09/07/2019

CONFLITOS DE TERRAS E O CASO ROHDIA

SUMÁRIO
Invasão de Terras em Praia Grande 
O braço da Imigrantes em São Vicente
Crescimento e degradação
Terrenos de Marinha em São Vicente
A denúncia de Eulâmpia Requejo Rocha
Regularização Fundiária
Contaminação de terrenos industriais
Caso Rhodia: Quase 50 anos depois

INVASÃO DE TERRAS EM PRAIA GRANDE 

É DENUNCIADA NA JUSTIÇA EM SANTOS

A denúnica e defesa dos proprietários do antigo Sítio Guaramar contra o invasores foi feita pelo célebre advogado José de Freitas Guimarães contra "Tude Bastos e seus camaradas", se referindo à invasão, cercamento, desmatamento e comercialização ilegal de lenha de propriedades particulares. José de Freitas Guimarães foi  "provecto advogado, literato, escritor de renome e antigo promotor público da Capital, tendo exercido também o cargo de subprocurador geral do Estado. Em 1915 abandonou a procuradoria em São Paulo e voltou a Santos para dedicar-se somente à advocacia, profissão que exerceu até a sua morte, em 1944. Freitas Guimarães é nome de rua no bairo Boa Vista, em São Vicente.  
Tude Bastos, denunciado citado no edital,  er filho do advogado e vereador vicentino Magino Bastos. Tude é considerado um dos pioneiros e emancipadores de Praia Grande. As terras em litígio hoje foram transformadas em  bairros, áreas públicas, vilas - uma com a denominação do denunciado - que também dá nome a um terminal de ônibus irtermunicipal. 


José de Freitas Guimarães

O edital publicado pela Vara de Santos no jornal GAZETA POPULAR em 31 de dezembro de 1935 descreve por meio de uma petição judicial um conflito agrário; e também  a organização primitiva de Praia Grande através do sítios desde o século XIX e que seriam transformados e bairros e vilas após a emancipação da cidade. 
SÍTIOS QUE DERAM ORIGEM AOS PRIMEIROS BAIRROS DE PRAIA GRANDE

SÍTIO PAI FELIPE no antigo  Caminho do Coquepocú;

SÍTIO MOMBOATUBA, de Francisco Miranda Tavares;

SÍTIO GUARAMAR,  de Francisco Antonio da Silva- com registro de 30 de maio de 1856, sendo somente a terça parte dessa extensa área, segundo o registro paroquial, e que fazia frente ao Rio Pequeno e ao Porto Pequeno. Depois pertenceu a João Antunes Santos, sucedido já século XX, por  Manoel Alves e sua esposa Deolinda Alves Caneca. 

SÍTIO SÃO SEBASTÃO, parte do Sítio Guaramar. 

SÍTIO TAPERINHA – Propriedade de João Azevedo Cunha, parte do antigo SÍTIO BOGUASSU (Jardim Guilhermina), adquiridos mais tarde pela família Guinle (Guilhermina Guinle), então sócios do Porto de Santos e também proprietários do hotel Copacabana Palace, no Rio de Janeiro. 

SÍTIO PORTO DO CAMPO – pertencente  originalmente a Agostina Rosa de Aguiar, depois subdividido em propriedades menores. 

E o também conhecido SÍTIO SÃO GONÇALO. 

EDITAL de citação de ausentes com o prazo de sessenta dias

COMARCA DE SANTOS - CARTÓRIO DO 8º OFICIO
Escrivão: - Michel Alca
Eu, o dr. Euclydes de Campos, Juiz de Direito da 2.a Vara Cível e Commercial desta comarca de Santos, do Estado de S. Paulo, na forma da lei.
FAÇO SABER aos que o presente edital virem, dele conhecimento tiverem e interessar possa que por parte de Manoel Alves e sua mulher dona Deolinda Alves Caneca, me foi dirigida a petição do teor seguinte:
- Ex mo. Sr. Dr. Juiz de Direito de Vara: Por seu advogado e procurador infra assinado, em procuração inclusa, dizem Manoel Alves e sua mulher D. Deolinda Alves Caneca aqui residentes, que é esta para expor e requerer a V. Excia, o seguinte:
1º - Os suplicantes adquiriram dos herdeiros do João Antunes dos Santos, pela inclusa escritura (doc. n.o 1), as partes componentes do Sítio Guaramar, da Praia Grande. Município de S. Vicente, desta Comarca, isto em 21 de Outubro de 1931, tendo sido a respectiva transcrição feita, quinze após sob o n. 4.264, no L. 3-3 do Transcrição de Imóveis, a fls. 293, no Cartório do Registro Geral e de Hypothecas da 1ª Circunscrição, documento junto,nº 2.
2º - As divisas de tal imóvel como se vê na aludida escritura, as seguintes: "A Oeste, confronta com terra do Sitio Momontuba, por uma linha reta que parte do marco de pedra existente junto uma Árvore de murta, (marco remotamente conhecido como marco da murta) e vai até o rio Porto Pequeno, atravessando um morrinho um pouco à direita do seu cume do Marco da Murta. Por outra linha reta, do rumo a encontrar outro marco antigo na margem do velho Caminho do Coquepocu, em terras do Sítio Pai Fellipe, reta essa que termina na linha do Telegrapho, Nacional. Nos fundos, com a linha do dito telegrapho, que divide o Sitio Guaramar com as terras dos sítios que fazem frente pana Praia Grande, como sejam o dos sucessores de João de Azevedo Cunha, o Sítio Taperinha, parte do antigo sitio Boguassu, hoje Jardim Guilhermina, e outros. A leste, por una linha parallela a do lado do Sítio Momboatuba, a qual, partindo da linha do Telegrapho Nacional, vai até encontrar a divisa entre o Boguassú e o Porto do Campo, e daí por outra linha reta, paralela à do lado do Momboatuaba, dividindo o Sitio Guaramar das terras do sítio do Porto do Campo até chegar à margem do Rio Porto Pequeno
3) - Essas divisas concordam plenamente com as da certidão do registro parochial do Sítio Guaramar (doc, no. 3), registro que feito em 30 de Maio de 1856, por Francisco Antonio da Silva, declarando este, ali, "que possuía uma terça parte nas terras do Sítio Guaramar, as quais fazem frente no mar pequeno em um rio de embarque chamado Porto Pequeno, e pelo lado esquerdo dividem com D. Agostinha Rosa de Aguiar (Sítio Porto do Campo) e seus herdeiros, e pelo direito com terras denominadas Momboatuba, então pertencentes aos herdeiros de Francisco de Miranda Tavares, hoje dos suplicantes em sua quase totalidade), e, pelo centro (fundos), com terras de João de Azevedo Cunha, tal como ficaram figuradas na planta inclusa (doc, no. 4), levantada em obediência aos registros paroquiais dos diversos atlas então existentes na região, tanto os fronteiriços à Praia Grande como os que se achavam atrás deles, com frente para o mangue ou mar pequeno.
4) - Tais divisas nunca foram assinaladas judicialmente em demarcação regular, e isto tem dado lugar a contínuas desinteligências entre os vizinhos conflitantes, que por mais de uma vez as têm violado, estabelecendo-te dentro delas, como ainda recentemente o fez Tude Bastos que a invadiu com grande aparato de força, e ali se acha derrubando matas que lhe não pertencem, pois são do sítio dos suplicantes: - e por que querem estes fixar definitivamente as linhas verdadeiras do Guaramar, que compraram pelo doe. 230. 1.
5) A planta que oferecem (doc, no. 5) traça perfeitamente as confrontações daquele sitio, na escritura juntada (doc. no. 1), figurando as linhas divisórias como haverão ser demarcadas judicialmente, sem prejuízo do nenhum dos conflitantes, as quais são o referido Tude Bastos e os diversos proprietarios estabelecidos em terras dos sítios antigos da Praia denominados São Gonçalo, Tapérinha, Pai Fellipe e Boguassu, cujos nomes o oficial de Justiça fácilmente colherá no local.
6) - Devido à falta de sinalização das divisas do sitio demarcando, Tude Bastos, e outros com ele e a seu mandado, invadiram o Guaramar, e ali continuam derrubando as matas do imóvel, como se estivesse em sua própria casa, produzindo e vendendo a lenha que lhe não pertence a fazendo ouvidos moucos às constantes reclamações dos Suplicantes,
7) - Por todos estes motivos, querem os suplicantes demarcar o referido Sítio Guaramar e haver a restituição dos terrenos invadidos, onde se acham o dito Tude Bastos e seus camaradas, pelo que é esta para requererem a V. Excia, se digne mandar citar aquele e os demais invasores que se acham, bem assim todos os outros confrontantes do imóvel conhecidos, com suas respectivas mulheres, se casados, cujos nomes o oficial de Justiça poderá colher com facilidade no local, e por editais, com o prazo de sessenta dias os desconhecidos, nos termos do art. 681, I "b". do Código do Processo Civil e Commercial do Estado, todos eles para virem em primeira audiência em que a última citação for acusada falar aos termos de uma cerca demarcatória de assinalação de limites, cumulada com a de reivindicação, afim de que as divisas verdadeiras do sítio mencionado sejam devidamente assinaladas, condenados os réus invasores restituir aos suplicantes os terrenos usurpados e os respectivos rendimentos, desde a contestação da lide, tudo de conformidade com a leis, as penas nela estabelecidas.
Sendo certo que Tude Bastos não possui bens imóveis que garantam o pagamento do valor equivalente ao das matas que está derrubando, requerem, outros, nos termos do disposto no art. 386, IV, do citado código, se faça o sequestro da lenha que for sendo cortada e seja a mesma vendida, depositando-se em juízo o preço da venda para os fins de direito. Para os fins fiscais, dão a esta o valor de 10.000$000.
Nestes termos, pedem D. esta e A. esperam receber deferimento.
Santos, 21 de Novembro de 1935.
José de Freitas Guimarães


EDITAL de citação de ausentes com o prazo de sessenta dias
COMARCA DE SANTOS - CARTÓRIO DO 8º OFICIO
Escrivão: - Michel Alca
Eu, o dr. Euclydes de Campos, Juiz de Direito da 2.a Vara Cível e Commercial desta comarca de Santos, do Estado de S. Paulo, na forma da lei.
FAÇO SABER aos que o presente edital virem, dele conhecimento tiverem e interessar possa que por parte de Manoel Alves e sua mulher dona Deolinda Alves Caneca, me foi dirigida a petição do teor seguinte:
- Ex mo. Sr. Dr. Juiz de Direito de Vara: Por seu advogado e procurador infra assinado, em procuração inclusa, dizem Manoel Alves e sua mulher D. Deolinda Alves Caneca aqui residentes, que é esta para expor e requerer a V. Excia, o seguinte:
1º - Os suplicantes adquiriram dos herdeiros do João Antunes dos Santos, pela inclusa escritura (doc. n.o 1), as partes componentes do Sítio Guaramar, da Praia Grande. Município de S. Vicente, desta Comarca, isto em 21 de Outubro de 1931, tendo sido a respectiva transcrição feita, quinze após sob o n. 4.264, no L. 3-3 do Transcrição de Imóveis, a fls. 293, no Cartório do Registro Geral e de Hypothecas da 1ª Circunscrição, documento junto,nº 2.
2º - As divisas de tal imóvel como se vê na aludida escritura, as seguintes: "A Oeste, confronta com terra do Sitio Momontuba, por uma linha reta que parte do marco de pedra existente junto uma Árvore de murta, (marco remotamente conhecido como marco da murta) e vai até o rio Porto Pequeno, atravessando um morrinho um pouco à direita do seu cume do Marco da Murta. Por outra linha reta, do rumo a encontrar outro marco antigo na margem do velho Caminho do Coquepocu, em terras do Sítio Pai Fellipe, reta essa que termina na linha do Telegrapho, Nacional. Nos fundos, com a linha do dito telegrapho, que divide o Sitio Guaramar com as terras dos sítios que fazem frente pana Praia Grande, como sejam o dos sucessores de João de Azevedo Cunha, o Sítio Taperinha, parte do antigo sitio Boguassu, hoje Jardim Guilhermina, e outros. A leste, por una linha parallela a do lado do Sítio Momboatuba, a qual, partindo da linha do Telegrapho Nacional, vai até encontrar a divisa entre o Boguassú e o Porto do Campo, e daí por outra linha reta, paralela à do lado do Momboatuaba, dividindo o Sitio Guaramar das terras do sítio do Porto do Campo até chegar à margem do Rio Porto Pequeno
3) - Essas divisas concordam plenamente com as da certidão do registro parochial do Sítio Guaramar (doc, no. 3), registro que feito em 30 de Maio de 1856, por Francisco Antonio da Silva, declarando este, ali, "que possuía uma terça parte nas terras do Sítio Guaramar, as quais fazem frente no mar pequeno em um rio de embarque chamado Porto Pequeno, e pelo lado esquerdo dividem com D. Agostinha Rosa de Aguiar (Sítio Porto do Campo) e seus herdeiros, e pelo direito com terras denominadas Momboatuba, então pertencentes aos herdeiros de Francisco de Miranda Tavares, hoje dos suplicantes em sua quase totalidade), e, pelo centro (fundos), com terras de João de Azevedo Cunha, tal como ficaram figuradas na planta inclusa (doc, no. 4), levantada em obediência aos registros paroquiais dos diversos atlas então existentes na região, tanto os fronteiriços à Praia Grande como os que se achavam atrás deles, com frente para o mangue ou mar pequeno.
4) - Tais divisas nunca foram assinaladas judicialmente em demarcação regular, e isto tem dado lugar a contínuas desinteligências entre os vizinhos conflitantes, que por mais de uma vez as têm violado, estabelecendo-te dentro delas, como ainda recentemente o fez Tude Bastos que a invadiu com grande aparato de força, e ali se acha derrubando matas que lhe não pertencem, pois são do sítio dos suplicantes: - e por que querem estes fixar definitivamente as linhas verdadeiras do Guaramar, que compraram pelo doe. 230. 1.
5) A planta que oferecem (doc, no. 5) traça perfeitamente as confrontações daquele sitio, na escritura juntada (doc. no. 1), figurando as linhas divisórias como haverão ser demarcadas judicialmente, sem prejuízo do nenhum dos conflitantes, as quais são o referido Tude Bastos e os diversos proprietarios estabelecidos em terras dos sítios antigos da Praia denominados São Gonçalo, Tapérinha, Pai Fellipe e Boguassu, cujos nomes o oficial de Justiça fácilmente colherá no local.
6) - Devido à falta de sinalização das divisas do sitio demarcando, Tude Bastos, e outros com ele e a seu mandado, invadiram o Guaramar, e ali continuam derrubando as matas do imóvel, como se estivesse em sua própria casa, produzindo e vendendo a lenha que lhe não pertence a fazendo ouvidos moucos às constantes reclamações dos Suplicantes,
7) - Por todos estes motivos, querem os suplicantes demarcar o referido Sítio Guaramar e haver a restituição dos terrenos invadidos, onde se acham o dito Tude Bastos e seus camaradas, pelo que é esta para requererem a V. Excia, se digne mandar citar aquele e os demais invasores que se acham, bem assim todos os outros confrontantes do imóvel conhecidos, com suas respectivas mulheres, se casados, cujos nomes o oficial de Justiça poderá colher com facilidade no local, e por editais, com o prazo de sessenta dias os desconhecidos, nos termos do art. 681, I "b". do Código do Processo Civil e Commercial do Estado, todos eles para virem em primeira audiência em que a última citação for acusada falar aos termos de uma cerca demarcatória de assinalação de limites, cumulada com a de reivindicação, afim de que as divisas verdadeiras do sítio mencionado sejam devidamente assinaladas, condenados os réus invasores restituir aos suplicantes os terrenos usurpados e os respectivos rendimentos, desde a contestação da lide, tudo de conformidade com a leis, as penas nela estabelecidas.
Sendo certo que Tude Bastos não possui bens imóveis que garantam o pagamento do valor equivalente ao das matas que está derrubando, requerem, outros, nos termos do disposto no art. 386, IV, do citado código, se faça o sequestro da lenha que for sendo cortada e seja a mesma vendida, depositando-se em juízo o preço da venda para os fins de direito. Para os fins fiscais, dão a esta o valor de 10.000$000.
Nestes termos, pedem D. esta e A. esperam receber deferimento.
Santos, 21 de Novembro de 1935.
José de Freitas Guimarães

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BRAÇO DA IMIGRANTES EM SÃO VICENTE

DALMO DUQUE DOS SANTOS

SÃO VICENTE QUERIA MUDAR O TRAÇADO DA IMIGRANTES PARA VALORIZAR A ORLA DO MAR PEQUENO. MALUF RECUSOU E A CIDADE SE FAVELIZOU DE VEZ.

Gravura do concurso da DERSA em 1964 para o melhor projeto da Ponte do Mar Pequeno.

A chegada da rodovia dos Imigrantes em São Vicente encontrou alguns obstáculos que mudariam completamente a organização o desenvolvimento urbano da cidade. 
O principal deles foi o traçado imaginado pela prefeitura e parte da câmara, que pretendia aproveitar o investimento do estado para influir na valorização turística do Mar Pequeno. 
A ideia era que a rodovia contornasse a orla juntamente com uma avenida perimetral até a cabeceira da nova ponte. 
Diversos projetos já contavam com essa possibilidade com a construção de marinas, restaurantes e, sobretudo, os loteamentos. 
A ideia vicentina abortou e a rodovia entrou na ilha em linha reta dividindo aquela região em duas partes distintas. O resultado ao longo dos anos seria uma degradação, acelerada pela ocupação irregular dos terrenos próximos, formando a favela do México 70 e outros núcleos próximos ao mar em extensa faixa de palafitas até a ponte dos barreiros. 
A divisão e as ocupações desvalorizaram os loteamentos já instalados, que passaram a ter milhares de construções irregulares e graves prejuízos ambientais e paisagísticos. 
Na época, Paulo Maluf, antes do seu mandato como governador e ainda como secretário do governo Laudo Natel, já havia iniciado as primeiras negociações para a construção da ponte do Mar Pequeno e, paralelamente, adquirido - particularmente - em Praia Grande um enorme faixa de terras que seria transformada nos loteamentos das vilas próximas à orla.
Os prefeitos e vereadores vicentinos desse período cederam então às pressões eleitorais e fecharam os olhos para o risco de degradação, alguns inclusive se inclinando claramente ao assistencialismo eleitoral, cuja política dura até hoje. 
Era o fim da época áurea na qual a cidade causava inveja para Santos e Guarujá na disputa de turistas, moradores e clubes de luxo. Para São Vicente sobraram apenas as favelas e novas crises habitacionais, que seriam novamente aliviadas com as invasões do distrito do Samaritá e seus diversos bairros, cuja população já atingiu a marca de 150 mil habitantes.
Rodovia dos Imigrantes dividindo os bairros da Vila Margarida, Planalto Bela Vista e Cidade Náutica. Obra acelerou a degradação da área próxima ao Mar Pequeno e triplicou as construções e moradia em não conformidade. Recentemente os novos viadutos constrídos para eliminar os semáforos e congestinamentos acentuaram o isolamento da periferia da ilha.

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CRESCIMENTO E DEGRADAÇÃO

Sílvia de Castro Bacellar do Carmo


São Vicente foi fundada oficialmente em 22 de janeiro de 1532 por Martim Afonso de Souza, ocasião em que recebeu a denominação de Vila. A povoação já era reconhecida na Europa como eficiente ponto de parada para reabastecimento de mantimentos e tráfico de escravos índios, e a expedição de Martim Afonso foi enviada para dar início à colonização oficial das novas terras e garantir a soberania de Portugal.
Logo após sua chegada, Martim Afonso instalou a primeira Câmara de Vereadores das Três Américas, o Pelourinho, a Cadeia e a Igreja. Foram demarcadas terras e distribuídos lotes aos colonos, tendo início o cultivo organizado de vários produtos, destacando-se a cana de açúcar, o que levou à construção do primeiro engenho. De São Vicente partiram expedições para o interior do Brasil, inclusive a que fundou a cidade de São Paulo.
Em outubro de 1700, São Vicente foi elevada à condição de Município através de Carta Régia, e em 31 de dezembro de 1895, através de lei municipal, a sede municipal foi elevada à categoria de Cidade.
O Município sofreu vários retalhamentos em sua extensão territorial. O primeiro desmembramento vicentino ocorreu em 1545, quando a Cidade de Santos recebeu seu foral de Vila. Em 1561, aproximadamente, desmembrou-se a área que se constituiu na Freguesia de Conceição de Itanhaém. Em 1944 perdeu Evangelista de Souza, no alto da Serra do Mar, que se anexou ao Distrito de Parelheiros, no Município de São Paulo. Em 1948, através de plebiscito, ficou sem o Bairro de Mongaguá, que se agregou a Itanhaém. De 1940 a 1960 sofreu as retificações de suas divisas com o Município de Santos, perdendo abruptamente 20 quilômetros quadrados de área dentro da cidade.
Em 1966, depois de mais de dois anos de batalha judicial, São Vicente perdeu o Distrito de Solemar e o Bairro do Boqueirão da Praia Grande para a constituição do Município de Praia Grande, com 145 quilômetros quadrados tirados do território vicentino. Na década de 40 São Vicente possuía uma área municipal de 476 quilômetros quadrados, porém, no início da década de 80, estava reduzida a 146 quilômetros quadrados.
Desde 1965, pela Lei Federal n° 4603 São Vicente detém o título de Cidade Monumento da História Pátria, Cellula Mater da Nacionalidade.
Bifurcação na Avenida Manoel da Nóbrega e Quintino Bocaiúva antes da instalação do VLT.

CARACTERIZAÇÃO

São Vicente localiza-se a uma distância de 71 km, por rodovia, da Capital do Estado de São Paulo. Divide a Ilha de São Vicente com Santos, limitando-se ao Norte e Noroeste com Cubatão, São Bernardo do Campo e São Paulo. Sua extensão e forma fazem-no ainda limitar ao Sul e Sudoeste com Praia Grande, Mongaguá e Itanhaém, sendo banhado ao Sul e Sudeste pelo Oceano Atlântico.
Possui uma superfície total de 146 km², dividida em uma porção de 18 km² na Ilha de São Vicente, e outra Continental de 117 km², separadas pelo canal dos Barreiros, tendo ainda, 11 km² de rios e canais. Cabe ressaltar que dos 117 km² da Área Continental, 71 km² compõem a Área de Preservação da Serra do Mar e 6 km² a Área Rural.
A maior parte do território de São Vicente era originalmente coberta pela Mata Atlântica, representando 52% do total. As matas de restinga representavam 24% e os manguezais 16%, sendo os 8% restantes constituídos de rios e canais. Até 1991, 36km², ou 26,7% do território, foram ocupados por estruturas urbanas e industriais, mediante desmatamentos, cortes de aterros e alterações nos fluxos dos rios.
O ecossistema mais degradado foi a mata de restinga, que teve mais de 88% de sua área original destruída. O manguezal teve, até 1991, 46% de área degradada, tendo este número aumentado devido ao crescimento das favelas na Área Insular, principalmente no Dique do Sambaiatuba e no Caxeta (não existem dados numéricos disponíveis, somente a constatação visual). Nos morros situados na parte insular, observam-se processos de erosão, rastejo e escorregamentos.
Na Área Continental, a degradação das matas de restinga foi decorrente das atividades de extração de areia dos terraços para a indústria dos vidros. Esta atividade desenvolveu-se sem critérios, deixando as áreas de mata de um tal modo destruídas que impossibilita a regeneração natural. Nas médias e baixas vertentes dos rios Cubatão e Branco, a Mata Atlântica está bastante alterada, tendo sido a degradação causada, provavelmente, pelos desmatamentos provocados pelas atividades agrícolas, principalmente a cultura da banana, que apesar de estar em decadência, ainda é a principal atividade agrícola da região.
No período de 1980 a 1991, o Município registrou um crescimento de 3,05% ao ano, e de 1991 a 2000 de 1,37% ao ano, resultando em uma taxa de urbanização de 99,95%. Considerando o período das décadas de 70 a 90, houve um aumento da densidade demográfica superior a 100%. Contudo, se forem consideradas as características físicas do Município, isto é, ilha e continente, as diferenças são expressivas: 12.294,22 hab/ km² na parte insular e 1064,13 hab/ km² na área continental.
Aspecto relevante no Município é o aumento periódico e sazonal de sua população em época de férias prolongadas e feriados. Essa constatação é significativa na medida em que se pode inferir que, em períodos de utilização máxima, soma-se à população residente um contingente de 102.000 pessoas, sendo que este acréscimo populacional concentra-se em áreas próximas à orla, sobrecarregando a capacidade da infra-estrutura instalada e de prestação de serviços da cidade (SABESP, 1999).
Nota-se também uma tendência ao envelhecimento da população, com o aumento do extrato acima de 50 anos e da redução da presença do extrato mais jovem com menos de 20 anos. Isso se deve, em parte, por São Vicente ser uma estância balneária, próxima a um grande centro industrial e de serviços (Região Metropolitana da Grande São Paulo), que acaba recebendo parcelas do contingente que se retira do setor produtivo.
No intenso processo de industrialização e urbanização que caracterizou a Baixada Santista nas décadas de 1960 e 70, São Vicente cumpriu papel e funções auxiliares, não registrando uma implantação industrial significativa. O comércio local sofreu e sofre, uma forte concorrência de Santos, voltando-se para a população local e parcela de Praia Grande; situação que também se encontra em processo de alteração, com os incrementos ao comércio na cidade vizinha de Praia Grande. O setor de serviços é voltado exclusivamente às demandas internas.
Apesar de desfrutar de uma orla atrativa e de uma grande capacidade de turismo ecológico, a cidade não desenvolveu toda a sua potencialidade turística, ficando atrás das cidades vizinhas no que se refere a atração de turistas. São Vicente também se caracteriza como cidade-dormitório, fornecendo mão de obra para Santos e Cubatão.
Até 1998 o Município de São Vicente esteve dividido em 25 Unidades Territoriais de Planejamento, tendo como referência a configuração urbana resultante dos parcelamentos efetuados, os limites e as denominações consagradas para alguns bairros e condicionantes urbanísticas, tais como estradas, rodovias, canais e outras barreiras físicas.
A Lei Complementar n° 216/98, que dispõe sobre o abairramento da zona urbana do Município, introduziu mudanças no critério de espacialização dos dados das Unidades Territoriais e a área urbana do Município passou a compreender 28 bairros. Os bairros mais populosos encontram-se localizados na Área Insular. Porém, deve-se ressaltar a maior extensão dos bairros localizados na área Continental, que lhe conferem densidades demográficas menores.
Verifica-se na Área Continental um aumento muito grande de construções, sem que haja dados oficiais a respeito desta expansão. Este fato é decorrente da implantação de loteamentos ilegais e ampliações de residências sem respeito à legislação edilícia.
Até 1940, o crescimento urbano em São Vicente deu-se estritamente no sentido horizontal. A partir deste período deu-se início a verticalização, estando este fato relacionado com o aumento da demanda de imóveis para veraneio pela população de classe média da capital, que teve seu acesso à região facilitado com a inauguração da Via Anchieta em 1947.
Os edifícios podem ser facilmente notados nas regiões próximas à praia, que abrigam a parte da população com maior poder aquisitivo, e no Centro, área caracterizada pelos estabelecimentos comerciais e de serviços.
Uma alta parcela da população vicentina reside em habitações consideradas subnormais. O número de favelas no Município chega a dezessete, além de existirem oito loteamentos irregulares e três loteamentos clandestinos no Município.
Uma significativa parcela dos núcleos favelados está localizada ao longo dos córregos e canais que cortam o município. Já os loteamentos clandestinos e irregulares concentram-se na Área Continental, onde o processo de ocupação é mais recente, mas não menos predatório, se for considerado a ocupação irregular dos mangues e faixas lindeiras aos córregos e a poluição ambiental dos depósitos industriais.
Como a maior parte dos assentamentos subnormais situa-se em áreas sujeitas a inundações, a precariedade do sítio onde estão implantados faz com que as moradias assumam, em sua maioria, um caráter provisório, ou seja, as construções apresentam uma baixa qualidade construtiva, e um alto índice de adensamento. Traço comum a favelas, loteamentos clandestinos e irregulares é a inexistência de infra-estrutura e saneamento básico. Na quase totalidade dos casos, a eletrificação é feita através de ligações clandestinas ao sistema oficial e de forma precária.
O abastecimento de água atinge todos os núcleos. Até 1889 São Vicente não dispunha de nenhum serviço de abastecimento de água encanada, sendo abastecida através de suas muitas fontes naturais e através de poços (particulares e coletivos). Em outubro de 1889 foi construída a primeira caixa d’água no Morro dos Barbosas, que recebia água de nascentes do próprio morro. Posteriormente foram construídas mais caixas d’água no morro do Voturuá, as quais só foram desativadas em 1972.
Em dezembro de 1971 a SABESP assumiu o fornecimento de água do Município. O Município de São Vicente é atendido pelo Sistema Produtor Cubatão e Pilões, sendo que o primeiro é o mais importante dos sistemas produtores da Baixada Santista.
O serviço de esgoto domiciliar só começou a ser implantado em 1915, pela Repartição de Saneamento de Santos. Em 1995 somente 22,9% dos domicílios do Município estavam ligados à rede coletora de esgoto. A área Central-Praias possuía um índice de 83,1%, abrangendo apenas 11,8% da população, atingindo um índice de atendimento de 48% somente no ano de 1998.
A coleta dos resíduos sólidos é realizada de forma alternada, 3 vezes por semana, na Área Insular. Na Área Continental o problema se agrava devido à periodicidade, que a aproxima do nível insatisfatório. A Prefeitura tem buscado soluções alternativas, como contratar moradores das favelas, onde não há condições de entrada de caminhões, para retirar o lixo em carrinhos.
O Município de São Vicente apresenta os mesmos problemas naturais de drenagem das águas pluviais existentes em Santos, pois fazem parte da mesma ilha. Porém, a porcentagem dos canais não revestidos em São Vicente é bem maior do que os canais revestidos, o oposto da cidade vizinha. Praticamente toda a cidade tem a drenagem insatisfatória. Dos 42.402 metros de canais existentes, cerca de 35.982 metros não possuem revestimento.
Somente os canais localizados na Vila Valença, São Jorge, Voturuá, Parque Continental e Centro, encontram-se totalmente revestidos, o que representa 15,3% do total. Estes dados vêm de encontro à realidade de que a maior parte da população vicentina encontra-se em precária condição sanitária, vítimas de inúmeros transtornos por ocasião das enchentes no verão, estação das chuvas.
São Vicente foi o único município da RMBS que não atendeu à solicitação de responder ao questionário norteador, nem por escrito, nem por entrevista. As informações que se seguem baseiam-se em dados obtidos na imprensa escrita e em informações verbais não oficiais, tendo havido a preocupação de seguir o esquema proposto no questionário formatado.
A questão ambiental é desenvolvida por departamento específico da Secretaria de Obras e Meio-Ambiente. Com uma pequena estrutura física e funcional, foi transferida do Paço Municipal para as instalações do Horto Municipal no ano de 2002.
O município apresenta vários problemas ambientais, podendo ser citados entre outros: ligações clandestinas de esgoto, invasões de mangues, assentamentos subnormais, e, existência de vários pontos passíveis de enchentes por ocasião das chuvas.
Em relação às invasões de terras, a Secretaria de Obras e Meio-Ambiente, junto com a Defesa Civil, realizam fiscalização rigorosa, coibindo novas construções e demolindo as que por ventura aconteçam. A região mais atingida pelo processo de invasão é a Área Continental.
QUADRO E POLÍTICA AMBIENTAL
A Prefeitura mantêm parceria com uma ONG da cidade, a BIO Verde, através de repasse financeiro para a execução de serviços de prevenção ambiental. Esta ONG desenvolve o Projeto "Cata-Maré": utiliza quatro barcos, que diariamente percorrem a área estuarina, retirando das águas resíduos sólidos flutuantes procedentes de diversos pontos da região, colaborando com a despoluição destas águas; calcula-se que são retiradas aproximadamente 200 toneladas de resíduos por mês, os quais são primeiramente descarregados em um núcleo de pescadores, para posterior transporte pela empresa de limpeza pública (CATA-MARÉ, 2002).
Um importante projeto em desenvolvimento desde o ano de 2000 é a reurbanização do Dique do Sambaiatuba, localizada na divida com o Município de Santos, área que sofreu uma intensa invasão de moradias nas décadas de 1980 e 1990, comprometendo as matas ciliares e o mangue. O Dique foi construído na década de 1950 com o objetivo de utilizar os manguezais para a implantação de atividades agrícolas próprias ao solo úmido, tendo sido equipado com comportas para impedir a entrada das marés altas.
As atividades agrícolas nunca aconteceram, e a área começou a ser ocupada para fins habitacionais a partir de 1960. No ano de 2000 estimava-se uma população de 6.360 pessoas, moradoras em 1.920 domicílios, com características de favelas: apresentava precariedade de infra-estrutura de saneamento e serviços públicos, lotes e construções irregulares, assentados em vielas estreitas, sendo muito delas em palafitas.
O Projeto de Urbanização teve início com a questão da regularização fundiária, visto ocupar terrenos municipais e federais, tendo sido integrado ao "Programa Habitar Brasil/BID". As obras envolvem: construção de casas-embrião, para as famílias que precisam ter suas moradias deslocadas, remoção de palafitas, execução de micro e macrodrenagem, instalação de rede de esgoto e abastecimento de água para todo o conjunto, pavimentação do viário principal, obras de contenção nas bordas do dique, e construção de um Centro Comunitário (SÃO VICENTE, 2000).
No início de 2004 foram entregues as primeiras 256 casas, correspondentes à primeira fase do projeto, com o compromisso do Governo Federal de repasse de verbas referente à segunda fase (SÃO VICENTE, 2004).
A Educação Ambiental é de responsabilidade da Secretaria de Educação (SEDUC), que desenvolve as atividades integradas à grade escolar. O Núcleo de Educação Ambiental, do Horto Municipal, cuja responsabilidade cabe aos biólogos e veterinários do próprio Horto, desenvolve curso de capacitação de monitores, e promove cursos de férias para turmas de 30 crianças, quando realizam palestras sobre o meio-ambiente e caminhadas nas trilhas existentes no próprio Horto.
Além disso, é mantida uma sala destinada a Educação Ambiental na área do antigo Lixão que foi desativado, sendo administrada pela Companhia de Desenvolvimento de São Vicente (CODESAVI), empresa municipal responsável pela limpeza pública da cidade. Em janeiro de 2004 foi lançado o "Projeto Área Continental", o qual possui em seu escopo o Centro de Apoio à Educação Ambiental, com o objetivo de formar monitores ambientais, além de promover oficinas de reciclagem.
Em relação aos resíduos sólidos, São Vicente conta com bons índices na análise da CETESB. O Lixão do Sambaiatuba que iniciou suas operações em 1970 foi desativado em abril de 2002 após 32 anos, passando os resíduos a serem transportados para um Aterro Sanitário na cidade de Mauá. Por ocasião do seu fechamento ocupava uma área de 47.000 m², com uma altura aproximada de resíduos de 20 metros, resultante do depósito diário de resíduos calculado em 250 toneladas.
A desativação foi decorrente do TAC assinado com a CETESB no ano de 1999, que também obrigava à adequação técnica e ambiental das instalações desativadas. O local foi transformado em uma área de lazer para a comunidade, com exceção de 800 m² reservados para uma unidade de transbordo; com o nome de "Parque Ecológico Sambaiatuba", recebeu inicialmente uma cobertura destinado à separação física dos detritos depositados das novas instalações a serem construídas, com a manutenção dos 27 drenos existentes, que auxiliam na retirada dos gases gerados na desintegração dos resíduos orgânicos; foram construídos: viveiro de plantas com 360 m² para fornecimento de mudas aos projetos de arborização do Município, uma sala de Educação Ambiental, parquinho infantil, e três quadras esportivas (LIXÃO..., 2003).
Em nenhuma das reportagens locais ou informes oficiais da administração são encontradas referências à questão do chorume que continua sendo produzido e afetando as águas do Rio do Bugre, que margeia o local. O relatório de uma visita técnica realizada por alunos do Curso de Tecnologia Ambiental da UNESP ao local, no início de 2003, conclui que existe uma preocupação com a aparência do local, em detrimento às preocupações de monitorização geotécnica e do lençol freático (SEIKAM et al, 2003).
O Conselho Municipal de Defesa do Meio-Ambiente foi instituído originalmente pela Lei nº 1977 de 04 de dezembro de 1984, a qual foi complementada pela Lei nº 2050, de 22 de novembro de 1985, sofrendo alterações em relação ao número de seus componentes (diminui de quinze para nove) pela Lei nº 545-a, em 1997. O COMDEMA nunca foi ativado pela administração que assumiu o governo em 1997 e foi reeleito em 2001, sendo que sua ativação não é considerada como desejável pelo atual quadro executivo .
O Plano Diretor de São Vicente foi instituído através da Lei Complementar nº 270, de 29 de dezembro de 1999. Foi elaborado por uma equipe multidisciplinar composta por técnicos do quadro funcional da administração executiva, locados em Secretarias diversas. Constituiu-se de um elenco de diretrizes, que necessitam de outras leis e decretos para que se tornem efetivas, conforme definido no artigo 12: "Para efeito do disposto neste Plano Diretor, leis específicas regulamentarão as matérias nele contidas, com a indicação dos instrumentos e mecanismos competentes".
Câmara e Agenda 21 Regional - Para uma Rede de Cidades Sustentáveis - A Região Metropolitana da Baixada Santista". Universidade Federal de São Carlos/Centro de Ciências Exatas e de Tecnologia/Programa de Pós-Graduação e Engenharia Urbana. Fonte: Novo Milênio.
Reportagem destacou ocupação irregular próximas aos rios da Avó e Sacoarê após obras do governo federal. 

Terrenos de marinha transformaram-se em "negócio da China" em S. Vicente


 A TRIBUNA – 01 de novembro de 1952 

Diante da indiferença das autoridades municipais, meia dúzia de grandes proprietários apoderaram-se legalmente de extensas áreas, saneadas e drenadas pelo governo federal – Cerca de 200 famílias pobres desalojadas dos locais onde construíram os seus "casebres" 
Os "grileiros" brigam entre si – Um exemplo que Santos precisa prevenir, salvando seus mangues para uma prudente utilização – Uma reportagem em São Vicente 
A questão dos terrenos de marinha tem sido debatida em seus diversos e múltiplos aspectos. Uma coisa ressalta sobre todas as diversas facetas dessa questão. É a negligência com que sempre foi encarada pelos poderes competentes, e que motivou o desaparecimento de um vultoso patrimônio público, que poderia, pela lógica mais rudimentar, pertencer aos governos municipais, já que a lei lhes reserva preferência, logo após os poderes públicos federais, que, aliás, sempre ficam com direitos sobre os mesmos, uma vez que as concessões de área de marinha são sempre feitas a título precário. 
Desde [...] anos as prefeituras municipais deveriam ter requerido para seu domínio os referidos terrenos, a fim de lhes dar a aplicação que mais conviesse ao interesse social (N.E.: trecho dilacerado no original). 
A negligência das autoridades competentes, entretanto, deixou que a posse de tais áreas passasse ao domínio de particulares, que com tais terrenos estão fazendo verdadeiros "negócios da China". Grandes fortunas estão sendo feitas com o loteamento e venda de terrenos de marinha, particularmente em S. Vicente, onde tudo está aforado. Os concessionários de tais aforamentos receberam de mão beijada valiosos patrimônios, representados por valor que em breve se elevará a bilhões de cruzeiros. 
E como se não bastasse essa valorização natural, ainda se beneficiaram com obras realizadas pelo Governo Federal, nas quais foram gastas dezenas de milhões de cruzeiros. Em Santos, praticamente nada ainda foi feito nesse sentido, mas a vizinha cidade de S. Vicente, ou melhor, meia dúzia de latifundiários de áreas urbanas, têm sido largamente contemplados, com as obras de saneamento representadas pelas retificações dos rios da Avó, das Cachetas, Catarina de Morais, Sambaiatuba etc., construção de diques e formação de alodiais. 
Grandes áreas de mangues e pântanos ficaram, assim, drenadas e enxutas, prontas para receber edificação, com uma quantidade de aterro relativamente pequena. Como a Prefeitura não reclamou a tempo os seus direitos, tais áreas passaram naturalmente à posse dos proprietários dos terrenos adjacentes aos referidos mangues, que outra coisa não fazem a não ser lotear e vender, uma vez que lhe seja deferido o aforamento requerido, de conformidade com o decreto n. 9.760, de 5 de setembro de 1946. 
Vastas áreas, como dissemos, foram beneficiadas pelos serviços realizados pelo Departamento de Obras de Saneamento do Ministério da Viação, destacando-se entre elas o Parque Bitaru, Planalto Bela Vista, Vila Matteo Bey, Esplanada do Barreiros, Vila Margarida, inclusive todo o trato de terras que fica entre o Rio da Avó e o Sacoarê. A retificação do Rio Cachetas beneficiou áreas compreendidas pelos terrenos de Vicry S. A. Parque S. Vicente, e as existentes entre os rios Catarina de Morais e Sambaiatuba, tais como Catiapoã, adjacências do Golf Clube, do Jóquei Clube etc. 
Os espertos não perdem tempo – Ao que fomos informados, há proprietários que requereram aforamento de terrenos de marinha que lhes são contíguos, e que ainda não tiveram deferido o pedido, que já estariam negociando compromissos sobre áreas compreendidas nos referidos terrenos de marinha. Não podendo efetuar vendas diretas, por não poderem vender legalmente o que de fato ainda não lhes pertence, eles contornam a dificuldade fazendo meros compromissos,não podendo, assim, sequer, ser chamados à responsabilidade. 
Estes são os espertos, que fazem as suas negociatazinhas sempre sob o amparo da lei. 
Há, entretanto, outros que, tendo chegado tarde, procuram também tirar partido da confusão. Alegando títulos hipotéticos, petições ou concessões de data e idoneidade duvidosa, invadem as áreas, roçam os matos, fazem aparentes benfeitorias, procurando justificar posse remota sobre os terrenos que pretendem. E tal confusão estabelecem, que dão origem a longas e demoradas demandas judiciárias, que nem sempre se decidem a favor dos legítimos direitos. 
Ao que nos informaram autorizadamente, um cidadão, há tempos, invadiu uma área de mangues, ao lado de um dique construído pelo Governo Federal, para isolar uma área alodial. Cortaram as árvores e construíram uma casinhola. Quando interpelados, alegaram estarem agindo em nome do diretor do próprio Departamento de Obras de Saneamento, a pretexto de pretender o Ministério da Aeronáutica instalar ali uma base aérea. Quando se apurou a improcedência das alegações, já a casinhola havia sido construída, e até hoje o cidadão continua afirmando a posse da área, que está, portanto, sendo objeto de verdadeiro "grilo". 
Mais tarde, outro lado da mesma área foi invadido por um segundo, ao que parece figurando como "testa de ferro" de outro cidadão. Ambos, ao que parece fora de dúvida, são invasores, iniciando uma contenda entre si, enquanto que o poder público se mantém à margem. 
Aspectos tristes de um mesmo problema – O problema tem, portanto, diversos aspectos, alguns dos quais tomam caráter legal. É o que aconteceu no Parque Bitaru, cujo proprietário requereu o aforamento de vasta área de mangues, em torno do Rio da Avó, que também foi beneficiado pela retificação. Foi-lhe, finalmente, concedido o aforamento. 
A esse tempo, porém, já cerca de 200 pessoas, na sua quase totalidade operários pobres, construíram seus "barracos" em diversos pontos dessa área principalmente junto ao dique construído pelo Departamento de Obras de Saneamento, apesar da proibição de construir a menos de 10 metros de distância do referido dique. 
Obtendo o aforamento, o proprietário requereu a posse dos terrenos, que lhe passaram a pertencer por direito. E em conseqüência criou-se um grave problema de caráter social. Cerca de 200 famílias terão de ser desalojadas,não tendo para onde transferir suas pobres vivendas. Isto não teria acontecido se a Prefeitura de S. Vicente tivesse oportunamente se antecipado à iniciativa particular. 
Um cidadão bem informado nos descreveu a questão em linguagem pitoresca. Há três espécies em luta: os tubarões, os proprietários de terrenos confinantes com áreas de mangues, que requerem os aforamentos respectivos para vender lotes; as sardinhas, que são os pobres-diabos que armam as suas palhoças nos pontos menos atingidos pelas marés; e os corvos, que são aqueles que se limitam apenas a invadir e a "grilar". 
Dessa maneira, criou-se em São Vicente um grave problema que toma aspectos sociais da mais alta relevância. 
Um exemplo para Santos prevenir – Em Santos não tardará também a se repetir tal fenômeno. Cremos, portanto, dever o governo municipal olhar o exemplo do que ocorre em S. Vicente, para tomar imediatas providências. A cidade cresce rapidamente, e em breve os mangues que confiam as já poucas terras que lhe restam, reduzido ao mínimo pelo fracionamento com a criação de outros municípios, terão de ser utilizadas para edificação residencial, como já o estão sendo para construção de cais, armazéns, pátios ferroviários, depósitos etc. 
Por mais que se queira ignorar a situação,não demorará o tempo em que a ponte sobre o estuário se transformará não em mera necessidade de comunicações, mas para ampliação da área urbana. Seja entre o Valongo e a Ilha Barnabé, seja a Alemoa e o Morro das Neves, tendo de permeio a Ilha do Bagrinho, a comunicação com o outro lado do estuário impor-se-á irremovivelmente. 
Esse foi um dos motivos pelo qual nos batemos intransigentemente pela construção da estrada para o litoral Norte, passando por Santos, pois a ponte traria para esta cidade um benefício incalculável, por concorrer para a solução de um dos seus mais importantes problemas. Infelizmente, não encontramos o apoio que seria de esperar, não só do Executivo, como do Legislativo municipal, que por certo ainda não se aperceberam do alcance do assunto. Santos precisa crescer, mas dentro do seu próprio território, e deste já pouco resta que não fique do outro lado do estuário. 
Não vai neste nosso ponto de vista sentimento de regionalista estreito, mas sim o propósito de reivindicar para o município todas as frentes de renda indispensáveis à satisfação dos seus custosos compromissos. TA questão dos mangues, que em S. Vicente criou um grave problema, apresenta-se, assim, também para Santos, como de relevante importância.
Foto: obra de retificação do rio da Vó e o Mar Pequeno.


DOCUMENTO
Carta de Eulâmpia Requejo Rocha ao SPT-SP

Conteúdo: contestação e denúncia de posses fundiárias irregulares dos sítios de Samaritá, área continental de São Vicente.
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São Vicente, 15 de Novembro de 1996
Ao Departamento Jurídico do Serviço de Patrimônio da União (SPU)-São Paulo.
Prezados Senhores.
Eu Eulâmpia Requejo Rocha, rg. 4.317.226, casada, historiadora, residente à Rua Indaiatuba, 90, Parque São Vicente, em São Vicente, telefone 464.41.05, vem por meio desta expor, esclarecer e reivindicar o seguinte.
Abaixo esclarecerei a história daquelas terras do Distrito de Samaritá, em São Vicente, uma área que até o INCRA em Brasília tem conhecimento, que são quase todas griladas por Celso Santos e Leon Jafet, estando no momento, numa das partes, Luís Celso Santos.
Se até Brasília, no INCRA, tem conhecimento desse fenômeno, pois Celso Santos e hoje seus herdeiros, grilaram e continua grilando todo o litoral; agora andam lá por Guarujá e Bertioga.
Se na cidade toda, também, quase todos os advogados sabem que grande parte do Distrito de Samaritá, foi grilado do meu avô, Ignácio Gonzalez Requejo e hoje Espolio, já há mais de dez anos vem lutando para recuperar essas terras, porque todos fecham os olhos e continuam dando ganho de casa a Luís Celso Santos, quando este entra com ação de reintegração de posse, como é o caso agora na invasão de parte dessas terras, lá no Humaitá. Já está na hora de a justiça verificar e saber de quem realmente são aquelas terra. Porque Celso Santos agora, não tem o direito de doar ou fazer acordos com os posseiros, pois ele não é o dono, assim como também não são publicas, e nem os herdeiros de Manoel Paulino que agora se dizem os donos, pois este último é um estelionatário, que em empregado de meu avô Ignácio no trabalho de exploração de areia. No fim tomou conta de toda a terra, desrespeitando o ex-patrão, depois que este faleceu em 1944 e já vou descrever já a historia do Distrito de Samaritá, e depois disso espero que esse órgão, tire a posse de Luís Celso Santos e dê para a família Requejo, pois esta sim, tem o direito e fará a regularização da área para os posseiros, a partir do momento que não avancem nos mangues.
Depois do falecimento do meu tio Cícero Requejo, sou eu que como herdeira indireta, das terras de Samaritá, venho lutando há mais de dez anos, para recuperar os direitos dos herdeiros diretos, meu pai e meus tios, alem dos indiretos, que já ficaram órfãos. E tenho certeza, que se vós soubesse, que nesse meio temos herdeiros indiretos, menores de idade, iriam levar mais a serio o que aqui eu relatar, pois a Constituição manda respeitar o direito de propriedade e não deixa desrespeitar direitos hereditários, o que em 1962, já foram desrespeitados, pela própria Justiça que deu ganho de causa a Celso Santos, com uma interpretação de documentos, que só interessava a essa máfia de grileiros, dos quais Luís Celso Santos, ainda faz parte. E na época, eu era uma herdeira indireta e menor de idade. O que a Justiça não analisa é que herdeiros menores vão crescer e raciocinar onde esteve o erro judiciário. É isto que há dez anos venho cobrando, mas não encontro um advogado se quer, que não se venda ao grileiro, que os procuram para negociar e eles largam a nossa causa.
Os maiores grileiros desse Distrito são Celso Santos, e hoje seus filhos, Leon Jafet e família, Sartori e Armindo Ramos, além de Manoel Paulino, que o próprio INCRA de Brasília, quando lá estive pessoalmente, de que quanto ao Manoel Paulino, eu não precisaria mais me preocupar, pois este já tinha perdido todas as causas sobre essas terras. Como é que agora aparece Manoel Paulino, com recibos do INCRA, se dizendo o dono só porque paga impostos aquele órgão. Afinal, o nome legitimo que eles tinham lá era o do Ignácio Requejo. E como pode a Prefeitura receber também impostos da mesma área que alias, está atrasado dois anos, de Luís Celso Santos? Afinal, perante a Prefeitura, Luís Celso Santos é o dono; perante o INCRA é o Manoel Paulino; as vezes, se diz dono no SPU. Será que a Justiça ainda não percebeu, que ela tirou da área os verdadeiros e legítimos proprietários e assim se fez uma confusão na área continental, pois com tantos donos, do mesmo local, isto favorece o crescimento das favelas, ao passo que se, nunca tivesse interrompido o nosso inventario que já estava no formal de partilha, hoje aquela região poderia ter outro destino, pois nós que realmente somos os donos, não teríamos deixado destruir tudo, através das invasões, favelas, retirada de areia esburacando toda a região e dai pra frente. Se realmente o Luís Celso Santos fosse o proprietário e não grileiro, não teria esburacado toda a região com retirada de areia; não teria feito loteamentos todos aprovados irregularmente na Prefeitura, pois ele compra na cidade desde o Prefeito até o delegado e isto mostra que ele está se lixando para aquelas terras, ele só visa lucro e é assim que o capitalista Luís Celso Santos foi ficando milionário, tanto que sua imobiliária tem o nome da primeira área que ele grilou e fez o que sempre fez em todas as outras áreas, no caso também a nossa; através de capangas armados, ele expulsa os verdadeiros proprietários. E como já estou por demais cansada e desgastada de tanto andar trocado de advogados e eles nunca darem entrada nos nossos documentos no Fórum, e ficam nos enrolando durante anos; ou porque negociam com essa máfia ou por não terem o montante, que o ultimo advogado me disse valer, a quantia impossível de vinte e cinco milhões de reais e só para dar entrada no Fórum, teríamos que ir desembolsando três mil reais, só para começar. Eu lhe respondi que se tivéssemos esse dinheiro, não precisaríamos quebrar a cabeça para recuperar tais terras. O outro plano por ele oferecido foi financiar a causa e ficar com 60 % das terras, o que acabamos aceitando, devido ao desgaste já com outros advogados, mas mesmo assim, ele foi procurado pelo Luís Celso Santos, que não sei até hoje o que conversaram. Só sei que num dia ele chegou, e disse ser impossível nos defender, por que o montante para recuperar 724 alqueires eram vinte e cinco milhões de reais e ele não tinha.
Diante, disso, que foi no ano passado, depois de ele ter nos animado dizendo ser causa ganha e assim mesmo desistiu, o que fiz? O Sr. Nivaldo (Baixinho) candidato a vereador do meu partido, queria fazer um cadastramento para programar a invasão da área e pediu minha cooperação no sentido de oferecer os meus documentos, para na hora que Celso Santos pedisse a área, os advogados deles iriam se defender com os meus documentos, que logicamente, são mais quentes, por não ter incoerências, pois no do Celso até quem já morreu assina e todos os empregados de patrões, no caso nosso, ele coloca na sua escritura falsa, como fronteiros, que é o caso do José Mayer, que trabalhava com Ignácio Requejo; esse Mayer nunca foi proprietário naquela área e nem Manoel Paulino; eu apoiei a invasão que foi em julho de 96 e com posseiros fiquei durante um mês e meio, os orientando que não era para avançar na área de Marinha, que segundo meu documento, são 33 metros beirando o rio, e eles me obedeciam. Mas quando o Baixinho percebeu que estava perdendo espaço para mim, pois também era candidata a vereadora e do mesmo partido, ele fez uma traição juntamente com o colega e o advogado deles, não colocando minha documentação no processo deles de defesa. Espalhou para todo mundo que a família Requejo se ganhasse a causa, iria expulsar todo mundo. Colocou os invasores, todos contra mim, que no dia seguinte que la apareci, estavam todos revoltados e me dizendo que iam invadir todo o mangue sim, porque eu não era dona de nada e começaram a montar barraco na beira do rio, o rio Mariana, muito lindo por sinal. Disseram-me que a área era da União e que eu que caísse fora da Comissão dos Sem Tetos, como o baixinho apelidou o movimento. Depois de um mês e meio, no meio deles, dando-lhes o maior apoio, e ao mesmo tempo tomando conta para que não virasse uma favela, o coordenador do movimento me fez essa traição, e me devolveu os documentos. Mas um outro da Comissão sem querer, sigilosamente, me disse que eles acharam o nome do meu avô lá no INCRA mas não iam ganhar causa na Justiça para mim, e correrem o risco de perderem votos para mim, por isso decidiram me colocar de escanteio. Conclusão, perderam a causa, receberam intimação para despejo e agora a Justiça em São Paulo, caçou a liminar do Celso e não sei em que pé está. Eu deveria até desejar a eles agora, que me foram tão ingratos, que desse certo o despejo e todos sairiam e assim também o rio, que tanto admiro seria salvo, ainda mais que fiquei tão magoada com essa situação, que acabei doente, um dia após a eleição fui internada e acabei sendo operada com urgência no dia 9/10, ficando um mês de cama; só agora sarei. Mas lá existem crianças e acho que por elas tenho de fazer o meu pedido. Que não os despejem, dando ganho a Celso ou Manoel Paulino, que pelos meus traidores foi chamado a se meter no movimento, pois como abaixo vou explicar, eles não são donos de nada. O fato de irem lá pagar impostos, um na Prefeitura e outro no INCRA, não lhe dá o direito de se apossar de terras alheias pela força, pois na década de 60 até hoje, essa família, coloca lá os seus capangas. No inicio, quando era mata fechada, nos anos 70, a coisa era pior; qualquer um que se atrevesse a entrar naquelas matas e até mesmo nós os verdadeiros proprietários, eram recebidos a fogo de bala. Meu pai mesmo levou uma surra, dos capangas do homem, quando ele tentou atravessar a Ponte dos Barreiros, o que fazia todos os domingos. Ele resistiu à expulsão da família da área, de 1962 até 1984 e ainda não saíra da Casa Branca, como se chamava e até hoje leva esse nome, pois essa casa era a sede do Sitio Requejo, antigo Iguá e ia prá lá todos os domingos atravessando a pé a Ponte dos Barreiros, na época, só trilhos do trem e lá ele plantava. Mas o Celso que já havia grilado toda a redondeza, sabia que aquela casa era a casa sede do sitio. E assim, após, vinte anos, mandou que seus homens o surrassem antes de atravessar a ponte e além disso ele derrubou a Casa de Pedra, ficando somente a da frente, de caseiros, destelhou a casa, sumiu com os velhinhos que meu pai colocava como caseiros e lá colocou seus homens, que na época, eram todos policiais. Meu pai deu parte na delegacia, e como era de se esperar, o delegado o chamou de louco e não registrou a queixa Meu estava com uns 70 anos e ficou tão traumatizado, que não posso nem falar pra ele que eu, sua filha, agora, já há dez anos venho brigando na Justiça, sem progresso algum. Isso jurei no dia da morte de minha mãe, que morava comigo, por não ter casa própria, cuja morte ocorreu no dia 18 de janeiro de 1984, dizendo dois dias antes do infarto, que com tanta terra ( pois são 724 alqueires) não podia ter sua própria casa, e na quarta-feira faleceu. Nesse dia, depois de também ter falecido meu tio Cícero que há anos, desde 62 vinha lutando também, jurei que agora seria eu, pela minha mãe e pelo meu pai, que ficou sem a área dele, que lá em São Paulo num Cartório, que não sei onde, assinaram a partilha e para o meu pai, como era Oficial da Marinha, pois ele é piloto e 2o Tenente da Marinha de Guerra, deixaram a parte perto do mar, porque ele tinha seus barcos e sonhava montar uma Escola Naval. A grilagem na região hoje, a ela eu culpo, de meu pai estar no fim da vida, com 81 anos, e parece que vai morrer sem realizar o seu sonho. Isto porque talvez eles tenham comprado o Cartório de Imóveis de São Vicente, para interpretar mal os documentos e convencer o juiz que meu avô tinha vendido tudo. Eų, na minha matemática, não entendo como que de 724 alqueires se subtrai 364.000 m2. Afinal alqueire é alqueire. Frase esta bem clara. E tal venda que meu avó fez a Jurandyr do Carmo, de 364.000 m2, diz o Celso que esta terra foi comprada pela Construtora Santos, se não me engano e tem documento. Então meu avô vendeu a Jurandyr que vendeu para a Construtora que vendeu a Celso. Acontece que no documento do Jurandyr e comprovo com a presença de seu herdeiro que conheço pessoalmente e está disposta a testemunhar a hora que precisar, seu avô nada vendeu para a Construtora e no documento do Jurandyr tirado agora em 96, afirma isso. Então se Jurandyr não vendeu para a Construtora, essa nada comprou e não poderia então alguma coisa vender, logo, se a Justiça não fosse falha, chegaria à conclusão, que Celso nunca foi dono nem dos 364.000 m2 ou 15 alqueires. Quanto ao resto da área ao redor ele foi grilando tudo, com documentos tão bem bolados, todos do Cartório, que tem tanta incoerência que até dá preguiça de ler, mas eu os venho estudando há dez anos. E depois não sei porque não puseram no nosso inventário os dois documentos, pois os dois juntos é que dão os 724 alqueires. Um é da Igreja e o advogado diz valer, sim, pois se não valessem, eu como historiadora, não poderia historiar os imóveis artigos de Santos, que são todos do mesmo valor. E no entanto são com esses documentos que eu provo a propriedade dos imóveis, pois na época não tinha cartório de imóveis e quando abriu não foi obrigado passar outra escritura no cartório, pois a da Igreja, tinha valor legal. E é com esse documento, mais o do Cartório, que provo que parte daquelas terras e onde está também a invasão pertence na verdade a nós, ao Espolio de Ignácio Requejo ou Ignácio Gonzalez Requejo, que está arquivado do Fórum de Santos. E em 1962 mais ou menos, eles aqui em São Vicente, não procuravam a fonte no 1° e 3° Cartório de Santos, pois somente em 1962 mais ou menos, começou a ter Cartório em São Vicente. Eles simplesmente, faziam uma matricula das terras da área continental ou faziam desrespeitando as transcrições feitas em Santos. E não sei, ou melhor, tenho a certeza que sabem, transcrição engole matricula e esta engole posse, logo meu avô tem documento com transcrição.
Não temos culpa se na época usavam termos diferentes de hoje; pois como havia muita terra prá pouca gente, comprava-se alqueire de terra e se falava em limites. Por exemplo, a do meu avô fica entre o Rio Branco e o Rio Piassabuçu, até o quilometro 18 antigo que equivale ao 112 hoje, mais ou menos, na divisa com Rio Branco (bairro). O Rio Branco (bairro) realmente uma parte é de Leon Jafet, mas aquela parte que ele não passa escritura e anda vendendo tudo até hoje, com simples carnet, que ao findar, não se registra, está antes do km 18 antigo, ali no Quarentenário, cuja área foi desapropriada do meu avô, pelo Ministério da Agricultura e o Celso, dizem, foi lá e recebeu a nossa indenização indevidamente. Logo, não é da Prefeitura, nem ao SPU, nem aos grileiros, que a Rodhia deve aquela indenização, pois foi no nosso solo que ela estragou e agora o Prefeito pede aos senhores a doação de uma área que teria que ser devolvida para a família desapropriada na época.
A gente não tem culpa, de na época, terem feito uma salada danada, para o Celso receber o que ele sabia não ser seu. Tanto que a Secretaria da Agricultura, sabendo que tinha que devolver aos donos, pois passou cinco anos e não usou a área para o que queria, não conseguiu devolver, porque por um lado, a justiça conosco foi ingrata e nos colocou de escanteio; por outro lado, isto dito por entendedores do assunto, Celso não foi reivindicar a área de volta, porque ninguém mente bem duas vezes e com medo de ser desmascarado, deixou pra lá. É uma prova de que ele não é dono de nada, e que quando um morre, não se faz inventario, eles vendem ao próprio filho.
A salada dessas terras em relação à máfia de advogados também é tão grande, que um deles, para largar a causa, me disse, que tinha prova que as terras não eram do meu avô, porque um dos antecessores dessas terras, que era o Francisco Antônio da Silva, os seus herdeiros levaram para ele o inventário de 1873; então que o tal Francisco nunca vendeu as terras para aqueles que venderam ao meu avô em 1890. Acontece, que como sou historiadora, comecei a pesquisar os três nomes que tinham a terra em comum, em 1856; e achei no Arquivo Histórico de Santos, as certidões de óbitos, nas quais encontrei uma de 1883, do falecimento de natimorto de Francisco Antônio da Silva, provando com isso, que ele não morreu antes de 1873, a data do tal inventario que não achei, pois teve um filho dez anos depois. Quase que eu disse a esse advogado, se defunto tem filho. E falando em arquivo, consta que todas as terras da Ilha de São Vicente tinham dono em 1817,pois foram tombadas todos os sítios da ilha, pelo Aviso Régio de 1817, do Imperador D. Pedro II. E dentro dessas terras tombadas, existe uma seqüência de pelo menos até 1890, passando de dono para dono. A grilagem nessas terras, pelo menos em São Vicente, começou mais ou menos como a da Cidade Náutica, que também Celso Santos grilou e nunca mais seus donos reaverão as terras de volta. Só que entre nós, o Celso teve o azar, de na minha família ter uma historiadora que pesquisa documentos e interpreta às vezes melhor que juiz, pois essa é nossa função primaria, e sendo assim, eu posso não ganhar de volta as terras de minha família, mas nunca deixarei a convicção de que nossas terras foram roubadas. Tanto foram que até o Armindo Ramos, disse na minha cara: - Vocês não tomam conta, a gente rouba mesmo, e rindo, mas mesmo assim se propôs a servir de testemunha, caso eu precisasse, porque ele conhecia a minha família e já sabe que os Requejos eram os antigos donos e que foram roubados. Gostaria que um dia as próprias autoridades reconhecessem os nossos direitos e nos devolvessem a área Quanto aos loteamentos já existentes, na região passo a vós uma informação de um próprio morador, só para ilustrar a máfia da área. Ele me disse que a área que o Celso vendeu para construir o conjunto habitacional para a Coab Santista, fazer o Humaitá, foi vendido irregularmente, tanto que até hoje eles não conseguiram o habit ou habitat, (não sei).
Nós com essa grilagem perdemos o direito, isto é, mais pela justiça pois se esta fosse justa, não teríamos perdido a área, por interpretação errada dos documentos, então com isso perdemos a partir de 1962, o direito às terras, em cujas terras meu avô ficou desde 1890, até sua morte em 1944, pois ele foi o pioneiro da mineração na área e la plantava caju; perdemos o direito à indenização da Rodhia, da Fepasa, da Estrada de Rodagem agora em 95/96; da porcentagem de 10% a que tínhamos direito em cada caminhão de areia extraído do solo do qual éramos os donos e outras mais.
O Sartori, por exemplo, pediu sua primeira autorização para exploração da areia no Barreirinho, para o meu tio Pérsio Requejo e assim por muito tempo e depois tem a cara de pau, de ir direto em Brasília, pegar a autorização mas não diz que está em solo alheio e ainda quer fazer usucapião, quando ele sabe e está com a autorização de um dos herdeiros diretos, logo, seu pedido nunca deverá ser atendido, pois para todos os efeitos, nós estaríamos pelo menos nesse pedaço da área com o trabalho do Sartori. Hoje nega tudo, pois já ficou milionário e nunca nos pagou os 10% a que temos direito.
Concluindo, como estou cansada de andar de advogado em advogado e o ultimo que está com as papeladas, disse que a causa é muito alta e vai procurar alguém que queria comprar a causa, que tenha muito dinheiro para lutar contra Celso e Jafet, e assim sendo, mesmo que tenham sido ingratos comigo, gostaria que os senhores depois de estudarem tudo, pudessem chegar a eles (os posseiros) e dizer que os verdadeiros herdeiros e donos somos nós e que a Família Requejo é quem vai doar essa área a eles. Assim fariam justiça ao meu avô que já morreu e a nós que já estamos indo um por um, pois somente eu já tenho 51 anos. Quando eu morrer não interessa mais, mas já estou passando todas as informações para nossos sobrinhos continuarem.
Espero que os senhores tenham tido paciência de ler tudo atentamente e que possam assim acabar com essa máfia do litoral, que se perguntar para qualquer um aqui na cidade, dos velhos e da área continental (velhos também na região) irão afirmar tudo que relatei.
E digo mais, o senhor Celso nem na área ele pisa, somente os capangas, ele sobrevoa de helicóptero já recebeu o apelido de “ O Rei do Gado", por causa de somente sobrevoar e nunca descer, logo na verdade, nem a posse ele tem por vários fatores:
- Grilou a força, através de capangas, na década de 60 e 70, expulsando a Família Requejo da área. Não foi posse mansa;
- Além dos Conjuntos Habitacionais irregulares, sem muitas vezes o comprador poder registrar, que fez, no restante, nunca plantou nada e nem casa fez, tanto que lá no Humaitá fez casa do caseiro na parte vendida para a Cohab; isto porque ele nem tem noção da terra que ocupou; nem sabe o que tem; na outra parte nem casa de caseiro tem; somente até uns anos atrás, os capangas ficavam rodeando na mata, para não deixar ninguém entrar, e armados. Como o rio Mariana fica dentro dos limites da terra, ele até antes da invasão poucos se aventuravam a entrar na mata para ir pescar. Fiquei sabendo por morador do Conjunto que a área do Iguá que vem desde a ponte até o Humaitá, nunca foi desmembrada, consta na Prefeitura como única área: daí a prova que era do meu avô, por que nem o juiz sabia o montante da área quando indiretamente nos expulsou dando ganho de causa a Celso, arquivando nosso processo, nos chamando ainda de estelionatários, quando na verdade, este nome merecia levar a parte contraria, que nem estava no processo; apenas teve carta branca para ficarem sossegados em terras alheias colocando capangas policiais, porque na época, o grileiro era o Delegado de Policia Regional, por isso mais tarde, e sempre, reclamação contra Celso, que foram muitas, nunca eram registradas; agora, até hoje, a do Celso, é na hora atendido. Na realidade nunca comprou aqueles 360 m2 do Jurandyr do Carmo porque este nunca vendeu para a Construtora Santos, de cujo pedaço ele foi grilando até o Barreirinho.
Por sua vez, a família do Jurandyr, apesar de ter comprado, como eram de São Paulo, nunca tomaram posse e ainda apareceram no Cartório duas vendas a mais para o Jurandyr, cujas pessoas, eram da mesma família e do mesmo pedaço de terra. Fizeram uma confusão para dizer o Sr. Celso, que poderia comprar o sitio de portas fechadas. Das três vendas somente uma é verdadeira e esta nunca foi paga até o fim para o meu avô.
Enfim, com toda essa problemática e cansada, agora vos escrevo para juntamente com o (INCRA), gostaria que passassem essas informações, pois já estou muito cansada, mesmo, me atendesse em dois pedidos:
-Devolução da área inclusive do Quarentenário para o Espólio de Ignacio Gonzalez Requejo;
- Não dar ganho de causa a Celso Santos, nem Jafet, nem Manoel Paulino;
- E acreditar finalmente, que eles não são donos de nada e se enriqueceram, vindos de São Paulo, às custas de várias famílias, como a da Cidade Náutica e nós, deixando na miséria uma família (a minha) que era rica e com prestigio, pois meu avô aqui estava desde a época da Monarquia, ou final e ele era muito considerado na cidade, por ter a mania de doar tudo da sua mercearia e dinheiro aos pobres e índios guaranis do litoral, tanto que era chamado de "padrinho dos índios”.
- E para finalizar deixem os posseiros ficarem lá, pois suas casa lá foram pioneiras, mas que lhes diga que nós somos os doadores, para cair a mascara daqueles políticos que lá estão passando de bonzinhos, com a terra alheia e sabem de quem são, pois tiveram meus documentos na mão e ainda para fazer mais pouco caso ainda de mim, o advogado deles me entregou a documentação me dizendo o seguinte: - A documentação de vocês é mais quente que a dos outros dois. Você tem fortuna nas mãos (os documentos), mas em contra-partida, precisa de outra fortuna para tirar os grileiros da área.
Responde-me os senhores. É justo ouvir uma coisa destas e ficar de mãos atadas, sem poder fazer nada?
A minha única esperança são as autoridades levarem ao conhecimento da Justiça, a nossa situação, porque em dez anos cheguei à conclusão que nenhum dos advogados deu início à ação nenhuma, logo, nenhum juiz, a não ser aquele que errou, pegou nossa documentação para anular aquela sentença do inventário, porque, para bom interpretador, a sentença está fácil de anular, como disse o advogado.
Sem mais, envio alguns documentos, confiando no bom senso da Justiça do SPU e do INCRA ao qual peço a vocês que lhe comuniquem o inteiro teor dessa carta
Atenciosamente
EULÂMPIA REQUEJO ROCHA (historiadora)

PS.
Celso Santos, já está há alguns anos sabendo quem eu sou. Mandou o capanga dele dizer as minhas características, quando eu estive o mês de julho/agosto na área de invasão do Humaitá, sobrevoou em cima da minha cabeça e ameaçou descer na mata bem na minha direção. Quando fui na última vez na Casa Branca, conversar com um dos capangas (um que contou da surra do meu pai) e ficou pelo menos aparentemente, do nosso lado e nos deus passagem livre na área e na casa durante uns três anos, para nos ajudar a retomar a área de volta. Pois bem, nesta ultima vez, depois desse sobre vôo na área e me conhecer de longe, esse capanga (não quer mais ser chamado dessa forma), me avisou, que por lá ele (Celso) passou, dando ordens para que se armassem e me recebessem à bala se preciso fosse. Então, ele me disse: “Por enquanto, não passe mais aqui, porque os outros estão armados para não te deixar entrar”. E que eu já tinha passagem livre para ir buscar jaca e siri, ou caranguejo. Isto é só para vocês verem que de todos aqueles da Comissão que, injustamente, me colocaram de escanteio, por medo de perder votos para mim. É a minha cabeça que coloquei a prêmio quando aceitei ajudar o Baixinho e o Andrade.

16/04/2021 -Notícia. SECOM SV

Centenas de famílias terão regularização fundiária na Vila Nova São Vicente

Trabalho topográfico teve início na quinta-feira (15), dentro da parceria com o programa “Cidade Legal”. Na prática: garantia de posse e escritura definitiva



Cerca de 500 famílias que residem na Vila Nova São Vicente, na Área Continental, testemunharam esta semana o pontapé inicial para o processo de regularização fundiária de todo o núcleo.
Os trabalhos de topografia começaram na tarde de quinta-feira (15), com atuação de equipes do “Cidade Legal”, programa do Governo do Estado desenvolvido em parceria com a Prefeitura de São Vicente, por meio da Secretaria de Habitação (Sehab).
Além dos equipamentos usados em solo, um drone ajuda no mapeamento da área de 80 mil metros quadrados.
A secretária de Habitação, Camila Oliveira, destaca que, na prática, a regularização dá a posse documentada do imóvel. “As famílias vão permanecer em seus lares, com melhor qualidade de vida, segurança e a escritura definitiva”, detalhou a secretária municipal. Assim, os imóveis podem passar legalmente para herdeiros ou mesmo serem vendidos com linhas de crédito bancário, uma vez que haverá a total segurança da posse, além da valorização.
Na parceria com o Estado, estão incluídas ações de campo, de cadastro, de pesquisa fundiária, de análises jurídicas e ambientais, que vão culminar na legalização dos loteamentos que hoje se encontram irregulares.


A costureira Ivone Maria da Silva, 63 anos, é uma dessas centenas de pessoas que vão ter a situação do imóvel legalizada. “Sempre quis passar minha casa para o nome dos meus filhos, ainda em vida, e não podia. Agora, finalmente, vou conseguir”, afirmou Ivone, que há 28 anos reside na Rua Solon de Oliveira.
O operador de máquinas Domingos Pedro Lima, 67 anos, foi um dos primeiros moradores do núcleo, nos anos 1970. “Cheguei aqui no bairro há 50 anos, quando era só mato. Aos poucos, as coisas foram melhorando, e agora com a regularização, vai ficar tudo certo, tudo na legalidade”, comemorou.
“Pela primeira vez na história de São Vicente estamos estruturando um programa municipal de regularização fundiária. Trata-se de um compromisso da Administração Municipal e a Sehab está empenhada para atender as demais áreas da Cidade”, concluiu Camila Oliveira.



 O CASO RODHIA

Terrenos contaminados por indústria 

NOVO MILÊNIO

Em junho de 1993, a multinacional Rhodia teve suas atividades suspensas.

Um dos mais graves casos de contaminação do solo no Brasil ocorreu na Baixada Santista, quando produtos químicos perigosos - resíduos de produção industrial - foram depositados em vários terrenos de São Vicente e outros municípios. Uma dessas áreas foi liberada do monitoramento dez anos depois da suspensão judicial das atividades da multinacional Rhodia e da ordem para realizar a descontaminação, como registrou o jornal santista A Tribuna em 13 de março de 2005:



RECUPERAÇÃO

Cetesb libera área contaminada pela Rhodia

Suas atividades suspensas na região em junho de 1993, por determinação da Justiça. Na época, a empresa também foi obrigada a manter vigilância permanente em quatro áreas de Cubatão, quatro de Itanhaém e cinco de São Vicente – incluindo a PI-06 -, onde foram encontrados resíduos tóxicos.
A empresa chegou a Terreno passou por processo e remediação ambiental durante uma década.
Pedro Cunha- Da Sucursal
Após mais de dez anos de monitoramento em 11 áreas de remediação espalhadas por três municípios da Baixada Santista, a Rhodia recebeu um ofício da Cetesb considerando concluídas as operações no sítio denominado PI-06, situado entre o Rio Mariana e a Rodovia Padre Manuel da Nóbrega, próximo ao KM 67, na área Continental de São Vicente.
De grande importância para a comunidade local, o fato ocorreu em 8 de agosto de 2003. Entretanto, só veio à tona na semana passada, diante de questionamentos de moradores do Jardim Rio Branco sobre falhas na vigilância de "um terreno contaminado da Rhodia".
Na realidade, o controle pôde ser reduzido exatamente em virtude da liberação ambiental do terreno. Conforme ofício encaminhado pela Cetesb à Rhodia, em agosto de 2003, o órgão estadual considerou "concluídas as operações de remediação da área do Site PI-06", com base nos dados obtidos pela CSD-Geoklock e pela própria Cetesb.
No documento, o órgão ambiental ressalta que "caso venham a surgir fatos novos que justifiquem, a Cetesb poderá retomar o assunto, a bem do meio-ambiente e da saúde pública". A informação também foi comunicada ao Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de São Vicente e ao Ministério Público.
Imagem publicada com a matéria

Liberação – De fácil acesso a partir do Cemitério da Paz Celestial, localizado no Jardim Rio Branco, o PI-06 continha guarita com vigias e duas barreiras de arame farpado até poucos anos atrás. A redução abrupta no controle sobre o local chamou a atenção de moradores da região, pois não havia qualquer informação sobre o fim do processo de remediação da área.
No último domingo, A Tribuna esteve no PI-06, comprovando a ausência total de vigilância no terreno. Da primeira cerca outrora existente, restavam apenas algumas madeiras fincadas no solo, com arames oxidados nas proximidades.
A área de remediação continuava rodeada por arames farpados, exibindo uma placa nos mourões de concreto com os dizeres: "Proibida a entrada de pessoas não autorizadas". Entretanto, várias trilhas cruzavam o terreno a partir de pontos onde a cerca contém buracos, deixando claro que a entrada de estranhos é constante.

Extração de areia provocou erosão, criando cenário diferenciado. Foto: Adalberto Marques, publicada com a matéria

Vestígios – Se na parte frontal ainda existiam barreiras que visavam dificultar o acesso público, do outro lado nada impedia a entrada de pessoas sem autorização. A placa alertando se tratar de uma área de remediação estava jogada no chão e os mourões já não continham arame farpado.
Somado a isso, o caminho exibia vários traços do processo de remediação, como as grossas mantas impermeabilizantes utilizadas para evitar a erosão. O material podia ser visto do lado de fora da cerca, parcialmente encoberto por uma fina camada de areia e mato.
De acordo com moradores locais, é comum crianças e jovens entrarem na área em busca de árvores frutíferas como as goiabeiras, que crescem ao lado de poços piezométricos. Os aparelhos foram instalados no terreno para medição do lençol d’água.
Fezes e ovos de animais revelam ainda que o terreno também serve de rota para a fauna silvestre. Havia também vestígios da presença de caçadores nas redondezas. Como a área fica entre o Jardim Rio Branco e o Rio Mariana, muitos moradores da região cruzam o local para pescar.

Placas indicando risco e arame farpado foram destruídos. Foto: Adalberto Marques, publicada com a matéria

Vizinhança abriga mineradora e projeto habitacional
A notícia de que o sítio PI-06 está remediado tem relevância ainda maior se for levada em conta a vizinhança. Nos fundos, uma pequena faixa de manguezal separa o terreno do Rio Mariana. Ao lado, há uma área de extração de areia que impressiona pelo tamanho. E, na frente, situa-se um dos maiores loteamentos aprovados pelo Estado em 2004, o Vila Verde, que terá 3.104 lotes, de 106 metros quadrados cada.
Segundo a gerente regional do Ibama, Ingrid Furlan, tanto a mineração quanto o loteamento foram aprovados por vários órgãos ambientais, incluindo o Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais (DEPRN) e a Cetesb. No caso do empreendimento habitacional, ela garante terem sido realizadas, inclusive, análises do solo que descartaram qualquer tipo de contaminação.
"Toda mineração é degradante, mas a empresa é obrigada a recuperar a área", comentou Ingrid, ressaltando que a atividade no local também conta com autorização do Departamento Nacional de Proteção Mineral (DNPM). Ela revela que verificou a situação pessoalmente, diante de questionamentos do então prefeito de São Vicente, Márcio França.

Outros dez lixões continuam sob rigoroso controle

Empresa diz que terreno nunca abrigou resíduos tóxicos
Questionada a respeito da ausência de fiscalização no sítio PI-06, a Rhodia afirma que não há qualquer problema com a área, que "jamais foi utilizada como depósito de resíduos e não está abandonada". A empresa salienta que há placas indicando que se trata de área de recuperação ambiental, embora a sinalização no terreno informe tratar-se de uma "área sob remediação e monitoramento ambiental".
A Assessoria de Imprensa da Rhodia acrescenta ainda que o PI-06 vem sendo monitorado pela empresa, que mantém vigilância no local, destacando que "não há moradores nas proximidades". Segundo o órgão de comunicação da multinacional, o mato existente faz parte do processo de recuperação ambiental, além de dificultar o acesso ao terreno por pessoas sem autorização.
"Ou seja, só entra no local quem efetivamente quer fazer isso e tem que levantar o arame farpado", destacou a Assessoria de Imprensa da Rhodia. Quanto à placa caída no chão, foi informado apenas que, para retirar o equipamento de onde estava, seria preciso muita força, uma vez que é feito de concreto por recomendação das autoridades, para evitar furtos.
Vale lembrar que as demais áreas de remediação da Rhodia na região continuam sob forte esquema de vigilância. Em uma delas, cuja entrada acontece pelo Quarentenário, por exemplo, a empresa está promovendo a ampliação dos muros, já considerados inacessíveis pela comunidade vizinha.

A Tribuna não esquece


Imagem: A Tribuna de sexta-feira, 26 de julho de 1991, publicada com a matéria

A Rhodia teve s construir um incinerador, que queimou 70 mil toneladas de solo contaminado retirado dessas áreas. O restante – cerca de 33 mil toneladas – foi armazenado na Estação de Espera situada entre os Km 67 e 69 da Rodovia Padre Manuel da Nóbrega, na Área Continental de São Vicente.
De acordo com a multinacional, a melhor solução seria a utilização de fungos capazes de degradar o material químico de forma natural, em um processo conhecido como biorremediação. Enquanto não encontra a fórmula adequada para essa opção, a empresa busca outras formas de eliminar os resíduos.
Em 2004, a Rhodia chegou a enviar ao Pólo Industrial de Camaçari, na Bahia, 3.600 toneladas de solo contaminado com organoclorados dos sítios instalados nos Km 67 (2.200 toneladas) e 69 (1.100 toneladas) da Padre Manoel da Nóbrega, e do PI-05 (300 toneladas), localizado próximo ao Rio Piaçabuçu.
O material seria incinerado pela empresa Cetrel. Segundo autorização concedida na época pelo Centro de Recursos Ambientais (CRA) do Governo da Bahia, o solo apresentava uma composição de Hexaclorobutadieno, Tetraclorobenzeno, Pentaclorofenol Pentaclorobenzeno, Hexaclorobenzeno e Cloro.

QUASE 50 ANOS DEPOIS


CASO ROHDIA: A HISTÓRIA SEM FIM

DO BLOG ESTAÇÃO DE ESPERA
 Bárbara Silva

Rua Gustavo Cordeiro, bairro Gleba II, em São Vicente. Meados dos anos 90. Era ali que Maria Eurides Pereira observava as crianças, de 5 a 11 anos, jogando bola no terreno. Correm com os pés descalços, em busca dos chinelos fincados no chão para marcar a trave do gol.
Na época, o lugar tinha poucas construções, então, campos vazios e terrenos baldios eram comuns nos arredores. Em contraste com o cenário bucólico, uma placa proibindo a entrada de pessoas não autorizadas demarca um desses terrenos. Ninguém sabia que aquele solo estava contaminado. Camadas e camadas terra adentro, massas disformes de resíduos tóxicos permeavam cada grão da terra.
Havia pouco tempo que dona Eurides, hoje com 63 anos, tinha se mudado para o bairro Gleba II. Naquele tempo, o chamado “Caso Rhodia” já era conhecido, discutido com frequência entre os moradores. Não era difícil encontrar pela Área Continental do município pessoas que desenvolveram câncer – ainda que nem sempre fosse possível atestar com laudos a relação da doença com a contaminação por produtos tóxicos -, ou ouvir relatos de trabalhadores atingidos.
Dona Eurides os conheceu em reuniões na associação de moradores, onde foram convidados para falar. Ela ouvia seus relatos com tristeza: “Eles diziam que trabalhavam com hexaclorobenzeno e pentaclorofenol, e com isso ficavam com um odor tão forte que a mulher (suas esposas) não conseguia sentir o cheiro deles. Isso me marcou muito”.
Segundo o dossiê elaborado pela Associação de Combate aos Poluentes (ACPO), entre 1976 e 1978 foram verificadas erupções cutâneas dolorosas e fétidas (cloracne) pelo corpo daqueles que lidavam com os produtos tóxicos. O relato traz ainda a história de Francisco Alves Moura, operador de granulação, que tinha contato direto com o pentaclorofenato de sódio, e que passou por 48 intervenções cirúrgicas para retirar todos os caroços do corpo. Até mesmo sua família foi contaminada ao manipular suas vestes de trabalho.
Esses sintomas apontavam problemas maiores, como doenças hepáticas e do sistema nervoso. Foi o caso de Moura, que ainda teve comprometimento dos pulmões. Em matéria do jornal A Tribuna de 5 de junho de 2003, o ex-funcionário também alegou ter sofrido corrosão química na laringe e no pulmão esquerdo por conta da manipulação do pentaclorofenato de sódio – conhecido popularmente como “pó-da-china*”.
O problema persiste, embora permaneça escondido para muitos devido à influência de ‘poderosos’, conforme os comentários. Tudo aconteceu há mais de 40 anos, mas até hoje muitas famílias aguardam reparação.
A Rhodia se comprometeu a fazer a limpeza e vigilância dos chamados “lixões”, em cumprimento a um acordo com a Justiça. Moradores de imóveis cuja estrutura era contaminada por produtos tóxicos receberam ressarcimento da empresa, que comprou os terrenos e demoliu as casas no bairro Parque das Bandeiras. Mas, a comunidade da Área Continental de São Vicente, local mais afetado pelos despejos, como um todo, nunca recebeu indenização pelos danos causados. Os moradores atingidos ainda convivem com sequelas.
Clorogil, Rhodia e os anos de chumbo
A complexidade do caso justifica os muitos anos de investigações, realizadas por organizações, cientistas e associações comunitárias. Ainda assim, há escassez de informações sobre os habitantes contaminados, os lixões e os detalhes das atividades da empresa, que coincide com o período da ditadura militar no Brasil (1964-1985). Naquele tempo, os militares apostaram na abertura econômica para facilitar a entrada de multinacionais no País. Cubatão era na época o maior polo industrial da América Latina e foi declarada área de segurança nacional.
Em 1966, a empresa Clorogil iniciou suas atividades em Cubatão, na Rodovia Piaçaguera, quilômetro 4. Ela produzia os pesticidas organoclorados pentaclorofenol e pentaclorofenato de sódio. A fábrica era denominada “Penta”. Sua ligação com a Rhodia era ainda, de certa forma, de “primos distantes” – a Clorogil tinha como acionista a francesa Progil, que pertencia ao então grupo estatal Rhône-Poulenc, representado no Brasil pela Rhodia S/A.
Já em 1976, a Rhodia assumiu o controle da Clorogil e, por conta da falta de espaço para despejo dos dejetos tóxicos nas fábricas, passou a descartá-los em áreas clandestinas. Tais resíduos foram encontrados no Vale dos Pilões, em Cubatão, na Área Continental de São Vicente e em Itanhaém. Ou seja, cerca de 80 km do litoral paulista foram percorridos para que fosse feito o descarte indevido desses produtos.
As primeiras denúncias de problemas de saúde de funcionários começaram a surgir em 1978. Segundo o dossiê da ACPO, eles trabalhavam na unidade de produção do pó-da-china. Ainda de acordo com o documento, a Cetesb fez o primeiro registro dos descartes, mas não tomou medidas de punição. O documento “Resíduos sólidos industriais na bacia do rio Cubatão – VI”, publicado naquele mesmo ano, localizava o material despejado pela Rhodia e mostrava a dimensão deles.
No ano seguinte, surgiram as primeiras reportagens a respeito. De acordo com o dossiê, dois funcionários morreram com quadros de intoxicação aguda na unidade do pó-da-china. A empresa foi fechada ainda em 1978, por pressão dos funcionários, que conseguiram algumas garantias vitalícias.
Contaminação da Área Continental de São Vicente
O estudo da médica sanitarista Agnes Soares da Silva, “Contaminação Ambiental e Exposição Ocupacional e Urbana ao Hexaclorobenzeno na Baixada Santista”, publicado em 1998, mostra que foram encontrados três lixões na região até o início de 1990 (não contando outros locais de descarte desconhecidos ou sob investigação):
Um no bairro do Quarentenário e outros dois entre os quilômetros 67 e 69 da Rodovia Padre Manoel da Nóbrega, na mata entre os bairros do Rio Branco e Parque Continental. Em 1993, mais dois: um na altura do quilômetro 65 da Padre Manoel da Nóbrega e outro no Quarentenário. Ainda de acordo com o estudo, os depósitos teriam sido implantados entre 1976 e 1984.
Ao analisar essas informações, o estudo da médica sanitarista aponta os riscos a que a população da Área Continental vicentina estava exposta, simplesmente por morar ali.
O bairro Jardim Rio Branco se expunha aos resíduos do Quarentenário e do depósito do quilômetro 67 devido à ação dos ventos. A população do Quarentenário tinha fácil acesso à área contaminada; enquanto os moradores da Gleba II também eram afetados pelas linhas de drenagem superficiais, que vinham do terreno envenenado do quilômetro 69.
Os moradores tinham contato direto com os lixões e análises encontraram índices de hexaclorobenzeno nos peixes, siris e moluscos capturados pelos pescadores locais.
“A carapaça do caranguejo não endurecia, os peixes ficavam cegos”, relata Francisco de Sousa Pereira, o “Seu Bodinho”, de 61 anos. Aposentado, ele trabalhou em várias indústrias de Cubatão e chegou na Área Continental por volta de 1987.
“Através da pesquisa da doutora Agnes e de outros especialistas, a gente soube que o hexaclorobenzeno, o pentaclorofenol e todas essas substâncias que contaminam a terra também contaminam o lençol freático. Contaminam o capim, o grilo que come ele, o sapo que come o grilo, a cobra que come o sapo, o gavião que come a cobra, e ele vai parar no tecido gorduroso do ser humano”, enfatiza Pereira. “Por isso, é muito difícil você eliminar esses produtos porque na cadeia alimentar ele vai parar no ser humano.”
Mas, a água contaminada também fez um caminho direto até chegar ao consumo humano, desta vez com o pentaclorofenol. A matéria do jornal “Cidade de Santos”, de 26 de setembro de 1985, registrou que a água consumida pela população do Parque das Bandeiras e do Quarentenário, que vinha dos poços artesianos, tinha um “cheiro de inseticida, às vezes de Cândida (em referência à marca popular de água sanitária), e formando uma espécie de nata azulada quando depositada algum tempo num recipiente”.
Além disso, de acordo com a mesma matéria, moradores confirmaram que vinham sentindo tonturas, dores de cabeça frequentes e problemas na pele havia pelo menos seis meses. “Alguns deixaram de consumir a água, usando-a apenas para limpeza. Para beber e cozinhar, atravessam a rodovia Padre Manoel da Nóbrega e pedem para usar água para moradores e comerciantes do outro lado”.
O Conjunto Habitacional Humaitá e o bairro Parque Continental, que foram construídos sobre área de mangue, podem ter sido contaminados devido aos resíduos provenientes do lixão do Quarentenário. Outra matéria do jornal “Cidade de Santos”, de 29 de agosto de 1985, afirma que o material desse lixão deslizava até o Rio Mariana, que passa atrás do conjunto habitacional.
“E aí começaram a surgir os problemas”, conta Pereira, uma das lideranças comunitárias que atuaram em defesa da população local. “O pessoal daqui foi descobrindo as áreas contaminadas na Mata da Velha (as matas entre os bairros Parque das Bandeiras, Rio Branco e Parque Continental), na marginal. A gente começou a se manifestar e todos que foram atingidos entraram com ação na Justiça.”
A imprensa
O jornalista José Roberto Fidalgo, que cobriu a cidade de São Vicente pelo jornal A Tribuna, nos anos 1980, recorda da primeira vez que visitou a área do km 67,5. Até então, se sabia apenas do lixão dentro da unidade da Rhodia. “Quando a gente foi fazer a matéria, não sabia do que se tratava”, conta. Fidalgo não costumava ir à região continental da cidade, apenas se acontecesse algo muito diferente. O acesso era difícil e não era direto. Ou se ia para lá pela Ponte Pênsil ou por Praia Grande, porque a ponte A Tribuna, popularmente conhecida como Ponte dos Barreiros, foi inaugurada somente em 1994.
Porém, aquele seria o dia do “algo diferente”. Fidalgo, juntamente com o repórter Helder Marques, do jornal “Cidade de Santos”, foi até o bairro Parque das Bandeiras, a pedido da subprefeitura. Segundo o funcionário que os recebeu, havia um material estranho sendo depositado logo ali perto por uma empresa de Cubatão, fato que já vinha recebendo denúncias de moradores.
“Ó, tá vendo isso aqui?”, apontou para uma espécie de placa brilhante com camadas de tons coloridos. Ele pegava a placa nas mãos, sem proteção. “Isso é o que o pessoal da Rhodia joga. Eles vêm aqui de madrugada, de manhã bem cedo ou aos finais de semana. A gente não sabe o que é direito, mas sabe que é um produto químico.”
Fidalgo e Marques continuaram averiguando o material, sem conseguir identificá-lo. Mais tarde, voltaram para suas respectivas redações para começar a apuração. Fidalgo conta que uma das descobertas mais graves foi que os lixões a céu aberto sofriam interferência de ventos, chuva, e que já haviam penetrado no lençol freático da região e chegado nos rios.
“Quando o conjunto Humaitá começou a ser habitado, se questionou novamente sobre a água, pois ali ela era coletada dos mananciais da região, e eles teoricamente estariam contaminados”, relata. “A gente ainda não tinha noção do tamanho daquilo, da gravidade do caso. Só com a identificação dos produtos químicos e a descoberta de novos lixões é que percebemos a extensão do problema”, diz o jornalista.
A luta
Antigos moradores da Área Continental como Maria Eurides, Francisco de Sousa e Luiz José da Silva conversam sobre o caso Rhodia e a narrativa é a mesma. Os três, que desde a época das contaminações participam de manifestações e divulgam o caso na mídia, viram outros moradores morrerem por causa da situação ambiental.
Muitos se foram, como seu Luiz da Padaria e seu Ceará. Para os três, a Rhodia foi negligente com os próprios trabalhadores, despejou toneladas de lixo químico em áreas habitadas e condenou a população e o meio ambiente a viverem anos sob aquele lixão, com pouca ou nenhuma resposta.
Quem viveu aqueles tempos persiste em não deixar a história morrer, sempre na esperança de que essa luta possa acabar com o estado de abandono em que se encontram. As novas gerações sequer sabem o que há nas matas que cercam a Área Continental, ou nos rios onde nadam nos dias de calor, ou ainda nos terrenos usados como campo de futebol por crianças, que correm atrás da bola de chinelos ou simplesmente descalços.
Mais de 40 anos depois das primeiras denúncias, os representantes da comunidade ressaltam a importância de continuar resistindo, lutando. Maria Eurides diz que participou em 2018 de uma reunião com o procurador do Ministério Público em Santos, Antonio Daloia (que atualmente está no caso), e com médicos e funcionários do setor da saúde de São Vicente, quando anunciaram a elaboração de uma cartilha com esclarecimentos à população. O conteúdo informava que a contaminação provocada pelos lixões se estenderá por pelo menos cem anos. Por conta da pandemia da covid-19, essas reuniões com a comunidade deixaram de acontecer.
“É um trabalho que ainda precisa avançar muito. Mas, nós estamos ficando velhos, eu, o Francisco, o Luiz, e isso não pode parar aqui. Senão, daqui a pouco, ninguém vai cobrar”.
MARIA EURIDES PEREIRA, LIDERANÇA COMUNITÁRIA
“A Rhodia tem uma dívida com a gente. Se por cem anos nós vamos ter problemas, precisamos ter todos os recursos de exames e tratamentos pagos pela empresa. Ela deveria estar trazendo para a Área Continental um hospital onde essa população pudesse ser assistida, ter um tratamento adequado”, defende Maria Eurides.
“Por isso que eu digo, é um trabalho que ainda precisa avançar muito. Mas, nós estamos ficando velhos, eu, o Francisco, o Luiz, e isso não pode parar aqui. Senão, daqui a pouco, ninguém vai cobrar”.
A Associação de Combate aos Poluentes (ACPO), fundada em 1994, foi formada por trabalhadores que buscavam defender os interesses da classe, principalmente daqueles contaminados pelos organoclorados. Hoje, a ação da entidade se expandiu também para a defesa do meio ambiente e dos direitos humanos.
Segundo um representante da entidade, tudo o que a ACPO publica é monitorado pela Rhodia. Por isso, ele preferiu não se identificar, com medo de sofrer represálias no âmbito jurídico.
“Os trabalhadores que saíram da empresa perderam a carteirinha da Unimed e dependem da autorização da Rhodia para ir ao médico. Alguns já passaram pelo constrangimento de não liberação do atendimento”, conta o representante.
Vereador Neto, dossiês e ameaças
O vereador Francisco Neto, do PT, foi um dos nomes que atuou em prol da população na Área Continental. Eleito em 1988, o ex-trabalhador da Cosipa (atualmente Usiminas), onde atuava como químico, logo abraçou a causa do meio ambiente.
Neto presidiu, à época, a Comissão de Vereadores que avaliou o problema de contaminação da Área Continental, e foi um dos legisladores mais atuantes no caso. O ex-vereador faleceu em 2019, de causa não divulgada. Por isso, a jornalista Ivani Vieira, sua esposa, lembra como Neto se colocou na linha de frente:
“Ele começou a ir na Área Continental, fez várias reuniões. Neto via como as pessoas estavam vivendo em cima da contaminação, as crianças com a pele toda estourada, e chegava em casa horrorizado. Ele abraçou essa causa mesmo assim, de corpo e alma”.
Ivani conta que Neto foi responsável por trazer o secretário especial do Meio Ambiente à época, José Lutzemberger, para averiguar a situação das contaminações. “Quando ele entrou na história, aí a coisa tomou outra proporção. Entrou o Governo Federal”.
E continua: “Foi nessa época que tiveram várias reportagens, estava no auge essa coisa da ecologia, ia acontecer a ECO-92, no Rio. Teve entrevista com ele no Fantástico, foram fazer foto”.
Além do secretário, Neto ia à Área Continental com a Drª Agnes Soares, responsável por um dos estudos que detectou hexaclorobenzeno no leite materno das mães. “É o tipo de coisa que quanto mais se cutuca mais vai aparecendo”, reforça.
Começaram, então, a surgir ameaças.
“Ele e a gente, enquanto família, fomos muito pressionados, ameaçados, várias vezes. Por telefone, em ameaças veladas. Foi um trabalho bem complicado de se fazer. Para algumas pessoas, não interessava mexer nessa história”.
Mas, ainda sim, o então vereador seguiu com o trabalho. A Comissão, além de elaborar dossiês, propôs à Rhodia a realização de benfeitorias na comunidade da Área Continental e elaborou relatórios junto a especialistas acerca da saúde da população. Neto tornou-se um dos mandatários mais atuantes no caso.
Francisco Neto foi presidente de uma Comissão sobre o Caso Rhodia na Câmara Municipal de São Vicente. (Foto: Arquivo pessoal)
Dívida com a sociedade
A fábrica da Rhodia foi fechada em 7 de junho de 1993, em uma ação promovida pelo Ministério Público, que determinava o desligamento de todas as suas atividades na região.
Uma pesquisa geológica feita no subsolo da empresa revelou que, ao longo dos anos, cerca de 3.784 toneladas de resíduos de produção e outras 20 toneladas de pó-da-china foram despejados em um depósito clandestino nos fundos da fábrica.
Em 1995, depois de quase 20 anos, desde o começo dos descartes ilegais de lixo químico, o Ministério Público propôs um acordo judicial com a Rhodia. A decisão foi tomada para diminuir o tempo de um processo, que poderia se estender por anos, o que agravaria a situação dos trabalhadores e retardaria a recuperação ambiental das áreas atingidas.
Decidiu-se que a empresa garantiria os empregos dos trabalhadores por quatro anos, período que poderia ser estendido, custeando exames e tratamentos médicos, e também de ex-funcionários. Além disso, a Rhodia comprometia-se a arcar com os custos da avaliação e descontaminação do solo.
O juiz Carlos Fonseca Monnerat determinou que a empresa providenciasse um sistema de contenção de poluentes, tanto do solo quanto do aquífero afetados, além de guardar as áreas atingidas e não utilizá-las para nenhum fim comercial ou industrial, apenas para atividades científicas. Até os dias atuais, funcionários da empresa são disponibilizados para fazer a guarda de tal perímetro.
A decisão judicial estabelecia ainda que fosse disponibilizada água potável para a população atingida, e estipulou o pagamento de cerca de 8 milhões de reais ao Fundo de Reparação Ambiental.
Também em 1995, a Rhodia assinou um novo acordo, desta vez intermediado pelo sindicato dos trabalhadores. O chamado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) adveio da 1º Vara Judicial da Comarca de Cubatão. Entre os termos, estavam o diagnóstico das quantidades de resíduos sólidos industriais nos solos contaminados; o tratamento da água subterrânea nas dependências da fábrica; exames químicos e laboratoriais dos funcionários, além da garantia de emprego por quatro anos.
De acordo com o procurador do Ministério Público Antônio Daloia, foi criado um inquérito separado com a intenção de descobrir se há outros locais de despejo. “Nós pedimos um aprofundamento dessa investigação porque, apesar de terem sido tomadas muitas providências na época para isolar as áreas, isso não significa, segundo a própria indicação da Cetesb, que todas as áreas tenham ficado devidamente finalizadas e que todos os resíduos tenham sido removidos”, explica o promotor.
O Ministério Público, segundo Daloia, tem se empenhado também na concretização do que foi proposto pelo estudo epidemiológico feito pelo Ministério da Saúde, sobre a necessidade de capacitação de equipes para lidar com a contaminação ambiental específica da região. “Foi feito um treinamento e agora eles estão trabalhando na aplicação de um protocolo de saúde e outras medidas”, informa o promotor.
O que diz a Rhodia
A Reportagem entrou em contato com a empresa levantando alguns questionamentos, que não foram diretamente respondidos. A Rhodia, hoje parte do grupo belga Solvay, informou que todas as áreas da responsabilidade da Rhodia na Baixada Santista “estão sob controle, são permanentemente vigiadas e monitoradas, sem representar riscos à população ou ao meio ambiente”.
Diz ainda que a empresa “tem adotado ações e iniciativas para a recuperação ambiental dessas áreas, sob a supervisão das autoridades relacionadas com o assunto”.
Com relação aos empregados e ex-empregados de sua unidade de Cubatão, fechada desde 1993, a empresa finaliza a nota dizendo que cumpre rigorosamente o Termo de Ajustamento de Conduta assinado em 1995 com o Ministério Público do Estado de São Paulo e o Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas da região.
*Não há nenhuma relação comprovada entre o nome da substância e o país asiático.

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