anvers-1725, cap. 6º-Década IV- Livro 10º pp – 431 / 432).
Desta forma Gonçalo da Costa encerrou o período de suas atividades em São Vicente. Foi um notável português que negociava escravos em larga escala no primitivo povoado, que construía embarcações no estaleiro de seu sogro, o Bacharel, e que fora um dos melhores auxiliares na fundação do primeiro núcleo civilizado do Brasil.
Somente o rei de Portugal conseguiu derrubar aqueles homens e seus companheiros, coisa que os próprios espanhóis não haviam conseguido dominar, nas terras que eles consideravam do domínio português. Estes fatos levam, sem dúvida, estes homens que sempre demonstraram fidelidade a Portugal, a voltar-se contra os desígnios do rei D. João III, passando a servir os interesses da Espanha.
Não consta, documentalmente, se Gonçalo da Costa noticiou ao Bacharel, a respeito dos acontecimentos da sua estada em Portugal, após a sua chegada da Espanha, a convite de D. João III, e do que o rei esperava que ele fizesse, mas devemos supor que, de alguma maneira, ele se comunicou com o Bacharel Mestre Cosme Fernandes, já que este estava prevenido quando a armada de Martim Afonso em 1531 lançou ferros no ancoradouro de Bertioga. Se nessa ocasião ele resolveu se retirar para Cananéia, decerto foi porque não poderia contar com o apoio de Antonio Rodrigues e João Ramalho, seus companheiros de tráfico de escravos indígenas em São Vicente.
Também é provável que tenha recebido, tanto quanto possível, a ordem de retirar-se de São Vicente para o seu lugar de degredo – Cananéia – assim como o relato dos acontecimentos relativos à viagem de Gonçalo da Costa, pelo Capitão de São Vicente, Antonio Ribeiro, trazido alguns anos antes à capitania pelo Governador da Costa do Brasil, Cristóvão Jaques. Também é provável que o Bacharel Mestre Cosme Fernandes tenha recebido a ordem de retirar-se de São Vicente, pelo Capitão Antonio Ribeiro, assim como o relato dos acontecimentos na Espanha e Portugal, referentes a Gonçalo da Costa.
As notícias da invasão de São Vicente pelas tropas de Rui Mosquera, ou “os de Iguape”, ocorrida depois da partida rumo a Portugal, do Capitão Martim Afonso, a morte de Henrique Montes durante este ataque (alguns opinam que estas forças de Iguape estariam formadas por tropas de Mosquera e do Bacharel, inclusive com a presente deste último), são, a nosso ver, infundadas, não existindo nenhuma referência documental. Inclusive nas escrituras passadas em São Vicente depois destes fatos, não existem referências (repetimos, nenhuma referência) da participação do Bacharel, e sim mencionam sempre “os de Iguape”, quando se referem à falta dos livros de registro de terras ou da Câmara. Sobre estes fatos ainda trataremos mais à frente, de maneira a esclarecer um pouco mais aos que se derem o trabalho de ler estes escritos.
Bacharel Mestre Cosme Fernandes.
Os historiadores espanhóis, em geral declaram que o Bacharel se chamava Duarte Peres (ou Perez). Outros estudiosos chegam nas suas suposições a identificá-lo com Antonio Rodrigues e João Ramalho, sem considerar que estes continuaram a morar em São Vicente ainda por muitos anos depois da chegada de Martim Afonso, e nunca se soube, em tempo algum, que eles fossem bacharéis. Na escritura lavrada por Antonio de Oliveira, segundo capitão-mor de São Vicente, e lavrada a 25 de maio de 1542 em favor de Perro Correia, pode-se notar a menção ao Bacharel como proprietário de terras defronte ao Tumiaru, onde estavam instalados os estaleiros ou arsenais e o Porto das Naus, que transcrevemos parcialmente o dito documento:
“Antonio de Oliveira, capitão e ouvidor com alçada pelo Sr. Martim Afonso de Sousa, governador desta capitania de São Vicente, na costa do Brasil, etc... Faço saber aos que esta minha carta de confirmação virem, como Pedro Correia, morador n’esta Vila de S. Vicente, me foi feita uma petição em que diz que por Gonçalo Monteiro, que aqui foi capitão, lhe foram dadas umas terras da outra banda desta ilha, que é o porto das naus, terra que era dada a um Mestre Cosme, Bacharel, e outra d’onde chamam de Perohibe... as demarcações delas, as quais eu, escrivão dou fé e digo ser verdade, que no dito livro do tombo são duas cartas registradas da terra que Gonçalo Monteiro, sendo capitão, deu ao dito Pedro Correia, e partem em esta maneira: a 1ª. Que foi dada, que é defronte desta Ilha de S. Vicente, que era antes dada pelo Governador a um Mestre Cosme Bacharel, que o dito Pedro Correa houve por devolutas...n’esta Vila de S. Vicente, aos 25 de maio de 1542. – Antonio de Oliveira.” (J. J. Ribeiro, em “Cronologia Paulista”- V. I. Transcrição à pág. 342).
Por este documento sabemos que em 1533/1534 o Capitão-mor e vigário Gonçalo Monteiro as concedeu mediante uma primeira escritura pública, onde declara que antes da administração e governo de Martim Afonso, essas terras haviam pertencido a um Bacharel Mestre Cosme. Evidentemente esse Bacharel é o mesmo personagem descrito por Diogo García de Moguer e Alonso de Santa Cruz, de 1526 a 1530, habitando o mesmo local, com o povoado de São Vicente, a sua fortaleza de pedra, o estaleiro ou arsenal, e seu grande tráfico de escravos (que Pero Correa continuaria nos mesmos locais), em sociedade com seus genros Gonçalo da Costa e Francisco de Chaves, sendo evidente que é o mesmo Bacharel de Iguape e Cananéia que, tendo sido intimado pelo rei de Portugal, abandona São Vicente, para voltar a seu lugar de degredo, Cananéia (1501 / 1502), onde seria encontrado por Martim Afonso (1531). Não há notícia de outro Bacharel na nossa primitiva história, no que concerne à parte sul do Brasil, principalmente do Rio de Janeiro até o Rio da Prata.
O Governador a que a escritura de 1542 faz referência e que dera as terras em causa ao Bacharel, não era outro, senão Cristóvão Jacques, enviado como governador das terras ou costas do Brasil, em 1516/1517, ano em que São Vicente e Itamaracá são transformadas em capitanias. Nesse mesmo ano Cristóvão Jacques deixa Pero Capico, como Capitão de São Vicente, onde ficaria até 1527, quando é substituído por Antonio Ribeiro. Demonstra pois este documento, que São Vicente tivera antes da chegada de Martim Afonso, dois Capitães, e naturalmente um governador Itinerante ou Geral, este último sediado em Itamaracá.
Pelo exposto, fica bastante clara a existência e identidade do Bacharel Mestre Cosme Fernandes, sendo que, na explanação a seguir ficará esclarecido que realmente foi este Bacharel, o fundador do povoado de São Vicente, elevado em 1532 à condição de Vila, por Martim Afonso de Sousa.
O Bacharel Mestre Cosme Fernandes, segundo alguns historiadores, era homem de ilustração e fidalguia (Ruy Diaz de Gusmán, em “Argentina”, Rocha Pombo em “História do Brasil”, V. III pp 152/153). Segundo alguns, a fidalguia é discutível, pelo fato de ser judeu, o que também não está bem esclarecido, ainda que muitos judeus tenham sido feitos fidalgos pelos reis de Portugal, sendo que, um dos casos mais notórios seja o de Gaspar da Gama ou das Índias, que D. Manuel agraciou com esse foral, em retribuição aos grandes serviços prestados a Vasco da Gama e a Portugal. Foi punido com o degredo pelo rei D. Manuel, por causa de algum crime político e/ou religioso, ou de outra ordem (fato ainda não esclarecido), mas talvez o de “falar demais coisas que não convinham ao Estado, não servia à política do reino”, como declara Ruy Diaz de Gusmán. Como já vimos, o Bacharel veio na armada de André Gonçalves e Américo Vespúcio, sendo deixado em Cananéia, local considerado na época, pelos portugueses, como último ponto dos territórios de Portugal.
A denominação CANANOR que aparece no perfil geográfico de Ptolomeu deve ser interpretada como CANANÉIA que significa “lugar dos judeus ou judeu”, de Cananeu, como eram chamados os judeus, o que quer dizer que o Bacharel deixado podia realmente ser judeu ou judaizante e de real importância. Com esse batismo André Gonçalves e Vespúcio firmavam e positivavam o fato da sua deixada naquele lugar predeterminado, que Pero Lopes, em seu “Diário”, revela já saber que se chamava Cananéia.
O “Diário” de Pero Lopes é muito claro quanto à vinda do Bacharel ao lugar de degredo.
“E fazendo o caminho de sudoeste demos com hua ilha. Quis a Nossa Senhora e a bemaventurada Santa Clara, cujo dia era, que alimpou a néboa, e reconhecemos ser a Ilha de Cananéia... Por este rio arriba mandou o Capitam J. hum bergantim, e a Pedro Annes, que era língua da terra, que haver falla dos índios. Quinta-feira, dezessete dias do mez d’agosto (1531) veo Pedro Annes piloto no bergantim, e com elle veo Francisco de Chaves e o Bacharel, e cinco ou seis castelhanos. Este Bacharel havia trinta annos que estava degredado nesta terra”.
A segurança desta referência de 1531, trinta anos para trás, era exatamente 1501, ano da vinda da armada de André Gonçalves e Américo Vespúcio. Verifica-se pelo confronto deste documento e as suas descrições com a escritura de 1542, em suas referências ao Bacharel Mestre Cosme Fernandes, que toda uma história longa e preciosa foi perdida ou extraviada (intencionalmente), segundo alguns historiadores. As razões disto é que não estão bem claras e só podem ser justificados na pessoa do Bacharel, em sua condição de degredado, de judeu ou envolvido em problemas políticos.
O Bacharel veio de Cananéia logo após ser abandonado (degredado), para estabelecer-se em São Vicente, por volta de 1503 ou 1504, sendo que a região vicentina via-se como mais propícia ao desenvolvimento das suas atividades, e na face ocidental da Ilha de São Vicente, protegida pela barra imprestável para a navegação de calado em lugar abrigado de surpresas marítimas, fundou o primeiro povoado do Brasil, em condições de ser Vila (os outros dois povoados fundados por ele, Cananéia e Iguape guardam as mesmas características, cujo porto de serventia situa-se do outro lado da ilha – lado oriental ou do nascente), a uma distância de sete ou oito quilômetros pelas praias, no estuário que Vespúcio e André Gonçalves denominaram de Rio de São Vicente, em 22 de janeiro de 1502.
O povoado de São Vicente, fundado pelo Bacharel Mestre Cosme Fernandes cresceu em importância, na medida em que o seu fundador crescia nas alianças com os indígenas da região, devido a seu casamento com uma das filhas do chefe Cacique dos Guaianazes, Cacique Piquerobi, que comandava as tribos da baixada.
Com o crescimento dos seus negócios e da sua fortuna, tudo no povoado prosperou, a ponto de fazer a fortuna de vários dos seus povoadores, tornando-se São Vicente um dos centros de maior importância para a época.
Foi descrito por Diogo Garcia de Moguér e Alonso de Santa Cruz em seus depoimentos de 1526 a 1530, que se consolidam, como as mais completas informações que chegaram até nossos dias, com especial destaque para os informes de Alonso de Santa Cruz, primeiro oficial de Sebastião Caboto, que descreve o povoado da seguinte forma: “...nesta ilha tem os portugueses um povoado chamado São Vicente, de dez ou doze casas, uma feita de pedra, com seus telhados e uma torre para defesa contra os índios em tempos de necessidade, etc...”
Um dos fatos que chama a atenção é o duplo título usado pelo fundador de São Vicente, Iguape e Cananéia – Bacharel Mestre – hoje conhecido pelo nome completo: Cosme Fernandes Pessoa, como já é tratado no seu trabalho de 1895, de autoria de Ernesto Guilherme Young, “Esboço Histórico da Fundação da Cidade de Iguape”, em revisa do Instituto Histórico e Geográfico e São Paulo, V.I, 1895, PP. 49 a 101, e “Histórias de Iguape”, mesma revista, 1903, V. III, pp. 222 a 375. Neste trabalho à pág. 229, escreveu o pesquisador:
“Não precisamos lançar mão das tradições para saber que o primeiro habitante europeu em Iguape foi o Bacharel, desterrado em 1501, e há tantos documentos comprovando que o primeiro possuidor de terras (excetuando os indígenas) era um homem de merecimento e ao mesmo tempo um grande criminoso que jamais poderia voltar ao seu país, era chamado Cosme Fernandes ou Cosme Fernandes Pessoa, que, fazendo uma simples dedução racional destes documentos, somos obrigados a acreditar que este grande criminoso Cosme Fernandes seja o mesmo Bacharel desterrado”.
Parece que o Bacharel tinha necessidade de resguardar a sua verdadeira identidade, aparecendo sempre com seu título de graduação social. Daí ser tratado, na maior parte dos documentos, que a ele fazem referência como Bacharel, apenas, ou Bacharel Mestre, aspecto enigmático da sua vida, que somente agora vai sendo esclarecido, na medida em que aparecem novos documentos, à luz do conhecimento público.
Na tentativa de esclarecer este aspecto, o historiador Francisco Martins dos Santos, na sua obra “História de Santos”, 2ª. Edição, 1986, Ed. Caudex, lº volume, pap.III, pp.20/21, fundamenta-se no trabalho de Frei Joaquim de Santa Rosa do Viterbo, “Elucidário das palavras, termos e frases que em Portugal se usaram e que hoje regularmente se ignoram - Obra indispensável para entender sem erro os documentos mais raros e preciosos que entre nós se conservam”, 1ª. Edição – Lisboa, 1798 / 1799, 2 vis. 2ª. Edição – Lisboa, 1865/2 vis. Por fim o historiador Francisco Martins dos Santos nos dá a seguinte conclusão: “Tomando por base os poucos casos existentes e a transformação mais tarde sofrida pelo duplo título – BACHAREL MESTRE – temos, então, que BACHAREL MESTRE COSME FERNANDES PESSOA, equivaleria a PADRE MESTRE COSME FERNANDES PESSOA, como vimos tocar um dia ao nosso Frei Gaspar da Madre de Deus, chamado por extenso: DOUTOR PADRE MESTRE JUBILADO”.
O título PADRE MESTRE teve grande uso no correr dos séculos brasileiros e chegou até os nossos dias, dado a grandes sacerdotes, formados em teologia, professores, ou de grande saber, e finalmente a Padres Professores, até do Primário “, continua o historiador no seu versado estudo até chegar no seguinte trecho onde conclui:
“A existência de dezenas de padres judeus ou judaizantes no Peru e no antigo Reino Nova Granada, demonstra que o degredo do PADRE MESTRE BACHAREL MESTRE COSME FERNANDES, com a rigidez e dureza da sua perpetuidade, bem podia ter sido causado pela apuração do seu judaísmo, numa época em que se processavam as primeiras e grandes perseguições religiosas do reinado de D. Manuel (1501)”.
Outra explicação estabelece que talvez devido ao título de Mestre, usado pelo Bacharel, seria de graduação maçônica, suficiente para ser degredado em 1501. Nesse tempo a Maçonaria Judaica defendia, reunindo os perseguidos e os que lutavam contra as perseguições e os confiscos, na Espanha e em Portugal, onde para poder continuar a sua luta, utilizavam diversos sinais secretos que permitiam o reconhecimento mútulo entre os diversos elementos da maçonaria judaica e seus diversos graus. Nesses casos, os maçons dos diversos graus se reconheciam através de toques rituais, de palavras cabalísticas mudadas constantemente, utilizando diversos alfabetos quando se correspondiam.
Eram muitos os maçons judaicos que habitavam o Brasil nos primeiros cem anos de sua história. Ainda hoje podemos observar nas suas assinaturas conservadas nos documentos históricos, públicos e particulares, diversos desses sinais utilizados, hebraicos, fenícios ou gregos. O próprio João Ramalho, cujo judaísmo até hoje é objeto de discussão, utilizava na sua assinatura o BETH, 2ª. letra do alfabeto hebraico. Isso explicaria talvez, porque João Ramalho vivia no campo, no planalto, à distância do Bacharel Mestre Cosme, outro possível graduado maçônico, talvez em grau equivalente, ao qual ele não podia subordinar-se.
O silêncio oficial mantido a respeito dessa grande e marcante figura da nossa história, teria a justificativa de tratar-se de um padre ou cônego português expulso para o Brasil, como elemento judaizante ou maçom judaico de grau elevado, fato que nunca se verificou depois disso, em toda a história do Brasil.
A circunstância de caber à Igreja a censura dos livros como um dos seus privilégios mais rigorosamente exercidos e de conceder as “imprimatur” finais pelos censores do Santo Ofício, reunido isto ao fato do grande sigilo e silêncio verificado neste caso do Bacharel, deixa a forte impressão de estar realmente ligada às revelações do “Elucidário” de Frei Viterbo. Nenhuma publicação sujeita à antiga censura da Igreja, faz alusão à possível origem ou posição social desta importante figura da nossa história inicial, e muitos nem fazem menção aos fatos, nem ao seu nome. Seria, pois, padre judaizante o fundador de São Vicente?
Em relação à polêmica levantada por diversos historiadores sobre os títulos utilizados por Cosme Fernandes Pessoa, de Bacharel e Mestre, e em que se chega a conclusões um tanto quanto desconcertantes como títulos de maçonaria, ou condição de padre, achamos interessante que, apesar de, nos seus trabalhos ter sido mencionada a carta de Mestre João, participante da armada de Pedro Álvares Cabral, no seu “Descobrimento do Brasil”, carta esta enviada juntamente a Portugal com a carta de Pero Vaz de Caminha em 1500, não tenham, esses historiadores se apercebido que o Mestre João se intitula: Bacharel Mestre. Sendo que este Bacharel Mestre João era contemporâneo do “nosso” Bacharel, poderiam pelo menos utilizar esta carta como elemento comparativo ou informativo no assunto em pauta. Esta carta foi publicada por diversas vezes. Dentre elas citaremos algumas como: “Alguns Documentos do Arquivo Nacional da Torre do Tombo” – acerca das Navegações e Conquistas Portuguesas – 1892 – pág. 122. Publicada por Varnhagen em 1845, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, e na sua “História Geral do Brasil”, I, 423, a carta do Mestre João saiu com a assinatura errada, Johannes Emenelaus (como escreveu Capistrano de Abreu no seu “O Descobrimento do Brasil”, 1883, 2ª.Ed., pág.53, Rio – 1929). A leitura paleográfica mostrou, em vez de Emenelaus, Bachalarius, seja João Bacharel, “Alguns Documentos da Torre do Tombo”, pág. 258, Lisboa – 1892.
Documento também citado por Francisco Martins dos Santos, em “História de Santos”, já citado e por Pedro Calmon em sua “História do Brasil, também já citado, este “Johannes artium et Medicine bachalarius” é, sobretudo, importante pela carta que de Porto Seguro mandou a D. Manuel em 1 de maio de 1500. Seria também cósmógrafo, que em Lisboa ensinava “Longitude de Leste a Oeste” a Mestre Diogo, e cujas lições Pedro Annes desejou ouvir conforme pedido que dirigiu ao rei em 1509. (Trata-se de documento publicado entre “Inéditos da Torre do Tombo”, por Frazão de Vasconcelos, in Petrus Nonius, fasc.I, pág. 110, Lisboa – 1937. Vide também do mesmo autor, “Pilotos das Navegações Portuguesas dos Séculos XVI e XVII”, pág. 50, Lisboa – 1942: “... o dito Mestre Diogo ora veio a aprender a sonsacar.” (sonsacar, solicitar).
Na publicação “Os Primeiros 14 Documentos Relativos à Armada de Pedro Álvares Cabral”, Edição de Joaquim Romero Magalhães e Susana Münch Miranda, Lisboa - 1999. A carta de Mestre João começa assim:
“Senhor, O Bacharel Mestre Johann, físico e cirurgião de Vossa Alteza beija vosas reales manos... etc”.
E termina com o seguinte texto:
“Do criado de Vossa Alteza e vosso leal servidor” Johannus artium e medicine bachalarius”. Não queremos dizer com este exemplo, que o “nosso” Bacharel fosse médico ou cirurgião, como era o caso do Mestre João, o que queremos dizer é que o título de “Bacharel” não era necessariamente um título de maçonaria ou padres, e que como no caso apresentado podia, perfeitamente, corresponder a um título acadêmico, tal como em nossos dias.
Quanto ao título de “Mestre”, são múltiplos os exemplos que se encontram ao longo da história, onde nos deparamos com a sua aplicação, a diversas atividades profissionais, desde arquitetos, navegantes e pedreiros, marceneiros e tantos outros exemplos. Portanto, não nos prolongaremos mais neste particular. Apresentamos as fontes, para quem quiser se aprofundar nesse assunto.
As filhas do Bacharel com o correr do tempo, foram se unindo a outros moradores do povoado, portugueses e espanhóis, onde resultaria a sua boa relação com os castelhanos – e daí o grande número da sua gente e parentela, que toda abandonou São Vicente, acompanhando o Bacharel de volta para Cananéia, por ocasião de sua expulsão em 1531.
A respeito das suas atividades e patriarcado em São Vicente, nenhum documento chegou, melhor do que o relato de Diogo Garcia de Moguér. A carta deste navegante ao rei da Espanha, datada de 1527 e conhecida como “Memória de la Navegación”. Por este documento é possível, hoje, se fazer uma avaliação do grande comércio de escravos (índios), que se realizava, através do Porto de São Vicente, e também que o Bacharel e seus genros, Gonçalo da Costa, Francisco Chaves e outros, ainda deviam ser muito ricos, certamente participantes do tráfico de escravos e seguramente com ligação com Antonio Rodrigues e João Ramalho. O documento relata:
“Memoria de la navegación que hice este viage en la parte del mar oceano desde que salí de la ciudad de La Coruña, que alli me fué entregada la armada por los officiales de S. M. que fué en el año de 1626”. (Mello Moraes – “Cronografia Histórica” – 1886, pá. 150 – transcrição integral)
“... 1526 – E de aqui fuemos a tomar refresco en S. Vicente que esta em 24 grados, e alli vive um Bachiller y unos yernos suyos mucho tiempo ha que há bien 30 años e alli estuvimos hasta 15 enero del año siguiente de 27 e aqui tomamos mucho refresco de carne y pescado y de las vituallas de la tierra para provisión de nuestra nave, e água e lema e todo lo que ovimos menester, e compre de un yerno deste Bachiller un bergantín que mucho servicio nos hizo, y más el propio se acordo con nosotros de ir por lengua al rio (da Prata) y esteBahiller com sus yernos, y hicieron comigo uma carta de fletamiento para las traer em España con la nao grande “ochocientos esclavos”, e y ola hice con acuerdo de todos mis oficiales e contadores e tesoreros que allegando em el rio mandasemos na nao porque la nao no podia entrar em el rio que era mui grande, y elos no quisieron sino hacermela llebar cargada con esclavos e aí lo hice que así la mande cargada com esclavos, poruq ellos no hicieron nen me dieron la armada que S. M. mando que me diesen, e lo que con ellos yo tenia capitulado concertado e asentado y firmado de S. M. pero antes hicieeron lo contrario que me dieron la nao grande e no conforme a lo que S. M. Mandava, e no la dieron en tiempo que les fué mandado por S.\M. que me la diesen em entrando Setiembre, y ellos me la diron medido Enero que no podia yo aprovechar della porque aqui V. M. lo verá por esta nevegación, y está una gente ali con el Bachiller que comen carne humana y es mui buena gente amigos muchos de los cristianos que se llaman Topies...”
Este documento nos dá uma boa ideia da força e variedade das atividades do Bacharel e seus genros. Os diversos produtos que eram comercializados, a existência de um estaleiro, onde eram construídos bergantins, a contratação de “línguas da terra”, o grande comércio de escravos. Tudo isso somado, configura a importância do povoado de São Vicente. Pode-se perceber que era um importante centro de abastecimento das armadas itinerantes, tanto daquelas que navegavam em demanda do Rio da Prata, como daquelas que iam rumo à Europa. É fácil dimensionar a importância e poder do Bacharel, fundador, organizador e mandatário de toda a região vicentina.
Comparando este depoimento (espanhol) com o de Pero Lopes (português), um dizendo que o Bacharel estava há trinta anos em São Vicente, e o outro afirmando que o Bacharel estava há trinta anos em Cananéia, evidentemente reafirma a idéia de que o dois era a mesma pessoa, apenas localizado em duas regiões diferentes e dois lugares, como já foi anteriormente explanado.
Com o relato de Diogo Garcia e o de Alonso de Santa Cruz, do qual faremos uma reprodução mais ampla, poderemos ter uma idéia mais completa e clara do que era o povoado de São Vicente, da vida e das atividades ali desenvolvidas, muito antes da vinda de Martim Afonso:
“Dentro do Porto de São Vicente há duas ilhas grandes habitadas por índios, e na mais oriental delas, estivemos mais de um mês ancorados. Na ilha ocidental os portugueses têm um povoado chamado São Vicente, de dez ou doze casas, uma feita de pedra com seus telhados, e uma torre para defesa contra os índios em tempo de necessidade. Estão providos de coisas da terra, de galinhas e porcos da Espanha e com muita abundância, e hortaliças”.
Alonso de Santa Cruz completa o relato com uma planta da região. Verificamos também que esteve com os navios de Caboto, que ele trazia, durante dois meses fundeados no Porto de São Vicente, na atual entrada ao Porto de Santos.
A existência e localização do povoado de São Vicente, onde está hoje a cidade do mesmo nome, está bem descrita e retratada, complementando a descrição de Diogo Garcia. Tratase do “Yslário” de Alonso de Santa Cruz, lº oficial de Sebastião Caboto, na transcrição do Comandante Eugênio de Castro na “Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, v. XXIX, pág. 150.
Podemos afirmar, diante do exposto, que sem o Bacharel e o povoado de São Vicente, com a sua infra-estrutura, com uma povoação estável e sua localização estratégica, perto do Rio da Prata e do ponto final do meridiano de Tordesilhas, que como sabemos, a sua localização no sul do continente era muito confusa, tanto para portugueses como para os espanhóis, o povoamento regular e oficial do Brasil não teria começado por São Vicente, e sim por outra região, como Itamaracá, em Pernambuco, onde havia uma feitoria criada por Cristóvão Jacques, tendo como feitor o Capitão Diogo Dias, trazido de Portugal pelo mesmo Cristóvão Jacques; ou pela Bahia onde estava desde muitos anos Diogo Álvares (o Caramuru), ou ainda por Cabo Frio, onde existia um grande centro de exploração de paubrasil.
Nenhum desses locais se apresentava com uma vida organizada, consolidada e fecunda, como aquela que o Capitão-mor Martim Afonso viria a encontrar em São Vicente. Com uma penetração no planalto, realizada por João Ramalho, em evidente articulação com o Bacharel, Martim Afonso não daria a São Vicente a sua preferência como capitão ou donatário, sem contar se as resoluções do rei de Portugal, e sim a um dos outros pontos do imenso litoral brasileiro.
Portanto, somadas todas estas evidências, fazem firmar ainda mais, o fato da escolha proposital do povoado de São Vicente, como ponto inicial para a realização do povoamento do Brasil, por parte de Portugal. Era pois São Vicente o local ideal para dar início a obra colonizadora, que marcaria para sempre a presença de São Vicente na história do Brasil Foi a primeira vila e foi ali que se realizou a primeira eleição das Américas e onde começou a nacionalidade brasileira.
Intimado por Martim Afonso, que fundeara em Bertioga, o Bacharel Mestre Cosme abandonou São Vicente aproximadamente em julho de 1531, dirigindo-se para a região de Cananéia, aonde veio a encontrar a armada de Martim Afonso em 12 de agosto, segundo descrição do Diário de Pero Lopes.
Ainda não foi provado, não havendo suficientes provas documentais com relação à passagem de Martim Afonso por Bertioga e o seu encontro com João Ramalho naquele ponto, cuja referência já se fez tradição.
Foi depois da chegada de Martim Afonso a Cananéia, que se teria verificado, segundo alguns historiadores, a primeira vingança do Bacharel, oculta sob o que poderia parecer uma infelicidade normal. Francisco de Chaves, genro do Bacharel, informa a Martim Afonso que, não muito longe dali, havia ouro em quantidade, a ponto de o novo capitão de São Vicente acreditar na informação, confiando-lhe 80 dos seus melhores homens, além do chefe (Pero Lobo). Esta expedição nunca mais voltaria das selvas. Pero Lopes, no seu “Diário” descreve o fato da seguinte forma:
“... o Francisco de Chaves era mui grande língua desta terra. Pela informaçam que d’ella deu ao Capitam, mandou a Pero Lobo com oitenta homens, que fossem descobrir pela terra adentro; porque o dito Francisco de Chaves se obrigava que em dez meses tornava ao dito porto, com quatrocentos escravos carregados de prata e ouro. Partiram desta ilha ao primeiro dia de setembro de mil quinhentos e trinta e hum os quarenta besteiros (*) e os quarenta espingardeiros”. (*) Besteiros = soldados armados de bestas (catapultas, arcos).
Preocupado em servir melhor ao rei, Martim Afonso mandou os seus homens nesta expedição, já que as notícias sobre a viagem de Aleixo Garcia nas proximidades dos Andes, portanto dos Incas, devia ser do conhecimento do capitão-mor e mesmo porque dentre os seus homens, estava Henrique Montes e Pero Capico, que tinham conhecimento desses fatos, principalmente Henrique Montes, como já vimos anteriormente, que foi companheiro de Aleixo Garcia em Santa Catarina.
Já para Francisco Martins dos Santos em sua obra já citada, seria desta maneira, a primeira manifestação da vingança do Bacharel, pela sua expulsão de São Vicente. Segundo a sua linha de raciocínio, Martim Afonso não desconfiou de uma cilada por parte do genro do Bacharel (Francisco de Chaves), e nem do próprio Bacharel. Martim Afonso, entusiasmado pela idéia de quatrocentos escravos carregados de prata e ouro, não teria percebido a suposta armadilha, o que nos parece ingenuidade demais, para um homem experiente, como ele.
Outro erro apontado seria a ordem de Martim Afonso, dada aos espanhóis, companheiros do Bacharel e que ali moravam (em Cananéia), que abandonassem o local e passassem a residir em São Vicente. A ordem era de caráter político e militar, e muito natural. Não convinha àquele grupo de espanhóis ficar em terra portuguesa desguarnecida e sem administração. Provavelmente estava preocupado com a presença de Rui Mosquera em Iguape, como também de Melchior Ramirez, ou mesmo do famoso Aleixo Garcia (cuja nacionalidade era duvidosa), capazes de aliciar muitas centenas de índios, pondo em risco o povoamento de São Vicente (ali bem próxima), e a soberania portuguesa do lugar.
Essa intimação (citada por vários autores), teria irritado os espanhóis, deixando-os predispostos a uma desforra. A oportunidade apareceria somente depois da volta de Martim Afonso para Portugal. O motivo foi, ao que parece, Rui Mosquera, companheiro de Caboto, que se recolhera em Iguape, acompanhado de vários patrícios. Segundo Rui Diaz de Guzmán em “La Argentina”, liv, I, cap. 8, repetido pelo Padre Charlevoix, que Rui Mosquera já havia dois anos lavrara o canavial na vizinhança de São Vicente, quando chegou o Bacharel, desgostoso dos portugueses, “pelo que falava com alguma liberdade mais do que devia.” O capitão da vila, Padre Gonçalo Monteiro, intimou-os a sairem em trinta dias. Nessa ocasião entrou em Cananéia uma nau francesa. Mosquera e os seus homens a tomaram de surpresa, armaram-se com o que nela encontraram e se fizeram fortes na sua posição. Assegura o Dr. Ernesto Young, em obra já citada:
“Não devemos entrar em controvérsias a respeito de ter sido ele (Rui Mosquera) ou outro qualquer que deu causa à guerra entre o povo de São Vicente e o de Iguape, no intervado de tempo decorrido de 1533 e 1537, porém devemos acreditar que esta guerra teve origem na ordem que Gonçalo Monteiro, Capitão-Comandante do Litoral, nomeado por Martim Afonso, intimando os moradores de Iguape a se reunirem em São Vicente, (ordem acatada pelo Bacharel, que volta para Cananéia). Esta ordem naturalmente não foi cumprida pelos espanhóis, por causa dos desacordos e preconceitos nacionais e, ao mesmo tempo, por causa das relações familiares existentes entre eles e os indígenas, que eram das mais íntimas”.
O Padre Gonçalo Monteiro, Capitão de Martim Afonso, sabendo o que estava acontecendo em Iguape, fez descer de Piratininga, onde se achavam (ao que parece) os dois cabos de guerra, Pero de Góis e Rui Pinto, homens destemidos e experimentados, investindo-os do comando das forças vicentinas, para atacar antes de serem atacados, o que parece ter sido um erro. A coluna, mista de portugueses e índios marchou sobre Iguape, mas foi infeliz. A vitória das forças de Rui Mosquera foi completa. Os de Iguape, contrariamente às expectativas dos expedicionários de São Vicente, estavam bem armados. Em número de oitenta, portugueses os atacaram. Conclui Gusmán, que Pero Góis foi ferido com uma arcabuzada, muitos ficaram prisioneiros, alguns morreram no campo de batalha e os castelhanos aproveitando esse desbarato, atacaram e saquearam a povoação de São Vicente.
A narração de Guzmán, da guerra de Iguape, está confirmada por vários documentos. Assim, a apostila de 29 de agosto de 1537 à carta de sesmaria de Rui Pinto, não havia em São Vicente livro do tombo, por “o haverem levado os moradores de Iguape”. Rui Pinto e Pero de Góis, os dois capitães da malograda investida, não tinham cumprido a ordem de Martim Afonso, quanto à perseguição dos índios dos campos de Curitiba, por estarem ocupados com os de Iguape, consta numa ata da Câmara de São Paulo. (cit.Varnhagen, op.I, pág. 201).
Animados com a vitória e confiantes na sua superioridade, seguiram as forças de Rui Mosquera, por terra e por mar (no navio francês capturado), caindo sobre São Vicente, matando, queimando, saqueando e destruindo, desde a Vila até o Porto de São Vicente (situado na atual Ponta da Praia), onde pilharam trapiches e navios ali fundeados. (Rocha Pombo em “História do Brasil”, vol III). Durante esse ataque morrera Henrique Montes, para alguns o traidor do Bacharel.
Segundo o historiador Pedro Calmon, em “História do Brasil”, vol. I, pág.177, depois disso não há mais sinal do homem misterioso de Cananéia. Rui Mosquera seguiu para Santa Catarina. Dois anos depois da pilhagem em São Vicente de 1534, a rainha da Espanha lhe escrevia, encarecendo o seu auxílio à missão de Gregório de Pesquera, que foi inspirada pelos receios causados pelos aprestos, em Viana, da frota de Pero do Campo Tourinho. A carta da rainha ao Bacharel, em 1536 considerava incontestável o litoral vicentino, dentro da jurisdição espanhola, e estimava-se a sua colaboração. Expressava-se assim:
“Real cédula al bachiller de la Cananea para que preste su ayuda a Gregório de Pesquera, Valladolid, 9 de setiembre de 1536. La reina...bachiller... que residia en la Cananea que es en la tierra que hay en la del Rio de La Plata, sabe que yo hé mandado tomar cierto asiento e capitulación con Gregório de Pesquera Rosa sobre el hacer e crear e grangear cierta especeria en esa tierra e le he proveydo de la governación della en cual se va a servir el dicho oficio y entender en la dicha grangeria como del sabreis e por lo que yo he sido informado que vos a que estais en esa tierra muchos dias e teneis en ella vuestra mujer y hijos yo vos ruego y encargo que persona que estareis informando la calidad de ella deyes al dicho Gregório de Pesquera todos los avisos que vierdes que convienen para el bien de la dicha grangeria e le ayudeis en todo aquello que buonamente podeys, comoa persona que va en nuestro servicio y en lo demás que os vierdes que nos podays servir em esa tierra lo hagays teniendo por cierto que mandaré tener memória de vuestros servicios para os hacer a vos y a vuestros hijos la merced que oviere lugar de Valladolid a nueve dias del mes de setiembre de quinientos y trenta e seis años / y ola Reina / Refarendada samano señalada de Beltran y Velásquez.”(Humanidades” , tomo XXV, 1ª. Parte, Buenos Aires – 1936.) A viagem de Pesquera não chegou a ser realizada. (E. de Gandia, na citada revista). Depois foi comissionado, em 1557, Jaime Resquin, para fundar povoações em São Francisco e São Gabriel, trazendo como prático Gonçalo da Costa. Os espanhóis queriam então impedir que os franceses, instalados no Rio de Janeiro, fossem até lá. Ramón de Castro Esteves, em “Jaime Resquin y su Expedición” - Revista del Instituto de Investigaciones Históricas, nº 61-63, Buenos Aires – 1935. Também malogrou esta expedição. De 1540 é “The Voyage of the Bárbara to Brazil”, edited by R.S. Marsden, The Naval Miscellany, II, London – 1912.
Pelo que observamos neste documento, o Bacharel continuava ainda, em 1536, em Cananéia e, por outro lado, a Espanha considerava a região como parte de suas terras, esperando ter no Bacharel um aliado. Outra prova de que os espanhóis acreditavam que toda essa costa estava dentro dos seus domínios, é o que consta em “Comentários”, Álvaro Nunes Cabeza de Vaca:
“Em 1541 foi mandado para socorrer a recente povoação de Buenos Aires”; chegou a Cananéia, bom porto, e “... tomó el governador la posesión de él por Su Majestad”.
Seguiu até Santa Catarina e também “... tomó la posesión de ella em nombre de su Majestad”. Depois da invasão de São Vicente pelas forças de Iguape, partiram para Santa Catarina e pouco depois, embarcaram para o Rio da Prata, coincidindo com a passagem da armada de Pedro de Mendoza, em que vinha Gonçalo da Costa, o mais graduado dos genros do Bacharel, para fundar Buenos Aires e começar a colonização da Argentina. Quanto ao Bacharel, ao que consta na carta da rainha da Espanha, enviada ao Bacharel em 1536, ele continuava em Cananéia.
O que o jesuíta Charlevoix, narrou em sua “História do Paraguay”, Liv, I, ano 1530 até 35, foi transcrito por Frei Gaspar em suas “Memórias”, mas foi tomado como invenção ou lenda. Faltou a Frei Gaspar um estudo mais profundo e detalhado do personagem principal dessa parte importante da história de São Vicente – o Bacharel Mestre Cosme Fernandes – o que deixa bastante claro que Frei Gaspar desconhecia a história de São Vicente anterior à Vila de Martim Afonso, pois não teria recusado os relatos sobre a guerra de Iguape. Vejamos o que conta o padre Charlevoix, na sua obra anteriormente citada:
“Sendo arruinada a Torre de Caboto pelos índios timbués, Ruy Mosquera lhe havia feito algumas reparações, mas desesperado de se não poder ali conservar contra os índios, tomou partido de se embarcar com sua tropa em uma pequena embarcação que ali conservava, e desceu o rio até o mar, e seguiu a costa do norte; e descobrindo pela latitude de 32 graus (aqui houve engano do autor ou do tipógrafo quanto à latitude) um porto cômodo, entrou, e nele fundou uma pequena Fortaleza e achou os naturais do país bem dispostos a fazerem aliança com ele e semeou logo um terreno que lhe pareceu fértil. Poucos dias depois, um cavalheiro português chamado Duarte Peres, que havia degredado naquela vizinhança, se lhe veio unir com a sua família”.
“Duarte Peres não esteve muito tempo em sossego, porque recebeu uma ordem o Capitão Geral do Brasil em que mandava voltar a seu degredo, e dizer a Rui Mosquera, se queria ficar onde estava, devia prestar juramento de fidelidade a El Rei de Portugal, a quem pertencia todo aquele país. Peres obedeceu, mas Mosquera respondeu, de boca, que a divisão da América não estava ainda regulada entre o rei de Portugal e Espanha, e que, enquanto isso, estava resolvido a se conservar no posto que ocupava. Faltavam-lhe armas e munições, mas um navio francês, tendo vindo a ancorar nesta mediação de tempo na ilha de Cananéia defronte do seu forte, pode aproveitar a ocasião para se meter em estado de defesa, se fosse atacado. Embarca com todos os espanhóis e duzentos índios em dois batéis, chega de noite ao navio francês, que rendeu e, desarmando a equipagem, a conduz à sua Fortaleza”.
Pouco depois foi advertido de que um corpo considerável de portugueses vinha por mar a atacá-lo. Dispôs de uma bateria de quatro peças de artilharia, que havia tirado da sua presa, fez novos entrincheiramentos no seu Forte e meteu uma parte da sua gente em emboscada em um bosque que cobria o lado do mar. Os portugueses eram oitenta, seguidos por um exército de índios, e iam tão confiados no bom sucesso, como iria um grande juiz a prender um bando de ladrões. Esta confiança aumentou, vendo que se lhes não disputava o desembarque. Passaram o bosque sem obstáculos, mas apenas descobriram o Forte, se acharam expostos aos tiros de sua artilharia carregados pela retaguarda pelos da emboscada, que os haviam deixado passar. O medo se apoderou dos índios e se comunicou aos portugueses. Todos se dispersaram e à reserva dos que haviam fugido, todos os que escaparam do canhão, foram passados à espada. Mosquera, não satisfeito com essa vitória, embarcou com uma parte dos seus valentes, e um grande número de índios, nas embarcações em que tinham vindo os portugueses e navegou a fazer um desembarque no Porto de São Vicente. Ele saqueou a Vila e os Armazéns d’El-Rei com tanta facilidade, que os portugueses, descontentes do Governador, se uniram a ele.
Compreendeu o dito Mosquera, muito bem, que os seus bons sucessos, longe de firmarem o seu estabelecimento, não serviriam mais, que o de virem atacar forças a que ele não pudesse resistir, pelo que transportou a sua pequena colônia para a Ilha de Santa Catarina, onde imaginava que não o viriam inquietar, mas não esteve ali muito tempo, porque em 1537 chegou a Buenos Aires com toda a sua colônia que tinha em Santa Catarina e muitas famílias de índios que se lhe haviam unido.
Este relato de Charlevoix, do qual apresentamos a transcrição, nos parece verídico (salvo pequenas alterações e confusões observadas).
O historiador Varnhagen na sua “História Geral do Brasil”, 4ª. Edição, Tomo I, cita a existência de um documento, de 1540, referente ao Bacharel, de que a Biblioteca Nacional tem cópia, escrito por um espanhol (anônimo), onde se registraram estes dizeres: “Em la Isla de Cananéa, y en la tierra firme della hay pobló el Bachille, dejó muchas naranjeras y limones y cidras y otros muchas árboles y hizo muchas casas, que se deploraron después por los pobladores de San Vicente, que tuvieron guerra los unos con los otros, por que pretendia que el Bachiller les havia dar obediência”.
 
Em sua obra “Argentina”, pág. 54, Rui Diaz de Gusmán faz as mesmas referências ao Bacharel, “fidalgo português”, que o forçou D. Ruy Garcia Mosquera a “agasalhá-lo” e a toda a sua casa, filhos e criados, “despeitado e queixoso dos de sua nação, quando esse Capitão se apossou de Cananéia para a coroa de Espanha”, dizendo o seguinte:
“Chegou Ruy Mosquera a relacionar-se e fazer comércio com alguns portugueses da costa. Um desses portugueses chamado Duarte Perez, desgostoso dos seus, procurou os arraiaes de Mosquera, e ali foi viver com sua família fazendo causa com os hespanhões e não ocultando o seu despeito contra Portugal”. Pelo que falava ele com mais desembaraço do que devia, e disso resultou que o capitão daquela costa mandou notificar-lhe que fosse cumprir o seu desterro no lugar designado por el-Rei já estavam os hespanhões ali em Iguape dois anos vivendo em paz, quando um fidalgo português, chamado Bacharel Duarte Peres se lhes veio meter com toda sua casa, filhos, despeitado e queixoso dos de sua própria nação, o qual havia sido desterrado por el Rei D. Manuel para aquela costa, na qual havia padecido inumeráveis trabalhos.”“.
Esta passagem é uma prova de que o Bacharel de Cananéia, degredado por D. Manuel em 1501 é o mesmo que seria expulso em 1531, por ordem do rei de Portugal, das terras e do povoado de São Vicente, do qual era fundador. É evidente que os espanhóis identificaram o Bacharel Mestre Cosme Fernandes pelo nome de Duarte Peres ou Bacharel Duarte Peres, mas a clareza com que se apresentam esses episódios dos quais o Bacharel de Cananéia tomou parte, não deixa dúvidas de que o Bacharel de Cananéia é o mesmo Bacharel Duarte Peres.
Os relatos de Guzmán mereceram a transcrição de Rocha Pombo, confirmam o que está exposto. O historiador Varnhagen, em sua obra citada, 2ª. Edição, Tomo I, pág. 165, nos diz o seguinte:
“O fato das hostilidades com os de Iguape se confirma por um livro da Câmara de São Paulo (de 1585/1586, fls. 13-V, fl. 14, onde lemos que a razão por que Pero de Góis e Rui Pinto não foram contra os índios de Curutiba, que haviam assassinado os oitenta exploradores partidos de Cananéia, foi POR ESTAREM OCUPADOS COM AS GUERRAS DE IGUAPE.”
Junto com a declaração do documento mencionado por Varnhagen, pode ser colocada esta pergunta: Quem teria ordenado àqueles dois fidalgos portugueses a guerra aos índios do sul?
A resposta é encontrada na obra de Pedro Taques “História da Capitania de São Vicente” – Edição Taunay, pág. 67: “é que o donatário Martim Afonso de Sousa, quando se ausentara, deixara ordenado se continuasse a guerra pelos cabos dela os fidalgos Pedro de Góis e Rui Pinto, porque lhe haviam morto oitenta homens que tinham mandado ao sertão a descobrimentos...”
Reafirmando ainda estas afirmativas, veremos ainda o que diz Roberto Southry, em sua “História do Brasil”, 1862 – Tomo I, pág. 104: “Destruído o estabelecimento de Caboto, emigrara parte da sua gente para o Brasil, onde numa baía chamada Iguá, vinte e quatro léguas distante de São Vicente, principiaram a fazer plantações, continuando a viver por dois anos em termos amigáveis com os indígenas vizinhos e com os portugueses. Suscitaram-se, então, questões e segundo versão castelhana (única que temos), resolveram os portugueses cair sobre eles, e expulsaram-nos do país, disto tiveram aviso, surpreenderam os futuros invasores, saquearam a cidade de São Vicente, etc...”.
Confirmando estas ocorrências, citamos uma escritura de 1537, lavrada em São Vicente. Azevedo Marques, em seus “Apontamentos Históricos, Geográficos, etc., da Província de São Paulo”, tomo I, pág. 182, declarou existir no Cartório da Tesouraria da Fazenda, Maço 11 – de Próprios Nacionais – documentos a que estão juntos os papéis apreendidos aos extintos jesuítas:
 
“Gonçalo Monteiro, capitão, com poder de reger e governar esta Capitania de São Vicente, terra do Brasil pelo mui Ilmo.sr. Martim Afonso de Sousa, governador da dita Capitania... Faço saber aos que esta minha carta de confirmação virem em como por Francisco Pinto, cavalheiro-fidalgo, morador em dita capitania, me foi dito por uma petição que o dito Sr. Governador, havendo respeito a ele querer ser povoador e assim outros respeitos, lhe fizera mercê de um pedaço de terra nas terras de Cubatão, indo desta ilha para o rio Cubatão, entrando... (está deteriorado o original) da qual terra diz ser-lhe feita carta e ser datada e assignada pelo dito Sr. Martim Afonso de Sousa, a qual carta lhe fora levada pelos moradores de Iguape quando roubaram os que estavam neste porto mar, e levaram o livro de tombo...........................Dada nesta vila de São Vicente aos 17 dias do mez de Septembro de 1537 – Antonio do Valle, Tabelião Público Judicial e escrivão das datas pelo dito sr. e fez n’este anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 1537 – Gonçalo Monteiro...”.
 
Confirma este documento, o relato de Southey e dos demais autores não portugueses, comprovando também o roubo do Livro do Tombo Vicentino, um detalhe que só pode ser devido à dúvida sobre de quem eram essas propriedades, se de Portugal ou de Espanha, devido às indefinições sobre a localização da linha demarcatória do Tratado de Tordesilhas.
Diante de todo o que foi exposto, podemos concluir que o Bacharel, identificado pelos espanhóis como Duarte Peres, é o mesmo Bacharel Mestre Cosme Fernandes Pessoa, mencionado pelos diversos historiadores portugueses e brasileiros.
Portanto o nome Duarte Peres, que pelos relatos de diversos cronistas espanhóis é o próprio Bacharel, acaba não sendo mais do que o nome adotado pelo Bacharel Mestre Cosme Fernandes em seus tratos com os castelhanos de Iguape e Cananéia, para ocultamento da sua verdadeira identidade. Após o conhecimento dos fatos e documentos comprobatórios, como a escritura de 1542, não é razoável manterem-se dúvidas a respeito.
A farta documentação, tanto espanhola, como de origem nacional, não deixa dúvidas a respeito da existência do Bacharel, das suas identidades, da sua participação nos acontecimentos: fundação do povoado de São Vicente, da própria guerra de Iguape, elementos e acontecimentos postos em dúvida por diversos historiadores. A importância histórica do Bacharel na mais primitiva história de São Vicente, Cananéia e Iguape, e do Brasil, nos parece indiscutível e, considerar o Bacharel Mestre Cosme Fernandes Pessoa como o verdadeiro fundador de São Vicente (povoado) parece uma questão de justiça histórica.
Fica evidente que a São Vicente do Bacharel, de Pero Capico e Antonio Ribeiro (seus dois capitães anteriores a Martim Afonso de Sousa), de Diogo Garcia e Alonso de Santa Cruz de 1516, 1526, 1527 e 1530, com suas dez ou doze casas de tipo europeu e mais os tejuparés índios e armazéns para guarda de mantimentos, com sua fortaleza de pedra e torre para defesa contra ataques indígenas, com dois portos, um de pequeno calado e outro de grande calado, com todo o seu comércio, sua indústria naval e seu tráfico de escravos demonstrados e provados, com sua proximidade ao ponto final do meridiano de Tordesilhas e da região do Rio da Prata, faziam com que São Vicente (povoado), além de ser o ponto habitado mais importante da costa brasileira, era também estratégica, política e militarmente o ponto ideal para se dar começo ao povoamento português no Brasil. Portanto nos parece que a escolha de São Vicente, para sediar a primeira vila do Brasil, não foi um fato acidental, nem criado por capricho do rei de Portugal, nem de Martim Afonso, e sim produto de um estudo e planejamento cuidadoso por parte de D. João III.

O historiador Pedro Calmon, em obra já citada, Vol.2, pág.571 nos mostra que:

“Abaixo ficava a costa dos carijós, ou entre o território dos Arachãs (litoral do Rio Grande) e Santa Catarina, dos Patos, com Paranaguá e São Francisco do Sul, baías freqüentadas pelos barcos castelhanos, e Laguna, onde chegavam os traficantes à procura do índio Tubarão, péssimo sujeito, como diz, em 1605 o Padre Jerônimo Rodrigues. Tubarão reatou o comércio de escravos do Bacharel de Cananéia, contemporâneo das primeiras expedições.”

Este trecho sugere que o Bacharel de Cananéia continuou o seu comércio de escravos na área, comércio este retomado depois pelo índio Tubarão. Outra indicação parece ser que o Bacharel continuou as suas atividades depois de ter sido expulso de São Vicente em 1531. Segundo o Padre Serafim Leite, em “Novas Cartas Jesuíticas”, pág.221, “o nome Tubarão perdura numa localidade de Santa Catarina, entre Laguna e Jaguariúna.”

São Vicente - Primeiros tempos. Prefeitura Municipal de São Vicente. 2010

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