11/07/2019

O PORTO DE SANTOS


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HISTÓRIA DO PORTO DE SANTOS

O porto de Santos em 1880. Marc Ferrez. Instituto Moreira Salles. 




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ÍNDICE: 

Santos não foi fundada por Brás Cubas
A Fundação da Villa de Santos - 1545 e a Genealogia Paulista
O Porto e a Vila de São Vicente
O Centro Portuário e o Festival do Café- Registro Fotográfico
As fases da Alfândega de Santos





Fundação de Santos por Brás Cubas em 1545. Pintura de Benedito Calixto, 1922. Museu do Café.


O fidalgo Português Brás Cubas (1507-1592) governou por duas vezes a Capitania de São Vicente (1545-1549 e 1555-1556). É considerado por alguns historiadores como fundador de Mogi das Cruzes, em 1560.

Em 1536, recebeu sesmarias na recém-formada Capitania de São Vicente, onde desenvolveu a agricultura da cana-de-açúcar e montou engenho de açúcar. Chegou a ser o maior proprietário de terras da baixada Santista, fundando um porto, uma capela e um hospital- a Santa Casa de Misericórdia de Todos os Santos (1543), que dariam origem à vila, atual cidade de Santos.

Sendo o porto de Santos mais bem localizado que o de São Vicente, Brás Cubas foi o responsável pela transferência do porto da Ponta da Praia para o Centro, nas cercanias do Outeiro de Santa Catarina.

Capitão-mor de São Vicente (1545), em 1551, foi nomeado por D. João III Provedor e Contador das rendas e direitos da Capitania; no ano seguinte, fez erguer o Forte de São Filipe da Bertioga na ilha de Santo Amaro Teve participação destacada na defesa da Capitania contra os ataques dos Tamoios, aliados aos franceses. Mais tarde, por ordem do terceiro governador-geral Mem de Sá, realizou expedições pelo interior em busca de ouro e prata. Teria chegado até à chapada Diamantina no sertão da Bahia.

A pintura "Fundação da vila de Santos em 1545" é o mais complexo do conjunto de pinturas histórica de Benedito Calixto , graças aos vários dados históricos que evoca. Inicialmente, chama a atenção o fato de que Santos se apresenta como vilarejo já razoavelmente desenvolvido, com certo número de construções, ou seja, Calixto apresenta Brás Cubas, o conhecido fundador da cidade, mais como propulsor oficial do que já existia do que como um fundador propriamente dito. Um segundo ponto em evidência é a confirmação da edificação da igreja da Misericórdia por parte de Brás Cubas, representado pelas obras em destaque no segundo plano da tela. As outras edificações são: à esquerda dessa igreja, a casa do Conselho e, à direita, mais ao fundo, a capela de Santa Catarina.

É evidente a preocupação de Calixto com a genealogia paulista nesse painel, pois ele não pinta figurantes quaisquer, ele faz uma rica descrição da composição social da Vila, das famílias e suas descendências, da sucessão do poder político, religioso e administrativo, e da estrutura hierárquica de poder político, implícita na seqüência das personagens, do maior ao menor posto, conforme a ordem em que aparecem na tela (da esquerda para a direita), com destaque especial para Brás Cubas, que está à frente de todos.

Fonte: Terra de Santa Cruz







 

VILA DE SANTOS

Fundação Arquivo e Memória de Santos

  
           
Porto de Santos em 1822. Benedito Calixto, reprodução edição da Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, agosto de 2002, Santos/SP


O litoral paulista e a Ilha de São Vicente foram descobertos no início do ano de 1502, com a ilha sendo habitada poucos anos depois por elementos europeus. Desta ocupação espontânea surgiram dois pequenos núcleos urbanos, o primeiro; o Povoado de São Vicente, elevado a Vila, por Martim Afonso de Sousa, em 1532; o segundo: chamado Nova Povoação, fundado, por volta de 1540 por Brás Cubas, quando transferiu o porto que atendia a região, situado na Ponta da Praia, para o outro lado da ilha junto a um pequeno morro que foi chamado, depois, de Outeiro de Santa Catarina.
Brás Cubas fixou-se no Brasil, dedicando-se a várias atividades na Capitania de São Vicente, criada pelo Rei D. João III, em 1535, que a doou a Martim Afonso de Sousa.
Na ausência do donatário, eram designadas várias pessoas para governar a Capitania. Brás Cubas foi uma delas, nomeado em 8 de junho de 1545. Interessado em promover a Nova Povoação, Brás Cubas elevou-a à condição de vila, em data não conhecida, exatamente por falta de documentos. Sabe-se que tal fato deu-se entre 19 de junho de 1545 e 3 de janeiro de 1547. Lembre-se que a condição de vila, segundo as leis portuguesas, dava a esta o direito de ter Câmara Municipal, símbolos de autonomia como pelourinho, estandarte, território demarcado e foral. O título de cidade cabia à Capital, Lisboa; a núcleos urbanos importantes, como Porto, ou sedes de bispado, como Braga.
Recorde-se que a primeira cidade do Brasil foi a sua Capital, Salvador, fundada na Bahia, em 1549, por Tomé de Sousa, governador-geral. São Vicente foi a primeira vila e assim permaneceu até o final do século XIX.
A vila do Porto de Santos, depois simplesmente Vila de Santos, sendo o principal porto do litoral paulista, teve desenvolvimento acima das outras vilas litorâneas. Em sua história estão registradas a economia açucareira, a dispersão bandeirante e a época do café. Santos ficou famosa por ser pátria de uma plêiade de figuras notáveis: os Gusmões, José Feliciano Fernandes Pinheiro (Visconde de S. Leopoldo) e os irmãos Andradas. Foi por causa de um deles, José Bonifácio, o Patriarca da Independência, que a Assembleia Provincial (equivalente hoje à Assembleia Estadual) resolveu aprovar uma lei que elevava a Vila de Santos à condição de Cidade, assinada pelo presidente da Província de São Paulo, Venâncio José Lisboa, em 26 de janeiro de 1839.
Como vimos anteriormente à falta de uma data exata da elevação do Povoado de Santos a Vila, os governos municipais decidiram comemorar em 26 de janeiro o Dia da Cidade.
Muitas pessoas perguntam-se: "Santos, em 1996, festejou 450 anos e agora, em 1998, comemorou 159?". A escolha do ano de 1546 como o da elevação do Povoado a Vila foi, até certo ponto, política. O que não exclui a possibilidade, por um milagroso resgate, de se descobrir um documento com a data certa e que pode, até, ser 1546.
Em resumo, Santos passou pelas três fases de categorias urbanas. Povoado de Santos de, aproximadamente, 1540 até 1546, quando foi feita Vila, condição na qual permaneceu até 26 de janeiro de 1839. Assim, Santos manteve-se durante quase 300 anos. Em 26 de janeiro de 1998, festeja-se o Dia da Cidade. E os 452 anos? Ora, neles estão incluídos os 159 anos como Cidade.



                   


PSEUDOS FUNDADORES: 

DESCONSTRUINDO AS FIGURAS DE MARTIM AFONSO E  DE BRÁS CUBAS, ROMANTIZADAS POR CALIXTO


DALMO DUQUE DOS SANTOS 


Em artigo escrito para a revista Flama em janeiro de 1944, Durwal Ferreira - memorialista e membro-patrono do Instituto Histórico e Geográfico de Santos - defendia a polêmica tese de que a fundação da Vila de Santos não foi obra de Brás Cubas e sim um gesto de emancipação de santistas que lutavam pela autonomia do povoado. Ele reconhece a importância histórica de Brás Cubas, mas afirma que Santos não se separou de São Vicente politicamente, naquele contexto, e nunca houve espiritualmente uma ruptura, ligação que perdura até os dias atuais. A vila santista surgiu de um movimento emancipador espontâneo, mas continuou submetida às autoridades da Capitania de São Vicente, incluindo as eclesiásticas. Segundo ele, o Porto de Santos era apenas uma extensão do Porto de São Vicente no Valongo, por questões puramente comerciais.

Entendemos nessa abordagem do memorialista que a organização política dos dois povoados foram se adaptando de acordo com o contexto político do sistema colonial português. Prova disso é que os papéis das duas vilas foram invertidos, passando Santos a dominar São Vicente, tornando-se cidade, como forma de afirmação do controle territorial e espiritual, pois a Vila Mãe já não tinha mais importância econômica. Esse controle ou tutela continuou acontecendo e se reforçava sempre que São Vicente reagia ou era alvo de interesse de forasteiros. Outra explicação para essa tese é que os documentos oficiais da época foram sendo interpretados posteriormente de forma ufanista, para reforçar a figura heroica e romântica de Brás Cubas, muito em voga no século XIX e que coincidiu com a formação do estado monárquico nacional. Essa imagem ficaria gravada no imaginário popular e aristocrático por meio do famoso retrato de Brás Cubas pintado por Benedito Calixto. De certa forma, o mesmo aconteceu com a figura de Martim Afonso organizando juridicamente o povoado Tumyaru, que já existia desde o final do século XV. Para Durwal Ferreira, Santos surgiu de um movimento de emancipação coletiva e não de uma ação individualista de fundação. Essa postura "santos-centrista" é até hoje expressa e praticada quanto ao chamado Porto de Santos, que juridicamente não é de Santos e sim da União, com território aduaneiro sob controle de órgãos federais. 

Outra abordagem de desconstrução da imagem e narrativa românticas da fundação de Santos por Brás Cubas é  a do memorialista Francisco Martins dos Santos que, de forma mais contundente, anula essa primazia tradicional e mostra Brás Cuba com o simples criado de Martim Afonso apontando este como o verdadeiro fundador de Santos. Martins reúne uma documentação considerável para desfazer o mito de Cubas com acusações factuais de roubo e prejuízos ao desenvolvimento do povoado fundo pelo seus protetor. Brás Cubas, como muito membros da expedição colonizadora de Martim Afonso, também era judeu convertido  ou cristão novo, sob a proteção da família católica de Martim Afonso e Ana Pimentel. (Dalmo duque dos Santos - CALUNGAH)


 JOÃO MOREIRA SAMPAIO NETO 

CIDADE DE SANTOS, EDIÇÃO 7 DE DEZEMBRO DE 1969

HEMEROTECADIGITAL DA BIBLIOTECA NACIONAL


"Brás Cubas impediu o desenvolvimento de Santos, com a oposição judicial de se estabelecer o Rocio (centro da cidade), em suas terras; invadiu e apossou-se de terras e gado que haviam sido doados à Companhia de Jesus, e para impedir que se fizesse justiça, fugiu para Portugal; foi o primeiro funcionário público relapso da História do Brasil, e por isso, condenado e suspenso de suas funções pelo Rei de Portugal; não foi fundador de Santos e tampouco da Santa Casa, da qual também nunca foi provedor ou protetor".

Essas afirmações são feitas pelo historiador Francisco Martins dos Santos, baseado em documentos históricos. No ano que vem, dará a publica toda a documentação e os fatos históricos por ele coletados, em seu livro Brás Cubas Perante a Verdade Histórica de Santos.

O historiador mostra, em seu livro, que o verdadeiro fundador de Santos foi Martim Afonso de Souza, de quem Brás Cubas era um simples criado. Prova também que o Porto de São Vicente, era na Ponta da Praia, em Santos, de acordo com os mapas e depoimentos da época. E que já existia quando aqui chegou a frota de Martim Afonso de Souza.

DÚVIDAS ANTIGAS

"Já no tempo em que escrevi A História de Santos -diz o sr, Francisco, incluí certas dúvidas sobre Brás Cubas, mas como não tinha documentos que provassem nada, embarquei nas afirmações de Frei Gaspar da Madre de Deus, que dizem que Brás Cubas era fidalgo fundador de Santos.

"Mas a verdade, continua o historiador,  é que o pseudo fundador de nossa cidade era simples criado de Matrim Afonso, e por isso tinha uma certa intimidade com o capitão-mor, que o deixou aqui como uma espécie de capataz. Esse fato é confirmado pela escritura de 25 de dezembro de 1536, na qual d. Ana Pimentel, esposa de Martim Afonso, doa "ao seu criado Brás Cubas, pelos muitos serviços prestados à sua família, as terras de Jurubatuba e Ilha Pequena" (atual Ilha Barnabé). Essas foram as primeiras terras que Brás Cubas possuiu no Brasil. Os originais desses documentos estão na Torre do Tombo, em Portugal, mas ele foi reproduzido na História da Colonização Portuguesa no Brasil, de Carlos Malheiros Dias, e também no segundo volume da minha Historia de Santos".

FIDALGO, SÓANOS DEPOIS

"Só em 1551, Brás Cubas recebeu o titulo de Fidalgo da Corte Lisboeta - prossegue o sr. Martins pelas mesmas razões que d. Ana Pimentel lhe doou terras na Capitania de São Vicente.

Brás Cubas ema um cristão-novo, e isso é provado pelos documentos que dizem ser o seu avó judeu, picheleiro (fabricante de vasos de cerâmica) e esmoler da Irmandade da Misericórdia do Porto. Ora, havia uma lei portuguesa de 1503, que ordenava que os filhos de judeus convertidos fossem entregues aos nobres portugueses, "para serem criados na religião". Daí, Brás Cubas ter sido criado por Martim Afonso de Souza e sua familia.

"Aliás, afirma o historiador, o nosso pseudo-fundador, era um grande comodista, pois ganhou em 1536 as terras de Jurubatuba e Ilha Pequena, e mandou para cá, colonizá-la, o seu pai João Pires Cubas, e seus irmãos. Só em 1540, Brás Cubas voltou ao Brasil. Essas terras que Brás Cubas ganhou eram do fidalgo Henrique Montes, que foi assassinado em 1534. No ano seguinte, o capataz Brás Cubas, que aqui fora deixado por Martim Afonso para informá-lo de tudo que ocorresse nas terras da vila satélite (Santos), correu a Portugal e pediu à esposa do fidalgo, as terras que pertenciam ao nobre assassinado."

VERDADE HISTÓRICA

"A verdade histórica sobre a fundação de Santos, começa a ser restaurada, quando se lê a Carta de Poderes entregue, em 1530, pelo rei de Portugal a Martim Afonso.

Diz o documento que ele viria para tomar posse da Capitania de São Vicente, com 32 fidalgos e 400 soldados. Brás Cubas não consta nem numa nem noutra relação.

"Em seguida, pode-se continuar a restauração da história de Santos, no Diário da Navegação, de Pero Lopes de Souza, irmão de Martin Afonso. Ele descreve a entrada da armada portuguesa no Porto de São Vicente, que é, pela descrição e mapas, não em São Vicente, mas na entrada da Barra de Santos, na Ponta da Praia, onde estão situados hoje, diversos clubes de regatas.

"Esse lugar já era conhecido como porto oficial da região, desde 22 de janeiro de 1502, quando a armada de André Gonçalves e Américo Vespúcio aqui aportou e o construiu. Depois disso, todas as expedições aqui faziam parada obrigatória, para o comercio de escravos. Tanto que outro nome do primitivo porto, ficou sendo Porto dos Escravos."

UM PORTO DE BARCOS PEQUENOS

"O hoje chamado Porto, em São Vicente, foi assim designado pela primeira vez numa escritura de 1542, quando aquelas terras passaram à propriedade de Pero Correia. Pertenciam antes ao bacharel Mestre Cosme, um judeu degredado, que aliás é o verdadeiro fundador da vila de São Vicente. Martim Afonso elevou a primeira povoação (São Vicente) à categoria de Vila, e aqui ficou, dirigindo a sede da Capitania, e a povoação satélite de Enguaguaçu (Santos)."

VERDADEIROS FUNDADORES

"Os verdadeiros fundadores de Santos, nada têm a ver com Brás Cubas. Diz o Diário da Navegação que Martim Afonso dividiu as terras da linha entre seus homens, e, pelas localizações onde ficaram, tem-se a relação dos verdadeiros fundadores de Santos: O capitão- mor Martim Afonso, ficou com as melhores terras para si. São as que vão da atual rua General Câmara até o sopé do Monte Serrate, e da ponta extrema do monte até o Morro da Fontana. Luiz de Gois e sua mulher Catarina de Aguillar, receberam as terras do Outeiro de Santa Catarina e vizinhanças. Ele pertencia à alta nobreza da Corte, e correspondia-se diretamente com o Rei. As terras da várzea de São Bento (atual rua São Leopoldo), foram doadas aos irmãos Adorno: José Francisco, Paulo e Antônio. Ali, eles fundaram o Evangelho de São João, que Martim Afonso, trouxe desmontado, da ilha da Madeira. O morro de São Bento foi doado a mestre Bartholomeu Gonçalves o ferreiro que vinha contratado por três anos para montar fundição e oficina mecânica para consertar armas e utensílios. A Pero de Gois, grande guerreiro, coube a região das Neves, onde foi fundada, em 1532, com a presença de Martim Afonso, a primeira fazenda de que se tem notícia na História do Brasil: Fazenda da Madre de Deus.

Ao fidalgo Jorge Ferreira, foram dadas as terras que iam do Outeiro de Santa Catarina, até o local onde hoje é o bairro do Paquetá, com fundos até os Outeirinhos (atual Macuco), e mais as terras do atual Itapema, na Ilha de Santo Amaro. O morro da Fontana ficou com André Botelho, e as de Jurubatuba e Ilha Pequena (atual Ilha Barnabé), foram doadas a Henrique Montes, que veio como piloto e prático da Região.

"Como se vê, mais uma vez não se falou em Brás Cubas como donatário de terras na Capitania de São Vicente, principalmente no que hoje compreende o Município de Santos", conclui o historiador.

PRIMEIRO GRILEIRO

O sr. Francisco Martins dos Santos conta que "em 1553, Brás Cubas avançou nas terras de Pero Correa, que as havia doado aos meninos da catequese dos padres Jesuítas, e de lá roubou todo o gado. Essa foi a primeira questão de grilagem de terras e furto de gado que tramitou no fórum de São Vicente, e Brás Cubas, que já naquela época havia sido nomeado Capitão-Mor da Capitania de São Vicente, se viu obrigado a fugir para Portugal, a fim de escapar da Justiça".

No dia 15 de junho de 1553, o padre Manoel da Nóbrega, provincial da Companhia de Jesus no Brasil, escreveu ao Geral dos Jesuítas, relatando o fato:

"Foi-se Brás Cubas fugido para Portugal por coisas mal feitas nesta terra, sendo Capitão. Agora que veio, negou concerto ao padre Leonardo Nunes, sendo ele o que devia, se andava queixando que lhe deviam. De toda a sua fazenda que lhe destruiu, evidentemente, pelo qual fez Pero Correa uma doação aos meninos de tudo quanto tinha, e os mordomos seguiam a demanda, de maneira que convelo a Brás Cubas virem lagrimas e pedir misericórdia ao mesmo Pero Correa. E onde antes o padre Leonardo Nunes se contentara com nada, agora por concerto deu os escravos que tinha tomado a Pero Correa e mais dez vacas para os meninos terem leite e outras coisas, e creio que lhe tirariam toda sua fazenda porque ainda que é o mais rico desta terra, nem tudo bastara para fazer a demanda se acabara".

(Documento transcrito da Historia da Companhia de Jesus no Brasil Padre Serafim Leite -volume I- pagina 163).

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NÃO FOI O FUNDADOR

Além dos mapas e informações colhidas no Diário da Navegação, o historiador Francisco Martins dos Santos baseia sua tese de que Brás Cubas não foi fundador de Santos, em depoimentos da época. O primeiro deles é do padre Simão de Vasconcelos, que foi provincial da Companhia de Jesus e contemporâneo de Brás Cubas. Nas Crônicas da Companhia de Jesus do Estado do Brasil Edição de 1622 Livro I-Capitulo 63 pagina 40, diz o sacerdote:

 "Na mesma Ilha, em distância como de duas léguas, fundou Martim Afonso outra vila que chamam de Santos". Em 1730, Sebastião da Rocha Pitta dizia: "Erigiu Martim Afonso a vila de São Vicente e a de Santos, ambas na mesma Ilha, deixando-as estabelecidas e seguras; voltou para o Reino, donde tornou a passar à Índia".

IMPEDIU O PROGRESSO

Em 1560, quando o Conselho da Vila de Santos (Câmara Municipal) do qual Brás Cubas era presidente, fez a demarcação das terras que seriam o Rocio (centro da cidade), e o pseudo fundador viu que seriam em terras de sua propriedade, entrou em juízo com um processo contra o poder público. A sentença final, a seu favor, só foi dada em 17 de agosto de 1588, pelo governo geral do Brasil, e cumprida em Santos no ano seguinte».

FUNDADOR DA SANTA CASA

O historiador Francisco Martins dos Santos afirma finalmente que Brás Cubas não foi fundador, irmão e muito menos benfeitor da Santa Casa de Santos. «O ver- dadeiro fundador foi o Capitão-Mor Cristovam Aguiar de Altero, em 1543, secundado por Luiz de Góis e sua mulher. O casal foi servir de enfermeiro no hospital, e o Capitão-Mor fundou também no hospital, a primeira farmácia da cidade, Brás Cubas não era irmão da Misericórdia, como se apregoa, porque, antes de morrer requereu seu sepultamento na capela daquele hospital, e se fosse irmão, não precisaria fazê-lo, pois é obrigação da irmandade enterrar seus associados. E mais, o despacho concedendo autorização, obriga Brás Cubas a pagar quatro mil reis, e obter licença especial do Bispo da Bahia, D. Pedro Leitão.

ANULAÇÃO DA HISTÓRIA

O historiador diz que a documentação por mim coligida é vasta, e anula a figura histórica de Brás Cubas, sem com isso lhe negar a participação em fatos importantes. Agora, num fato ele merece justiça. Em 9 de junho de 1545, quando passou a exercer funções de Capitão-Mor, um de seus primeiros atos foi elevar Santos à categoria de Vila, ato que só foi aprovado pelo rei de Portugal em 1547, quando se criou a primeira Câmara Municipal de Santos.

O Porto de Santos em 1962. Acervo: Arquivo Nacional. 



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HISTÓRIA DO PORTO DE SANTOS


CARLOS PIMENTEL MENDES


Trapiches do porto de Santos. Óleo sobre tela de Bendito Calixto. Fonte: Novo Milênio. 

1. NO TEMPO DOS TRAPICHES

"Tristes tempos aqueles! De velhos pardieiros erigidos em trapiches alfandegados, tortuosas e alquebradas pontes de construção pré-histórica serpenteavam pelo lodaçal até penetrarem algumas braças nas águas turvas da baía. Sob o tremendo bochorno dos dias estivais, a pele suarenta e escaldante, enxameavam por eles turmas de homens brancos, que a sedução de um El Dorado para tantos enganoso atraíra de além-mar, de envolta com os negros filhos da raça escravizada da África, arquejando todos ao peso de carga de que iam aliviando o bojo dos navios e atestando os trapiches. Os barcos, cuja atracação se apresentava problemática por muito tempo ainda, descarregavam mesmo ao largo, sobre pontões – sorte de velhos cascos aposentados, onde as mercadorias, a troco de grossa armazenagem, jaziam até o dia em que o fisco, cobrando-se das respectivas taxas, permitia seu livre ingresso no território nacional”.

Como esse, outros velhos textos da imprensa santista registraram o contrabando fácil, a má fama do porto de Santos em fins do século passado, os mosquitos, o mau cheiro, a febre amarela e outras doenças facilmente contraídas, e que matavam inúmeras pessoas a cada dia.
Porto modesto até meados do século XIX, e que tinha no açúcar a base principal da sua movimentação, a partir de então começou a enfrentar os problemas resultantes de um número cada vez maior de barcos que o procuravam, em virtude da riqueza cafeeira estar tomando conta das antigas áreas canavieiras, e da criação em 1867 da São Paulo Railway, ligando as zonas produtoras e a capital paulista ao litoral.
O relato dos historiadores permite reconstituir a feição da vila de Santos na época, trabalho aliás facilitado pela existência de inúmeras pinturas e bicos-de-pena, principalmente do pintor Benedito Calixto.

Naquela época, junto ao estuário, acompanhando a linha da preamar, alguns sobrados serviam simultaneamente de escritório e de armazém para os comerciantes; com as marés, as margens lodosas do estuário apareciam e desapareciam; troncos de árvores permaneciam amontoados à beira d’água, para uso na armação de trapiches, que facilitavam a movimentação de cargas dos navios, já que não havia condições para que os navios se aproximassem de terra sem o risco de encalhe.

Um texto de 1866 assim descrevia o porto santista: “É ele uma bacia natural que se comunica com a baía denominada de Santos por um canal profundo e relativamente estreito. As ondulações do mar, mesmo nos maiores temporais, não se podem propagar até o porto e os altos morros que o cercam de todos os lados não permitem que os ventos possam levantar maretas que impeçam a carga e descarga dos navios. As marés fazem-se sentir com toda a regularidade no porto, porém a sua correnteza que não excede 2.160 m, ou pouco mais de uma milha por hora, não pode pôr em risco aos navios que se acharem amarrados no cais ou estacionados no ancoradouro”.

Na mesma época se afirmava: “Sendo de urgente necessidade proceder a construção das obras de melhoramento de que carece o litoral da cidade de Santos a fim de facilitar o crescente movimento de seu importante comércio marítimo de importação e exportação”. No entanto, o início das obras de construção do mesmo só ocorreu efetivamente em 1888...

Outros comentários de época: “Santos infelizmente é um porto condenado: a febre amarela – esse phantasma cruel e desolador victimando milhares de infelizes todos os anos, de tal modo tem-se desenvolvido que até o presente não desapareceu um só dia, dando a cada hora horríveis signaes da sua presença. Sabem todos os estragos que actualmente ela vai causando, e basta referir que há navios que perderam totalmente as suas tripulações.”

As embarcações de alto mar ficavam a mais de 100 metros de distância dos locais onde eram depositadas as mercadorias e ligadas aos velhos trapiches por pontes de madeira, por onde transitavam os escravos e outros trabalhadores do porto, transportando nas costas a maioria das espécies de carga, além das já centenas e milhares de sacas de café descidas do planalto, anualmente.
Logo perceberam os administradores da província as queixas dos negociantes sobre a precariedade das condições do porto, que, como os demais do país, não fora ainda organizado. As mercadorias se amontoavam às margens do estuário, da praça da Alfândega ao Valongo, em pátios de terra, improvisados e exíguos, sofrendo as conseqüências de permanecerem ao relento, particularmente nos meses de verão, quando as chuvas aumentavam.

Além do mais, as próprias autoridades sentiam-se impotentes para garantir aos proprietários as mercadorias desembarcadas, dado a uma verdadeira indústria de rapinagem que se organizava em Santos, ao sentido de se apoderarem de partes do que era desembarcado nas praias do estuário, ou mesmo para a cobrança das tarifas alfandegárias, em virtude do caos em que ficavam as cargas de exportação e de importação. Dentre as queixas que se faziam às autoridades da Corte e da Província, continuadas depois, já na República, transcrevemos duas, bem características, e divulgadas no próprio ano da inauguração dos primeiros 260 metros de cais. A primeira partiu de um grupo de comerciantes e industriais de São Paulo:

“O porto de Santos, o único porto deste estado francamente aberto à navegação de longo curso, acha-se no mais deplorável estado. Sem cais e sem meios de descargas, assolado pela febre amarela e pela varíola, com uma alfândega desmantelada, que não possui um guindaste, que não possui armazéns para receber e acondicionar as mercadorias, que não possui o pessoal suficiente para as conferir e despachar com a indispensável presteza, que não possui até os mais necessários utensílios, tendo a sua baía coalhada de navios que esperam longos meses que lhe chegue a vez de descarregar, tendo as ruas e praças da cidade atulhadas de mercadorias de toda a espécie, expostas ao tempo e à rapinagem, vendo morrer diariamente a tripulação dos navios em estadia, dizimada pela febre amarela, tal é o triste espetáculo que hoje oferecem o porto e a cidade de Santos aos olhos do mundo”.

A segunda, da Associação Comercial de Santos: “Verdadeira anarquia reina em quase todos os serviços de Santos: os armazéns da alfândega, as pontes, os armazéns particulares, as praças e ruas públicas, acham-se empilhadas de mercadorias, a maior parte sujeita às intempéries e ao roubo.
“A gatunagem tem tomado súbito impulso: quadrilhas para tal fim organizadas dão caça às mercadorias assim abandonadas e a polícia sente-se impotente para dominar essa nova indústria, porque nem de força pública dispõe”.

Em trabalho comemorativo aos 80 anos da então Companhia Docas de Santos, em 1972, o jornalista e historiador Rubens Rodrigues dos Santos lembrava uma notícia da época da fundação da CDS: “É impossível que o comércio do exterior teime em servir-se do porto de Santos: e nós sabemos que muitas companhias já proibiram que suas embarcações demandem tão infeccionada cidade. Até o próprio governo, reconhecendo o perigo, consentiu que a linha do Lloyd desviasse os seus paquetes dos mares santistas. Ora, se o nosso governo assim procede, o que os estrangeiros não farão? Que fazer? Melhorar as condições higiênicas de Santos”.

“Não se imaginava, então, que Oswaldo Cruz conseguiria sanear a cidade, como não se avaliavam também os imensos benefícios que as obras posteriormente realizadas pela Companhia Docas de Santos trariam à população local. Transformar as margens lodosas e pestilentas do estuário em faixa de cais foi o mesmo – no dizer de Saturnino de Brito (engenheiro que projetou o sistema de drenagem por canais em Santos, entre outras obras) – que 'envolver a cidade por um cinturão sanitário'”, completou Rubens.

2. O MELHOR LOCAL


Logo após a fundação (por Martim Afonso de Souza) da cidade de São Vicente, cellula mater da nacionalidade, Brás Cubas foi procurar um ponto mais abrigado na atual costa paulista para a atracação das caravelas. E fundou Santos, do outro lado da ilha de São Vicente, vislumbrando no estuário santista, onde se fixou, o porto ideal. Estava certo: séculos depois, ali se instalou o maior porto latino-americano de carga geral.

Desde cedo, o Brasil se preocupou com a navegação, bem como com a construção de portos, para as necessidades do seu comércio, devendo-se porém à Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, do príncipe-regente D. João VI, a abertura dos portos do Brasil para o comércio exterior com as nações amigas. Na verdade, a Inglaterra – que então dominava o comércio marítimo e começava a controlar a economia mundial, num papel parecido com o que Estados Unidos da América e o Japão têm em relação à moderna economia internacional.

Publicado no final do século XVI, faz parte do códice da Biblioteca da Ajuda (Portugal).
A partir do ato de 1808, as margens das baías e angras próximas aos povoamentos que se desenvolviam passaram a receber navios que carregavam e descarregavam as mercadorias, em operações rudimentares e morosas, servindo-se de pontes de madeira, de caráter precário e sem segurança (os trapiches).
Com a abertura dos portos ordenada em 1808 por D. João VI, as relações comerciais e a navegação de cabotagem da antiga Capitania de São Vicente foram ampliadas, ocorreu o desenvolvimento dos engenhos e das plantações: o açúcar era então a base da movimentação portuária (as capitanias de São Vicente e Pernambuco foram as grandes produtoras de açúcar do Brasil Colonial).
Até o início da terceira década do século XVI, os navios fundeavam no ancoradouro onde o rio Santo Amaro desemboca, no canal de Barra Grande. Foi o fundador de Santos, Brás Cubas, que percebeu os inconvenientes que nisso havia para os embarcadiços, e resolveu criar outro porto no lado oposto a Santo Amaro, comprando para isso terras na orla oriental do córrego de São Jerônimo, pertencentes a Pascoal Fernandes e Domingos Pires. Nessa área, que compreende o Outeiro de Santa Catarina, marco da fundação de Santos, foi criado por Brás Cubas o porto que serviu de núcleo à nascente povoação, aproveitando o amplo estuário entre as ilhas de São Vicente (onde se localizam as cidades de Santos e São Vicente) e de Santo Amaro (onde fica Guarujá), que oferecia boa proteção aos navios.


Santos e a economia paulista – Definir se foi o desenvolvimento econômico paulista que determinou o crescimento do porto, ou se foi a influência de um porto em local bastante favorável que provocou o progresso da economia regional, toca às raias da célebre questão sobre quem surgiu primeiro, o ovo ou a galinha. O fato é que o desenvolvimento do porto de Santos está intimamente ligado à expansão econômica regional, acompanhando-a desde os tempos áureos do comércio cafeeiro até o momento atual, através da importação dos insumos básicos para a indústria e da exportação dos manufaturados.
E o porto, desde o tempo em que nem poderia ser assim chamado, séculos atrás, sempre refletiu as condições econômicas da região circundante. Assim, no período colonial, ocupou por muito tempo uma posição bem secundária em comparação aos demais portos brasileiros, tanto na importação como na exportação de mercadorias, como conseqüência da pequena expressão econômica de São Paulo naquele período. Segundo dados referentes a 1796, as mercadorias exportadas por Santos para a metrópole portuguesa correspondiam a somente 0,4% do total exportado pelas colônias. Já o Rio de Janeiro participava com 27%, a Bahia com 29% e Pernambuco com 16%. Na importação, Santos detinha 0,6% do total vindo da metrópole; o Rio de Janeiro, 32%; Bahia, 27% e Pernambuco 18%.

Até então, o comércio com Santo André da Borda do Campo e com a recém-fundada São Paulo de Piratininga fazia-se partindo do estuário, navegando-se em canoas pelos braços de rio que cortam a região, subindo pela Serra do Mar em lombo de burro e enfim atravessando as matas nevoentas do planalto paulista.

A partir de 1850, em razão da riqueza cafeeira estar controlando aos poucos as antigas áreas canavieiras do então chamado Oeste Paulista, tornou-se cada vez maior o número de barcos em demanda de Santos. Esse movimento se ampliou muito mais a partir de 1867, quando foi inaugurada a São Paulo Railway, a primeira ligação ferroviária do litoral para o planalto, passando pela capital paulista, como conseqüência direta do incremento da exportação de café: em 1854, Santos já exportava quase 80% do café brasileiro.

3. DOIS DECRETOS MODERNOS DO SÉCULO XIX

Enquanto hoje o país discute a privatização do sistema portuário, abertura ao capital estrangeiro e questões afins, surpreende os desavisados a moderna mentalidade que norteou a edição do decreto 1.746, de 13 de outubro de 1869, e do decreto 9.979, de 12 de julho de 1888, a seguir reproduzidos na íntegra. Aliás, segundo um ex-administrador do porto santista, Sérgio da Costa Matte, mais de 120 anos depois desses textos o país continua relutando em aplicar tais princípios na solução dos problemas atuais.
Decreto N.º 1.746 – Autoriza o Governo a contratar a construção, nos diferentes portos do Império, de docas e armazéns para carga, descarga, e guarda e conservação das mercadorias de importação e exportação.

Decreto da concessão (N.º 9.979) – Autoriza o contrato com José Pinto de Oliveira e outros para as obras de melhoramento do porto de Santos.

A Princesa Imperial Regente, em Nome do Imperador, Tendo em vista a proposta apresentada em concorrência pública por José Pinto de Oliveira, C. Gaffrée, Eduardo P. Guinle, João Gomes Ribeiro de Avelar, Dr. Alfredo Camillo Valdetaro, Benedicto Antônio da Silva e Ribeiro, Barros & Braga em virtude do edital da Diretoria das Obras Públicas da respectiva Secretaria de Estado datado de 19 de outubro de 1886, Há por bem conceder aos referidos proponentes autorização para construir as obras de melhoramento do Porto de Santos, a que se refere o mesmo edital, observadas as cláusulas que com este baixam, assinadas por Antônio da Silva Prado, do Conselho de Sua Majestade o Imperador, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que assim a tenha entendido e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro, em 12 de julho de 1888; 67º da Independência e do Império. (a) Princesa Imperial Regente. (a) Antônio da Silva Prado.


4. COMEÇAM AS OBRAS
"As obras que tiverem por objeto promover a navegação dos rios, abrir canais ou construir estradas, pontes, calçadas ou aquedutos, poderão ser desempenhadas por empresários nacionais ou estrangeiros, associados em companhias ou sobre si”. A lei sem número, assinada em 29 de agosto de 1828, dando continuidade ao ato de Abertura dos Portos de 1808, já demonstrava a preocupação da Corte, ainda nos primeiros anos da Independência, com o problema das comunicações terrestres e marítimas no Brasil.
Entretanto, porque o movimento marítimo fosse ainda inexpressivo ou por que o Tesouro não tivesse recursos para as grandes obras que um porto exige, o fato é que até 1869 o governo não havia adotado qualquer providência efetiva, com referência a tais obras.

Em 13 de outubro de 1869, o decreto-lei completava o sentido da legislação de 1828, autorizando o governo imperial “a contratar a construção, nos diferentes portos do país, de docas e armazéns para carga, descarga e conservação das mercadorias de exportação e importação”, tornando possível a construção do porto santista, como relatou o historiador Hélio Lobo.

A lei de 1869 estabelecia, entre outros itens: aprovação dos planos pelo governo; determinação do capital; prazo máximo de 90 anos, findo o qual as obras e o material ficariam pertencendo ao Estado; formação de um fundo de amortização, a contar de dez anos da conclusão dos trabalhos; percepção de taxas para retribuição dos serviços prestados, devendo se reduzir quando os lucros líquidos excedessem 12% sobre o capital da Concessão; faculdade de emissão de warrants (títulos de depósito, que permitem ao exportador obter crédito bancário) sobre mercadorias; resgate pelo Estado, depois do primeiro decênio da conclusão das obras; faculdade de execução do serviço de capatazias e armazenagem, caso o Governo encarregasse disso a empresa contratante; minuciosa fiscalização e arrecadação dos direitos do Estado; desapropriação das propriedades e benfeitorias particulares necessárias às obras; vantagens e favores de que gozavam os armazéns e entrepostos etc.

Pelo decreto 4.584, de 31 de agosto de 1870 – três anos após a inauguração, pelo Barão de Mauá, da ligação ferroviária de Santos com o Planalto -, era concedido à companhia, que o Conde de Estrela e Francisco Praxedes de Andrade Pertence organizassem, a autorização para construir docas e fazer melhoramentos no porto. Diante do insucesso da empreitada, seguiu-se a tentativa do governo da Província de São Paulo, por meio do decreto 8.800, de 16 de dezembro de 1882. O prazo estabelecido no decreto para o início dos trabalhos não foi cumprido, a concessão foi declarada sem efeito e, pelo decreto 9.637, de 27 de março de 1886, o governo imperial chamou de novo a si a construção do cais de Santos.

Desembarque de mercadorias direto para vagões, no cais da SP Railway. Em 19 de outubro de 1886, o Ministério de Viação e Obras Públicas publicou edital reabrindo a concorrência para as obras, de acordo com o projeto da comissão chefiada pelo engenheiro Milnor Roberts, com as alterações introduzidas depois pelo engenheiro Domingos Sérgio de Sabóia e Silva.

Das seis propostas apresentadas, venceu a de um grupo de brasileiros: Cândido Gaffrée, Eduardo Palassin Guinle, José Pinto de Oliveira, Alfredo Camillo Valdetaro, Benedicto Antonio da Silva e Francisco Ribeiro, Barros & Braga.

Através do decreto 9.979, de 12 de julho de 1888, foi celebrado o contrato (assinado oito dias depois), pelo prazo de 39 anos (prorrogado para 90 anos em 7 de novembro de 1890). O documento foi assinado pela Princesa Isabel e referendado pelo ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, o paulista Antonio da Silva Prado.

Segundo o contrato, o grupo vencedor da concorrência ficava obrigado a, no prazo de seis meses a contar da assinatura do acordo, iniciar as obras do porto, principalmente com a construção de um pequeno trecho de cais e aterro, desde a Rua Brás Cubas até o extremo de uma velha ponte da São Paulo Railway, no bairro do Valongo.

Sobre o tema, comentava, seis dias depois da assinatura do contrato, o jornal A Província de São Paulo (atual O Estado de São Paulo): “Depois de longos anos gastos em firmar-se a competência do Estado e da Província, foi afinal resolvida a questão do cais de Santos. Agora começa o período das obras e da fiscalização. Há quem sustente que o plano adotado não pode ser levado a efeito com duração e solidez, e que talvez em meio da construção seja tudo perdido, tendo-se necessidade de voltar atrás e recomeçar a obra. Um profissional demonstrou nesta folha que o plano aceito terá de ser alterado, devendo custar mais cara a sua execução, ou não oferecerá garantia e solidez”.

É válido registrar que todos os contratantes eram brasileiros, utilizando capitais exclusivamente privados e nacionais, bem como técnicas e chefe dos serviços igualmente brasileiros. Usando como base técnica o relatório de Sabóia e Silva, e sob o comando do engenheiro Guilherme Benjamin Weinschenk, a obra foi iniciada então, utilizando-se apenas alguns materiais e equipamentos estrangeiros, por não serem fabricados no Brasil.
                  
    Weinschenk, em 1901, junto ao 1º bloco de granito da ampliação do cais

Quando Gaffrée e Guinle planejaram a construção, organizaram (em 23 de julho de 1888) a firma Gaffrée, Guinle & Cia., com capital inicial de 3.851 contos de réis. Nessa época, a sociedade sofreu alteração, com a substituição de Ribeiro, Barros & Braga, entrando Francisco Justiniano de Castro Rabello e Hypolito Veloso Pederneiras.

Com a necessidade de novos investimentos, o capital social foi em 1890 elevado para cerca de 15.000 contos de réis, e novamente a sociedade sofreu alterações por falecimento ou retirada de alguns sócios.
Mesmo sendo aquela uma quantia bastante elevada para a época, acabou sendo necessário transformar (em 16 de outubro de 1892) a sociedade solidária Gaffrée, Guinle & Cia. na Sociedade Anônima Companhia Docas de Santos, sem solução de continuidade administrativa, e dirigida unicamente por Gaffrée e Guinle.

Apesar da febre amarela que grassava na região, da falta de mão-de-obra especializada, da necessidade de importação de equipamentos, e de ter de dragara quase cinco vezes mais do que o previsto, a empresa entregou ao tráfego o primeiro trecho de cais, de 260 metros, em 2 de fevereiro de 1892, com a atracação do navio inglês Nasmyth, de Liverpool (da firma Lamport & Holt).

O fato foi registrado no dia 4 de fevereiro de 1892 pelo jornal O Estado de São Paulo, com esta pequena notícia: “O Sr. vice-presidente deste Estado recebeu ontem, de Santos, dos srs. Gaffrée, Guinle e Companhia, o seguinte telegrama: ‘Com satisfação comunicamos a Vossa Excelência que foi entregue ao tráfego o primeiro trecho do cais de Santos”.

No dia seguinte, esse jornal descrevia: “O trecho do cais entregue ao tráfego tem 260 metros de comprimento e fica entre a rua nova aberta junto ao Arsenal de Marinha e a Alfândega. Passada a quadra epidêmica, a Empresa Melhoramentos do Porto de Santos conta que poderá entregar todos os meses um novo pedaço para o serviço. A inspetoria da Alfândega foi autorizada de acordo com as cláusulas 8ª e 9ª do contrato celebrado com a empresa, a servir-se da parte do mesmo cais já concluída”.
Com essa inauguração, Santos foi o primeiro porto a atender à convocação imperial de 29/8/1828, e tornou-se o primeiro porto organizado do país dentro do que também preconizou o decreto 1.746, de 1869.

5. CDS CRESCE COM O PORTO

                  

Monumento e estátuas de Cândido Gafrée e Eduardo Guinle, construtores do porto moderno de Santos.


              

             

"A história da Companhia Docas de Santos, responsável pela construção, organização e administração do porto de Santos, está intimamente ligada à história do desenvolvimento nacional. A empresa nasceu do pioneirismo de gente que, no final do século passado, acreditava no futuro do país, e aplicou técnicas e recursos nacionais, contribuindo com vultosos investimentos para a instituição de um dos mais importantes serviços públicos do país.

O porto era reclamado pelo comércio paulista – São Paulo surgia como o pólo de riqueza do novo país, independente em 1822 e tornado República em 1889 -, que sofria prejuízos econômicos consideráveis com a perda das mercadorias nas ruas santistas. Com o problema da febre amarela, marcando Santos como lugar maldito nos portos de todo mundo, avolumavam-se as queixas dos transportadores marítimos.
Santos era então um lugarejo de 20 mil habitantes – a capital paulista não contava com mais de 150 mil habitantes -, com vida tumultuada em função do embarque e desembarque de mercadorias em trapiches.
O registro da Gazeta de Notícias de 30 de maio de 1896 mostra o clima com relação ao porto: “É bem conhecida a história do porto de Santos, que desde 1856 até 1888 procurou o Governo melhorar, tudo envidando para isso já por meio de diversas concorrências e estudos a que mandou proceder, já fazendo concessões a particulares e à então Província de São Paulo por decretos em que foram consignadas vantagens que bem remunerassem os capitais empregados em tão útil quanto inadiável melhoramento. Infelizmente, todas estas concessões caducaram, e o porto de Santos foi piorando até tornar-se o espantalho da navegação de longo curso pelas suas péssimas condições higiênicas e o fato de pagar-se quase o dobro do frete exigido para o Rio de Janeiro aos navios destinados àquele porto”.
O trabalho para a construção dependeria do saneamento do estuário de Santos. Estudos realizados pelo engenheiro inglês Minor Roberts, com alterações introduzidas pelo engenheiro Domingos Sérgio de Sabóia e Silva, foram a base para a concorrência e serviram como ponto de apoio à realização das obras que a concessionária iniciou em 1888.

O primeiro trecho de cais, com 260 metros, foi entregue ao tráfego em 2 de fevereiro de 1892, com a atracação do navio inglês Nasmyth. Devido à sua vital importância para o surto econômico do estado, as obras prosseguiram dentro dos prazos estabelecidos, sob a orientação técnica do engenheiro Weinschenk. No ano seguinte, foi aberto o restante do cais contratado, perfazendo 846 metros, e nesse mesmo ano, a 27 de julho, a São Paulo Railway ligou seus trilhos aos da CDS.

Ainda em 1893, a Associação Comercial de Santos assim comentou o trabalho desenvolvido: “Pelo relevante serviço que já está prestando o trecho em tráfego (260 metros), podemos ajuizar as vantagens, as facilidades e os lucros que nosso comércio auferirá, quando todo ele estiver construído, e quando tal se der, poderemos nos orgulhar de possuir o melhor porto da América do Sul e um dos mais notáveis, senão igual, aos mais afamados do mundo. Também poucas vezes tem-se visto, entre nós, executar-se com tanta perfeição e propriedade uma obra de tão elevado valor; é esta a opinião dos competentes”.

Abertura do capital – Consolidada poucos anos depois, e já inexistindo dúvidas sobre o sucesso do empreendimento, a Companhia Docas de Santos abriu seu capital, até então constituído exclusivamente pelas quantias aplicadas pelos sócios fundadores. Por subscrição em dinheiro, o capital social foi em 1897 elevado para mais de 68 mil contos de réis. Confrontando-se dados da CDS com os do então Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, pode-se avaliar a magnitude dos valores envolvidos nos anos considerados: a imobilização do capital da empresa, que em 1888 era de 3.851:505$570, passou em 1892 para 19.067:131$043 e em 1897 para 68.233:363$875. Nos mesmos anos, o orçamento federal, a dotação orçamentária e a taxa do dólar eram, respectivamente: 1888 – 141.230:104$834, dotação de 35.177:042$344, dólar a 2$270; 1892 – 205.948:264$128, dotação de 67.172:576$355, taxa de 3$700; 1897 – 313.169:790$036, dotação de 72.205:864$166, taxa do dólar a 8$176.

Ao mesmo tempo em que a empresa se capitalizava, com aumentos sucessivos do capital social, as obras de ampliação do porto prosseguiam. Paralelamente, e até como conseqüência, foi melhorando a situação sanitária de Santos.

Isso foi atestado pelo próprio órgão do Partido Republicano Paulista, o Correio Paulistano, na edição de 4 de janeiro de 1911: “Dois elementos com especialidade têm concorrido, e poderosamente para isso, as Docas e as obras de saneamento, por meio de drenagem. Não há muito tempo, o nosso principal porto ainda se nos apresentava em condições bem precárias... Santos era um foco de febre amarela e de bexigas, que todos temiam. Só residiam lá as pessoas a isso obrigadas pelos seus próprios interesses”.
Pouco antes, na edição de 26 de dezembro de 1909, o Times de Londres analisava o empreendimento portuário: “Em 1892, duzentos metros de cais, construídos por uma firma local e com capitais próprios, foram entregues ao tráfego. Dois anos depois, mais mil metros estavam concluídos para o serviço do porto. Hoje, há uma muralha de cais que se estende desde a estação da São Paulo Railway, até os Outeirinhos, numa extensão de 4.800 metros, com espaço amplo para os grandes transatlânticos que partem da Europa com destino à América do Sul. O belo cais de granito está aparelhado com os últimos e melhores guindastes hidráulicos. O navio, trazendo ou levando 12.000 toneladas de carga, pode ser despachado em dez dias. A cidade de Santos, que em 1892 não passava de vestígio malsão dos tempos coloniais, transformou-se com as obras do cais em conhecido porto de saúde, com belas ruas e avenidas, bonitos edifícios e trens elétricos”.

6. DEZ FASES HISTÓRICAS

Para análise histórica, a evolução do porto santista pode ser dividida em pelo menos dez fases, de sua inauguração até hoje:

[01] – A construção – O período 1891/1909 marca a realização das primeiras obras. Os primeiros 100 metros de cais foram concluídos ainda em 1891, mas o tráfego foi inaugurado apenas em fevereiro de 1892, ano em que o movimento geral alcançou 124.739 toneladas. E as obras continuaram, destacando-se cada vez mais o empreendimento, que em 1909, com o crescimento da produção cafeeira (a principal responsável pelo movimento do porto), já contava com 4.720 metros de cais e registrava a saída de 13.130.933 sacas, a maior exportação de café da história do porto.
Demonstrando a firmeza da economia do Planalto Paulista no início do século, o porto – que movimentara mais de 500 mil toneladas de carga cinco anos após a inauguração do primeiro trecho – já em 1901 ultrapassava um milhão de toneladas, para chegar em 1913 a mais de dois milhões, demonstrando um desenvolvimento contínuo até as vésperas da Primeira Guerra Mundial.
Em 1909, o café sozinho foi responsável ainda com 787.856 toneladas, por 95,8% do movimento do porto santista, proporção que predominou por mais uma década ainda.
O próprio movimento de importação é reflexo das cambiais fornecidas pelo café exportado, e em 1909 a exportação global pelo porto correspondia a 53,5% do movimento geral.
Nos pouco mais de 4,5 km de amurada de acostamento, com os respectivos pátios de movimentação de cargas havia já 26 armazéns internos, um armazém frigorífico, 23 pátios cobertos com um total de 64.500 metros quadrados de capacidade; 15 armazéns externos com 122.000 metros quadrados de capacidade; dois tanques para óleo combustível com a capacidade de 17.500 metros cúbicos e 38.300 metros de linhas férreas e desvios.

[02] – Primeira Guerra Mundial –Na segunda fase considerada, entre 1910 e 1928, a extensão do cais não se alterou. Foi uma época de depressão econômica, causada pela guerra de 1914/19. Foi destruído o equilíbrio entre importações e exportações: a relação importação/exportação, às vésperas da guerra, demonstrava um volume de descargas 2,33 vezes superior ao das saídas.
Foi também um período de queda no coeficiente de utilização do cais, principalmente como reflexo imediato da primeira grande expansão do cais: passou de uma média de 464 toneladas/metro/ano em 1913 para 337 em 1920. Contribuíram para esses índices a guerra, particularmente nos seus dois últimos anos, e a grande geada que prejudicou a colheita do café em 1918.
A década de 20 foi caracterizada entretanto por uma euforia econômica em função dos altos preços do café, motivando reservas de cambiais para produtos importados e acarretando o sensível aumento do tráfego importador. Com 200 mil metros quadrados de armazéns e pátios de estocagem, mais que o dobro da estrutura existente em 1910, o porto contava então com ampla hinterlândia, que, além do interior do Planalto Paulista, penetrava pelo Sul de Minas Gerais, Triângulo Mineiro, Sul de Goiás e do Mato Grosso e Norte Velho do Paraná. Em 1928, o movimento de cargas foi de 3.183.809 toneladas.

[03] – Ilha de Barnabé – O período 1929/1930 marca a construção da área para produtos inflamáveis na Ilha de Barnabé, aumentando a extensão do cais para 5.021 metros e livrando Santos dos perigos decorrentes da movimentação de inflamáveis e explosivos.
1940 a 1950: Ilha Barnabé recebe melhorias, já usada para combustíveis
Na ilha, que já sediou uma fazenda de Brás Cubas (como Ilha Pequena), já pertenceu aos jesuítas (quando se chamou Ilha dos Padres), ao comendador santista Barnabé Francisco Vaz Carvalhaes e à Câmara Municipal de Santos, foram então instalados grandes depósitos de combustíveis pela Cia. Docas. Iniciando uma nova fase na história da movimentação do porto de Santos, que nos anos 60 atingiu o apogeu, chegando a dois terços da tonelagem do movimento geral.

[04] – “Primeira Classe” – Entre 1931 e 1944, não ocorreram novas expansões na extensão do porto, que com a crise econômica mundial de 1929 teve seu movimento reduzido para 1.803.855 toneladas (em 1932). Seis anos depois, entretanto, foi elevado a Porto de Primeira Classe, por atingir um movimento geral superior a quatro milhões de toneladas (4.084.941 t em 1938).
A crise cafeeira, numa época de superprodução e baixos preços, reduziu a entrada de divisas e consequentemente também a importação. Ao mesmo tempo, ocorreu um movimento pela diversificação da economia de exportação, e assim o café, em poucos anos, teve sua participação nas exportações reduzida de mais de 90% para cerca de 33,9% no final da década de 30. Todavia, os produtos de petróleo a granel tiveram movimentação crescente, estimulados inclusive pela existência das instalações da ilha de Barnabé. O período foi marcado por grandes crises na movimentação, também ocasionadas pelas crises político-militares registradas em todo o país durante a década de 1930 e pela Segunda Guerra Mundial a partir de 1939. A curva de movimentação geral de mercadorias do porto reflete bem os períodos específicos destas crises. Assim, a pequena movimentação em 1932 é também reflexo do bloqueio militar por mais de três meses a que o porto foi submetido durante a Revolução Constitucionalista de São Paulo. Também o mesmo ocorreu em 19142/43, no apogeu da Segunda Grande Guerra, quando o movimento caiu para quase a metade do que fora em 1938 e 1939 (em 1942, 2.808.086 toneladas, e 2.856.547 t no ano seguinte), em função da guerra submarina desenvolvida pelos países do Eixo. Em 1944, quando a movimentação de mercadorias voltou a superar a marca de quatro milhões de toneladas, o coeficiente de utilização do cais elevou-se das 337 t/m/ano em 1920 para 1816 t/m/ano em 1944 (em 1939, esse coeficiente foi de 855 t/m/ano, aliás).


[05] – Pós-guerra – Em 1945, o porto santista já contava com uma estrutura – toda construída ou adquirida com recursos próprios da CDS – que compreendia: 5.213,91 m de cais de atracação; 61.589 m² de armazéns para importações e 233.636 m² de armazéns para exportações; 27.055 m² de pátios para serviços gerais; 25.000 m² de armazéns para inflamáveis; 7.896 m³ de câmaras frigoríficas; 201.682 m³ de tanques para combustíveis líquidos; silos para 30.000 toneladas de trigo a granel; 1.900 metros de esteiras transportadoras; 128 guindastes; seis empilhadeiras e seis embarcadores com capacidade para 2.000 sacas por hora. Dados do ano seguinte acrescentavam que o porto possuía: rebocadores, ferry-boats, dragas, lanchas, locomotivas, tratores, vagões, oleodutos e veículos diversos para as operações de carga e descarga na faixa do cais.

                       
Militares no porto em 1949, quando os estivadores recusaram embarcar café para a Espanha do ditador Franco

Os números enfatizavam a tônica de investir com recursos próprios que marcou os cerca de 60 anos iniciais da CDS. Mas, o crescimento da inflação, logo depois da guerra, tornou praticamente impossível a captação de novos capitais privados para investimentos sujeitos ao teto de renda contratual de 10% ao ano. A moeda desvalorizava-se de acordo com índices superiores ao rendimento legal permitido para o investimento portuário. Assim, os investimentos privados diminuíram sensivelmente neste e em outros setores, dificultando a expansão do porto. Como continuava havendo necessidade de tais investimentos, o governo federal instituiu, em 1945, receita especial transformada em 1958 na Taxa de Melhoramento dos Portos (TMP), ao mesmo tempo que também criou o Fundo Portuário Nacional. Mesmo mantendo-se elevada a participação dos recursos próprios da CDS nos investimentos, os recursos extras permitiram a ocorrência de importantes transformações: o porto foi reaparelhado, o cais ampliado para 6.259 metros e o tráfego incrementado.
A exportação de café, em declínio desde o início da Segunda Guerra Mundial, registrou o embarque de 12.799.957 sacas em 1946, recorde apenas inferior ao de 1909. Em 1954, o movimento geral do porto foi de 8.367.262 toneladas, o dobro do registrado dez anos antes.

[06] - Combustíveis – A fase seguinte, de 1955 a 1968, é marcada pelo incremento na movimentação de derivados de petróleo, em função do surgimento das refinarias Presidente Bernardes (Cubatão) e União (Capuava). Os granéis líquidos acabaram dominando o tráfego do porto santista, tendo o petróleo e seus subprodutos causado um incremento de 98% na tonelagem movimentada em Santos.
Se os granéis líquidos tinham em 1950 uma participação de pouco mais de 24% no movimento geral, em 1957 esta já era de 47,73% e, em 1963, de 60,66%. Ao mesmo tempo, a diversificação de cargas aumentou com o incremento da industrialização do país e particularmente de São Paulo.
Além disso, foi construída densa rede de rodovias asfaltadas na hinterlândia (zona de influência econômica) do porto santista, destacando-se ainda o aumento de tráfego de veículos automotores e particularmente a instalação, a partir de 1957, da indústria automobilística no planalto paulistano. A própria industrialização obrigou a um natural aumento das aquisições no exterior dos implementos para a instalação de novas indústrias (refinarias e petroquímicas, hidrelétricas, siderúrgicas, automobilísticas etc.).

Ao lado desta aparelhagem componente da carga geral importada pelo parque fabril paulistano, haveria também um acréscimo nas importações de granéis sólidos em função da própria indústria, do aumento da população, do seu nível de vida e do desenvolvimento das técnicas agrícolas.

Curiosamente, nesta fase começou uma deformação importante da matriz de transportes do país, com influência direta no porto: a construção de rodovias provocou o declínio da navegação de cabotagem de carga geral, e assim os produtos industriais paulistanos destinados a outras áreas do país, em produção crescente, registraram no entanto declínio na movimentação por Santos.

Refletindo entretanto a industrialização paulista, a aparelhagem mecânica móvel introduzida em larga escala nessa fase incrementou enormemente o seu tráfego, elevando seu coeficiente de utilização do cais a mais de mil t/m/ano. Em 1940, a aparelhagem mecânica ainda era relativamente modesta no cais santista, mas, vinte anos depois, tinha crescido sensivelmente.

Num cais que em 1968 atingiu 7.034 metros, o número de vagões – que não ultrapassava 180 nos anos 40, atingiu mais de 400; os veículos automóveis passaram de 60 para mais de 300; o material flutuante e de dragagem passou de pouco mais de 40 unidades para 110. A capacidade de movimentação de carga pelos guindastes elétricos, desde que os hidráulicos desapareceram a partir de 1960, passou de 0,45 mil t em 1940 para 1,0 mil t em 1960; quanto às empilhadeiras automóveis, inexistentes em 1940, atingem 270 unidades em 1960.

Quanto aos armazéns, verifica-se a tendência para construções em grande área e em menor número de unidades; outra evolução importante é na construção de tanques: passou de apenas 24 depósitos, com capacidade para cerca de 120 mil m³, em meados da década de 1940, para 91 tanques, com capacidade para mais de 400 mil m³, em meados da década de 60.

[07] – Novo cais – A sétima fase, de 1969 a 1976, começa com a criação da Comissão Orientadora de Serviços Portuários de Santos (Coseps), em 1969. Um dos primeiros problemas enfrentados pelo novo órgão foi o do congestionamento do porto (que já vinha ocorrendo desde o início da década de 60, ora devido a problemas trabalhistas com os operários do porto, ora pelo próprio movimento excessivo de navios).

Além de reduzir o custo operacional – aumentando a produtividade e fixando condições de eliminar as sobretaxas -, a Coseps construiu uma faixa de cais maior do que a feita em todos os 60 anos anteriores, novos armazéns e pátios para volumes pesados, desenvolvendo ainda programas de dragagem e reaparelhamento. O comparativo de 2.314 metros de cais construídos nos 60 anos anteriores, com os 3.812 m de cais construídos a partir de 1969, é bastante expressivo.

O conjunto dessas medidas, combinadas com a execução do Programa dos Corredores de Exportação e as providências de emergência tomadas para a movimentação de contêineres e cargas unitizadas (que então já atingiam movimentos superiores a 2.000 unidades/mês) trouxe ao porto condições excepcionais para um melhor atendimento das importações e exportações do país.

No período de 1972/77, São Paulo registrou forte predominância na exportação de produtos industrializados, pelo longo curso, com quase 50% em valor e 30% em quantidade, em relação ao total nacional do período. No setor de manufaturados, essa participação chegou a 60% em valor e 40,5% em quantidade.

Observe-se que até 1968 praticamente a totalidade das exportações era via porto de Santos. No decurso dos anos 70, diminuiu sua participação no total das exportações paulistas, atingindo cerca de 87,2% em 1976, mas isso em razão do aumento da participação das exportações aéreas, que nesses período passou de 1,3% para 7,5% em relação ao total exportado pelo estado de São Paulo. Isto ocorreu pela expansão em certos tipos de carga de pequeno volume e alto valor específico (como jóias), ou de alta perecibilidade (flores), que não se coadunavam com o transporte marítimo.

Nas importações, até o período 1964/68 o porto de Santos respondia pela quase totalidade das compras paulistas, tendo diminuído sua participação exclusivamente pela entrada em funcionamento do porto estadual de São Sebastião, que praticamente monopolizou as importações de petróleo do estado com destino à refinaria de Cubatão, a partir de 1974. As importações por via aérea no estado de São Paulo cresceram bastante de 1964 a 1973, quando participaram com 12,8%, caindo um pouco nos anos seguintes.
A participação de São Paulo nas importações do país, que correspondia a 51,1% no período de 1964/68, elevou-se, após algum declínio, a 56,1% em 1974 e 54,7% em 1975. Mas Santos não acompanhou esse crescimento, decrescendo de 48,2% (1964) para 33,4% (1975) do total das importações brasileiras.

[08] – Fim da concessão – A fase 1977/80, de rápido aumento na quantidade de cargas movimentadas, foi marcada principalmente pela transição no controle do porto. Em 1977, começava a construção do Terminal de Contêineres da Margem Esquerda do Porto (Tecon), por meio da Empresa de Portos do Brasil S.A. (Portobrás), entregue em 1981. Enquanto isso, nos demais setores, houve queda nos investimentos, na fase em que estava sendo constituída a Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), para assumir, a 7 de novembro de 1980, o controle da administração do porto, em substituição à CDS, que passou a se dedicar a seus negócios em outros setores da economia, com o fim da concessão imperial.

A própria filosofia administrativa sofreu alterações, devido a pressões tanto da comunidade marítima nacional como das autoridades do setor econômico internacional, introduzindo-se de forma considerada ainda rudimentar alguns conceitos do sistema port authority – a criação do Conselho Especial de Usuários e do Conselho de Administração do Porto.

Ao encerrar sua participação na história do porto, a CDS registrava um total de aproximadamente 379,5 milhões de t de carga movimentada em toda a sua história, e um complexo portuário com 11.837 metros de cais, 32 armazéns externos e 21 internos, 23 pátios internos cobertos e vários pátios externos, várias instalações especializadas, usina de força própria (a de Itatinga, única ainda em funcionamento no mundo pertencente a um complexo portuário), ferrovia interna, embarcações diversas, complexo sistema de telecomunicações, de processamento de dados e de microfilmagem. Além disso, uma força de trabalho de 13.357 funcionários, fora os trabalhadores indiretamente vinculados à atividade portuária.

A sucessora de Gaffrée, Guinle & Cia. já era então uma holding classificada em 53º lugar na escala de importância dos grupos econômicos brasileiros, participando do capital acionário de empresas diversas (coligadas e controladas), como imobiliária, agropecuária, informática e telecomunicações, bancos etc.
[09] - Contêineres – O dia 30 de agosto de 1981 marca de certa forma o início de uma nova época na história do porto, pois a movimentação de contêineres, sensivelmente em crescimento na década de 70, passou a se elevar cada vez mais nos anos 80, a partir da inauguração naquela data do terminal de contêineres do porto. Os efeitos da conteinerização progressiva das cargas transformaram a paisagem da região, com o surgimento de terminais retroportuários especializados e o uso de todos os terrenos vazios disponíveis como depósitos de contêineres.

 Também o trânsito se modificou, com o surgimento dos veículos especializados em transporte de contêineres, e até de um viaduto especial para a ligação das estradas às vias portuárias.

[10] – Novas obras – Os anos 90 serão marcados por outra radical transformação no complexo portuário santista. Transformação física e de mentalidade. A injeção maciça de recursos – do Adicional à Tarifa Portuária (ATP), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), investimentos japoneses do chamado Fundo Nakasone e investimentos próprios da Codesp – trará nos próximos cinco anos diversas obras, como a ampliação do Terminal de Contêineres, construção do cais Valongo-Paquetá, obras no Terminal de Fertilizantes etc.

A mudança de mentalidade, em busca de eficiência e redução de custos, também já é sentida: hoje o porto conta com cerca de 7.800 empregados, número que deve se reduzir ainda mais; vem buscando atrair cargas, com o apoio da iniciativa privada – como no caso dos convênios de utilização do Corredor de Exportação para produtos cítricos e soja, que já registram crescimentos de movimentação; vem investindo em informatização, telemática e equipamentos, e procurando dar mais condições de atuação à iniciativa privada, ficando a Codesp cada vez mais no papel de administradora do complexo na forma macro, deixando de participar diretamente do controle das operações.

Adendo de atualização: Foi mantido o texto original. Em 1992, quando foi escrito, debatia-se ainda, há mais de um ano, o esboço da Lei de Modernização dos Portos, que só foi sancionada e entrou em vigor (como lei 8.630/93) em 26 de fevereiro de 1993, abrindo o caminho para a privatização dos serviços e para a mudança no sistema de trabalho vigente nos últimos 60 anos. Mesmo essa transição não foi pacífica, ocorrendo resistências que retardaram a aplicação da lei por vários anos, tanto que em 1998 o sistema preconizado pela lei 8.630 não foi completamente implantado.

A lei previa a passagem dos serviços portuários para a iniciativa privada, e foi assim que Santos ganhou, há cerca de dois anos, o Terminal 37, mantido pelo grupo armador Libra, com grandes investimentos em modernização dos equipamentos. Outras áreas estão - neste ano de 1998 - passando pelos trâmites de licitação para a privatização dos serviços (note-se que o terreno do porto pertence à União e não pode ser alienado, como preceitua a Constituição).

A maior parte da mão-de-obra operacional da administradora do porto, a Codesp, já passou da condição de empregada de uma empresa de economia mista (com 98% do capital em mãos do Governo Federal) para a de trabalhadores avulsos, com registro no Órgão de Gestão de Mão-de-Obra Portuária do Porto de Santos (Ogmo/Santos), da mesma forma que os trabalhadores avulsos foram inscritos nesse mesmo órgão. O OGMO tem uma direção colegiada entre trabalhadores, empresários e governo e foi criado a partir da lei 8.630 para prover o suprimento de mão-de-obra para as atividades portuárias, seguindo diretrizes fixadas pelas negociações entre os sindicatos patronais e trabalhistas, especialmente os acordos coletivos de trabalho assinados entre as partes.

Quanto aos investimentos, a crise econômica nacional levou o governo a se retrair, nisso ajudado pela indefinição durante vários anos quanto ao processo de privatização do porto. A ampliação do trecho Valongo-Paquetá, com o avanço do cais até 180 metros sobre as águas do estuário, retificando a linha dos atracadouros, acabou sendo paralisada pouco depois do início das obras, que deveriam ficar concluídas em oito anos.

No momento, a expectativa é quanto ao término do processo de privatização, definindo as condições de competição entre os detentores de terminais e consequentemente os investimentos a serem feitos. Isso não impediu que o crescimento da conteinerização das cargas levasse ao surgimento e à ampliação de importantes instalações na chamada retroárea do porto (como os terminais retroportuários alfandegados, os pátios de movimentação e estocagem de conteineres e cargas, instalações para reparo de conteineres e outros serviços), expandindo as atividades relativas ao porto até mesmo a pontos mais distantes, como os bairros da Zona Noroeste de Santos e toda a região próxima ao complexo rodoviário Anchieta-Imigrantes.

NOVO MILÊNIO

Para ler o texto integral com adendos

http://www.novomilenio.inf.br/porto/portoh01.htm




20/03/2023

OGMO DIPLOMA 47 NOVOS CONSERTADORES

Formação foi realizada pelo Centro de Excelência Portuária de Santos (Cenep)

Jornal da Orla-OGMO

O Órgão de Gestão da Mão de Obra do Porto de Santos (OGMO) diplomou 47 trabalhadores, em evento realizado na sexta-feira (17). Entre eles uma mulher: Nathália Conde Moretti Simões, que recebeu o certificado o certificado de conclusão de curso representando todos os novos portuários avulsos da categoria de consertadores.

“A realização do processo seletivo privado para a categoria de consertadores foi um marco na história do OGMO/Santos. Trata-se de método transparente e isonômico promovido com base em regras definidas através de convenção coletiva de trabalho assinada pelo SOPESP e pelo Sindicato dos Consertadores”, diz o diretor executivo do OGMO/Santos, Evandro Schmidt Pause.

Nathália Conde Moretti Simões, que recebeu o certificado o certificado de conclusão de curso representando todos os novos portuários avulsos da categoria de consertadores.

Conduzido pelo Instituto de Desenvolvimento e Capacitação (IDCAP), o encerramento do processo seletivo se deu no dia 7, com o término do curso de formação que foi realizado pelo Centro de Excelência Portuária de Santos (Cenep) e contou, inclusive, com aulas práticas, ministradas por trabalhadores experientes da categoria dos consertadores inscritos no OGMO/Santos.

A diplomação contou com a participação de representantes de entidades empresariais e sindicais, entre eles o presidente do Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo (Sopesp), Régis Gilberto Prunzel; os vice-presidentes do Sopesp, Leonardo Felix Ribeiro e Marcelo Patrício; e o diretor executivo, Ricardo Molitzas; o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil subseção de Santos, Raphael Meirelles; o presidente do Sindicato dos Consertadores, Sérgio Roberto Hernandes Gomes; o presidente do Sindicato do Sintraport, Claudiomiro Machado; presidente do SINDOGEESP, Guilherme do Amaral Távora; o diretor do Instituto de Desenvolvimento e Capacitação (IDCAP), Gustavo Sagrillo.

“Em nome de toda equipe do OGMO/Santos gostaria de parabenizar os novos trabalhadores portuários avulsos da categoria dos consertadores, desejando sucesso nesta nova etapa de suas carreiras profissionais”, disse Evandro Pause.

 



MULHERES NO PORTO


Número de mulheres aumenta quase 65% no Porto de Santos, diz estudo

Apesar de a média salarial ter subido, mulheres ainda ganham cerca de 15% menos que os homens. Análise foi realizada pelo Centro de Inteligência de Mercado da Strong Business School.
Por Mariane Rossi, g1 Santos. 08/03/2022 . Foto: Strong Escola de Negócios.



Um levantamento aponta que a presença da mulher no Porto de Santos, no litoral de São Paulo, aumentou cerca de 65% na última década. Os resultados mostram que a participação feminina não apenas cresceu, mas elas também estão mais qualificadas, e ganhando mais. Ainda assim, as mulheres ainda sofrem desvantagens em relação aos homens no setor portuário.

A análise foi realizada pelo Centro de Inteligência de Mercado da Strong Business School, órgão que estuda índices de preços e mercado pela Strong Escola de Negócios. A pesquisa foi comandada por Luciano Schmitz, professor de sociologia da Strong Business School e coordenador do CIM, com o auxílio de Leonardo Marques, aluno do curso de administração da Strong e estagiário do CIM.
Os pesquisadores tomaram como base dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, referentes a 2020. A plataforma traz informações sobre o perfil do trabalhador formal.

“Conseguimos fazer um recorte dos trabalhadores da atividade portuária. Dentro dessa base enorme, conseguimos fazer um recorte por sexo, escolaridade, idade e, inclusive, por funções”, explica Schmitz. Eles fizeram uma análise do período de 2011 a 2020. “Analisamos ano a ano, e fomos percebendo que, a cada ano, a mulher foi conquistando espaços cada vez maiores nas atividades portuárias”.
Presença no Porto
No período estudado, a quantidade de homens trabalhando no Porto de Santos subiu de 4.930 para 7.021, uma alta de 42,21%. O número de mulheres, por sua vez, subiu de 764 para 1.260, alta de 64,92%.

Com base nos dados, pode-se afirmar que a participação feminina no Porto teve um crescimento superior à masculina em 53,07%. “Esse número deve estar ainda maior agora”, diz ele, já que não foram considerados os dados de 2021 e 2022.


Operação realizada para rastrear produtos perigosos no Porto de Santos  — Foto: Divulgação/Ibama
Salário

A média salarial dos homens subiu de R$ 3.484,84 para R$ 5.593,07, uma alta de 60,5%. A média salarial das mulheres, por sua vez, subiu de R$ 2.765,19 para R$ 4.888,43, alta de 76,78%.

Apesar do aumento superior, a média salarial feminina continua cerca de 15% menor que a dos homens. “Elas ganham um pouco menos, embora estejam em uma alta, em uma ascendência, em um caminho de alta para, em algum momento, igualar em relação ao homem”, analisa Schmitz.

Qualificação

A pesquisa analisou, também, a qualificação dos trabalhadores no Porto de Santos. Segundo o levantamento, o número de trabalhadores que se encontram cursando ou que já concluíram alguma graduação subiu de 22,22% para 31,22%.

Desse total, 17,99% eram homens em 2011, e esse número subiu para 25,08% em 2020. Em relação às mulheres, em 2011 elas representavam 49,48% dos trabalhadores portuários que estavam cursando ou haviam concluído alguma graduação no Ensino Superior. Em 2020, esse número subiu para 65,4%, mesmo sendo minoria no Porto (15,22% dos trabalhadores em 2020).

Ocupações

As profissões mais comuns, tanto para homens como para mulheres no Porto de Santos, são assistente administrativo (772) e estivadores (529).

Os homens, que são predominantes no Porto (86,44% dos trabalhadores em 2020), também aparecem em empregos ligados à área operacional, como operador de empilhadeira, conferente e armazenista, funções que contam com uma menor qualificação.

Sendo minoria no Porto de Santos (15,22% dos trabalhadores em 2020), as mulheres demonstram terem se inserido nesse meio com maior qualificação, uma vez que 65,4% delas haviam pelo menos ingressado no Ensino Superior. As trabalhadoras do cais santista atuam em diversas áreas, mas principalmente no setor administrativo, como administradoras, contadoras, analistas de recursos humanos, técnicas em atendimento e vendas, entre outros.

“Como a mulher, hoje, tem uma qualificação melhor, ela consegue uma posição dentro do Porto melhor, também. Uma questão que chamou bastante atenção é que, com o emprego da tecnologia, ela foi a menos afetada pela transformação. Na hora de substituir, a mulher não está sendo escolhida. Talvez isso seja por conta da qualificação”, comenta o pesquisador.

Mais espaço para elas

Para o professor de sociologia, com esse estudo, foi possível se chegar a duas conclusões. O avanço de movimentos sociais a favor da mulher e a busca por mais qualificação e espaço no mercado de trabalho têm levado a uma maior participação da mulher nas atividades portuárias. Porém, ainda há desvantagens evidentes em segmentos dominados pela presença masculina.

“Existe, ainda, uma desvantagem da mulher no mercado de trabalho, em termos salariais, nas posições na estrutura da organização. Mas, eu acho muito interessante ressaltar o fato de as mulheres estarem entrando em locais que, até então, eram muito marcados pela força masculina. Isso talvez esteja acontecendo em outros setores onde o homem era predominante. Agora, está havendo um movimento de equidade, de promoção da igualdade de gênero. Isso é importante, e a atividade portuária é um reflexo disso”, conclui.



*

A FUNDAÇÃO DA VILA DE SANTOS -1545- E A GENEOLOGIA PAULISTA  


CALEB FARIA ALVES


Comecemos com uma descrição desses três painéis pela tela central, A Fundação da Villa de Santos - 1545 (Ilustração 1), o mais complexo do conjunto por causa dos vários dados históricos que evoca. Inicialmente chama-nos a atenção o fato de que Santos se apresenta como vilarejo já razoavelmente desenvolvido, com um certo número de construções, ou seja, Calixto apresenta Braz Cubas, o conhecido fundador da cidade, mais como propulsor oficial do que já existia do que como um fundador propriamente dito. Um segundo ponto em evidência é a confirmação da edificação da Igreja da Misericórdia por parte de Braz Cubas, representado pelas obras em destaque no segundo plano da tela. As outras edificações são: à esquerda dessa igreja, a Casa do Conselho, e à direita, mais ao fundo, a capela de Santa Catarina, construída sobre o outeiro do mesmo nome por Luiz Góes e sua esposa, d. Catarina de Aguilar.
Observando o painel da esquerda para a direita vemos os seguintes personagens: no alpendre da Casa do Conselho e na escada que leva ao pátio estão os "homens bons na vereança" e fidalgos da época. No pátio, ao pé da escada, vemos lanceiros e alabardeiros, e logo atrás desses um grupo de personagens, que se estende até o lado esquerdo de Braz Cubas, composto pelos primeiros governadores das capitanias de São Vicente e Santo Amaro: capitão Antônio de Oliveira, capitão Gonçalo Afonso, capitão Jorge Ferreira, capitão Antônio Rodrigues de Almeida, capitão Francisco de Morais Barreto etc., e também pelo primeiro juiz pedâneo da cidade, Pedro Martim Namorado, e pelo juiz Cristovão Aguiar Altero.
Os religiosos que aparecem em frente ao pelourinho são o pároco Gonçalo Monteiro, e ao seu lado os dois franciscanos que fundaram a primeira igreja de Santo Antônio em São Vicente. Mais à direita na tela, segurando um livro, está o escrivão e tabelião Pedro Fernandes, irmão de Pascoal Fernandes. Em seguida figuram vários dos primeiros povoadores de Santos: vemos Luís de Góes pousando a mão direita sobre o ombro de seu filho, Serapião de Góes, e ao lado dele Pascoal Fernandes e Domingos Pires; as damas, atrás desse grupo, são: d. Catarina de Aguilar, mulher de Luiz Góes, e outras matriarcas da genealogia paulistana; e à sombra do velho ingazeiro "Iguassu", está sentado "mestre Bartholomeu", e de pé, o seu filho.
Os povoadores do planalto estão representados através dos personagens em segundo plano no lado direito. Em destaque aparece João Ramalho e a seu lado o "almotacéu de São Vicente", Antônio Rodrigues, sua mulher, filha do chefe índio Piquerobi, e sua filha, Antônia Rodrigues, que casou com Antônio Fernandes. Os índios que aparecem em ambos os lados do painel são, na esquerda, prestando tributos e trazendo oferendas nativas, índios tupis e guaianazes; no lado direito, ainda presos ao trabalho escravo, segurando apetrechos de trabalho, os índios carijós. As demais figuras que aparecem no fundo são fidalgos, mulheres e operários [5].
É evidente a preocupação de Calixto com a genealogia paulista nesse painel, pois não se trata de um público qualquer, mas de uma rica descrição da composição social da vila, das famílias e suas descendências e da sucessão do poder político, religioso e administrativo. Há ainda um outro elemento no qual Calixto empenhou seus conhecimentos históricos sobre as famílias vicentinas: o friso que emoldura o painel. Nos quatro cantos deste, ele destaca o nome de quatro donatários e de suas respectivas donatarias: no canto superior esquerdo podemos ler o nome de Martim Affonso de Souza e da Capitania de São Vicente; em segundo lugar, no mesmo lado, no canto inferior, aparece o nome da condessa de Vimieiro e da Capitania de Itanhaém; no canto superior direito, o marquês de Cascaes e Capitania de Santo Amaro; e, abaixo dele, no quarto canto, o marquês de Aracaty e Capitania de São Paulo.
A ordem de leitura, começando por Martim Affonso, é a mesma da sucessão de posse e de nomenclatura das terras às quais pertenceu a cidade. Os vários nomes das capitanias, portanto, sugerem que as terras originais de Martim Affonso receberam denominações distintas ao longo do tempo. Esse dado parece estranho se atentarmos para o fato de que ao tempo da condessa de Vimieiro, herdeira de Martim Affonso, existiu uma outra capitania com o nome de Capitania de São Vicente, possuída pelos descendentes de Pero Lopes, dando a entender que ela herdou as terras e outros herdaram o nome da capitania, e mais estranho ainda porque o marquês de Cascaes se auto-intitulava donatário da Capitania de São Vicente, e não de Santo Amaro, contrariamente ao que Calixto indica no seu painel.
Essa sucessão aparentemente estranha se explica pelo fato de que Calixto acreditava que os descendentes de Pero Lopes, entre eles o marquês de Cascaes, donatário da Capitania de Santo Amaro, vizinha ao Norte à de São Vicente, haviam usurpado os direitos dos legítimos descendentes de Martim Affonso, entre eles a condessa de Vimieiro.
A condessa por várias vezes impetrou recursos nos tribunais da época para reaver seus direitos e foi bem-sucedida em várias ocasiões, recuperando temporariamente os direitos sobre Santos. Porém o marquês sempre conseguia reverter a situação a seu favor e reaver a posse das terras. Os subterfúgios utilizados pelo marquês foram: contestar os marcos originais de delimitação territorial das capitanias; contestar a legitimidade da linhagem dos descendentes de Martim Affonso, uma vez que entre os mesmos se encontrava um membro bastardo; e aliciar os membros das câmaras, do governo geral, e o próprio rei, a seu favor.
O marquês defende, num processo contra a condessa, que a ilha de São Vicente, citada originalmente como limite ao Norte da donataria de Martim Affonso, é a ilha conhecida hoje como Ilha Porchat, também chamada à época de Ilha do Mudo, e que divide as baías de Santos e São Vicente, municípios vizinhos localizados na mesma ilha de São Vicente. Consegue o marquês, assim, incluir Santos em suas propriedades, reduzindo as terras da condessa desse ponto até a Ilha do Mel, hoje porto de Paranaguá. A Capitania de São Vicente continua existindo, mas Santos pertencia agora à capitania vizinha, a de Santo Amaro.
Com o tempo, o marquês teria usurpado também o nome da donataria vizinha, passando a autodenominar-se donatário da Capitania de São Vicente, abandonando a nomenclatura original das terras de seu ancestral (Capitania de Santo Amaro). A condessa de Vimieiro adotou o nome de Capitania de Itanhaém porque transferiu a sua sede para a cidade assim denominada.
Mais tarde, como a Vila de São Paulo havia tomado partido do marquês nas suas disputas, foi recompensada com o título de cabeça da capitania, e esta passou a denominar-se Capitania de São Paulo, e Santos ficou então sob sua jurisdição.
Essa confusão de nomes e limites teria passado desapercebida a muitos historiadores, segundo Calixto, e suas posições causaram certa querela no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Calixto, ao recusar a associação do nome do marquês à Capitania de São Vicente, colocando-o como donatário da Capitania de Santo Amaro, e também a inclusão da condessa na galeria dos donatários ilustres, evidencia uma situação de ilegitimidade, de injustiça.
Esta situação contrasta com a perfeita ordem do momento da fundação da cidade, quando tudo parece em completa harmonia. O momento da fundação transcorre numa celebração que faz transparecer a hierarquia de autoridade na vila, que pode ser lida nos cargos dos personagens dispostos em seqüência de subordinação, da esquerda para a direita, inicialmente os vereadores, em posição mais elevada, no alpendre, depois os capitães e os juízes, em seguida os povoadores, pairando à frente de todos o capitão-mor, Braz Cubas, e os religiosos.
Aqui e ali figuram ainda fidalgos e outros povoadores de menor importância, e os soldados. A presença no mesmo grupo dos ex e futuros capitães de ambas as donatarias sugere uma convivência e sucessão pacífica, reforçando a presença da ordem pública com o seu reconhecimento e respeito por todos. Esse momento teria sido seguido por outro de instabilidade no que diz respeito à ordem pública, conforme as figuras no friso o sugerem.
O painel pode ser visto, assim, como um empenho de Calixto no sentido de recuperar a verdadeira linhagem santista e paulista, o papel histórico legítimo dos herdeiros de Martim Affonso, e também como uma denúncia da usurpação dos direitos desses descendentes com conivência do poder real.
Uma das provas mais evidentes desses fatos, segundo Calixto, era justamente a obediência desses primeiros povoadores e seus descendentes ao tronco genealógico de Martim Affonso, através da incontestável aceitação da autoridade de Braz Cubas, capitão-mor de Martim Affonso, desconhecendo os povoadores e demais autoridades de Santos qualquer obediência aos descendentes de Pero Lopes [6].

Porto de Santos em 1822 e 1922: a paisagem urbana


               
Porto de Santos em 1822. Benedito Calixto, reprodução edição da Fundação Pinacoteca Benedicto Calixto, agosto de 2002, Santos/SP

Comparando os três painéis, percebemos que a rica composição de personagens, presente na cena central, contrasta incrivelmente com a absoluta ausência de qualquer figura humana, ou de qualquer indício de atividade nos painéis laterais. O meio físico é isoladamente destacado frente ao social, e este último é representado em primeiro plano em relação às construções apenas no painel central. Calixto parece querer salientar que o meio faz o homem, apresentando um encadeamento entre um elemento inicial, a terra, um segundo, o homem, e, finalmente, as edificações por ele construídas.
Esse meio está mais detalhado nos dois painéis laterais e sua análise revela a relação proposta por Calixto entre os homens e a natureza. O primeiro deles (Ilustração 2) apresenta uma composição bastante rara no que diz respeito à divisão entre água e terra. Geralmente, os paisagistas escolhem ou o ponto de vista próximo ao espelho d'água, descortinando no horizonte a faixa litorânea, ou a perspectiva oposta, de uma localidade elevada os olhos descansam montanha ou cidade abaixo até encontrarem o mar.
Calixto pinta uma porção de terra, outra de água fluvial, mais uma de terra insular, e o mar ao fundo, só então o céu desponta. A própria porção de terra de onde se avista a paisagem é uma ilha.
Poucos retrataram, de um ponto de vista elevado e frontal, o encontro da água com a terra numa cena litorânea, nessa ordem, com o porto e as grandes naus à frente. Esse ponto de vista permite que se dê um grande destaque para o traçado urbano da cidade de Santos. A costa da ilha de São Vicente é bastante regular e paralela aos limites superior e inferior da tela, dando quase a idéia de um retângulo encimado por alguns pequenos montes.
O traçado das ruas, quase todas paralelas, com poucas vias sinuosas, e também os percursos das águas e dos caminhos que atravessam a ilha, apontam, de maneira simétrica, para o horizonte, para o ponto de fuga da tela. A extrema regularidade das linhas é quebrada pelos montes, pelo pequeno pedaço da Ilha de Santo Amaro ao fundo à esquerda, e pelos acessórios postos na mesma direção (a vegetação em primeiro plano à esquerda da paisagem).
Para a paisagem à direita (Ilustração 3) Calixto escolheu um ponto de vista diferente e que, exceto pelo porto, pouco lembra uma cidade litorânea. A paisagem é tomada do Morro do Pacheco, na própria ilha. Avista-se dali a face Norte da ilha, com destaque para o canal que aparece do lado esquerdo da tela e dobra à direita mais adiante, passando entre as ilhas de São Vicente e Santo Amaro, ao encontro do mar, formando um "L" de cabeça para baixo. O mar, à direita do ponto que estamos, não aparece. Alguém que desconhecesse a cidade de Santos e visse a cena provavelmente suporia tratar-se de um porto fluvial.
Do lado direito, aparecem novamente acessórios em forma de vegetação, uma árvore mais alta e uma porção de terra descendente da direita para a esquerda. Simétrico, porém invertido, ao acessório da paisagem Santos em 1822, no outro extremo.
Se examinarmos cuidadosamente o traçado urbano de Santos nessa segunda paisagem urbana, verificaremos que a cidade parece planejada. Os quarteirões são incrivelmente simétricos, salvo poucas exceções. Entre os edifícios há dois que se destacam, a catedral e o palácio da Bolsa do Café. Fora isso, o único elemento que sugere alterações na representação é o próprio porto e seus armazéns. É uma cidade linear, serena, com quarteirões perfeitamente dispostos como num tabuleiro de xadrez.
Estes três painéis são ladeados por um friso onde estão desenhadas figuras de aves brasileiras e, nos cantos, emblemas e frases. Os desenhos das aves lembram os registros que os viajantes faziam da nossa fauna, numa espécie de inventário de animais, e as frases têm evidente inspiração positivista. Começam na esquerda com "trabalho e ordem" e finalizam na direita com "evolução e progresso".


O PORTO E A VILA DE SÃO VICENTE 



















DANIEL PARISH KIDDER*
Prosseguindo viagem, ancoramos em Angra dos Reis por volta do meio-dia. Foi este o nome originalmente dado por Martim Afonso de Sousa à ampla e esplêndida baía em cuja barra está situada a Ilha Grande. Esse primitivo colonizador, conhecido na história como o primeiro donatário que tomou posse de sua capitania no Brasil, percorreu, em 1531, toda a costa do país até o rio da Prata, denominando os lugares por onde passava, de acordo com os dias em que neles tocava. 
A despeito de muitos desses portos e ilhas terem sido anteriormente descobertos, e, provavelmente denominados pelos seus descobridores, passaram à posteridade com os nomes dados por Martim Afonso, não só devido a que fora ele o colonizador, como também porque os nomes por ele escolhidos, segundo o calendário romano, lisonjeavam os sentimentos religiosos de seus patrícios. 
Tendo esse donatário penetrado na baía de Niterói no primeiro dia do ano, e, pensando tratar-se de um curso fluvial, devido à estreiteza da barra, deu-lhe o nome bastante sonoro, mas, geograficamente inexato de Rio de Janeiro. O sexto dia de janeiro que em inglês chamamos Epifânia, é denominado, em português, o Dia dos Reis Magos, ou simplesmente o Dia de Reis. Isso implica a suposição de que os sábios que visitaram o Menino Jesus em Belém eram reis ou príncipes! Foi nesse dia que Sousa visitou os lugares que acabamos de descrever; daí os seus nomes de Ilha Grande dos Magos e Angra dos Reis. Esta última denominação aplica-se, hoje, principalmente à cidade que fica dentro da baía enquanto que a ilha é simplesmente chamada Ilha Grande. A ilha de São Sebastião e o porto de São Vicente foram denominados de maneira idêntica, nos dias 20 e 22 do mesmo mês.
De Santos, fizemos uma excursão, em companhia de um jovem artista, a São Vicente, o velho porto e capital da província. A distância era de cerca de seis milhas e o caminho nada mais que um trilho serpeando por entre culturas e florestas, e, da mesma forma que muitas outras estradas públicas, fechado de vez em quando com portões particulares. 
Tendo vencido cerca de três quartos da distância, ouvimos distintamente o marulhar das ondas que, entretanto, não podíamos avistar porque o caminho corria em paralelo com a praia. 
Finalmente, saindo do último capão de mato, atingimos uma rua estreita, ladeada por várias casas velhas e abandonadas. Com vinte e cinco ou trinta metros de caminhada, chegamos ao fim dessa rua que se abre para o largo central da vila. 
Em frente estava a igreja de onde partiam dois caminhos: um em direção a um braço de mar, a cerca de 300 metros de distância e outro para a barra, ou entrada do porto, que se vê livremente à esquerda. No ângulo formado por esses dois caminhos divergentes, havia uma velha casa de pedra, não muito diferente dos prédios escolares rurais da Nova Inglaterra, na qual se acha instalada a Câmara Municipal, tendo no porão a cadeia pública com uma janela gradeada, solitária. 
Alguns passos à direita viam-se montes de tijolos sobre os quais antigamente havia diversas cruzes. O madeiro de uma delas marcava ainda o local da igreja de Santo Antônio que caiu em ruínas. 
Próximo a esse ponto conversamos com duas pessoas. Uma delas nos informou que não sabia ler, mas, que havia uma escola no lugar. Demos-lhe então diversas publicações pedindo-lhe que fizesse chegar às mãos de pessoas que por elas se interessassem. Os folhetos foram recebidos com mostras de gratidão, e, a seguir, nos dirigimos para o ponto onde desembarcaram os primeiros povoadores, bem como os que atacaram. 
A praia é belíssima, mas, a entrada do porto está de tal forma obstruída que, nas marés baixas, dificilmente passa uma canoa. Sendo vasante a maré, conseguimos atingir umas pedras distantes onde ficamos por algum tempo em silêncio ou, antes, em interessante colóquio com as águas que se espraiavam e espumavam sobre a areia.
(...) Próximo à praia encontramos uma fonte de água pura, saltitando sobre uns restos de alvenaria e cercada por numerosas lavadeiras que batiam roupa sobre as pedras. Fomos tomar água enquanto o Sr. B. esboçava a paisagem. De volta a Santos, tivemos oportunidade de coligir algumas plantas curiosas que encontramos pelo caminho. Assim terminou uma das mais interessantes excursões que fizemos durante a nossa permanência na província de São Paulo.

*Daniel Parish Kidder (Darien, 1815 – Evanston, 1891) foi um missionário metodista norte-americano. Esteve no Brasil em duas oportunidades, de 1836 a 1837 e de 1840 a 1842, em viagem de propaganda evangélica pelo nordeste e pela Amazônia. Em 1842, com o falecimento de sua esposa, no Rio de Janeiro, regressou aos Estados Unidos. Publicou seus relatos de viagem em Reminiscências de viagens e permanência no Brasil (Rio de Janeiro e província de São Paulo) compreendendo notícias históricas e geográficas do império e de diversas províncias, em 1845.

VALONGO E CENTRO PORTUÁRIO 


FESTIVAL DO CAFÉ EM JULHO DE 2017


FOTOS: VERÔNICA ESQUIVE DUQUE


































A ALFÃNDEGA ATRAVÉS DOS SÈCULOS

PUBLICADO POR NOVO MILÊNIO


Terceira do Brasil, foi fundada em 1550

Para atender às necessidades de controle das mercadorias entradas no território brasileiro e dele saídas, o serviço de Alfândega foi implantado no Brasil logo nos primórdios da colonização, e Santos foi considerada uma localização importante, tanto que a terceira alfândega do Brasil surgiu nesta cidade, ocupando diversos prédios até chegar ao atual, na Praça da República.




Alfândega funcionou já no prédio do antigo Colégio dos Jesuítas. Foto: Indicador Santense - 1912, publicado em Santos/SP por Laercio Trindade.



2003 representa um ano de revitalização para a Alfândega do Porto de Santos. No dia 27 de março, o prédio de três pavimentos, localizado na Praça da República, com 13 mil m² foi reinaugurado, depois de três anos e três meses de reformas (as obras foram iniciadas em 1999). As mudanças foram consideradas um dos mais importantes processos de revitalização realizados no Centro Histórico de Santos.

As intervenções realizadas no imóvel não deixaram de lado os aspectos originais, mesmo com a descaracterização que se encontravam os afrescos e pisos, em razão da ação do tempo. Com cerca de R$ 8 milhões - verba do Governo Federal - foi possível reconstruir seis portões, dois portais e 66 grades em ferro batido, com desenhos de folhas e frutos de café estilizados - concebido pelo serralheiro artístico Puccinelli, há 68 anos. Além destes, também os vitrais, grande chamariz interno do prédio, foram restaurados seguindo as formas originais.

O trabalho buscou tamanha perfeição, que foi contratada a mesma empresa que os fez no passado - a Casa Conrado - para restaurá-los. As mudanças trouxeram ainda mais vigor ao vitral do teto, onde está desenhado um brasão nacional. O ornamento ganhou uma nova iluminação. Também variados tipos de mármores foram empregados em diferentes partes do prédio e afrescos de quatro salas do hall nobre do primeiro e segundo andar foram restaurados. Um destes espaços recebeu o nome de Benedicto Calixto.

Para auxiliar no processo de revitalização, a Prefeitura promoveu a recuperação dos canteiros e jardins localizados na entrada, em frente às vagas de estacionamento. O imóvel - tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (Condepasa) - ainda passou por intervenções em suas redes elétrica, hidráulica e mecânica e em pisos, revestimentos e esquadrias, e ganhou ainda melhorias que facilitam o acesso de pessoas portadoras de necessidades especiais. Construído em 1934, o prédio tem linhas clássicas, em estilo art déco, e possui duas entradas frontais, uma voltada para o Estuário e outra para a Praça da República.

História - Até 1549, as rendas das Capitanias Hereditárias não eram cobradas regularmente, por falta de uma infra-estrutura adequada, por isso, D. João III, rei de Portugal, determinou que se criassem no Brasil tantas alfândegas quanto necessário. Assim, quando Thomé de Souza aportou em São Vicente, em fevereiro de 1553, já encontrou estabelecida a Alfândega construída por Braz Cubas.

Em Santos foi fundada em 1550, pelo provedor-mor da Fazenda Real, Antônio Cardoso de Barros, que também implantara a primeira, na Bahia, e a segunda, em São Vicente. Em fevereiro de 69, a Alfândega de Santos passou a se chamar Delegacia da Receita Federal, mas a antiga denominação ainda vigora nas conversas informais. O primeiro prédio a abrigar a Alfândega santista ficava próximo ao de agora.

Em 1570, com o desenvolvimento do bairro do Valongo, passou a funcionar em um casarão da praia (cais), em frente à atual Rua Riachuelo. Depois esteve em vários outros locais: um barracão na rua que atualmente corresponde à Frei Gaspar; o antigo Colégio dos Jesuítas, na atual Praça Antônio Teles, demolido em 1877; um quartel militar; e um prédio inaugurado em 1880 exclusivamente para seu funcionamento.

Para a construção deste, o Tesouro Nacional firmou contrato em 1876 e os trabalhos foram supervisionados pelo engenheiro Manuel Ferreira Garcia Redondo, o mesmo que construiu o Teatro Guarani. Enquanto era erguido, a Alfândega permaneceu provisoriamente instalada em um armazém da Companhia Docas. Em 1930, tiveram início as obras do edifício atual, que já passou por ampla reforma em 1983. À inauguração compareceram os então ministro da Fazenda, Artur de Sousa Costa, e da Viação (Transportes), Marques dos Reis.

Alfândega

Principal unidade aduaneira do Brasil, é responsável pelo controle fiscal de quase um quarto de todas as mercadorias que entram e saem do País, arrecadando, por mês, R$ 280 milhões.

Nos padrões do ecletismo, com linguagem clássica austera já com influência art-deco, seu prédio de 12.350 m² ergue-se sobre terreno de 2.570 m², revestido de granito no térreo e massa raspada nos outros quatro pavimentos, que contam com mais de 90 janelas. No primeiro andar elas são protegidas por grades de ferro, com desenhos que imitam folhas e grãos de café. As grades repetem-se nos vãos com vergas que levam aos dois átrios - um de frente para a praça e outro de frente para o cais - que se ligam através do vestíbulo.

Em portas, portais e grades gastaram-se 44 mil Kg de ferro, e mais 122 mil Kg na estrutura do imóvel. Um terço do interior recebeu mármores importados da Itália e Espanha. Eles formam estrelas de oito pontas no mosaico do piso do saguão e ganham as pilastras, os alizares das paredes, os degraus, balaústres e patamares do conjunto de escadarias.

Como a reforma feita em 1974 descaracterizou algumas alas do edifício, a atual
obra de restauro respalda-se no fomento que a Prefeitura Municipal vem dando ao turismo, a partir de 1997. Trocou-se por madeira o alumínio das janelas, removeu-se o rebaixamento do teto para exibir as vigas que formam molduras quadrangulares, por vezes ornadas com cimalhas. Também foram recuperados os vitrais de várias janelas e do domo do segundo andar, onde dominam as Armas da República.

Alguns dizem que a primeira Alfândega da Capitania de São Vicente data de 1532. Outros consideram que ela teve início em 1550. O contrabando era uma prática comum: por falta de documentação foi apreendida, no mesmo ano, uma partida de 27 escravos.

Com a expulsão dos jesuítas, em 1759, a Alfândega ocupou o Colégio S. Miguel e, depois, outros imóveis. Novo edifício foi inaugurado em 1870, substituído em 1934 pelo atual, construído pela Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp), que era concessionária dos serviços portuários da cidade.  Praça da República s/nº.



A antiga matriz e o abandonado Colégio dos extintos Jesuítas, onde funcionou a Alfândega, desde 1804 até 1877. Imagem publicada com o texto



CASAS DE ALFÂNDEGA


JÚLIO PREREIRA CALDAS

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Essa história foi contada na edição especial do jornal santista A Tribuna (no acervo do historiador Waldir Rueda) comemorativa do 1º centenário da elevação de Santos a Cidade, em 26 de janeiro de 1939 (a grafia foi atualizada nesta transcrição):

Tomé de Sousa, ao aportar a São Vicente, em fevereiro de 1553, já achou estabelecida a Alfândega construída por Braz Cubas, no local assinalado na planta com a letra S. Nesse mesmo local foi reedificada uma outra, por ordem do provedor-mor Antonio de Barros, conforme provisão que abaixo se transcreve:

"Título de Registro das Provisões, que se passaram de serviço de El-Rei, Nosso Senhor, que tocam a Fazenda de Sua Alteza.

67. - A dezesseis de fevereiro de mil quinhentos e cinquenta e três, passou o provedor-mor uma sua Provisão, por que fazia saber a Braz Cubas, provedor das capitanias de São Vicente e Santo Amaro, que sua Alteza lhe mandavam em seu Regimento, que quando corresse as capitanias desta Costa mandasse fazer em cada uma delas casa para Alfândega, e Contos, e que porver que na dita Capitania de São Vicente era necessário havê-la pela muita necessidade que disso havia, lhe mandava, que a mandasse fazer na Vila e Porto de Santos no lugar e sítio onde já estava, a que então servia da dita Alfândega, as quais serão por essa maneira, a saber: seriam duas casas por baixo da largura de trinta palmos de largo cada uma, e quarenta de comprido cada uma delas, e da mesma compridão e largura seriam também outras duas por cima assobradadas; todas cobertas de telha, e bem emadeiradas, as quais seriam de pedra, e cal, com um tavoleiro entre as ditas casas, e o mar da compridão das ditas casas à maneira de cais, donde se fosse necessário por-se nele artilharia o pudessem fazer, e se faria uma varanda coberta sobre o dito tavoleiro, debaixo da qual pudesse estar a artilharia coberta d'água, e do sol, e que se contratassem os pedreiros à sua avença, e a deles, e não em pregão por serem dois, e parceiros, que havia na dita Capitania, e que o pagamento mandasse fazer das rendas de Sua Alteza, e que por ela mandava ao feitor, e almoxarife do dito senhor, que por mandados do dito provedor, e conhecimentos dos ditos pedreiros fizesse os ditos pagamentos do que lhe fossem obrigados dar pela dita obra, e que os contadores lhe levassem tudo o que assim desse em conta; e que a dita Provisão se registrasse no Livro dos Registros da dita Feitoria para em tempo se saber, como o assim tinha mandado." (Documentos Históricos publicados pela Biblioteca Nacional, vol. XXIV da Série e XII dos Documentos, pág. 423).

O Valongo, por se achar mais próximo do Caminho do Mar, tornou-se o empório comercial da vila de Santos, e para ali mudaram-se o porto e a Alfândega, ficando os Quartéis em completo abandono comercial, residindo num lugar apenas os soldados e alguns sitiantes. A Alfândega passou a funcionar no casarão levantado na praia, em frente ao Beco da Alfândega Velha (letra O); beco que mudando a sua denominação passou a chamar-se Travessa da Banca do Peixe, Rua 11 de Junho e, hoje, Rua Riachuelo, no local onde se acha a Praça Azevedo Júnior.

Mais tarde, a Alfândega foi transferida para um barracão, posteriormente conhecido pela denominação popular do "Consulado" e que era situada na Rua da Praia, a qual, com a mudança da Alfândega para ali, passou a chamar-se Rua da Alfândega Nova, Rua da Alfândega, e depois, Travessa da Alfândega Velha, Rua do Consulado, Beco do Inferno e hoje Rua Frei Gaspar. Estava situada no local onde hoje se acha o Telegrafo Submarino, em frente ao largo Senador Vergueiro (Letra P). Ali funcionou até que se passou para o antigo colégio dos Jesuítas (Letra I).

Contígua à Casa do Conselho havia o padre José de Anchieta mandado construir uma casa para residência dos padres jesuítas.

Mais tarde, não possuindo estes terreno próximo, para aumentar o seu convento, lhes foi doada, em 1585, aquela velha casa e eles aí construíram o Colégio, sob a invocação de São Miguel, o qual teve começo em 26 de maio de 1585.


Tendo sido os jesuítas expulsos do Brasil, foram os seus bens confiscados e incorporados ao domínio do Estado, em virtude da Carta Régia de 19 de janeiro de 1759 e dos alvarás de 25 de fevereiro de 1761 e 28 de agosto de 1767.

O governador Antonio José da Franca e Horta, que foi capitão-general, de 10 de dezembro de 1802 a 11 de outubro de 1811, quando desembarcou na Vila de Santos, procurou conhecê-la e ver o que lhe era necessário fazer, em virtude do seu alto cargo de governador, antes de seguir para São Paulo, sede do seu governo.

Eis o que ele diz sobre a Alfândega: "...achei servir de Alfandega huns Armazens de humas pequenas cazas de aluguer, q'alem de não ter capacidade para o recebimento das fazendas, e sua acomodação, havião habitantes por cima do q'resulta não só o perigo total de algum incendio, como deterioração das fazendas por causa de alguns descuidados dos referidos habitantes, e comtudo se paga de aluguer setenta e seis mil e oitocentos réis annuos...

"Achei q'estava pagando cento e dous mil e quatrocentos réis annuos por aluguer de dous Armazens para o Sal da Fazenda Real. Tudo isto me obrigou a hir com Officiaes averiguar o Collegio dos Extinctos Jezuitas, e combinar com a sua Capacidade estes dous objectos, a cuja averiguação me acompanharão o Juiz de Fóra de Santos, e Administrador do Sal, sendo o resultado o seguinte:

"Acharão-se todas as paredes perfeitamente boas, q'hum lado do mesmo Collegio está com telhados capazes de alguns annos de duração; que os outros dous porem pelo abandono em q'tem estado necessitão madeiras, e nova destribuição nas Cazas superiores, o q'não hé objecto de concideração pela comodidade das mesmas madeiras, e modo de construir neste Paiz as divizoens. Que a Igreja á qual falta telhado, feito q'este seja, com tres gigantes encostados a parede exterior, pode-se sem risco algum assobradar-se, e deste modo haver huma Alfandega excellente, tanto para o tempo prezente, como para o futuro, por mais q'cresça o Comercio.

"Que nelle havião Armazens muito em abundancia para toda a porção de Sal da Fazenda Real q'viesse. Que o Local hé o mais proprio pela sua situação, pois q'de bordo das Embarcaçõens por huma pequena ponte pode rolar para os Armazens, todo e qualquer pezo, q'se haja de Conduzir. Alem do beneficio q'se consegue para a Fazenda Real na acomodação da Alfandega, e Armazens Reaes para o Sal, alcança-se o obviar a ruina daquelle Edificio, como tambem o continuar a haver Armazens para farinhas da tropa, Quarteis para os Generaes poderem estar ali alguns dias sem vexame de algum Snr de Caza, lugar certamente onde acho em razão de Officio se deve rezidir alguns dias para animar, e remediar hum Porto tão digno de ser protegido..." (Ofício do general Franca e Horta a d. Rodrigo de Sousa Coutinho, datado de S. Paulo, em 18 de fevereiro de 1803. Copiado às pág. 11 do Livro 108. Arquivo Público do Estado de São Paulo).

Ainda de Franca e Horta, dirigido a Luís de Vasconcellos, em 26 de outubro de 1804, há no mesmo livro 108, pág. 172, um longo ofício em que se refere às vantagens que apresentava aquele edifício, estando muito bem localizado, à beira d'água, com base suficiente para as embarcações descarregarem à prancha, tendo à sua frente uma praça e ainda uma pedreira dentro, que forneceria a pedra necessária para a obra, deixando lugar para várias acomodações etc. e termina com o seguinte trecho: "A Alfandega fica por todo o mez q'vem acabada, e parte dos Armazens p.a o Sal, achando-se tambem já fora d'agua huma parte do Caes q'foi indispensavel fazer-se, e com grande adiantamento o Hospital p.a os Generaes; alem de m.tos materiaes, madeiras, e ferragens q'se achão prontas e Compradas, pelo q'tenho todo o fundamento de Supor, q'com mais dois até tres Contos de reis de despeza se acabará de completar toda a obra."

Por iniciativa, pois, de Franca e Horta, e sob a direção do coronel João da Costa Ferreira, auxiliado pelo tenente Rufino José Felizardo da Costa, foi o abandonado Colégio dos Jesuítas aproveitado e adaptado aos fins a que fora por Horta destinado.

Assim, a Alfândega foi instalada na parte que fora a Igreja e no restante do edifício foram instalados o Hospital Militar, da Banda de Leste; o Palacete dos Governadores, na ala ocidental e os Armazéns de Sal, provavelmente nos baixos do edifício.



Esta planta localiza as áreas que têm servido de Alfândega desde a primitiva até a atual, excetuando-se, apenas, o armazém externo n. XV da Companhia Docas de Santos que está fora do perímetro abrangido pela mesma, cujo local era mar até 1910.


***

Para melhor localizar os referidos departamentos vou transcrever algo sobre os mesmos:

HOSPITAL MILITAR - "Este Hospital está situado em hum plano horisontal q'hé o mesmo plano da Villa. Dista pouco mais ou menos da borda do Rio sessenta passos. Elle hé huma parte do Convento q'foi dos Jezuitas e duas partes mais são ocupadas, huma pela Alfandega e outra pelo Palacio ou Cazas em q'rezidem os Generaes da Capitania quando alli se achão. Pela parte da leste está o Quartel do Regimento e fica de intervalo o Pateo do mesmo Quartel, q'terá pouco mais ou menos sessenta passos de largo. Este Pateo hé todo aberto para a parte do Rio, e no lado oposto fica hum lado da Matriz, q'forma dous Beccos, hum formado pela parte posterior da Matriz e parte da face interior do Quartel, o qual sae para o campo, e o outro hé formado pela parte lateral da Matriz e parte da face interior do Hospital. Elle tem duas entradas, huma, q'hé a principal, fica no Pateo da Matriz olhando para o Sul e outra para o Pateo do Quartel. Naquelle lado do Pateo, todo aberto da parte do Rio, ha um pequeno Forte onde está a Guarda Principal desta Praça. A porta principal hé a mesma q'servia de portaria aos ditos Padres..." (Relatório dos hospitais apresentado em 16 de abril de 1811 ao sr. conde de Linhares, pelo físico-mór das tropas desta Capitania, João Álvares Tragozo. Pgs. 319 a 322 do vol. XXXI dos Documentos interessantes).

Este hospital, mais tarde, foi anexado à Alfândega, conforme se verifica de um ofício do inspetor desta Alfândega, sr. Antonio Candido Xavier de Carvalho e Sousa, dirigido, em 26 de setembro de 1838, ao dr. José da Costa, inspetor interino da Fazenda Nacional dessa Província, no qual pedia autorização para reparar assoalho de um dos salões da Alfândega, o qual tinha sido do extinto Hospital Militar.

PALACETE - Na ala esquerda era o Palácio dos Governadores, vulgarmente denominado "O Palacete". Na relação dos próprios nacionais enviados ao inspetor da Tesouraria da Fazenda pelo inspetor desta Alfândega, em 24 de setembro de 1838, consta sobre ele o seguinte: "Huma caza de Sobrado denominada palacete com 10 janellas de frente contigua a Alfandega. - Acha-se a 2 annos arrendado a Jeremias Luis da Silva".

Neste palacete estiveram hospedados os dois vultos mais proeminentes da nossa emancipação política: d. Pedro I e Pedro II.

Na madrugada de 5 de setembro de 1822, desceu d. Pedro I de S. Paulo à vila de Santos. Chegado ao porto do Cubatão, onde era aguardado pelas altas autoridades, e várias pessoas da elite santista, tomou as lanchas e às 4 horas da tarde desembarcou no largo da Alfândega Velha, perto do antigo barracão do Consulado; daí, sempre acompanhado do povo que em massa o saudava, seguiu para o palacete, onde foi hospedado. Na manhã do dia 7 regressou a S. Paulo, e, já no alto da colina do Ipiranga, teve o gesto sublime de dar o brado "Independência ou Morte".

O Gabinete Santista de Leitura esteve no palacete até que foi exigido e ataviado para a hospedagem do imperador d. Pedro II, por ocasião de sua primeira visita a Santos, em 18 de fevereiro de 1846, e de então, até 14 de julho de 1848, se conservou a cargo do comandante militar ou destacamento da cidade. Constava o Palacete de pequenos quartos com janelas de grades de pau, dando para a área comum, servindo acidentalmente para hospedar altas autoridades quando se dirigiam à capital, ou regressavam para a Corte. Foi este, por fim, adaptado à Alfândega, cujas obras foram concluídas em janeiro de 1850.

Assim, em 1580, foi todo o antigo edifício do Colégio dos Jesuítas ocupado pelas várias dependências da Alfândega.

O governo imperial firmou contrato, em 1857, com o sr. tenente coronel Candido Annunciado Dias de Albuquerque, pela quantia de 97:461$000, para a construção de uma ponte flutuante para as descargas, bem como para a execução de diversas outras obras no interior e exterior da mesma Alfândega, cujo termo do contrato foi assinado na Diretoria Geral do Contencioso, em 24 de novembro de 1857.

As obras dividiam-se em duas partes. A primeira compreendia a ponte flutuante e a de comunicação com a terra, e dos dois pegões guiadores. A segunda consistia de certas adições ao cais, uma muralha de cercar defronte da Alfândega, o aterro do espaço assim cercado, um rancho para o escaler do guarda-mor, os trilhos de ferro com suas mesas girantes na Alfândega e na ponte, as aberturas nas paredes da Alfândega para a passagem dos trilhos e, finalmente, a demolição do armazém da Alfândega pegado à Fortaleza (provavelmente a Alfândega construída por Braz Cubas) e da ponte velha, tudo conforme os desenhos e plantas delineadas pelo engenheiro Charles Neate.

***

O exercício de 1876-1877 trouxe grandes iniciativas de melhoramentos para o porto de Santos. Assim é que, às 5 horas da tarde do dia 21 de junho de 1876, chegou a este porto o vapor de guerra Lamego, sob o comando do capitão-de-fragata barão de Tefé, fundeando junto à laje submarina dos Outeirinhos.

Trazia o barão de Teffé a incumbência de arrasar dita laje, que era o terror dos comandantes dos navios que demandavam este porto.

Foram consumidos nesse trabalho 160 dias, conforme consta do diário anexo ao relatório apresentado. "A rocha foi perfurada em várias rodadas, conforme a sua elevação, constando as maiores brocas de um metro de profundidade e produzindo os 156 dias de trabalho 98 minas, que, sendo carregadas com pólvora granulosa de artilharia raiada em tubos apropriados, fizeram explosão pela eletricidade. Além das pedras que rolavam para o fundo, foram suspensas 339 lingadas de lajedos e blocos e mais 244 caixões de fragmentos, o que aproximadamente dá, pelas tábuas de Opperman, um peso total de 750 toneladas de pedra extraída".

Foi empregado nesse serviço pela primeira vez o sino hidráulico, o qual, com os demais aparelhos destinados ao arrasamento, foram montados no casco de um iate. O arrasamento completo dessa laje foi executado pela Companhia Docas de Santos, que, para tal fim, inaugurou o sino hidráulico de sua propriedade, em 21 de setembro de 1903. Depois de colocado no local o aparelho, os engenheiros drs. G. Weinschenck, Ulrico Mursa, Victor de Lamare e Gama Lobo fizeram uma descida ao fundo do mar pelo referido aparelho, numa profundidade de 8 m, bebendo uma taça de champanha em regozijo pela instalação do mesmo.

A 12 de outubro de 1876, as destruidoras picaretas da civilização entraram a demolir o vetusto casarão do colégio dos Jesuítas que, desde o começo daquele século, vinha servindo de casa de Alfândega deste porto.

O governo imperial celebrou contrato com o engenheiro dr. Luís Manoel de Albuquerque Galvão, em 7 de julho de 1876, pela quantia de 730:000$000, para a construção do novo edifício destinado à Alfândega, cujos trabalhos foram iniciados naquele dia.

Em relatório apresentado à Assembléia Geral Legislativa, em aditamento ao de 5 de janeiro de 1877, pelo ministro da Fazenda, barão de Cotegipe, referindo-se à Alfândega de Santos, diz ele o seguinte: "...Progridem as obras do novo edifício para esta repartição. Já estão levantadas as paredes principais, e como para o prosseguimento das mesmas obras tornou-se indispensável transferir o expediente para outro lugar, por indicação do respectivo inspetor, pedi e acabo de obter do ministério da Guerra o seu consentimento para instalar a Alfândega provisoriamente no prédio que serve de quartel militar naquela cidade; obrigando-se o ministério a meu cargo a dar cômodo ao comandante e praças respectivas em outro ponto, ou no mesmo prédio, se tiver para isso proporções." (D. O. nº 134, de 13-6-1877).

No Quartel Militar (letra K), portanto, foi instalada a Alfândega, onde funcionou até que se passou para o novo edifício, conforme o ofício que se transcreve:

"N. ...4 (N.E.: trecho inicial do número ilegível por falha de impressão). Alfândega de Santos, 15 de dezembro de 1880.

Ilmo. sr.

Em solução à Portaria dessa Thesouraria, n. 1.349, de 13 do corrente, communico a v. s. que nesta data foi removido para o novo edifício da Alfandega o serviço de expediente e archivo desta repartição.

Deus guarde a v. s.

O inspector
A. L. Mesquita Neves
(Á Thesouraria)."


O prédio inaugurado em 1880, em foto do final do século XIX. Foto: coleção Laire Giraud


Essa Alfândega era de estilo moderno, tendo uma linda fachada para o lado do mar, e outra de bonitas proporções e bastante gosto para o lado da Matriz, onde era a entrada geral para os armazéns e repartições. Tinha, ao todo, sete armazéns para depósitos dos gêneros de importação, um grande salão para as diversas seções do expediente, um arquivo, gabinete da inspetoria, casa forte etc.

A guardamoria funcionava num velho armazém construído sobre os alicerces do antigo Forte de Nossa Senhora do Monte Serrate, o qual foi reformado em 1881, passando esta para o Quartel, de onde se tinha transferido a Alfândega, conforme se depreende dos ofícios ns. 189 e 195, do inspetor da Alfândega, Antonio Ignácio de Mesquita Neves, de 19 e 26 de janeiro de 1881, à Tesouraria da Fazenda, em São Paulo.

O referido Quartel, já reconstruído em 1857, enfrentava para a Rua Braz Cubas, tendo do lado oposto da rua os fundos da Igreja Matriz e o lado esquerdo da Alfândega. Ocupava a área de terreno compreendida desde a Rua Visconde do Rio Branco até a Rua Xavier da Silveira. Era um edifício de tamanho regular, assobradado, com janelas e um portão de entrada no meio, ladeado por dois grandes lampiões, e uma grande área nos fundos.

Além dos armazéns e ponte da Alfândega, havia grande número de pontes e trapiches particulares, mas tudo isso foi se tornando insuficiente, tanto assim que, do relatório apresentado pelo Inspetor desta Alfândega, sr. Leopoldo Leonel de Alencar, ao exmo. sr. dr. Felisberllo Freire, ministro da Fazenda, em 1893, já ele referindo-se às condições do porto, assim se exprime:

"Não existe no Brasil um porto mais curioso do que o de Santos; o recém-chegado, ao entrar no ancoradouro, sente-se, por bem dizer, deslumbrado à vista de tantas embarcações, fundeadas em baía tão pequena para comportá-las; nunca menos de cento e cinquenta navios afigura-se-lhe estar contemplando ao largo, além dos que interceptam a perspectiva da cidade, atracados às pontes e aos cais.

Mais tarde, depois de afazer-se à terra, compreende a causa do seu deslumbramento e apercebe-se de quanto efêmera ela fora; para mais de cem pontões, fundeados aqui e ali, pelo meio das embarcações ativas, como verdadeiros espantalhos, que para nada servem.

Extinta a época durante a qual produziram resultados fabulosos, ficaram ancorados na baía, dificultando a navegabilidade aos navios regulares, procurando uma ou outra vez os respectivos mestres servir de intermediários a contrabandos mais ou menos rendosos, que por felicidade raros chegam a efetuar-se.

Estes pontões são, no mar, um incontestável empecilho ao serviço de fiscalização, visto como interceptam a livre observação do ancoradouro; pode remover-se parte deles para além da ponte da São Paulo Railway Company, mas a maioria, meio submergidos alguns, permanecem em ponto de franquia, sem que a Alfândega possa providenciar a respeito.

Mandá-los para o lugar a que aludi, além da ponte, é impossível por falta de área; enviá-los para o ancoradouro de quarentena fora vedar a entrada do porto às embarcações que demandam-no. O certo é que o limite da franquia ficaria sobremodo aliviado se fossem destruídos os imprestáveis, que são muitos; à Alfândega, porém, não compete providenciar nesse sentido, a não ser que pretenda imiscuir-se nas atribuições da Capitania do Porto.

Antes de assumir eu a inspetoria, esses veículos tinham, além da inutilidade de que mais adiante tratarei, a de servir de residência a famílias inteiras, que permutavam visitas, recebiam-nas de terra, retribuíam a estas quando e às horas que lhes pareciam, gozavam a bordo de todos os confortos, pois dispunham de mobília, fâmulos e criações; eram as famílias dos mestres.

Aos sábados, realizavam elas ruidosas festas, danças - tudo sem que a Alfândega desse a mínima permissão, que não se incomodavam de solicitar; mas, estando os veículos como estavam quase sempre, carregados, com as escotilhas fechadas que era impossível à repartição aduaneira fazê-los revistar diariamente, é óbvio que nas idas e vindas de passeantes conduziriam para terra o que lhes convinha, lesando a seu bel-prazer o fisco e roubando desassombradamente o importador.

Uma das minhas primeiras providências foi pôr termo à moradia de famílias a bordo, só permitindo a dos respectivos mestres, exclusivamente.

Contudo, ao passo que a fiscalização do mar é dificultada pela aglomeração de pontões, em terra ela se torna também difícil, por causa das condições do litoral. Este desenvolve-se na extensão aproximada de dois quilômetros; nas circunvizinhanças da guarda-moria, em distância de seiscentos metros, com ele defrontam pequenas casas comerciais, o que exige duplicada vigilância por parte dos empregados do fisco; para além, segue-se um descampado, ermo de casas com uma ou outra chácara em intercadências, pelo qual, o não merecerem máximo zelo os interesses fiscais, àqueles que têm o dever de defendê-los, fácil será dar passagem a muitos volumes contrabandeados."

Ainda, em 1896, servia de depósito de inflamáveis o pontão Golconda, barco velho e imprestável, tanto assim que, na gestão do inspetor Turíbio Guerra, foram alfandegados os armazéns de propriedade de Benedicto da Silva Carmo, sitos no Itapema, para depósito de inflamáveis, cujas mercadorias ali começaram a ser depositadas em 1º de junho de 1896.

Para se poder avaliar a grande irregularidade por que passou esse importante porto naquela época, basta ler o Relatório do Comissário do Governo, na Alfândega de São Paulo, Luiz R. Cavalcanti de Albuquerque, apresentado ao sr. ministro da Fazenda, em 30 de março de 1896, do qual se transcreve das páginas 52 e 53 o seguinte: "É de pública notoriedade quanto tem ocorrido na Alfândega de Santos, desde 1891, acerca de irregularidades de despachos de mercadorias importadas, e os consideráveis prejuízos ocasionados à Fazenda Nacional, como ao comércio, na época exatamente em que a importação e navegação de longo curso tomaram, inopinadamente, enormes proporções, conforme a estatística de 1890/1893 bem demonstra.


Autorização da Guardamoria para entrada de Mario de Moraes e grupo de visitantes em navio (o transatlântico La Plata), expedida em 14 de setembro de 1950. Imagem enviada a Novo Milênio pela neta Antonia Rodrigues Moraes Oliva Maya, em 5/6/2011


Desarmada inteiramente a Alfândega de Santos para dar vazão ao serviço extraordinário que a surpreendera, por isso que o quadro do seu pessoal era reduzido e os seus recursos materiais se limitavam a acanhados armazéns e recursos compatíveis com o movimento do seu porto, antes disso observado; jamais se poderia prever até onde chegariam as conseqüências do excesso de especulações mercantis e industriais de toda natureza, que se observou naquela época em todo o país como já disse, e tanto se acentuou na praça de Santos, o entreposto do grande e próspero Estado de S. Paulo.

As embarcações de toda classe que afluíram àquele porto, carregadas de mercadorias de diversas procedências, ali permaneceram por longo tempo, perdendo-se algumas, abandonando os carregamentos outras ou descarregando as mercadorias onde bem lhes convinha e as circunstâncias de atualidade permitiam, de sorte que a mais completa desorganização, em todos os ramos do serviço aduaneiro e fiscal, salientou-se de modo digno de nota, registrado nos relatórios oficiais, nos da Associação Comercial e nas publicações da imprensa diária do Estado de São Paulo, e determinaram as diligências pessoais do próprio ministro da Fazenda e funcionários superiores da administração que, a esse tempo, visitaram a Alfândega de Santos, e autorizaram medidas de ocasião, mas de resultado mínimo; pois, era materialmente impossível improvisar recursos que anulassem completamente as dificuldades de toda ordem que surpreenderam a administração pública e o próprio comércio, e deram ensanchas (N.E.: = liberdade, ensejo) aos reclamos em prol da Companhia Docas de Santos.

De outro lado, era impossível dar destino, pela única via de transporte, que liga Santos ao interior, a S. Paulo Railway Co., a tão exagerada quantidade de mercadorias que chegavam ao porto de Santos em grande número de embarcações, algumas das quais variavam de porto por especulações comerciais."

Para obviar, de pronto, tal anomalia e em caráter provisório, mandou o exmo. sr. dr. Ruy Barbosa, então ministro da Fazenda, construir dois armazéns externos.

Para tal fim foi demolido o Quartel da Polícia, em 1891, e na edificação dos armazéns foram tomados, com consentimento da Câmara Municipal, dois pequenos trechos das ruas Braz Cubas e Xavier da Silveira, até o mar, no alinhamento do edifício da Alfândega, sendo a Municipalidade compensada dos dois pequenos trechos de ruas com a outra parte do terreno do referido quartel e dos de duas pequenas casas, que foram desapropriadas pelo governo da União, de onde se formou a praça existente em frente aos ditos armazéns, que mais tarde foi denominada Praça Ladislau, hoje, Praça Antonio Telles, e que com aquela construção teve comunicação com a Rua Xavier da Silveira, pela travessa hoje denominada Antonio Telles.

Em 1895, o armazém n. 2 externo era ocupado parte pelo serviço de bagagens e parte pelo serviço de desinfecção do Governo Estadual.

Em 1º de agosto de 1899, foi aprovado, na Câmara dos Deputados, o projeto mandando demolir esses armazéns para, em uma parte do terreno por eles ocupado, ser construído o edifício da Mesa de Rendas Estadual, que atualmente ainda nele se acha, e em outra ser aberta a Rua Braz Cubas, que fora antes por eles fechada.

A demolição desses dois armazéns foi autorizada pelo decreto n. 615, de 3 de outubro de 1899.

E o comércio deste porto, para o qual Franca e Horta julgava que a Igreja do Convento dos Jesuítas dava "Huma Alfandega excellente, tanto para o tempo presente, como para o futuro, por mais q'cresça o Commercio", foi crescendo tanto, como prognosticou Bernardo José de Lorena, que já não lhe bastavam os nove armazéns da Alfândega, os trapiches particulares e os vários pontões espalhados pela sua baía, para acomodar tanta mercadoria que entrava e saía, diariamente; por isso veio em seu socorro a Companhia Docas de Santos, cujas obras de engrandecimento não só do porto, como da própria cidade aí estão a se manifestar aos olhos de todos.

Convém, porém, notar que esta Companhia, organizada em virtude do decreto 9.970, de 12 de julho de 1888, venceu grandes dificuldades para chegar ao ponto em que se acha. No início de suas obras teve de lutar por falta de braços, e os poucos operários que conseguia obter custavam-lhe muitíssimo caro, isto devido à epidemia da febre amarela que naqueles anos grassava em Santos.

Quando já em condições de funcionamento é inaugurada, em 15 de novembro de 1895, a Alfândega de São Paulo, que grandes prejuízos lhe teriam ocasionado, se não tivesse sido o seu funcionamento de pouca duração. Descrever a Companhia Docas de Santos é obra de grande vulto que não cabe neste resumo, por isso deixo de o fazer, mesmo porque já há vários trabalhos de técnicos que a engrandecem, como merece, sem haver nisso o menor favor.

Em agosto de 1924 foi a Alfândega transferida para o armazém externo n. XVI, atual XV, da Cia. Docas de Santos, por estar ameaçando ruínas o velho edifício, onde vinha funcionando a repartição desde 1880.

Pelo decreto n. 18.284, de 16 de junho de 1928, foi a Cia. Docas de Santos autorizada a construir o novo edifício para a Alfândega.

Em 19 de março de 1930 foi solenemente colocada a pedra fundamental para o novo edifício, tendo a cerimônia sido presidida pelo exmo. sr. ministro da Fazenda.

Em abril do mesmo ano foram iniciadas as obras com a demolição do edifício antigo e a regularização dos alinhamentos e nivelamento da Praça da República e ruas Senador Feijó e Braz Cubas.

Em seguida, foram feitas as escavações para a fundação do edifício a ser construído, o qual repousa todo em rocha viva, parte diretamente em blocos de concreto armado e um terço do edifício por meio de estacas também de concreto armado, com comprimento entre 5,14 metros.

Este imponente edifício foi inaugurado, em 19 de novembro de 1934, com a presença do dr. Arthur de Sousa Costa, ministro da Fazenda; dr. Marques dos Reis, ministro da Viação; dr. Oscar Weinschenk, diretor da Cia. Docas de Santos, e altas autoridades federais, estaduais e municipais.

O prédio, que ocupa uma área de 2.400 metros quadrados, tem cinco pavimentos, por onde se distribuem as diversas seções da repartição, e está situado na quadra compreendida pela Praça da República e ruas Senador Feijó, Braz Cubas e Antonio Prado.

No subsolo acham-se instalados: o alojamento de marinheiros, o arquivo morto da Alfândega, a casa forte da tesouraria, toda de concreto armado, com vergalhões Pichet de aço manganês; a subestação elétrica do edifício, a garagem, uma dependência do laboratório destinado ao armazenamento de ácidos, máquinas etc.; o compartimento para guarda de objetos apreendidos como contrabando e outros para diversos fins.

Quer do lado da praça da República, quer do lado do mar, Rua Antonio Prado, estão localizadas as duas grandes escadarias que conduzem aos dois vestíbulos de entrada, ligadas ao grande hall central, onde se encontram quatro elevadores e a grande escadaria que dá acesso aos andares superiores.

Atravessando o segundo, terceiro e quarto pavimentos há um grande hall central, de onde partem quatro galerias, duas à direita e duas à esquerda de cada um dos pavimentos.

Do lado direito de cada um destes pavimentos, junto ao hall, estão instalados os quatro elevadores, de fabricação nacional, fornecidos pela firma Pirie, Villares e Cia., de S. Paulo, e em seguida as baterias de instalações sanitárias.

As galerias do segundo pavimento conduzem: - a primeira do lado direito, à Portaria e às dependências da Guardamoria, a da esquerda ao Arquivo; - a segunda da direita, à sala dos Conferentes e à Guardamoria, a da esquerda, ao Protocolo Geral e à Seção Hollerith.

Do lado direito, na parte fronteira à Praça da República, estão instaladas as dependências da Guardamoria; e na parte central do edifício, a sala do expediente da mesma Guardamoria.

O Laboratório Nacional de Análises, inaugurado no dia 27 de dezembro de 1938, está instalado ao lado da Rua Antonio Prado. Consiste ele de um salão com 114 metros quadrados de área e dos gabinetes dos químicos e chefe do Laboratório. O salão do Laboratório se comunica com a parte instalada no rés do chão, por meio de uma escada de mármore.

Do lado esquerdo, com frente para as ruas Antonio Prado e Senador Feijó, acha-se a Seção Hollerith, em salão com área de 204 metros quadrados, junto ao qual se encontram duas pequenas salas, instalações sanitárias e toilette, destinadas às moças que trabalham na referida seção; e, com frente para a Praça da República e Rua Senador Feijó, o salão do Arquivo, com área de 493 metros quadrados, ligado por uma escada de mármore ao arquivo morto.

No terceiro pavimento, ao lado direito do grande hall, em único salão, ficam as 1ª e 2ª Seções e Tesouraria, com elevador para a casa forte; no centro, com frente para a Rua Braz Cubas, o gabinete do assistente do inspetor.

Neste pavimento há uma grande galeria, ao lado da qual estão dois salões de espera para o público, um dando frente para a Praça da República e outro para a Rua Antonio Prado.

Estes salões são revestidos de lambris de imbuia artisticamente pintados, e o piso revestido com tacos de madeira do Pará, formando artísticos desenhos.

Do lado esquerdo deste pavimento, aos lados da grande escadaria de mármore, seguem duas galerias que conduzem: - a primeira, ao Serviço de Isenção, Subcontadoria, sala dos agentes fiscais do imposto de consumo, sala dos despachantes aduaneiros e grande bar e café, com as respectivas instalações de copa e cozinha; - a segunda, à sala de espera e gabinete do inspetor, gabinete do secretário e secretaria, com instalações sanitárias próprias.

No quarto pavimento, ao lado direito do grande hall, encontra-se um grande salão reservado ao futuro desenvolvimento da repartição, e, do lado esquerdo, a primeira galeria conduz às dependências da Comissão de Tarifa.

Segue um grande salão, onde se acha instalada a Seção do Imposto da Renda, e uma escada de mármore ligando esse pavimento ao terraço do último.

O apartamento, onde reside o porteiro da repartição, é composto de sala de espera, sala de jantar, três quartos, cozinha e banheiro, e se encontra junto à grande galeria do hall do quarto pavimento, ao lado esquerdo.

O último pavimento é constituído pelos terraços e por quatro grandes salões, um deles ocupado, atualmente, pela Associação Beneficente dos Funcionários da Alfândega e outro pelo Almoxarifado da repartição, e mais a grande cúpula central, recobrindo o vitral que serve de cobertura ao grande hall central do edifício.

Duas grandes áreas centrais fornecem luz e ventilação ao edifício em toda a sua altura.

Nas instalações elétricas de todo o edifício foram empregados 28 quilômetros de fios condutores; 750 focos de luz com os respectivos globos, que se destinam à iluminação interna de todo o edifício.

Todas as dependências da Alfândega são servidas por uma rede de telefones internos, com uma central telefônica automática, instalada na subestação transformadora.

O mobiliário de madeira foi, em grande parte, feito pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo.

Os móveis de aço, tais como armários, arquivos, fichários e mostruários, com o peso total de 122 toneladas, foram construídos e fornecidos pela casa Byington e Cia., de São Paulo.


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