10/07/2019

COTIDIANO E CURIOSIDADES

CHARADA FOTOFRÁFICA



UMA CHARADA FOTOGRÁFICA publicada em 12 de março de 2024 no grupo Santos Antiga foi matada por São Vicente na Memória. A postagem pedia "ajuda" para identificar uma praia misteriosa e surgiram dezenas opiniões geográficas. Descolorizamos a foto, invertemos a posição da imagem e a verdade foi revelada. 

O membro Jaques Mendel Rechter comentou o resultado:

"Como foi mostrado por São Vicente na Memória, a foto está invertida. Colocada na posição certa, se verifica que foi tirada da Ilha Porchat (em local próximo do atual Terraço) mostrando o Itararé em São Vicente até a quase a divisa com Santos ( a Pedra da Feiticeira por pouco não aparece na foto). No alto do morro, ao fundo, se vê a antiga construção do topo do Morro de Sta Terezinha em Santos".

Explicamos: conseguimos matar a charada ao reconhecermos a pedreira e os dois primeiros edifícios que aparecem na foto: o Iguassu e o Tamoyo, ambos na esquina a rua Quintino Bocaiuva. 


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TRUQUE EDITORIAL. Capa colorida do jornal mostra foto invertida das praias do Itararé, Milionários e Gonzaguinha. Edição de segunda-feira, 13 de fevereiro de 1971. As garotas protagonistas da cena observam a cidade de cima da Ilha Porchat. 
Hemeroteca  Digital da BN.



CONVOCAÇÃO PARA TESTE FUNCIONAL


Prefeito convoca datilógrafos para teste em escola preparatória local.

Cidade de Santos, classificados da edição de domingo, 7 de fevereiro de 1971.


FÊNÕMENOS ESPÍRITAS

MIRABELLI ASSOMBRA SÃO VICENTE E MUNDO

ESPIÕES NAZISTAS EM SANTOS E SÃO VICENTE

A CARTA DO CÔNEGO ENCONTRADA NUMA REFORMA DE APARTAMENTO

 O RECUO DA MARÉ E O VELHO PORTO TUMIARÚ 

O CENTRO CULTURAL MARTIM AFONSO 

CENTRO DE CONVIVÊNCIA-REVOLUÇÃO CULTURAL NOS ANOS 70

A “ÂNCORA ALMIRANTADO” DESCOBERTA NA BAIA DE SÃO VICENTE 

O CLUBE DOS EM PÉ

CURA POPULAR MEDIÚNICA


SÃO VICENTE NOS ANOS 60 E 70
 

DALMO DUQUE E SAGRADO LIBERTO



Gravado na ZN Santos (Areia Branca), em novembro de 2023

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ISAURA BRUNO CIDADÃ VICENTINA


A atriz  Isaura Bruno em seu apartamento na rua Martim Afonso. Cidade de Santos, 0utubro de 1969. 





MANCHETE DE JORNAL CONFUNDE LOCAL DA QUEDA DO AVIÃO


Ao noticiar a queda de um avião anfíbio em São Vicente, o jornal Cidade de Santos confundiu a Baia de São Vicente com o Mar Pequeno.



CURA POPULAR MEDIÚNICA



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MIRABELLI ASSOMBRA SÃO VICENTE E O MUNDO



Durante os dez em que viveu em São Vicente o médium Carmine Mirabelli foi foco de admiração, espanto, objeto de pesquisas, respeito e  gratidão, polêmicas, perseguições e até agressões físicas de fanáticos. Para evitar dúvidas e distorções, seus feitos psíquicos eram narrados e publicados em anúncios por testemunhas, para não deixar dúvidas sobre a sua honestidade e desinteresse. Foi comparado aos grandes médiuns que atuaram antes e depois do advento do Espiritismo na França no século XIX. Fundou e manteve duas casas de trabalho e caridade em São Vicente e Santos. A inauguração do núcleo vicentino do Centro Espírita São Luiz foi marcada por uma ação espetacular e espantosa, pois o médium estava com amigos numa estação de trem na Capital poucos minutos antes das 16 horas e instantes depois teve sua presença registrada em São Vicente para iniciar a cerimônia inaugural. A passagem de Mirabelli por SV e Santos foi cheia de fenômenos como curas, revelações de  conhecimentos científicos, psicografias, pinturas mediúnicas e até ressuscitação de mortos (catalepsia ou morte aparente).  

Inauguração em  do Centro Espírita São Luiz  em 1917 na rua Luis de Camões,198, em Santos. 



ANÚNCIOS EM ATRIBUNA

Publicamos aqui diversos anúncios em A Tribuna, entre 1917 e 1926, que atestam essas experiências que confrontavam e ao mesmo tempo abriam novas perspectivas na relação entre ciência e religião, materialismo e espiritualismo, entre fé e razão. Em São Vicente seus maiores amigos, além dos irmãos espíritas, foram o prefeito Rodolpho Mikulash e o futuro governador e presidente Washington Luiz, que tinha residência na orla. Desconhecemos se deixou descendentes na cidade, embora tenha tido várias personalidades vicentinas com seu sobrenome, mas sem confirmação de parentesco.  Era filiado ao PRP, se opôs ao movimento paulista de 1932 e foi preso por isso.  Depois de uma longa jornada espiritual missionária, Mirabelli se despediu do mundo físico num acidente comum e cotidiano, quando foi atropelado por um caminhão, em São Paulo, no dia 3 de abril de 1951. 





















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NAZISTAS EM SANTOS E SÃO VICENTE

ADELTO GONÇALVES (*)


Em Crônica de uma guerra secreta (Record, 2005), o embaixador Sérgio Correa da Costa (1919-2005) conta a história de um espião nazista, Josef Jacob Johannes Starziczny, doutor em engenharia eletrônica, cujas atividades estenderam-se até Santos e São Vicente. A história também pode ser lida em A guerra secreta de Hitler (Nova Fronteira, 1983), do historiador norte-americano Stanley Hilton.

Como se sabe, o Estado Novo, de Getúlio Vargas, flertou durante um bom tempo com o nazismo, permitindo o livre trânsito de espiões nazistas pelo território brasileiro. Na Capital da República, por exemplo, o trânsito de espiões não era dificultado. E, assim, Starziczny estabeleceu-se na cidade em 1941 e logo encontrou apoio da filial da empresa Theodor Wille, que destacou um funcionário para lhe servir de intérprete. Afinal, o engenheiro chegara com uma carta de recomendação da Theodor Wille, de Hamburgo.
O espião Starziczny em foto de pronturário policial do DEOPS-SP**


Três dias depois, conta o diplomata, Starziczny veio a Santos para ver o cônsul Otto Uebele, que seria seu chefe imediato. Embora nascido no Brasil, Uebele sempre estivera ligado a Alemanha, tendo colaborado com o império alemão durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). E, assim, facilitou contatos para o engenheiro eletrônico estabelecer uma rede de espiões em Santos e São Vicente.

Starziczny, segundo Correa da Costa, era um espião um tanto trapalhão, tendo se envolvido com mulheres brasileiras, mas não é isto o que interessa aqui. Não seria mesmo uma pessoa muito arguta, a ponto de ter deixado incompleto o trabalho que pretendia desenvolver, o que provocou muitos desentendimentos com seus superiores.

Em dezembro de 1941, o serviço de Starziczny chegava ao fim, pouco depois de ter deixado um transmissor na casa de Gerard Schroeder, um simpatizante nazista que morava na Rua Ipiranga, 13, em São Vicente. O serviço de Starziczny era fornecer informações sobre a entrada e saída de navios nos portos do Rio de Janeiro e de Santos. Com base em suas informações, muitos navios aliados podem ter sido bombardeados por submarinos alemães.

Enquanto a polícia carioca, praticamente, ignorava as atividades dos agentes do Eixo, o mesmo não acontecia em São Paulo, graças à atuação do delegado adjunto na Delegacia de Ordem Pública e Social, Elpídio Reali, pai do jornalista Reali Júnior, correspondente de O Estado de S.Paulo em Paris, e avô da atriz Cristiana Reali.

Logo, Reali chegaria a Starziczny, que, um tanto desajeitado, facilitaria a ação da polícia. Ao tentar comprar na firma Sayão & Sayão, na rua Dom Bosco, em São Paulo, um ondômetro para o transmissor que deixara em São Vicente, o alemão, falando em inglês, iria apresentar-se como O. Mendes, deixando como endereço o Hotel Santos, em Santos. Tudo isso iria despertar suspeitas no comerciante, que sabia muito bem que a peça que o estrangeiro queria era usada em transmissores potentes. E achou melhor avisar a polícia.

Logo, a polícia chegou a Odélio Garcia, que, mais tarde, iria telefonar para a loja, perguntando pelo ondômetro. Detido, Garcia não negou que havia adquirido não só a peça como uma estação radiotransmissora, fazendo-o por encomenda de Ulrich Uebele, gerente da exportadora de café Theodor Wille e filho do cônsul alemão em Santos. Detido, Uebele entregou seu patrício Gerard Schroeder, da seção de navegação da Theodor Wille, que confirmou que a estação havia sido passada a um funcionário do consulado alemão.

O delegado Reali não levou em conta imunidades diplomáticas e colocou em cana todos os envolvidos, inclusive, um brasileiro, na casa de quem fora localizada a estação retransmissora. Só faltava o principal elo, o espião Starziczny. Com o pai de Uebele, Oto, o delegado ainda iria encontrar filmes de navios ingleses e americanos e de pontos estratégicos do litoral de São Paulo e ainda uma pista que o levaria ao Rio de Janeiro, mais especificamente a um sobrado no Leblon.

Lá, finalmente, iria encontrar Niels Christensen, engenheiro civil, nome atrás do qual se escondia Starziczny. Na casa, a polícia iria descobrir muitos equipamentos e, dentro de uma caixa de madeira, informações que partiam diretamente do Leblon para o almirantado alemão, em Hamburgo.

A ação rápida de Reali permitiu que o navio britânico Queen Mary, que deixara havia poucos dias o Rio de Janeiro levando a bordo oito mil soldados canadenses, mudasse de rota e escapasse de um ataque. Eis aqui uma história de nossa polícia pouco lembrada, mas que merece ser conhecida pelas novas gerações.


(*) Adelto Gonçalves é doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo e autor de Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).

** Incluído pelo blog: Prontuário 51.156 da coleção do DEOPS-SP (Departamento de Ordem Política e Social - Polícia do Estado de São Paulo). Consultado no Arquivo do Estado de São Paulo, São Paulo-SP.*

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A VIDA COTIDIANA DE CÔNEGO

UMA CARTA COMUM E CURIOSA 

Encontrada casualmente entre vários outros documentos, num envelope de papel manilha, a carta do Cônego Antônio Pedron, escrita há quase meio século, é uma preciosidade histórica do cotidiano da vida regular e secular dos padres que atuam nas paróquias. Um curioso registro de época e costumes, bem como das atividades sociais dos fiéis religiosos. O achado aconteceu na primeira semana de janeiro de 2021 durante a reforma de um apartamento na rua Freitas Guimarães, esquina com Floriano Peixoto, no Boa Vista, onde residiu o destinatário. O autor da carta era figura muito conhecida na Baixada Santista e Litoral Norte, onde atuou em várias paróquias. Foi o idealizador e apoiador da primeira e hoje tradicional Encenação da Paixão de Cristo de Cubatão, em 1969, reunindo jovens da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Lapa. Foi o primeiro pároco da Igreja de São Judas, no Casqueiro, construída em 1961, por doação e em função do loteamento social empreendido pelo Coronel Parisi, dono daquela extensa gleba, que incluía a Ilha Caraguatá. O Cônego Pedron foi transferido de São Vicente para a cidade de Buri-SP e de lá , em fevereiro de 1974, enviou esta carta ao Sr. Valdir, que na época residia no referido imóvel do Boa Vista e que trabalhava no ramo imobiliário. O Cônego é hoje nome de rua na cidade de Buri.

O Cõnego Antônio Pedron numa cerimônia de inauguração empresarial em Cubatão. Jornal Cidade de Santos,  novembro de 1969. 




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Buri, 2002-74
Prezado amigo Valdir,
Saúde, paz e graça!

Valendo-me da oportunidade em que remeto ao Rubens, envio-lhe também a presente.
Saí de S. Vicente sem praticamente despedir-me de ninguém. Preferi assim, porque eu facilmente me emociono e, conforme conselho médico, devo, o mais possível, evitar comoções. Conselho baseado no eletrocardiograma...
Valdir, a respeito da letra imobiliária da Tietê, eu gostaria de saber como deverei fazer. Aqui existe apenas o Banco Bamerindus. E, com a minha mudança de endereço, torna-se muito difícil, embora trimestralmente, o resgate dos cupons. Já está vencido o de 29/01/74, e está se aproximando o de abril.
Peço-lhe o grande obséquio de, numa próxima oportunidade, informar-me se a referida Letra poderá ser transferida para o Banco do Comércio e Indústria de São Paulo, sediado em Itapetininga, na Av. Dr. Campos Sales 545.
Desde já fico-lhe agradecido pela sua atenção.
Recomendações a todos os seus familiares.
Fui bem de féria, graças a Deus. Passei-as num maravilhoso recanto goiano chamado Rio Quente, no município de Caldas Novas.
Tomei posse na paróquia de Buri no dia 9 dêste, na missa das 19 horas, que concelebrei com o Sr. Bispo Diocesano, Dom Silvio Maria Dario, meu contemporâneo no seminário de Botucatu.
Buri é cidade pequena e pacata. Aqui, não há poluição de espécie alguma. Povo muito bom e simples. O padroeiro é São Roque, com festa em meados de agosto. Tive sorte pois a paróquia, antes de minha vinda, adquiriu um Volkswagen-73, no qual posso visitar as várias Capelas.
Aqui ponho o ponto final. Aguardando suas notícias, despeço-me enviando-lhes, e aos seus, cordial bênção.
Atenciosamente,

Côn. Antônio Pedron.


Cônego Antonio Pedron com autoridades de Cubatão em 1966. Acervo: Helio Veiga. 


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A “ÂNCORA ALMIRANTADO”.

DESCOBERTA  EXTRAORDINÁRIA NA BAIA DE SÃO VICENTE.

RENATO CARRERI

Em 1993, em uma manhã de sábado, deparei-me com uma âncora antiga e cheia de cracas na Praia dos Milionários. Perguntei então ao porteiro do meu prédio, que disse ter sido encontrada em frente, cerca de 100 metros mar à dentro, e, trazida à superfície presa à rede de um barco de pesca. Estava à venda, acreditem ou não, por 100 reais, para justamente pagar o estrago na rede. Na ocasião, com a intenção de preservá-la, falei com a síndica do meu prédio, para tentarmos colocá-la no jardim, o que não foi aceito. Consegui então espaço em um local de guarda de pranchas e barcos, um terreno próximo, mas quando o dono da Kombi, que eu pretendia alugar para o transporte, viu o seu tamanho recusou o serviço. Neste meio tempo coloquei-me a pesquisar e descobri ser aquele modelo uma âncora de tipo “Almirantado” ou “Ordinária” ou ainda “Ferro Almirantado”, usada em períodos diversos, mas basicamente no século XIX. Localizei até um modelo semelhante no Museu da Marinha em Lisboa, para onde levei as duas fotos que, por sorte, tirei na praia. Posso estar enganado, mas parece-me que foram as únicas feitas. Por mais ou menos um mês tentei encontrar um local para a peça, inclusive junto aos órgãos públicos da cidade. Logo depois, como não conseguisse efetuar a venda, o pescador acabou por devolvê-la ao mar, no mesmo local, onde deve estar até hoje. Há cerca de 10 anos tentei encontrá-la, mergulhando, e não consegui. Talvez esteja enterrada na areia, não sei. É uma parte da nossa história que merece ser trazida à tona.


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O RECUO DA MARÉ

VIRGÍNIO ROCHA MIRANDA NETO

Quando a natureza abre uma brecha no tempo e no espaço. 

Tempos atrás estava eu em busca de dados históricos sobre a Ilha de São Vicente no tempo da chegada da armada de Martin Afonso de Souza, quando por sorte me deparei com três fotografias ( Créditos a mídia social do facebook" Zona Nordeste - A maré recuou " ) sobre o fenômeno do recuo da maré em agosto de 2017. Fenômeno este ocasionado por condições climáticas ocorridas na costa brasileira, que ocasionou um outro fenômeno conhecido como " Recuo da Maré ". 
Embora ocorra com certa frequência, a intensidade deste alcançou níveis desconhecidos pela grande maioria dos viventes e até pelos livros e registros históricos. 
Na cidade de Santos, veio a tona em suas praias um casco de um veleiro desconhecido até então, que graças a pintura de um quadro de Benedito Calixto foi possível supor sua origem e até a data de seu encalhe. 
Por sua vez, no lado oeste da ilha de São Vicente, na altura do Tumiarú, o fenômeno também causou o recuo das águas em grande intensidade, expondo uma construção pelas mãos do homem, que provavelmente seja desconhecida pela grande maioria das pessoas ( Nenhuma pessoa na mídia social acima descrita ( com exceção de uma, questionou as pedras ).
Nas fotos, é possível observar um caminho de pedras que com a mais absoluta certeza foi feita por mãos humanas, que saem do antigo Porto do Tumiarú e adentram afora em direção ao Porto das Naus. Estas pedras foram todas lapidadas de tal forma que na parte superior formava-se um apoio para um passadiço que servia o Porto do Tumiarú e o Porto das Naus. 
É uma construção espetacular, porque podemos dela inferir um passado que sustenta ou não a relevância do Porto das Naus. 
As fotos do Google Earth, são fotos históricas de 07/2020, aonde é possível também verificar o caminho, embora passem desapercebidas pela grande maioria das pessoas".






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Virginio Rocha Miranda Neto

AS PEDRAS PORTUÁRIAS DO TUMIARU

Persiste o enigma do recuo da maré no Mar Pequeno, registrado por Virginio Rocha Miranda Neto.


Já procurei em todo tipo de informação possível a respeito destas pedras e nada consegui encontrar, então só resta especular.

No Google Earth é possível buscar imagens históricas. Em algumas delas é possível verificar a existência desta obra. Chamo de obra porque com certeza absoluta foi feita por mãos humanas. Ao analisarmos estas imagens por satélite, vemos que paralelamente ao caminho das pedras, existe um outro caminho que culmina no final do platô de areia e adentra a área mais funda do canal. A priori assemelha-se a um trapiche ou um ancoradouro. As pedras que aparecem na superfície durante aquele evento climático anos atrás, mostram claramente que foram lapidadas, inclusive e principalmente na área superior, indicando servir de apoio à alguma estrutura. Como são duas estruturas que o satélite mostra ( nas fotos terrestres só é possível ver o caminho das pedras ) não seria difícil imaginar, supor, ou especular que se tratava de um caminho que saia do Porto antigo do Tumiaru, adentrasse a zona de areia e terminasse naquele ancoradouro ou trapiche como quiserem. Agora, para que esta hipótese ocorresse, teríamos que imaginar que a época que aquilo foi feito, o nível do mar naquela região era mínimo; o suficiente para atrapalhar quem quer que fosse para desembarcar e andar pelas águas até a costa do Porto Velho do Tumiaru. No Porto de Santos antigo também existiam estas estruturas para embarcar e desembarcar pessoas e coisas das caravelas. Pessoalmente não creio em caminho do peabiru, não creio em canos de água ou esgoto ( estes foram feitos por Saturnino de Brito na Ponte Pensil em 1914 ) , não creio em estaleiro para as canoas que faziam o ir e vir antes da existência da ponte pensil ( historicamente não consta a existência disto ) bem como também não creio que tenha sido alguma obra que o clube Tumiaru tenha feito em épocas remotas. Ali, bem aonde se inicia o caminho ( em toda aquela região) lá pelos idos de 1840 - 1890, foram descobertas igaçabas, utensílios de barro, e coisas de cultura indígena. Lembrando que a tecnologia de lapidação de pedras existe milhares de anos antes do Nascimento de Jesus Cristo. Também é possível ver que o caminho de pedra leva ao trapiche alfandegário ou se desejarem outros ao engenho que se localizava do outro lado do continente no Porto das Naus. Por fim, todos os quadros de Benedito Calixto não trazem aquele recuo de maré tão pronunciado.
Isto é tudo o que temos. A partir destas informações podemos especular várias hipóteses . Pessoalmente eu especulo que:
1- Tenha sido um ancoradouro para embarque e desembarque de coisas e gente de bergantins.
2- Tenha sido usado para trazer açúcar do engenho localizado no porto das naus.
Seria interessante que alguma pesquisa, principalmente mergulho na área do que parece ser um ancoradouro pudesse confirmar esta versão.  Santos Antiga, 26 de março de 2024

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CLUBE DOS EM PÉ

Clube dos Em Pé fundado em Itanhaém, inspirado na confraria vicentina. Revista A Fita, 1916.


Em 01 de janeiro de 1913 foi fundado em São Vicente uma curiosa agremiação. O memorialista Costa e Silva Sobrinho relata em suas anotações que um grupo de rapazes se reunia à noite num imóvel na rua Martim Afonso e todos permaneciam por horas seguidas em pé e resistindo ao cansaço. Nesse tempo promoviam calorosos debates sobre diversos assuntos. O jornal A Tribuna, através da sua sucursal vicentina reproduziu em sua edição a festa do 1º aniversário do clube e identificou todos o membros presentes.
Pesquisa: Waldiney Lapetina, nos arquivos da FAMS.

“CLUB DOS EM PÉ"

Este club celebrou na noite de ante-hontem, a passagem do eu primeiro anniversario, offereando aos seus associados, convidados e representantes da imprensa local e de Santos, no Rink Vicentino una lauta ceia.
Antes, porém, dessa refeição, foi constituida, por acclamação, a directoria que tem de gerir os destinos sociaes no anno vigente.
O sr. Heraldo Lapetina, presidente dessa sympathica aggremiacão recreativa, tendo aberto e sessão em que deveria ser eleita a directoria, convidou para assumir a presidencia dr. Pinto Paccs, que, accedendo ao convite e assumindo a direcção dos trabalhos, recebeu calorosa salva de palmas.
Por proposta do sr. Santos Amom, foi acclamada a seguinte diretoria:

Presidente, Heraldo Lapetina; Vice-presidente, Guilherme Figueiredo.
Secretários, Manoel Freiro de Carvalho, Benedicto Ribeiro.
Tesoureiro, Alvaro dos Santos Barbosa.
Conselho deliberativo: capitão Anthero de Moura, major Joaquim Neves Figueiredo Junior, cel. Francisco de Souza Junior, José Leite Forjaz, Carlos José da Rocha.

Acclamada a directoria, o sr. Guiherme Figueiredo, fazendo uso da palavra, agradeceu a sua reeleição, prometteu trabalhar, como até aqui, com todos os seus esforços em prol do "Club dos Em Pé" e incitou os seus companheiros a seguirem-no nesse mesmo esforço.

O dr. Pinto Paoca, numa bella allocução, discorreu sobre o "Club dos Em Pé", animando os associados a proseguiren sempre пеssa união demonstrativa da sociabilidade vicentina,

Os srs. Benedicto Ribeiro, Miguel Barcalla, Santos Amorim e outros fizeram uso da palavra, referindo-se a commemoração que fazia o "Club dos Em Pé".

A festa anniversaria dessa associacão, como era esperada, decorreu com muito enthusiasmo. À mesa, em forma de T, sentaram-se as 28 seguintes pessoas: Anthero de Moura, João Lapetina. Franklin Alves de Moura, José P. Martins, Luiz Pimenta, Genaro Fernando Otero. Benedicto Ribeiro, dr. Gustavo Pluto Pacca, Antonio C. Bibeiro, Alvaro dos Santos Barbosa, dr. Rocha Carvalho. Heraldo Lapetina, Ramiro Calheiro, Estácio de Moura, Antonio Santos Amorim, Antonio Bruno. Sebastião Bittencourt, Lydio de Almeida, Affonso Lopes Fernandes, José Carmo Neves. Julio Teixeira Junior, Antonio Emmerich. ck Junior, Angelo Richetti, Guilherme A. de Figueiredo. Armando Requejo, Miguel Barcalla, Francisco Rienze, Manoel Freire de Carvalho. Antonio da Rocha Carvalho, Idelfonso A. de Oliveira e J. de Santiago,

por esta succursal".



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CENTRO DE CONVIVÊNCIA

REVOLUÇÃO CULTURAL NOS AN0S 70 e 80

ENDEREÇO EMBLEMÁTICO. Neste endereço da rua Jacob Emmerich, no Gonzaguinha, onde hoje está este grande edifício, aconteceu a maior revolução cultural da Baixada Santista na passagem dos anos 1970 para os anos 80. Aqui existiam duas casas onde jovens universítários de várias procedências fundaram duas comunidades alternativas. Uma de vocação política, na qual os participantes teriam intensa participação nos acontecimentos das cidades da região; nela morava a vereadora, prefeita e deputada Telma de Souza. Na outra morava o casal Domingos Stamato e Maria Izabel Calil Stamato, fundadores do Centro de Convivência de São Vicente, base da criação de ideias e práticas culturais revolucionárias. Domingos era médico e Maria Isabel psicóloga.

A REVOLUÇÃO COMUNITÁRIA VICENTINA

No final da década de 1970, São Vicente era bem diferente do que é hoje. Pouquíssimas famílias residiam na área continental, cujo acesso era só por trem ou pela via Anchieta, em Cubatão. A periferia da cidade se concentrava na região do Jockey Club, no córrego Catarina de Moraes e uma parte da Vila Margarida. A Cidade Náutica era um grande loteamento, com centenas de lotes vazios. A maioria dos bairros próximos do centro e da orla não tinham calçamento e somente alguns deles possuíam rede de esgoto. São Vicente ainda era uma cidade pequena, mas com grandes e graves problemas sociais. O acesso à Praia Grande ainda era pela Ponte Pênsil e seus bairros eram pouco povoados. No Gonzaguinha e no Itararé, os edifícios de apartamentos eram predominantemente para uso de turistas nas temporadas. Mas ainda existiam muitas casas de veraneio, algumas delas mansões pertencentes a ricas famílias paulistanas que aos poucos foram deixando de frequentar as praias vicentinas. Eram muitas, com construções imponentes, de muitos cômodos e espaços externos de grandes quintais e árvores enormes. Eram construções aristocráticas de uma época bucólica e que começavam a ter outras finalidades.
Para fugir da agitação urbana de Santos e da alta dos aluguéis, alguns grupos, geralmente universitários, alugavam essas antigas casas e mansões para instalarem comunidades alternativas, dividindo cômodos e despesas. Eram também conhecidas como “repúblicas”. Na rua Jacob Emmerich, entre os números 155 e 129, à apenas uma quadra do Gonzaguinha, haviam duas dessas casas. Uma delas, a maior, propriedade de um conhecido industrial de São Paulo, foi alugada pelo jovem casal Domingos Stamato e Maria Izabel Calil. Eles não eram casados e viviam juntos há alguns anos e tinham duas filhas. Ele era psiquiatra e ela psicóloga. Se conheceram durante uma palestra-debate quando se uniram para derrubar os argumentos conservadores de um juiz de direito sobre recuperação de menores infratores. Ali perceberam que tinham muitas coisas em comum, inclusive uma identificação de sentimentos e uma proposta de vida diferente e completamente fora dos padrões da época. Eram chamados de "hippies", uma tentiva de desqualificar sua ideia e práticas inovadoras, mas na verdade se consideram libertários. Precisam de uma vida regular para exercer suas profissões. Tinham que ter um endereço fixo, mas não precisava ser um endereço restrito e padrão. Queriam estar livres das obrigações das propriedades privadas e cultivar um tipo de vida nos moldes comunitários, que era o tom da nova sociedade alternativa americana e europeia.
Foi a partir dessa iniciativa do casal que surgiu a ideia de um Centro de Convivência, um espaço plural de moradia, trabalho, educação, lazer e cultivo das ideias libertárias e sobretudo das artes. E assim foi: um lugar amplo, agradável, de encontros de inteligências de vários segmentos e propostas de realização pessoal e coletiva. O Centro de Convivência da São Vicente, aproveitando o que ainda restava de bucolismo e tranquilidade da velha cidade praiana, passou a funcionar em 1978, ainda pequeno e com pouca frequência, mas logo tornou-se um dos núcleos culturais mais influentes da Baixada Santista. Ali se estabeleceu de maneira informal e criativa um espaço de experiências inéditas e que se tornaria referência nas áreas em que eram vivenciadas: a música, a literatura, as artes plásticas, o jornalismo, a psicologia e a psiquiatria humanistas, enfim, todas as expressões que possuíam um diferencial de visão de mundo e ao mesmo tempo uma perspectiva transformadora. Adultos, jovens e crianças vivendo um estilo de vida independente.
As experiências do Centro de Convivência não ficaram restritas ao espaço da mansão. Eram levadas para os locais socialmente mais problemáticos e considerados perigosos da cidade, em formato de intervenções e provocações que estimulavam mudanças na vida cotidiana das periferias. Isso provocou também a atração de outros profissionais - assistentes sociais, artistas, artesãos, educadores - para aprender e replicar essas inovações. No Centro de Convivência aconteceram os primeiros partos humanizados da região e também as primeiras experiências de tratamento em psicoterapia transpessoal. A discussão sobre o uso abusivo de medicações psiquiátricas e as crises dos manicômios eram abordadas ali com muita frequência. Foi numa dessas reuniões que foi sugerida a intervenção pública na Casa de Saúde Anchieta, em Santos, conhecida na época como “Casa dos Horrores”. Vizinha ao centro de Convivência, alguns anos antes, existia uma outra comunidade de jovens universitários, cuja vocação era mais de atuação política. Um dos moradores da casa era ninguém menos que a ativista Telma de Souza, que viria ser prefeita de Santos e cujo secretário de saúde, o médico David Capistrano, encabeçou o projeto de intervenção e ocupação humanitária da Casa Anchieta, na época abarrotada de pacientes vivendo em condições desumanas. David, mais tarde como prefeito de Santos, enfrentaria outro grande desafio da saúde pública regional, empreendendo uma intensa campanha sanitária contra disseminação do vírus HIV e que havia dado a Santos o triste título de “Capital da AIDS”. Venceu a luta e Santos tornou-se referência mundial nesse combate.
Em meio a tantas experiências e desafios, pois o preconceito e a resistência conservadora era intensa diante das propostas inovadoras, nunca é tarde para lembrar que os moradores e frequentadores do Centro de Conivência experimentavam e discutiam todos os assuntos e temas que suscitassem reflexões mais profundas e diferentes, como, por exemplo, as de natureza histórica e antropológica. Numa delas, a psicóloga Maria Izabel Calil Stamato, descente de árabes pelo lado paterno, relatou numa reunião que fizera uma descoberta interessante e que havia despertado nela uma incrível atração e, naquele contexto, um vínculo muito forte com a cidade de São Vicente. No seu mapa genealógico, por parte de mãe, constava que ela era descendente de Bartira, filha do Cacique Tibiriçá e esposa do semita João Ramalho. Na mesma ocasião surgiu a informação de que toda aquela área onde estavam as edificações da quadra das ruas Tibiriçá, Jacob Emmerich, Visconde do Rio Branco e Frei Gaspar, num passado longínquo, havia sido um cemitério indígena. Eram citações sem nenhuma intenção de privilégio, mas que acentuava um profundo respeito pela história calunga e pela cidade que os havia acolhido para realizar uma missão social que marcaria a vida de muitos vicentinos e santistas.

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CENTRO ARTÍSTICO MARTIM AFONSO


Membros do Centro Artístico Martim Afonso comemoravam o sétimo aniversário do grupo. A entidade dedicada ao teatro foi fundada em 7 de setembro de 1938.
Revista Flama, Santos, 1945. Acervo da FAMS


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O MUSEU HISTÓRICO NAVAL DE SÃO VICENTE

O Museu Histórico Naval de São Vicente foi fundado em São Vicente em 1979, pelo engenheiro civil Carlos Alfredo Hablitzel.



Imóvel da família Hablitzel (à direita) na rua Messia Assu, no Boa Vista em 1975.  O bairro originalmente batizado de Vila Betânia ficou conhecido em São Vicente no início do século XX como Vila dos Estrangeiros, devido a presença de muitas famílias europeias que naquela época recebiam terrenos doados pela Câmara Municipal com a obrigação de construir edificações e urbanizar os antigos sítios do Itararé. Fotos: São Vicente de Outrora . Cortesia do editor Silvio Elizei. 


Nascido em Basiléia, Suíça, em 15 de janeiro de 1919, Hablitzel veio para o Brasil com sua família em 1920, embarcando em Gênova no navio italiano Re Vittorio. Após o curso primário na Escola Alemã do Rio de Janeiro, o curso ginasial em Basiléia (1931 a 1933) e o curso complementar no Ginásio Catarinense, em Florianópolis, formou-se na Escola de Engenharia Mackenzie, em São Paulo, em 1944. Naturalizado brasileiro aos 26 anos de idade, em 10 de dezembro de 1945, casou-se em 1948 com Maria Graciela Dubrez, paraguaia naturalizada brasileira. Em 1952, integrou o primeiro grupo de mergulho autônomo de São Paulo. Obtendo um aqualung, participou em expedições a naufrágios em um barco do Instituto de Pesca de Santos, tornando-se um dos pioneiros do mergulho autônomo no Brasil.
Em 1956, Hablitzel estabeleceu residência em São Vicente. Paralelamente às obrigações profissionais, o engenheiro dedicava parte de seu tempo aos estudos marítimos e navais, bem como, à ampliação de sua coleção particular de objetos e documentos afins, atividades desenvolvidas desde a juventude. O grande acervo reunido levou-o à criação do Museu Histórico Naval de São Vicente, inaugurado em 19 de janeiro de 1979 e sediado em uma casa de estilo normando, atualmente demolida, então situada à Rua Messia Assú, 78, no bairro Boa Vista.
Carlos Alfredo Hablitzel faleceu em São Vicente, em 6 de novembro de 1988, aos 69 anos de idade. Sua esposa e filhos mantiveram o museu em funcionamento até 1992, ano em que foi definitivamente fechado à visitação pública.
Em 1993, a família Hablitzel e a diretoria da Sociedade Museu do Mar travaram diversos contatos visando avaliar a possibilidade de transferência do acervo do Museu Histórico Naval de São Vicente para a instituição de Santos. O desejo da família em manter o acervo reunido e vê-lo novamente disponível ao público, bem como, as relações de amizade que em vida Carlos Alfredo Hablitzel sempre manteve com Luiz Alonso Ferreira, biólogo marinho e fundador do Museu do Mar, pesaram decisivamente para a concretização de um acordo, através do qual a Sociedade Museu do Mar adquiriu o acervo do desativado museu vicentino, transferido oficialmente em 10 de setembro de 1993. 
Fonte: Museu Maritimo https://www.museumaritimo.com.br/

Acervo do museu vicentino adquirido e exposto pelo Museu Marítimo em Santos. 


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TRAGÉDIAS E CALAMINDADES



ÁGUAS DE MARÇO

Mirtes dos Santos Silva Freitas.


Há, exatamente, sessenta e cinco anos, em mil novecentos e cinquenta e seis, as águas de março causaram duas catástrofes inesquecíveis na Baixada Santista. Uma delas foi no início do mês e a outra, no final. Tenho lembrança do dia vinte e cinco, um domingo.
Morávamos na Rua 3, numa encruzilhada. Para os supersticiosos, já significa mau agouro. Nós não achávamos isso. Éramos felizes, sem que o básico nos faltasse.Crianças, não tínhamos expectativa quanto ao futuro. Eu e a Neuza já estudávamos no Grupo Escolar. Os dois menores só brincavam.
Agora, preciso explicar o porquê de eu ter me referido à encruzilhada. Se fosse em outro local, não teria a mínima importância. O problema é que nossa casa, de esquina, ficava no local mais baixo que se poderia imaginar. A rua, alta nas extremidades, formava, até, um morrinho. Eram dois pontos altos, convergindo para a nossa moradia. Cruzando-a, mais um ponto alto e, ao lado da nossa casa, no sentido oposto, um brejo indo até a via férrea. Essa, por sua vez, era muito alta. Ainda por cima, os terrenos vizinhos eram alagadiços. Resultado: morávamos numa ilha.
Bem, devo dizer que nos dias ensolarados éramos privilegiados. O pântano desabrochava. Havia lírios- do- brejo, cândidos, lindos, perfumados. Trata- se de uma planta palustre, também chamada de " mariposa", flor nacional de Cuba. Com o mesmo grau de candura, havia os copos- de- leite. E o que falar sobre as taboas, com seus pendões castanhos, que se rebentavam numa espécie de paina? Também havia o chapéu- de - couro, com suas alvas flores; os aguapés arroxeados, com manchinhas amarelas, formando um cacho delicado e vistoso; a treporava, com florinhas azuis; a erva- madre, a erva- de- bicho, a taioba comestível e a venenosa...chega! Não estou aqui para falar de Botânica!
Antes de ir direto ao assunto, devo acrescentar que havia uma vala acompanhando o terreno. Ali, também, tínhamos de tudo: desde o insuportável pernilongo até as belíssimas e diáfanas libélulas, ou lavadeiras. Elas sobrevoavam a água, pousando sobre o alimento vivo: as larvas. O local era um criadouro de sapos, rãs e, consequentemente, de girinos. E as cobras? Sim. Tínhamos. Em certas noites, trevosas ou enluaradas, ouvíamos o coaxar aflito das rãs. Eram as cobras, providenciando um banquete. Para terminar a descrição do nosso entorno, tenho que acrescentar a presença das sanguessugas. Elas me assustavam mais do que um filme de terror. Zé do Caixão não me meteria tanto medo.
Retorno, agora, ao temporal. Começou à tarde, já assustador. O céu desabava. Como eu disse, com um terreno tão baixo e alagadiço nos dias chuvosos, qualquer aguaceiro nos causava apreensão. Tudo foi num crescendo. O final de tarde virou noite, antes da hora. A energia elétrica, que já nos faltava com qualquer chuvisco, foi desligada. Como isso era frequente, meus pais sempre tinham velas e a lamparina a querosene. O pavio, nela submerso, com uma linguinha para fora, alimentava a chama que alumiava os pequenos cômodos. A chuva, cada vez mais intensa, começou a nos amedrontar. A água, despejada em catadupas, vinha das partes mais altas. No terreno do brejo, permanentemente alagado, porém, não havia escoamento. Do lado oposto, a ferrovia era uma barreira intransponível. E a chuva foi aumentando. Os habitantes da vala, anteriormente delimitados pelo capim, ficaram desorientados. Desalojados do seu habitat, espalharam- se, confusos.
Dentro de casa, a preocupação deu lugar às providências necessárias. O desastre já se avizinhava. Meus pais, aflitos. Nós não sabíamos, ao certo, o que estava acontecendo. A hora chegou, de repente. Primeiro, a cozinha, que era mais baixa, foi inundada. Rapidamente, a água subiu dois degraus e se espalhou pela casa. Era um rio. Meus pais deixaram a porta da cozinha aberta, para facilitar o escoamento. Qual! A correnteza era voraz. O cenário, com a luz bruxuleante das velas, era fantasmagórico!
Nós quatro fomos colocados sobre a mesa da cozinha. Era de madeira. Aguentou- nos. Ficamos quietos, observando nossos pais na correria, tentando salvar o que podiam. As roupas foram entrouxadas e colocadas sobre o guarda- roupa. Minha mãe retirou os alimentos do guarda- comida. Colocou- os bem no alto, a salvo. As xícaras, azuis, azuis, com bordas e asas douradas,que estavam numa prateleira baixa, resolveram escapulir. Seguiram na enxurrada, porta afora. Viraram barquinhos. Isso, porém, foi pouco. O grande mesmo foi o que aconteceu com minhas pernas. Eu já tinha nove anos. Meio porque mal cabíamos os quatro sentados sobre a mesa, meio porque queria balançá- las na água gelada, deixei- as dependuradas. Não pensei que algo ruim pudesse acontecer. Mas aconteceu! Quando olhei para baixo, vi enormes pintas pretas coladas nas pernas. Aí...berros! Berros lancinantes! Eram as sanguessugas. Eu sabia que elas só desgrudariam quando estivessem fartas de sangue, do meu sangue! Salvou- me meu pai. Rapidamente, derramou álcool sobre elas, que se desgrudaram e desapareceram na corredeira.
Após o triste episódio, homens altos e desconhecidos surgiram na cozinha, para nos resgatar. Na verdade, um deles era nosso vizinho. Saímos, os três mais velhos, nos braços deles, na escuridão. Havia, apenas, a ajuda de uma lanterna.
-----A cisterna! Cuidado com a cisterna! Por aqui! Por aqui!-----gritava o vizinho.
Sim.Num lado do caminho havia uma cisterna. Naquela época, era uma palavra desconhecida por mim. Inferi, então, que se tratava do nosso poço. Coitado! Sua tampa de madeira , também, resolveu fugir. Estava escancarada uma boca, pronta a nos engolir. Isso não aconteceu, felizmente.
Fomos levados para a casa desse vizinho, num ponto mais alto daquele trecho sem saída.
Uma vizinha, há não muito tempo, contou- me que, naquele dia, tarde da noite, ouviu gritos. Era minha mãe, com a caçula no colo e um relógio- despertador na mão, pedindo guarida. Meu pai, certamente, estava com ela.
Os moradores das partes altas pouco se incomodaram com a força da chuva. Admiraram- se ao saber , no dia seguinte, que uma legião de desabrigados foi acolhida nas Escolas, nas Sociedades de Bairro, no Hospital São José.
Morros desabaram. Pai e mãe, que tinham ido ao Cine Anchieta( SV), ao chegarem em casa, só encontraram uma avalanche de pedras e barro. Cinco dos filhos, com idades entre quatro e catorze anos, foram soterrados! Destruição e dor!
Voltando ao dia seguinte, acordamos em casa alheia. Meu irmão tem uma lembrança nítida daquele momento. Chegando ao terraço, apenas viu um lago, um grande lago, sobrepujando toda a vida vegetal que descrevi no início. Na inocência dos seus cinco anos, já com uma queda para o romantismo, exclamou:
-----Que lindo!

São Vicente, 21 de março de 2021

TEMPORAL E CALAMIDADE- 1956

Várias barreiras desabaram - Sete mortos - Casas soterradas - 300 pessoas, vítimas das enchentes, abrigadas e tratadas no Lar Vicentino - O Hospital S. José recebeu 31 vítimas do desmoronamento do Morro da Caneleira - Colaboração das autoridades, Comissariado de Menores, Legião Brasileira de Assistência, Jóquei Clube, Escoteiros do Mar "Tropa Tumiarú", Pronto Socorro, Educandário "S. Gabriel", comércio e do povo - Salvos no mar - Ao pretender salvar um seu amiguinho, pereceu afogado numa lagoa. - Interrompida a passagem dos trens da Sorocabana, por ter caído uma barreira próximo à "Pedra dos Ladrões" - Câmara Municipal - Hoje, a Procissão do Encontro. 

São Vicente foi seriamente atingida pelas últimas chuvas, com desabamentos de barreiras, enchentes e residências soterradas. Embora se verificassem sete mortes, muitas pessoas tiveram que abandonar os seus lares, devido às enchentes ou por ameaçar perigo os morros próximos de suas residências. Ruas, praças e avenidas ficaram alagadíssimas, devido às fortes chuvas, motivo porque ficou o trânsito interrompido e a cidade, por muitas horas, sem energia elétrica, sem bondes e sem ônibus. 
Quando voltava o casal do cinema, encontrou a casa soterrada e cinco filhos mortos - O caso mais doloroso foi a morte dos cinco irmãozinhos Matos, soterrados em sua residência, quando desabou a barreira do Morro Itararé. Seus pais tinham ido ao Cine Anchieta e, quando voltaram, tiveram conhecimento da triste ocorrência. 
No chalé situado no alto do citado morro, ao lado da Pedreira Boa Vista, de Roquete e Daniel Mendes, estavam, ainda, uma irmã casada e cunhado das vítimas, e a pequenina que foi salva por Pedro Duarte Novais e sua mulher. Eram precisamente 23,30 horas, quando aconteceu o fato. 
São os seguintes os nomes e idades dos pequeninos que pereceram tragicamente: Ida de Matos, 5 anos; Eraldo, 12 anos; Lídia, 6 anos; Claudete, 14 anos, e Manoel, 4 anos. Três meninas e dois meninos, filhos de Eraldo Matos (vulgo Piaçú) e de Ermelinda Couto Matos. 
"Zé Preto", a vítima do Morro Japuí - Na Av. Siqueira Campos, ligação 2, no Japuí, José Pedro da Silva, funcionário do Saneamento, morava no sopé do morro, com sua esposa e oito filhos menores. Eram quatro horas quando duas enormes árvores se soltaram, devido à enxurrada, atingindo o seu chalé, o qual foi desmontado e destroçados todos os seus pertences. "Zé Preto" foi atingido e imprensado, tendo morte instantânea. 
No meio dos escombros, um menino de 5 anos, filho de criação do casal, ficou com o seu bercinho entre o fogão de ferro e um pedaço de móvel velho, sendo retirado pelo escrivão Rabelo e auxiliado pelos soldados José Batista de Moura, Francisco Mendes e Carmelino de Lima, do nosso destacamento policial. As outras crianças e a mulher foram salvas. A vítima morreu comprimida entre a cama e o guarda-roupa, ficando as árvores sobre os escombros. 
"Barbosinha", contínuo da Prefeitura, pereceu afogado - Gustavo Barbosa Santos, com 37 anos, brasileiro, casado, funcionário da Prefeitura local, quando regressava dum casamento para a sua residência, caiu numa "boca-de-lobo" próxima à Fábrica de Vidros, perecendo afogado. 
A sua morte foi muito sentida, pois "Barbosinha", como lhe tratavam os seus colegas, era bastante estimado nesta cidade. A ocorrência registrou-se às 4 horas de anteontem, quando ainda chovia torrencialmente. A imprudência deu causa à sua morte, pois as águas naquele local atingiam mais de um metro de altura. 
Inundações - Os bairros do Rio da Avó, Sá Catarina de Morais, Vila Margarida e Mangue Saquaré foram os mais atingidos pelas chuvas, tanto assim que os moradores tiveram que abandonar os seus lares. 
Barreiras sobre o leito da E. F. Sorocabana - Em frente à "Pedra dos Ladrões" e na divisa do José Menino, caíram duas barreiras sobre o leito de E. F. Sorocabana, interrompendo a carreira dos trens da linha Santos-Juquiá. Os passageiros vindos de Juquiá estão descendo em São Vicente, enquanto não se terminar a desobstrução da linha. 
Em frente à "Pedra dos Ladrões", as pedras estão trincadas, ameaçando iminente desmoronamento. 
Importante trabalho prestado pelo Lar Vicentino - A diretoria do Lar Vicentino consentiu que, em suas dependências, fossem recolhidas as pessoas vítimas das enchentes. Assim, nada menos de 300 desabrigados lá se encontram, recebendo toda a atenção possível. 
É justo destacar a eficiente colaboração das autoridades, comércio, comissários de menores, polícia, Hospital São José, e pessoas caridosas. Nada tem faltado: alimentação, medicamentos, consultas médicas, camas, colchões etc. Verifica-se, no futuro asilo de inválidos, um movimento de verdadeira solidariedade humana. O sr. Sílvio Corrêa da Silva e a dra. Clementina Faro lá estiveram ontem, medicando e examinando elevado número de pessoas. 
As vítimas do Morro da Caneleira, atendidas no Hospital S. José - Pelos drs. Hélio Ramos Costa, João Evangelista da Rocha e Antonio Caramenho, médicos do Pronto-Socorro, foram atendidas e internadas anteontem, no Hospital São José, as seguintes vítimas do desabamento do Morro da Caneleira: Antonio Aragão Dias, José de Almeida, Francisco Ferreira da Silva, José Borges Figueiredo, Malvino Colasso, José dos Reis Silva, Antonio José de Freitas, Alziro Vitoriano de Freitas, José Oliveira da Silva, Adevaldo Aguiar, Vicente Agostinho da Silva, Jonas da Costa Ramos, Benedito Passos, Domingos Florêncio de Almeida, Serapião Bispo dos Santos, Manoel Valente Pereira, José Fernandes Filho, Joaquim da Costa, José Nunes Soares, Arcelino Ribeiro, Marliete da Silva, Adelino Ribeiro, Irísia Ribeiro, Maria do Rosário Passos, José Gentil de Araújo, Antonio Fernandes, Marciano José dos Passos, Anita Passos, Maria Heuaide Toda, Yoshino Huaide e Pedro Brasil Silveira. 
Cooperaram também eficazmente, os drs. do Corpo Clínico: Alcides de Araújo, José Singer, André Stucchi, Carlos Zinder, Raposo do Amaral e Geraldo Hellmeister. Assim que começaram a chegar as primeiras vítimas ao Hospital S. José, ali também compareceu o dr. Olavo Hourneaux de Moura, oferecendo seus serviços e pondo à disposição dos feridos a Casa de Saúde "N. S. das Graças", de que é diretor-proprietário. 
Foram salvos do mar - Pelos guardas do Posto 1, foram salvos quando estavam prestes a se afogarem, os seguintes banhistas: Domingos Mendes, 20 anos, solteiro, escriturário, residente à Rua Linda Batista, 125, São Paulo; Florinda Rosa, 53 anos, casada, doméstica, brasileira, residente à Rua Vergueiro, 631, capital; Pedro Cordeiro, 47 anos, casado, comerciário, brasileiro, residente à Rua Guaipa, 92, São Paulo. O sr. Moacir Santos Moura (Leco) ajudou os guardas, neste último salvamento. Os guardas do Posto são: Adão Marques, Genésio dos Santos, Severino Gomes e Davi Xavier. 
Pereceu afogado na lagoa, quando pretendia salvar seu amiguinho - Um gesto que bem demonstra o grau de abnegação e de solidariedade humana, foi o praticado pelo menino Vicente Postego Ramos, de 13 anos de idade, filho de Salvador Postego Balão e Ana Ramos Postego, residente no Caminho São Jorge, Rua Particular, ligação n. 2. Vicente, ao pretender socorrer um seu amiguinho na lagoa próxima à Pedreira Santa Teresa, na Vila São Jorge, pereceu afogado. Sua morte causou consternação, não só pelo gesto praticado, como por gozar a vítima de grande estima. 
Procissão do Encontro - Devido ao mau tempo reinante domingo, a Procissão do Encontro dar-se-á hoje, às 20 horas, na Praça Barão do Rio Branco. Falará aos fiéis monsenhor Borowski, reitor do Seminário. A banda do 2º B.C. abrilhantará o cortejo religioso. 
Na Prainha desabaram três barreiras - A residência que mais sofreu com o desabamento, no bairro da Prainha, foi a que está localizada em frente ao 1.001, pois ficou totalmente soterrada, não se registrando vítimas porque o seu proprietário reside em São Paulo. No mesmo lado direito, outra casa foi atingida, caindo sobre a mesma uma enorme árvore. Também não houve vítimas. 
No local onde existe a caixa d'água da Prefeitura, grande quantidade de terra desabou do morro, obstruindo a passagem na Av. Saturnino de Brito. 
Atingido o bar e boite Prainha - Quando os "habitués" se encontravam dançando, foram surpreendidos, às 2,30 horas, com o desabamento de uma barreira, a qual pegou a parte dos fundos do Bar e "Boite" Prainha. Os dois autos dos proprietários desse estabelecimento comercial ficaram soterrados. O piano, móveis etc. sofreram danos com a enxurrada. Felizmente, nada de grave aconteceu aos freqüentadores e pessoal da "boite", a não ser o grande susto. Procurando desobstruir as passagens, cortando árvores e tomando outras providências, ali esteve o sr. Américo Fernandes Tavares. O dr. Alberto Lopes dos Santos, presidente da Câmara, logo que soube da ocorrência, compareceu ao local, e no Japuí. 
Escoteiros do Mar "Tropa Tumiarú" - Gesto digno de registro é o oferecimento e o trabalho dos Escoteiros do Mar "Tropa Tumiarú". No Lar Vicentino, desde ontem pela manhã, os meninos estiveram em atividades. Oferecimento do Jóquei Clube - Além do oferecimento do médico, sr. Gilberto Cavalcanti, e dos enfermeiros, a diretoria do Jóquei Clube de São Vicente enviou ao Hospital São José medicamentos para atender as vítimas do Morro da Caneleira. Esteve também no Hospital, oferecendo seus serviços profissionais, o dentista e enfermeiro, dr. Alfredo Gaspar. 
Ação eficiente do Comissariado de Menores de S. Vicente - O Comissariado de Menores desta cidade teve papel saliente nos momentos tristes que atravessamos. Foram os comissários verdadeiros abnegados, retirando e carregando crianças das inundações no Mangue Saquaré, Vila Margarida, Rio da Avó e Rio Sá Catarina de Morais. O juiz de menores, dr. Aldo de Assis Dias, veio à noite verificar a situação das crianças, no Lar Vicentino e na Escola da Vila Sorocabana, retirando-se bem impressionado pelas medidas tomadas e o bom acolhimento recebido. Legião Brasileira de Assistência - Logo que soube dos acontecimentos, compareceu ao Hospital São José e Lar Vicentino a sra. Maria Madalena Cunha Jarossi, presidente da Legião Brasileira de Assistência, em São Vicente, tomando várias providências. Apelo ao dr. Lauro Ataíde de Freitas - Em nome da população vicentina, apelamos para o dr. Lauro Ataíde de Freitas, chefe do Distrito de São Paulo, do Departamento Nacional de Obras de Saneamento, no sentido de serem desobstruídas as comportas do Rio da Avó e Rio Catarina de Morais, as quais não dão vazão às águas represadas nas áreas inundadas. Câmara Municipal - Será realizada hoje, às 14,30 horas, mais uma sessão da edilidade vicentina, sob a presidência do sr. Alberto Lopes dos Santos. Terá prosseguimento a discussão e votação do projeto de lei do sr. Rafael Faro Politi, e que trata do Código de Obras do Município. Vai faltar água dois dias - Pede-nos a Prefeitura Municipal de São Vicente tornarmos público que em virtude de haver caído uma barreira que obstruiu a tomada de água, sem causar danos de monta, faltará o precioso líquido na cidade, por dois dias, tempo necessário à remoção da terra que está impedindo o serviço de abastecimento. 
MAIS CALAMIDADE 
Ameaçados os edifícios "Mirante" e "Parque dos Estados" - Intimados os moradores da pedreira Itararé a abandonar suas residências - Vacinação preventiva - Contra o despejo de lixo no caminho da Praia Grande - Eficiente colaboração da Colônia de Pescadores, Capitania dos Portos, Fortaleza de Itaipu e 2º B. C. - Prossegue o trabalho no Lar Vicentino - Auxílio da Legião Brasileira de Assistência - Recolhidas na Escola Mista dos Ferroviários mais 145 vítimas das enchentes - Desferiu cinco facadas na companheira - Suspensa a sessão de ontem da Câmara Municipal em homenagem às vítimas da catástrofe. 


Nossa reportagem percorreu, ontem, todo o Morro dos Barbosas, onde a Cia. Di Franco de Investimentos Ltda. está vendendo lotes de terrenos, constatando que existem várias fendas, algumas numa profundidade de 3 e 4 metros, oferecendo perigo, caso novas chuvas desabem sobre a nossa cidade. Os prédios "Mirante" e "Parque dos Estados" serão os atingidos. O primeiro tem 22 apartamentos, entretanto, somente lá estavam oito famílias, pois as demais seguiram para São Paulo. Várias foram as barreiras que desabaram do referido morro. Torna-se necessária rigorosa investigação por parte de engenheiros técnicos, a fim de serem salvaguardadas as vidas dos moradores e pedestres. Também medidas enérgicas deverão ser tomadas pelo prefeito. A Ponte Pênsil, do mesmo modo, poderá ser atingida com o desabamento. Intimados os moradores da Pedreira Itararé a deixar suas casas - Em vista do constante perigo que oferece o Morro do Itararé, a polícia intimou os moradores a se mudarem, o que está sendo feito desde ontem. 
No Lar Vicentino - Continuam, no Lar Vicentino, as vítimas das enchentes do Rio da Avó, Mangue Saquaré, Rio Sá Catarina de Morais, Vilas Margarida e São Jorge, os quais vêm ali recebendo alimentação e medicamentos. Essa situação perdurará até que os mesmos possam voltar aos seus lares. O dr. Leovegildo Trindade ofereceu o motor para o funcionamento da distribuição da água. Vários oferecimentos vêm sendo feitos, pela Legião Brasileira de Assistência e inúmeros particulares. 
Recolhidos na Escola Mista dos Ferroviários - A sra. Angelina Pretti da Silva, vereadora municipal, teve um gesto que bem merece encômios e registro. Conseguiu alojar, na Escola Mista dos Ferroviários, 145 pessoas vítimas das enchentes e 20 em sua residência. Para essas pessoas, o Departamento Estadual da Criança vem fornecendo medicamentos e leite em pó. 
Auxílio da Prefeitura de Santo André - Valiosa e simpática colaboração acaba de oferecer o prefeito de Santo André, enviando, para a nossa cidade, dois caminhões basculantes e 16 operários. Estes estão alojados na sede do União. 
Ofereceram colchões: Ernesto Antonio, 10; Padaria Bandeirantes, 3; Bar Aguiar, 1; Alfaiataria Neves, 1; Pedro Toneli, 1. O Binder's Bar fornecerá a alimentação aos operários. 
Aviso ao público sobre arrecadação de donativos - A presidente da Legião Brasileira de Assistência (Seção de São Vicente) desde que teve conhecimento, domingo, das tristes ocorrências em nossa cidade, comunicou-se com o prefeito municipal, tomando várias providências. Esteve segunda-feira no Hospital São José e no Lar Vicentino. Para essa casa de caridade providenciou café, roupas, fraldas, aos 200 flagelados ali recolhidos. Recebeu da Legião Brasileira de Assistência, de São Paulo, todo o apoio, pelas iniciativas tomadas. Todos os donativos devem ser entregues à presidente, à Rua 15 de Novembro, 176, em São Vicente, evitando-se dessa forma possíveis explorações. 
A Câmara aderiu ao sentimento do povo, pela catástrofe - Assinado pelos edis Nicolino Simone Filho, Carlos Menezes Tavares e Cremiro Azevedo, foi lida e aprovada a solicitação de serem suspensos os trabalhos do Legislativo, pelo infausto acontecimento que enlutou vários lares em nossa cidade e desabrigando também muitas famílias. 
Desferiu cinco facadas em sua companheira - Bento Vicente, residente à Rua Carlos Gomes, 60, depois de se embriagar, desferiu cinco facadas em sua companheira, Ana Maria Augusta, a qual foi atingida no pescoço e costas. Em estado grave, a vítima depois de ser atendida pelo Pronto Socorro, seguiu para a Santa Casa. O agressor recebeu ordem de prisão do investigador Orlando, quando empunhava ainda a faca. O dr. Lídio Bandeira de Melo mandou instaurar o inquérito, arrolando várias testemunhas. Outras pessoas receberam ferimentos atingidos com golpes de faca, quando procuravam socorrer a vítima. 
Festa íntima - Dia 25, registrou seu 12º aniversário a menina Mercedes, filha do dr. Arnaud Machado, funcionário aposentado da Repartição de Saneamento de Santos, e de d. Gertrudes Machado. A aniversariante ofereceu uma mesa de doces às suas amiguinhas. 
Indiferente a guarda-civil, durante a catástrofe - São Vicente conta, para o policiamento do trânsito, com o destacamento de 3 ou 4 guardas-civis, que, durante estes dias de angústia, não foram vistos nos pontos onde se fazia mais necessária sua presença. Na Avenida Antônio Emerich, domingo à noite, em virtude do desabamento ocorrido na Caneleira, foi o serviço de trânsito efetuado por elementos do quartel militar do 2º B. C., nas imediações de sua guarnição e no início da aludida via pública, tendo sido feito pelo sr. Orlando Dias Bexiga o desvio de veículos. 
Idêntica falta de policiamento dos guardas-civis verificamos na Avenida Manoel da Nóbrega, e vias adjacentes, que estavam, em parte, intransitáveis, e onde o trânsito foi orientado pelos guardas municipais, fato este ainda ontem constatado. E nas avenidas Getúlio Vargas e Newton Prado o fato se repetiu. Neste setor, nem a guarda rodoviária foi vista ontem pela manhã. É de se lamentar essa anomalia e descaso, notadamente num momento em que todas as pessoas, indistintamente, empregavam seus esforços para auxiliar as pessoas necessitadas. A guarda-civil, infelizmente, não correspondeu... 

Colaborações eficientes durante a catástrofe 

Capitania dos Portos e Colônia de Pescadores - Tão logo teve conhecimento das tristes ocorrências registradas nesta cidade, durante a madrugada de domingo, o cmte. Francisco Vicente Bulcão Viana, capitão dos Portos do Estado de São Paulo, determinou ao capataz destacado nesta cidade, sr. Osvaldo dos Santos, para que providenciasse junto aos pescadores e proprietários de embarcações as requisições que se fizessem necessárias. Verificamos, domingo pela manhã, a atividade daquele funcionário da Capitania, coadjuvado pelos pescadores profissionais Angelo Verta Filho, Manoel de Jesus Filho e Aristodemos Mangolini, além de inúmeros componentes da Colônia de Pescadores Z-4 "André Rebouças" e particulares. Foram cedidas várias embarcações para o transporte de inúmeras famílias vítimas das inundações verificadas no rio Sá Catarina de Morais, rio d'Avó e Saquaré. 

2º B.C., Fortaleza de Itaipu e Colônia de Férias do Clube Militar da Força Pública - Os comandantes dos 2º B. C. (Bugre) e 5º G. A. C. (Fortaleza de Itaipu) também prestaram excelentes colaborações, doando colchões para os flagelados e colocando à disposição das autoridades municipais grupos de soldados para os serviços de desobstrução na Caneleira e nas avenidas Getúlio Vargas, Newton Prado e Saturnino de Brito. A Colônia de Férias dos Oficiais da Força Pública do Estado de São Paulo também prestou a sua cooperação, cedendo cerca de 100 colchões. 
Outras colaborações - Da mesma forma verificamos o auxílio prestado por funcionários operários da Prefeitura, a equipe do Comissariado de Menores, vereadores, jornalistas e inúmeras pessoas. 
Vacina preventiva contra eventual surto epidêmico - Hoje à tarde, por determinação superior, os componentes do Centro de Saúde local iniciarão no Boqueirão da Praia Grande as vacinações preventivas contra o eventual aparecimento de infecções do aparelho gastrointestinal (tifo, disenterias). É aconselhável à população vicentina, principalmente àqueles em cujas habitações forem precárias as instalações sanitárias (falta de esgoto), procurar o Centro de Saúde, à Rua Jacó Emerich n. 686, a fim de se prevenirem contra eventual moléstia. Além das medidas de limpeza, vacinação e profilaxia que se fazem necessárias, as autoridades sanitárias pedem a colaboração do povo, fazendo-lhe as seguintes recomendações: - Não comer verduras cruas;- Utilizar-se apenas de água fervida;- Combate sem tréguas às moscas; - Remoção de todos os detritos; e - Não tomar banho de mar. 
Deve ser impedido o despejo de lixo provindo de Santos - As águas provenientes dos morros situados na Avenida Siqueira Campos, desde o Japuí até o Boqueirão da Praia Grande, ainda estão estagnadas, motivadas pelo escasso escoamento existente naquela estrada. Em determinados trechos da avenida verificamos, ontem, que os carros de lixos da Prefeitura Municipal de Santos, impossibilitados de penetrar no interior de vários sítios de bananas, ali existentes, estão descarregando toda a sorte de detritos e sujeiras na margem daquela avenida. A Prefeitura local, por intermédio de sua Diretoria de Serviços Públicos, sob a responsabilidade do sr. João Rodrigues Caldeira, determinou que a descarga de lixo de São Vicente fosse feita em outro local. Por que a Prefeitura de Santos não imita esse gesto? As contínuas descargas naquele local poderão resultar em conseqüências funestas. É preciso que as autoridades competentes façam desaparecer essa ameaça. 

NATUREZA EM FÚRIA 

Simplício Brando 

Voltou a cidade de Santos a sofrer outro forte abalo neste adverso mês de março, em resultado do violento temporal caído na madrugada de domingo, assim dolorosamente chamada a pagar novo tributo de vidas, às dezenas, sem esquecer o grande número de feridos e os importantes prejuízos materiais verificados. 
São Vicente, de igual modo, alcançada pelos mesmos sinistros efeitos, também contribuiu com o sacrifício de quase dez vidas, bem como numerosos danos de monta. Não iremos repisar, em tão pequeno espaço, o noticiário dos jornais sobre os dramáticos transes desenrolados, os momentos de desespero e o espetáculo desolador anteontem oferecido pelas duas cidades praianas, com o seu comércio de portas cerradas, em sinal de luto, e as ambulâncias, as viaturas da Polícia e do Corpo de Bombeiros, cortando as ruas, a cada instante, além de caminhões conduzindo móveis, roupas e utensílios das vítimas atingidas pela catástrofe, em direção aos alojamentos improvisados, tendo em vista o êxodo dos moradores. 
Entrementes viam-se operários e outras devotadas almas ao lado de carros providos de guindastes e caçambas, empenhados no trabalho ininterrupto de remoção dos escombros, em diferentes pontos onde a tormenta produziu impressionantes desabamentos, notadamente no sopé dos morros, soterrando casas e pessoas nas trevas da noite! 
Diante desses sucessivos dramas, mostrando a cólera dos elementos da natureza em busca do cenário propício ao desdobramento de pavorosas tragédias, de preferência os morros dinamitados, cabe às autoridades administrativas, pelos seus organismos técnicos, proceder, antes de mais nada, a imediatos estudos nessas elevações, em cujos pontos a pedra está sendo industrializada, sem as devidas cautelas, ou ainda nas abas escolhidas para a retirada da terra, em volumosas quantidades, providenciando-se, logo após, as medidas mais urgentes, de caráter preventivo, em resguardo de vidas preciosas e outros males irreparáveis. Em São Vicente também os criminosos bueiros já ocasionaram duas mortes, tendo sido, antes, surpreendida uma menina, e agora um contínuo da Prefeitura Municipal, ambos inapelavelmente tragados pelas bocarras traiçoeiras dessas armadilhas, para as quais devem os responsáveis voltar as suas vistas. 
Outros episódios funestos e chocantes, expressando quadros de horror, podem ser perfeitamente evitados mediante decididos empenhos. Dir-se-á que as chuvas torrenciais e prolongadas deram causa aos lutuosos acontecimentos. Exatamente, esta é a verdade. Mas também é certo que, em resultado das abundantes enxurradas havidas, os morros continuam apontando outras fatídicas surpresas. 
Isto nos leva a refletir que os impetuosos elementos desencadeados com implacável ira lá das alturas, parecem querer revidar, cá em baixo, os sistemáticos golpes desferidos pela mão do homem contra a integridade majestosa das pedreiras santistas e vicentinas! 
E vale a pena continuar refletindo em torno dessa causa...

A TRIBUNA NÃO ESQUECE

23 de dezembro de 1966

O Edifício Vista Linda desabou após um deslizamento no mesmo morro. Um policial rodoviário, o sargento Jaime de Miranda, que trabalhava no posto na Ponte Pênsil, ouviu um estalo e percebeu que terra e pedras estavam cedendo do morro. Ele avisou o zelador, João Joaquim da Silva, que percorreu os dez andares para os moradores saírem da construção. Em cinco minutos, o prédio tombou, mas 38 moradores conseguiram sair a tempo. O único ferido, sem gravidade, foi o zelador, que machucou um pé. A Avenida Getúlio Vargas permaneceu fechada, e seis prédios vizinhos foram desocupados. O prédio que caiu já havia sido interditado antes.


















CRÔNICAS HISTÓRICAS



Especial de Raul Lellis* para a edição histórica de O Cruzeiro, de janeiro de 1932, em comemoração do IV Centenário da fundação de São Vicente. Ilustrações de M. Cavalleiro.

No amplo pateo da casa senhorial, casa de largas taboas e tapetado de relva macia, formou-se a comitiva: os cavaleiros, que a custo soffreavam os corcéis inquietos; os escravos –negros- e índios – que conduziam a carga numerosa; a liteira elegante e de cortinas bordadas; e, por último, fechando a retaguarda, um punhado de arcabuzeiros.
Eram seis horas da manhã. São Vicente, o primeiro lampejo de civilização atirada à solidão verde do Brasil, começava a despertar. Uma janella se abria de quando em quando e, de longe em longe, um escravo, passando rápido na praça lamacenta e ampla, arriscava um olhar curioso pelo largo portão que dava entrada ao pateo da casa do capitão mor.
Um jovem envergando a farda lusidia de tenente das guardas reaes approximou-se de um grupo de fidalgos que cerca a liteira.
- Estamos prontptos, falou elle, dirigindo-se ao mais velho, um nobre de figura arrogante figura e alvos cabelos. Partiremos quando Vossa Mercê o ordenar.
O fidalgo relanceou o olhar pela coluna de escravos e de homens armados que se estendia do portão até as cavalariças e, tomando o official pelo braço. Afastou-se com ele do grupo. Uma funda ruga fendeu-lhe do cenho, quando elle falou:
- Eu vos entrego uma carga duplamente preciosa, dom Luiz, por isso que dona Maria, com ser minha única sobrinha, é também a noiva de meu filho...
A viagem que ides fazer, don, não é longa, mas eu vos peço que estejaes sempre attento, afim de evitar riscos que possam aparecer. Dizem por ahi que os bugres estão assanhados e, embora ninguém os tenha visto e armas nestes últimos meses, sempre é de temer que nos façam uma surpreza de um momento para o outro. Se vos for possível, deixai de dormir até o momento em que tenhaes entregue a dona Maria em casa dos Paes, junto à cabeceira de minha irmã que, segundo sei, agoniza...
- farei como dizei!!!

O velho fidalgo poz a mão, familharmente, no ombro do jovem militar
- Apesar de toda a confiança que vós e a vossa bravura mereceis, eu gostaria de acompanhar pessoalmente minha sobrinha ou de que meu filho o fizesse, mas o governador deve chegar aqui amanhã ou depois, vindo de Cananéia e da Vila de João Ramalho e é necessário que aqui estejamos para dar notícia dos negócios da capitania. Eu vos dou o maior número de homens armados de que posso dispor no momento. Mas não posso daqui afastar, agora, pois bem sabeis que os franceses não nos dão tréguas.
- Descanse que esses me bastarão.
-Sabeis como deveis fazer: às três da tarde alcançareis a quinta fortificada da Garcia Pimenta; lá pernoitareis para continuar viagem ao amanhecer do dia seguinte. Os vossos batedores levam uma hora de avanço sobre a comitiva e vos darão notícia de qualquer perigo no caminho; se algum imprevisto aparecer, despachaes logo um mensageiro a dar-me notícia ou a pedir-me auxílio.
- Faremos como acabas de dizer.
Então, em marcha, e que Deus vá convosco... Eis que dona Maria acaba de subir para a liteira...
O velho fidalgo caminhou rápido ao encontro de um rosto de mulher que aparecia entre as cortinas bordadas. Tomou de uma pequenina mão que lhe era estendida e beijou-a forcejando por sorrir entre as lágrimas da moça:
- Enxugae vossos lhos, dona Maria, que não há razão para pranto. Deus há de permitir que a moléstia de vossa mãe e minha irmã não tenha maior importância e ainda nos riremos do alarme feito.
A jovem sacudiu a cabeça mimosa de louros cabellos revoltosos, ao mesmo tempo em que enxugava as lágrimas com o pequenino lenço de cambraia rendada.
- Meu pai não sujeitaria ao risco de uma viagem feita às pressas se não visse que era realmente grave o estado de minha mãe!... Pra à Virgem que eu ainda chegue a encontrá-la com vida...
- Por Deus, não vos desespereis, minha filha!
Doana Maria abafou um soluço e indagou, como se quizesse desviar o assunpto:
- Não vindes comigo?
-Bem sabeis que não é possível... Esperamo o governador amanhã ou depois e minha presença é necessária aqui. – E tão pouco virá D. Francisco, vosso filho.
- E vosso noivo, sublinhou o fidalgo.
Um jovem aproximou-se nesse instante dos que conversavam. Era garbos e forte e tinha nos olhos o mesmo brilho audacioso e no rosto os mesmos traços de energia que tanta majestade emprestavam á figura venerável do capitã-mór; o chapéu pendia-lhe da mão, com a pluma a roçar o solo.
Era Don Francisco de Souza e Góes, filho do capitão-mór, noivo D. Maria, commandante das guardas do governador. Elle falou, numk tom de voz que mais parecia de súplica do que de explicação:
- Eu já vos disse, dona Maria, dos motivos que me prendem a São Vicente neste momento. Espero que me perdoeis se vos faço companhia até o primeiro pouso e prometto-vos que estarei em Piratininga tão depressa quanto mo permita o serviço do governador.
Dona Maria inclinou a cabeça, mudamente. O capitão-mór fez um signal ao tenente. Dom Luiz que já ia montando, tinha os olhos fixos nelle. O som de uma trompa encheu os ares. Houve no pateo um rumor de metais que se chocavam, de espadas que se baiam, de animais que escarvavam a terra. Os cavalleiros montaram. Dom Francisco foi collocar-se com seu nervoso Cavallo branco ao lado da liteira da noiva. O capitão-mór beijou a mão que a sobrinha lhe estendia através das cortinas e murmurou:
- Que a Virgem seja a vossa companheira, dona Maria...
Novamente o som da trompa dominou os ruídos do pateo e a pequena colluna se poz em marcha.
Quando o último mosqueteiro já havia transposto o largo portão e a comitiva ia longe, além dos limites da praça ampla, aproximou-se do capitão-mór:
- Não vos parece um pouco temerário esta viagem, com os rumeres que correm ahi? – indagou.
O interpelado fitou-o, com uma sombra de olhar:
- Certamente, dom Alvaro, mas, que quereis? O recado que hontem recebemos, trazido por um mensageiro despachado às pressas de Piratininga era claro e dizia que minha irmã, agonisando , queria ver a filha, de quem está separada já vai para dois anos... Não houve como evitar a viagem, tanto mais quanto Dona Maria ficou como louca... Ainda se lhe pudéssemos dar uma boa escolta! Mas numa época como a que atravessamos, com as guarnições a um terço, os franceses às portas da colônia e sem o menor auxílio do Reino...
Dom Alvaro teve um sorriso!
- Quase que se não pode saber se é melhor a sorte dos vão ou a dos que ficam...
O capitão-mór sacudiu a cabeça:
Tendes razão...
E estendeu o olhar, contemplativamente, pelas collinas baixas que o sol começava a dourar na alegria da manhã.
Às seis há a vida de São Vicente, vida pobre de Villa colonial de século XVI – começava a declinar. Terminando o completório da igreja rústica accendiam-se os fogos nas casas de alvenaria e nem mesmo o passo de um caminhante se ouvia nas ruas tortuosas do villarejo acanhado. O último sinal de vida era sempre dado, nas tardes luminosas, pelo pavilhão das quintas que lá ficava a drapejar ao vento, no topo do mastro, por cima das fortificações que Martim Afonso de Souza fizera construir ao sul da Villa, no alto do promontório que dominava o mar.
E aquella tarde teria sido igual a todas as outras monótonas, frias,, sem vida se cerca das seis horas um tirode canhão, secco,imprevisto,atroador, não tivesse quebrado o recolhimento do crepúsculo estival.
Em todas as casas assomaram cabeças à janellas, appareceram nas ruas e o próprio capitão-mór, que digeria calmamente o seu jantar, não poude deixar de chagar também à sacada rústica, investigando com o olhar as forticações que apareciam coroadas por uma nuvem branca.
-Deve haver alguma coisa! – falou elle para um escudeiro que se approximára. É pssível que o governador chegasse inesperadamente. Dá-me a capa e a espada que vou descer ao porto...
Quando, porém, ele transpoz o portão do pateo, um cavalleiro chegado em louco galope tomou-lhe o caminho.
- Que há? – indagou o fidalgo.
-Manda-me o commandante para vos dizer que estão à vista cinco nãos, vindas do sul. Estão longe demais para que para que se lhes possa ver bandeiras mas trata-se, ao que parece, de três caravellas e dois bergantins, e estes dois úlitimos bordejam, como se procurassem porto...
O capitão montou, rápido, galopando para as fortificações. Recebeu-o o comandante do forte, nervoso eagitado:
- Cá estão novamente os francezes!
- Como o sabeis?
- Já se podem ver as cores da França na maestração... Felizmente que há calmaria, pois do contrário elles teriam caído de surpresa sobre a Villa!...
- E tendes tudo pronpto para recebe-los?
- Bem podeis ver, capitão...
E o official apontava, satisfeito, as guarnições que se alinhavam atraz das peças baixas. Depois, reflectindo um instante:
- Mandaremos cincoenta homens para o sul, afim de impedir um desembarque durante a noite. Aqui sabemos bem que não teremos antes do amanhecer, a menos que elles queiram quebrar a nãos nos arrecifes da entrada...
O sino de rebate bem depressa levou a nova à última casa da Villa e em pouco todos os homens validos de São Vicente tinham accorrido para a luta. Atrás da palissadas, dentro dos reductos erguidos às pressas, todos esperavam, aferrando pistolas e adagas, durindanas e montantes, partazanas e mosquetes, o instante do ataque, dispostos a repelir o francez rapineiro.
Mas a noite desceu sem que o primeiro tiro soasse, sem que ao menos as mãos inimigas, abandonadas pelo vendo,estivesse diante da Villa.
Ao alvorecer do dia seguinte os portugueszes viram, com assombro, que os escaleres francezes, descidos durante a madrugada, apinhados de homens, estavam a poucos metros da praia.
As nãos, com o panejamento colhido a meio, alinhavam-se ante a Villa, promptas para o fogo. A luta prometia.
Um tiro partiu de terra, certeiro, para quebrar a mastreação de um bergantim e a dansa infernal teve início. As bombardas explodiam, das fotificações para as nãos e destas para a terra e os homens na praia , com os pés batidos pelas ondas, faziam descarregar as pistolas e os mosquetes.
Depois foi o aço que entrou em jogo,, com as durindanas a atravessar peitos, com as achas das armas a esmagar craneos, com as alambardas a formar uma barreira instransponível de pontas aguçadas e brilhantes. São Vicente, tão cobiçada sempre pelos corsários de todas as bandeiras, jamais vira uma luta igual áquella! Se grande Ra o número dos francezes invasores, maior, muito maior, era o ímpeto dos portuguezes que defendiam com loucura a mais florescente Villa do Reino em terras da América. O capitão-mór descera a dirigir a defesa. O seu montante de guerra, que de tantas glorias se cobrira na Índia abria claros impreenchíveis entre os assaltantes e ele estava em todos os reductos, animando, encorajando, dirigindo.


Súbito houve uma mudança na face da luta. Os francezes diminuíram a intensidadae do ataque e começaram a recuar, voltando aos escaleres fazendo-se de remos para as nãos. Não era o fim, percebia-se bem, pois, que as bombardas continuavam a explodir de lado a lado e novos escaleres desciam,cheios, pelos flancos das caravellas, mas era pelos menos uma trégua que daria descanso aos sitiados.
O capitão-mor descansou a ponta da espada na biqueira da bota de couro cru e passeou os olhos pela praia onde havia homens caídos sobre a areia manchada de vermelho.
Nesse momento um soldado, sujo, Ferid e sem armas approximou-se delle:
- Capitão!
- Dizei.
- Eu venho da quinta de dom Garcia Pimenta...
O ancião fitou-o com ansiedade incontida, como se esperasse uma notícia má.
- E que trazeis?
- Vosso filho manda pedir auxílio urgente. Os bugres, em número assustador, cercaram a quinta e não lhes pode resistir por muito tempo...
O capitão enfiou a montante na bainha e fez menção de caminhar, mas não chegou a dar um passo. Prestou ouvidos às bombardas que continuavam a estourar, olhou os seus homens,que,offegantes, suarentos, continuavam à espera de novo ataque, contemplou o mar onde as náos se balouçavam e onde novos escaleres rumavam para a terra e não se moveu. Fitou o mensageiro com um brilho estranho no olhar e indagou:
- Dizei-me: achas que eu só possa adiantar alguma coisa indo lá?
O soldado vacilou um momento ante a pergunta mas acabou respondendo:
- Perdoa-me se vos digo que não, mas os tamoyos são numerosíssimos.
O fidalgo voltou a desembainhar a espada:
- Então, nada poderemos fazer. Eu não posso afastar um só homem daqui neste momento, pois estamos a serviço d’el rei...Meu filho que me perdoe!
Deu dois passos na areia e voltou-se novamente, procurando suffocar a emoção que o dominava:
- Esperemos até que finde a luta e alvez ainda seja tempo... Enquanto esperamos, vinde lutar conosco, pois que, pois que esta terra bem merece o nosso esforço...
E caminhou para a praia, ao encontro dos escaleres francezes que se aproximavam.

* Professor de gramática e literatura da PUC e Universidade Santa Úrsula do Rio de Janeiro entre as décadas de 1940 e 1970; autor do famoso manual didático “Português para o Ginásio”, da Companhia Editora Nacional e do romance “Há sol por trás da nuvens”.
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O PANORAMA VISTO DA PONTE

MÁRIO AZEVEDO


Outro dia, passando pela centenária Ponte Pênsil, precisamente às 21 horas, uma noite bonita e agradável, caminhava com meus passos lentos, ouvindo apenas o barulho das águas que se encontravam com as rochas, parecia uma sinfonia que fazia bem a qualquer mortal, e de vez em quando o barulho era quebrado, pelos carros que passavam sobre o madeiramento. Parei por alguns momentos, já bem no meio da ponte, e fiquei observando a beleza de nossa Célula Máter apresenta, os prédios iluminados, todos enfileirados, refletindo suas luzes nas águas, que ao fazer as marolas, distorcia aquela geometria refletida dos prédios.
Do meu lado direito, os casarões iluminados que dão acesso à Prainha, mas o melhor estava por vir, bem na minha direção estava a majestosa Ilha Porchat, sempre badalada e redutos dos jovens, iluminada em todo o seu contorno dos prédios, discotecas e restaurantes, parecendo uma ilha da fantasia, tal a sua beleza.
Enfim, senti-me iluminado e de fato estava, a iluminação da ponte é algo fascinante e comove o ser humano e debruçado naquelas ferragens, senti uma solidão profunda, porém notei, que não estava sozinho, a lua era minha companheira e testemunha de toda aquela beleza, que já passa dos cem anos, mas nossa ponte continua jovem e na sua plenitude, olhando para o alto, senti-me tão pequeno, pela grandiosidade de suas torres, suspensas por cabos de aço, é sem dúvida uma peça de arte exposta ao ar livre.
Mesmo com o barulho dos carros, notei que alguns peixes saltavam de um lado para outro, pareciam espadas, pois brilhavam no reflexo da lua e nas suas marolas, que se fazia ao redor, pareciam que as espadas estavam saudando a nossa Ponte Pênsil, que talvez muitos vicentinos passando de carros não observam a beleza que ela representa.
Depois de olhar toda essa grandeza de cimento e aço, senti um alivio na alma e uma sensação de êxtase em pode observar e sentir ao mesmo tempo a brisa refrescante numa noite de lua cheia.

Boletim do IHGSV , Julho/Agosto de 2016

TRABALHO, FUTEBOL, CHOP E CERVEJA

São Vicente foi um celeiro de craques do futebol de várzea, muito disputado pelo que me lembro, nas décadas de 60, 70 e mais, torneios organizados pela Liga Vicentina de Futebol Amador, entidade que existe há mais de 80 anos. E fez São Vicente ter atletas que disputaram vários torneios pelo Brasil, não vou mencionar nomes, pois a memória pode esquecer alguns deles. Assisti muitos jogos na várzea, inclusive, quando comecei a trabalhar na Vidrobrás, fábrica de vidros, o time da fábrica disputava o torneio da LVFA, diziam até, que para entrar na fábrica, tinha um item na entrevista : joga futebol ? Assim também consegui trabalhar na fábrica, não pelo futebol, pois era jovem ainda. Poucos clubes resistiram, bem como seus campos de futebol, assim podemos citar alguns, E. C. Beira Mar, Tumiaru, Ilha Porchat, Itararé Praia Clube, São Vicente Praia Clube, Guamium, Primavera, Continental, São Paulo, Industrial, Ferroviária, Beija-Flor Brasil, Sporting, Portuguesa, Campo Belo, Paulistano, Petrópolis e muitos outros que ficaram pelo caminho. Nessa época, os clubes para divulgação e melhorar suas receitas, faziam a tradicional festa do chopp, em seus salões ou alugados de outras entidades, e como lembrança, depois de tomar o chopp, levava uma linda caneca,

VIAGEM NO TEMPO

Vamos fazer uma viagem pelo tempo, década de 60, São Vicente era servida pelo bonde 1 e 2 com destino a Santos, o bonde 1 tinha o caminho da Av. N. S. de Fátima (alguns ainda falam da linha 1) e ao retornar pela praia, tinha o número dois, chegando em São Vicente, pela praia, logo após a divisa podíamos observar:
OCEANORIUM – Situado na areia da praia do Itararé, era como se fosse um aquário, em forma circular, de côr azul, que abrigava o famoso golfinho Flipper. Que era a alegria das crianças, adultos e turistas, após o fechamento do Oceanorium, o golfinho Flipper saiu do cativeiro para o mar aberto, se não falha a memória foi para Santa Catarina, porém em certa época ele aparecia na praia dos milionários.
PEDRA DA FEITICEIRA - Encontra-se na praia do Itararé, conta-se que uma misteriosa mulher, pernoitava ali, na chamada !Cama da Velha”, essa senhora apresentava-se muito mal trajada, com um longo vestido, parecendo a imagem lendária de uma bruxa, contava que ela acendia fogueira, acenando para os barcos que ao longo passavam, não molestava ninguém, dizia que amava um marinheiro, que por ele havia concedido, que mais tarde prometera voltar, ficara grávida e nunca mais voltou, por decepção e crise mental, perdeu a gestação naquele local, na pedra onde acontecia seus encontros amorosos, e permaneceu por longos períodos, esperando pelo retorno do amado marinheiro. Certo dia, achando que algum barco distante lhe acenava, foi adentrando ao mar, com maré cheia, junto as pedras e ali morrera afogada, sob forte correnteza, dizem que ainda hoje no local, em noites de luar, escuta-se vozes daquela feiticeira.
PEDRA DO LADRÃO - mais adiante da pedra da feiticeira, tinha a chamada pedra do ladrão, era uma pedra enorme, próximo ao teleférico de hoje, e o bonde 2 passava próximo à pedra, o que causa transtorno à população, era um local desabitado, apenas servia de passagem de pedestres, com a urbanização da avenida da praia, chamado de tapetão, a pedra do ladrão desapareceu, ficando hoje somente os ladrões.
O ERMITÃO - bem em frente à pedra do ladrão, tinha uma pessoa folclórica no Itararé, era chamado de Ermitão, com sua barba branca longa, mal vestido e habitava em uma caverna no Morro Voturuá, bem próximo onde o VLT faz uma pequena curva, era uma pessoa pacata, falava pouco, e não fazia mal a ninguém, apenas se alguém tentasse invadir seu recanto, ele costumava jogar pedras.
BAR SUJEIRA – Era um bar bem acanhado e sem estrutura, estava bem na esquina com a Rua Onze de Junho, hoje tem a Igreja São Pedro Pescador, era um ponto de encontro dos jovens frequentadores da Praia do Itararé, frequentei muito com meu amigo Ruivo, após partida de futebol na praia do Itararé, tomando uma caipirinha e observando as moçoilas da época.
PANELA DE BARRO – Situado também na Rua Onze de Junho, era muito frequentado pelos vicentinos e turistas, tinha variedade de pratos, era considerado um restaurante dançante, sob a direção de José Luiz Servo, com música ao vivo, em 1986 desmembrou o restaurante no andar superior criou o “Aconchego” local para buffê e eventos, com pista de danças..
BOA VISTA – Fechado recentemente, após 50 anos no mesmo lugar, muito frequentado e conhecido pelos turistas que vinham à nossa cidade, sua especialidade era frutos do mar, principalmente caranguejo, que tinha durante o ano todo, sempre lotado e um ambiente muito agradável, esteve sob a direção de Eugenio Francisco Cação
ILHA PORCHAT CLUBE – Na década de 60 e 70 era considerado um dos maiores clubes da Baixada Santista, com apresentações de artistas famosos em seus bailes, sem contar o famoso Baile do Havai, onde reunia a sociedade da baixada santista e São Paulo, com personalidades e políticos, o show era televisionado pela Bandeirantes, no Programa do Bolinha, que frequentava muito o clube. No auge de sucessos o Ilha apresentou nada menos que Ray Coniff, com sua banda e orquestra, uma noite magnifica com sua lindas músicas, na época o Presidente era Odarcio Ducci .
CASA DO PROFESSOR – na Rua Onze de junho esquina com a Messi Açu, existia uma colônia de Férias de Lazer do Professorado Católico de São Paulo, é um famoso casarão construído em 1.944.
FARMACIA MARMO – situado na Rua Onze de junho, tinha o farmacêutico José Bonna Sobrinho, era muito procurada, pois nessa época, os farmacêuticos também atuavam como médicos e muitas vezes resolviam os problemas.
EDIFICIO GRAJAHU - Situado ao lado da Sociedade Amigos da Boa Vista, na Rua Onze de junho, foi o primeiro prédio construído na areia da praia em 1945, em 27/10/1946 a Tribuna publicava venda de aptos e uma novidade o único prédio sobre as areias da praia de São Vicente.
RESTAURANTE LEÃO DE OURO – Situado no Gonzaguinha (hoje é o Ti Maria) ostentava dois leões na entrada, e servia os melhores pratos gastronômicos, era uma referência para os turistas, permaneceu por muito tempo, comandado pela família Luca.
THE PUB – Também no Gonzaguinha, havia um tipo bar com música MPB, que era comandado pelo Tite jogador do Santos, que tocava violão e algumas vezes seu filho acompanhava, depois de algum tempo mudou para a Av. Newton Prado, próximo a Ponte Pensil.
RESTAURANTE GAUDIO – no inicio da Rua Frei Gaspar, um dos melhores e tradicionais restaurante de São Vicente, de frente ao mar, e o único prédio que foi construído com um abrigo anti-aéreo, motivado pela Guerra Mundial.
BANCO MOREIRA SALES – situado na esquina das Ruas Frei Gaspar e Visconde do Rio Branco, um banco muito tradicional na época, inclusive muitos dos meus amigos, trabalharam nesta agência, com o fechamento do banco, abriu uma Coletoria Estadual e depois um boliche para lazer dos calungas, hoje tem o Supermercado Dia.
Na própria Frei Gaspar, havia também a Casa de Massas do Sr. Gino, um senhor italiano, que preparava as massas caseiras, e servia muito bem os frequentadores.
IHGSV – situado ao lado, em uma imensa área verde e tombada pelo Patrimônio Histórico, conhecida como a Casa do Barão, temos os maior acervo de livros, cursos variados, antes do Instituto, desde 1946 até 1972, funcionou o Instituto São Vicente Clinica cardiológica do Dr. Francisco de Assis Jarussi, sendo que o Instituto veio em 1972, hoje sob comando pelo brilhante Presidente Paulo Costa.
MERCADO MUNICIPAL – Embora construído em 1729, a primeira sede que se tem notícia foi construída na encosta do Morro dos Barbosas, no local onde hoje existe uma nascente, juntamente com a Igreja a cadeia e a Alfandega, após um abalo sísmico, obrigou o governo Municipal a reconstruir a nova sede no Largo Baptista Pereira, depois Largo Santo Antonio e hoje Praça João Pessoa, esse prédio foi construído em 1979, e funcionava juntamente com a cadeia e quartel de polícia.
O Mercado Municipal, existe uma placa logo na entra principal, desde a sua fundação que diz o seguinte “Esse edifico agora construído teve a contribuição de Vinte Contos de Réis da cia. Santista de Crédito Predial-Prefeito José Meirelles – São Vicente, 14 de julho de 1929. Todos tem noção do que representa um mercado e suas finalidades, normalmente tem sua barracas de frutas, legumes, hortaliças, etc.
Para nossa alegria temos remanescentes o casal Carlos Alberto dos Reis e Maria Helena Anacleto dos Reis, que estão há 40 e 60 anos respectivamente, resistiram aos tempos, mudanças de governos, enfim por tudo que passou na fase econômica do País e resistiram até hoje, embora o Mercado hoje completamente desfigurado, tem todos tipo de atividade, inclusive uma precária e humilhante Estação Rodoviária. Conforme relato da Sra. Maria Helena passaram muitos negociantes na época, como Sr. Américo, João Maria (japonesa) Marcos, boda, Lourdes, Rodrigues, Belmira e também o Sr. Alcides Costa, pai do nosso querido Presidente Paulo Costa, Lembrou ainda que na praça havia um Seminário dos Padres, como Monsenhor Boroski, padre Newton, padre Paulo, etc. e no meio da praça havia um busto de Benedito Calixto esculpido por Domingos Savorelli e inaugurado em 1953, na praça também tinha o Colégio Itá, que era comandado pela família Frahia.
CÂMARA MUNICIPAL – O prefeito de São Vicente, Orlando Intrieri, mandou providenciar a mudança da Câmara em 1954 para a Rua Martim Afonso, 251 esquina com a Praça Barão do Rio Branco, hoje temos as lojas Marabráz. Em 1983 o prédio já não comportava mais, os vereadores junto com o Prefeito Sebastião Ribeiro da Silva, conseguiram construir um novo prédio na Rua Jacob Emmerich, no Parque Bitaru, inaugurado em 22 de janeiro de 1987
PRAÇA BARÃO DO RIO BRANCO – A Praça era o centro agitado de São Vicente, para saborear a melhor feijoada de São Vicente, era recomendado Amigo Campos, muito simpático e prestativo, era o ponto de encontro de amigos. Ao lado tinha a Casa Nico, Adega Central, o Rio Branco, muito frequentado, ao lado a Gruta Transmontana, Lojas Ibirapuera, e bem na esquina o Restaurante Itapura, que passou por vários lugares e hoje permanece na Av. Presidente Wilson, contornando a praça, tinha o Cartório Ayres, hoje na Rua Martin Afonso, no mesmo local funcionou também A Droga Régia, ao lado a Veranista, loja tradicional de calçados, ao lado o Banco comercio e Industria de São Paulo, depois Banco Nacional, mais adiante uma pequena Estação de ônibus, e ao lado da estação, o Bar Nosso Ponto, muito frequentado pelos vicentinos, e a seguir a Coletoria Federal. Atravessando a rua Frei Gaspar, havia Lojas Glória, uma loja de magazines que foi novidade na época, ao lado a Olimpica, sinônimo de bem vestir, comandado pelo Carlos e Leon Sarkissian, um dos mais conceituados de roupas masculinas, ao lado o Bar Esporte, parada obrigatória para tomar uma cerveja e jogar conversa fora, no alto do bar a Rádio Royal apresentado pelo radialista Marcos Machado, tocando músicas e dando notícias, no alto da rádio tinha a Associação Comercial e Industrial de São Vicente, e no centro da praça a Banca do Walter, que permanece até hoje, atravessando a Rua a famosa Panificadora Chic, parada obrigatória para fazer lanches e levar pães frescos, na Frei Gaspar ainda, tinha o salão de Barbeiro, do Bigorrilho, famoso por ser barbeiro oficial dos prefeitos naquela época., mais adiante para consertar sapatos tinha Sapataria Rápida São Vicente (funciona até hoje ). Uma referência em tirar fotografias naquela época era o Studio do João Vieira, fotógrafo conceituado na cidade, trabalhando por vários anos na Sucursal de A Tribuna, que era comandado por Edison Telles de Azevedo e depois Ivo Roma Nóvoa., mais na frente na esquina da Padre Anchieta, o Messias Bassili, que fez o meu terno de casamento, com muita dedicação e funciona até hoje, na mesma Padre Anchieta tinha a Paulistana, e permanece até hoje e ao lado A Pensão Anchieta, hotel estritamente familiar, comandado pelo Ernesto Sinigoi, conhecido como Neco, hoje reside em Botucatu, próximo dali na Frei Gaspar a Papelaria Cruzeiro, uma referencia em materiais para escritório e escolar, comandado pelo saudoso Mario Diegues. Mas retornando no centro, pegando a Martim Afonso, ao lado da panificadora Chic, a Loja Tic-Tac, que resistiu aos tempos e funciona até hoje, mais adiante o Bar do Fuminho, local muito frequentado pelos apreciadores de sinuca, era bem simples, mais agradável, em frente ao Fuminho, tinha o Cine Anchieta, da família Lima, depois inaugurou o Cine Teatro Jangada, com bons filmes, sala moderna e peças teatrais vinham para SV, na época de carnaval sempre era montado tablado no meio da praça, era o Carnaval Popular. Dizem os vicentino que para saber noticias em primeira mão, era falar com o Walter da banca e Toninho Campos, não que fossem fofoqueiros, mas ganharam até uma estátua na praça.
PRAÇA DO CORREIO – O nome correto é Praça Cel. Lopes, era uma praça agradável, com um coreto, e os jardins eram suspensos, com agencia do correio no Centro, somente na década de 70, em nome do modernismo é que a praça sofreu a grande transformação, suas árvores foram arrancadas, sumiram as flores, as cigarras e os bancos de madeira e ferro foram embora, ficando somente o prédio dos Correios, na esquina a Padaria Bandeirantes, muito frequentada pelas pessoas, mais adiante, tinha a Escola de Datilografia Acosta, da qual ostento um diploma de datilógrafo, próximo a Escola, havia o sinônimo de alta costura que era Canalonga, que na época comentava que o Pelé vinha fazer seus ternos, uma honra para nossa cidade, ao lado do Canalonga o famoso Grupão que dispensa comentários, muitas pessoas estudaram lá. Seguindo tinha o Pergaminho, loja que permanece até os dias de hoje, e na esquina da Praça o famoso Pata-Pata (foto), onde guardo boas recordações de pois de um dia de trabalho, juntamente com os amigos.
RUA JACOB EMERICH – contornado o Restaurante Itapura, no mesmo prédio tinha a Floricultura Cinderela, da nossa Regina do Carmo, que na época eu comprava botões de rosa para minha namorada, hoje minha esposa e creio que deu certo, a floricultura funciona até hoje na esquina com a Rua Padre Anchieta, nesta mesma Rua tem uma firma tradicional em fotografias, a Studio Estrela.
AV. ANTÔNIO EMERICH – A referencia para peças e conserto de carros era a BACAL, (Barreira & Diogo ), firma conceituada e um Atendimento de primeira, mais adiante tinha o Clube Hipico de Santos e São Vicente, um lugar maravilhoso e muito grande. (hoje tem o Luanda Supermercado), mais para a frente outros comércio que ficaram pouco tempo, na esquina com a Av. Mota Lima, tinha o Posto De Colores ( hoje tem um prédio em construção) mais adiante chegando na praça 1 de maio, tinha o Cine Petrópolis, ao lado a Casa da Sogra, era um novo estilo de supermercado na época, da família Alexandre Cró. Do outro lado da praça tinha o SESI, um tipo de supermercado que só vendia para quem era beneficiário das indústrias, tinha carteirinha e tudo, havia um outro SESI na Rua Marques de São Vicente. Mais adiante a Cooperativa Agricola de Cotia, um tipo de atacadão de verduras, frutas e legumes, que atendia os Negociantes na época. Do outro lado da calçada o Colégio Brasilia, também uma referencia em ensino.
RUA JOSE BONIFÁCIO - Além do tradicional Martim Afonso, um dos melhores colégio da Baixada Santista, fiz o científico ( 1 ano) depois fui para o Vidrobrás, tenho boas lembranças de alguns professores, : Joaquim (química) Sebastião (física) Capellari (matemática), Sara (português), Borges (inglês) Disaró (matemática) Yolanda (latin) Pereira, Iracema, etc. e dos diretores Arthur Ewbank e Prof. Cleuza Velloso, nessa época você aprendia ou reprovava de ano, ao lado tinha a Churrascaria Choupana, muito requisitada na época e mais acima o Restaurante Kikos, também uma referencia em pratos deliciosos, na esquina com a R. Martim Afonso, havia um lava-rápido muito frequentado pelos vicentinos, mais adiante na Martim Afonso, tinha o Foto Astral, no local das ruinas da casa de Martim Afonso.
RUA XV DE NOVEMBRO - iniciando pela Igreja Matriz de São Vicente, havia a Lavanderia Colombo, muito antiga, porém com o progresso veio a encerrar as atividades, mais na esquina com a Rua José Bonifácio, a Farmácia do Ruas, era uma referencia em cura pelo farmacêutico Ruas, tinha uma freguesia seleta. Mais adiante a Padaria Rio Branco, que resistiu aos tempos e permanece até hoje, acima da padaria funcionava o IHGSV em algumas salas cedidas, o Educandário São Gabriel, também resistiu aos tempos, assim como a Tapeçaria Dias, uma das poucas referencias em decoração que havia em São Vicente, na quadra seguinte tínhamos o Forum de São Vicente, improvisado em algumas salas. Na quadra seguinte na esquina a Casa Prandini, com comércio de materiais para construção, assim como o Bazar Ideal, também do mesmo ramos sendo o proprietário José Fernandes, já na esquina próximo ao Hospital São José tinha uma das firmas mais importantes de S. Vicente a Cia. Antarctica Paulista. Na quadra seguinte o Hospital São José, que completa 100 anos, na quadra seguinte o Fiel Barateiro, inaugurado em 1945, um pequeno comércio de secos e molhados, comandado pelo Ulisses, Celestino e família, sabemos que Celestino ajuda muitas pessoas e funcionários, tendo um carinho especial, talvez aí o segredo de seu sucesso, hoje abriga uma centena de funcionários, é sem dúvida um marco na história de São Vicente, na esquina com a Rua Expedicionário Vicentino, tinha o Instituto Musical Bethoven, formando vários musicistas na época, na outra esquina o E.C.Beira Mar, com seus bailes, na época era comandado pelo Presidente Toninho Campos, e outros que vestiam a camisa do clube, foi um momento mágico, com torneios de futebol de salão, sem contar o arquivo fotográfico do clube comandado pelo Cotuba, o time profissional disputou muitos torneios na várzea vicentina. Revelando vários atletas, em fevereiro o clube comemorou 80 anos. Na esquina do Beira Mar, tinha o Bar Xangô, muito frequentado pelas pessoas que vinha no Beira.
RUA JAPÃO - Recebeu esse nome em 1958, durante as comemorações do cinquentenário da Imigração Japonesa no Brasil, está num reduto de pescadores, como uma pequena aldeia, entre muitas histórias, há uma que no final de um jogo, numa tarde no campo do E.C. Guamium, as duas equipes perderam para os caranguejos, que de vez em quando eram retirados pelos jogadores, e a partida teve que ser anulada.
AV. CAPITÃO MÓR AGUIAR - uma referencia em ensino tinha Escola Comercial Nações Unidas, fundado em 26 de fevereiro de 1944, a nossa Presidente da Academia vicentina Letras, Artes e Oficio Sra. Regina Dias, em 1958 estudou na escola, após se formar passou a trabalhar como aux. De escritório, em 1962 fez o curso Tecnico Comercial, depois terminou o magistério e começou a dar aulas e orientação. O colégio tinha fama de fazer quadrilhas juninas e também a fanfarra onde ganhos vários prémios pelo Estado, foi o único colegrio que tinha cursos profissionalizante, em 2001 foi vendido para o Grupo Alpha, e hoje infelizmente está abandonado.
RUA JOÃO RAMALHO - Nos fundos do IHGSV, na esquina tinha a Delegacia de Policia, em um lugar meio acanhado que ficou por muito tempo, até a construção da nova sede na Rua XV. Mais adiante tinha CPFL – Cia Telefonica do Litoral Paulista, lembro-me, que para fazer uma ligação para SP, entregava o numero para \a recepcionista, ela mandava entrar numa minúscula cabine, e ficava aguardando para fazer a ligação.
CAMPOS DE FUTEBOL – para os atletas, São Vicente na década de 60 tinha muitos campos de futebol, revelando vários atletas na várzea, quando disputava os torneio da Liga Vicentina de Futebol, hoje temos o campo do São Vicente, Beija Flor, São Paulino, na época tinha a dona Celeste que comandava e orientava o futebol de campo, chegou até a aparecer no Fantástico, Guamium, Itararé, Ferroviária, campo do 2 BC,
Os campos que desapareceram : Sporting (campo de areião, ficava no Parque São Vicente), Portuguesa, no Beira Mar, depois virou Estação Rodoviária, Industrial no Japui, ao lado do Curtume; Brasil no Parque Bitaru, onde hoje tem o fórum, um fato interessante, quando havia jogo de futebol, no meio do caminho tinha uma trilha, e o jogo era interrompido quando pessoas, vinham do cemitério, ou voltava da feira, era uma folga para acalmar os ânimos.
Outros clubes também tem destaque e funcionam até hoje, Praia Clube e Nissei Vicentino, próximo aos bombeiros, o Paulistano e Petropólis no Jardim Independência, e outros de menor expressão, apenas sobrevivem

ALGUMAS CURIOSIDADES

1) Em uma época em que o preconceito sobre homossexualidade era muito forte, o carteiro Roberto Mafaldo, trabalhando nos correios, entregava cartas na cidade, ele assumiu sua identidade nessa época e todo ano desfilava na Baianas sem Tabuleiro, bloco tradicional da cidade., para não ficar atrás Santos, tinha o DUDU do Gonzaga.

2) Biquinha - na década de 70, foi construído um enorme Pombal, e as crianças ficavam contente, e tirar fotos juntos aos pombos, mal sabiam das doenças que podiam ser transmitidas, e também o painel de Anchieta catequizando os índios, são obras do renomado pintor Armando e Waldemar Moral Sendim.

3) A Estrada de ferro Sorocabana, transferiu o mangueirão que ficava na Av. Alcides de Araujo,
 próximo a Mota Lima e Vila Cascatinha, era um transtorno quando algum moleque conseguia soltar os animais, os bois saiam desembestados pelas ruas do Catiapoã e Jardim 3 Estrelas.

4) Um personagem marcante na época era o Parafuso, normalmente os moleques e jovens, do outro lado da rua, gritava oi Parafuso, e logo escutava aquele palavrão bem alto, todo mundo dava risada.

5) Cinemas – Tinha o Cinemar na Rua Benjamim Constant, Maracanã na Rua Campos Salles, Rosário na Rua Frei Gaspar, que depois abriu um bolice; São Jorge, no final da Frei Gaspar, no Beira Mar; o Petrópolis na Av. Antonio Emerich, na praça 1 de maio e o Santa Helena, depois Anchieta da família Lima, fechando o cinema, inaugurou o Cine Teatro Jangada na Martim Afonso.

6) No edifício Tumiaru, o segundo mais antigo de São Vicente, onde funcionou um restaurante famoso, também tem obras de Armando Sendin.

7) Também na década de 60, lembro que na Praça Barão do Rio Branco, montaram uma pequena tenda, era a Campanha de doar ouro para o bem do Brasil, eu na minha ingenuidade e muitos doamos ouro para o bem do Brasil, falava-se no Milagre Brasileiro e hoje vemos os escândalos da corrupção no Brasil, ainda tenho a lembrança que ganhei na época.
Outros fatos e comércios fizeram parte de nossa São Vicente e para relatar tudo ficaria muito longo e cansativo e
São Vicente é isso uma cidade poética e apaixonante e com boas recordações.

* Mário Azevedo Alexandre, natural de São Vicente/SP, é bacharel em Comunicação Social e Direito, contabilista, escritor, poeta, professor, autor de livros de poesias, crônicas, haicai e ensaios literários, participou de inúmeras Antologias poéticas pelo Brasil, tem trabalhos publicados na Itália e em Portugal., pertence a Academia Santista de Letras, Academia Vicentina de Letras, Artes e Ofícios, Instituto Histórico e Geográfico de Santos e São Vicente, Academia Paulistana Maçônica de Letras em SP, membro da UBE – União Brasileira de Escritores, premiados em mais de uma centena de concursos de poesias, crônicas, haicai, ensaios literários, etc. Tem trabalhos publicados em vários jornais em revistas pelo Brasil.









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